Português: 09/11/10

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Portugal: «Uma barraca com um submarino à porta e antena parabólica no tecto...»



          Frei Fernando Ventura em entrevista a Ana Lourenço - SIC Notícias (02/10/2010)

Temas de Alberto Caeiro

. Objectivismo:
  • apagamento do sujeito lírico;
  • atitude antilírica;
  • atenção à diversidade e à "eterna novidade do mundo";
  • integração e comunhão com a Natureza - Caeiro é o poeta da Natureza;
  • poeta deambulatório;
  • concretização do abstracto: "Com um ruído de chocalhos / Para além da curva da estrada / Os meus pensamentos são contentes"; "Escrevo versos num papel que está no meu pensamento";
  • predomínio do real objectivo e das sensações: a subjectividade e a intelectualização do sentir não fazem parte da ideologia de Caeiro;
  • áurea mediania: elogio da vida campestre;
  • aceitação do mundo tal qual ele é.
. Sensacionismo:
  • Caeiro é o poeta das sensações tais como são;
  • Caeiro é o poeta do olhar: a visão é um modo de conhecimento privilegiado, pois permite percepcionar a imensidão do mundo, superando a dimensão física limitada do poeta;
  • predomínio das sensações visuais ("Vi como um danado") e auditivas;
  • primado dos sentidos / das sensações sobre o pensamento - submissão do pensar ao sentir (o pensamento implica que se deturpe o significado das coisas que existem);
  • a sensação é o único meio possível de conhecimento do mundo: "Sou o Descobridor da Natureza. / Sou o Argonauta das sensações verdadeiras. / Trago ao Universo um novo Universo / Porque trago ao Universo ele-próprio".
. Antimetafísica:
  • negação / recusa da metafísica;
  • recusa do pensamento ("Pensar é estar doente dos olhos"), do mistério e da reflexão como meio para atingir a calma, a paz e a felicidade.
. Panteísmo naturalista / sensualista:
  • tudo é Deus, as coisas são divinas;
  • identificação do poeta com a Natureza: "Mas sei que a verdade está nelas e em mim / E na nossa comum divindade";
  • relação íntima e directa com a Natureza.
. Neopaganismo: a ideia de comunhão absoluta com a Natureza resulta numa visão pagã da existência, que passa pela descrença total na transcendência; a única verdade das coisas é a sensação.

. Aceitação do real e da vida, sem problematizar a existência, contentando-se em «sentir» e em «ver».

. Defesa do natural, do espontâneo, do instintivo.

. Recusa do conceito de arte como algo difícil e artificial; defesa de um conceito de arte como um acto natural e quase involuntário: "Vou escrevendo os meus versos sem querer...".

. Procura de uma verdadeira identidade: "Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro, / Mas um animal humano que a Natureza produziu".

. Defesa da necessidade de uma nova aprendizagem que faça o sujeito poético «desaprender» tudo quanto lhe foi convencionalmente imposto: "Procuro despir-me do que aprendi, / Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram".

. Aceitação da ordem natural das coisas: "... a única casa artística é a Terra toda / Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma...".

. Desvalorização do tempo enquanto categoria conceptual: "Não quero incluir o tempo no meu esquema".

. Estoicismo: aceitação passiva de tudo - a vida humana deve ser encarada num plano de igualdade relativamente à vida de outros seres que existem no universo.

. Contradição entre a "teoria" e a "prática": estamos perante uma «máscara» que funciona como uma tentativa de superação de uma subjectividade angustiada que, à primeira vista, parece ter sido anulada (através do objectivismo, das sensações, da negação do pensamento e do misticismo), mas que prevalece e se vislumbra a cada passo. É a contradição entre a teoria e a prática que marca toda a poesia de Alberto Caeiro.

Caeiro, o «Mestre»

          Quer Fernando Pessoa (o ortónimo) quer os restantes heterónimos consideram Alberto Caeiro o seu Mestre. Porquê?

          Caeiro é, desde logo, o único que consegue atingir a paz, a tranquilidade e a serenidade ao recusar o pensamento e ao adoptar o sentir - "Eu não tenho filosofia, tenho sentidos." -, precisamente o oposto de Pessoa, que tudo racionalizava e era incapaz de sentir. Caeiro é, por conseguinte, aquilo que o ortónimo não consegue ser, isto é, alguém que não procura qualquer sentido para a vida ou para o universo, porque lhe basta aquilo que vê e sente em cada momento.

          Na verdade, todos os «eus» poéticos pessoanos são atingidos, de uma forma ou de outra, pelo peso excessivo do pensamento, da razão, do racionalismo, causadores de dor e impeditivos da felicidade. Assim, Pessoa apresenta-se como incapaz de sentir; Ricardo Reis procura controlar as suas emoções através do uso da razão, para evitar a infelicidade; Álvaro de Campos, na sua fase abúlica, lamenta-se do seu vício de pensar («Pára, meu coração! Não penses! Deixa o pensar na cabeça!»). Pelo contrário, Alberto Caeiro encontra a felicidade ao recusar o pensamento e a existência de um lado abstracto / obscuro das coisas, defendendo a existência apenas do concreto, do objectivo: "Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, / Sei a verdade e sou feliz".

          Sintetizando, Caeiro é considerado o Mestre em consequência dos seguintes princípios poéticos:
  • Recusa do pensamento (que implica que se deturpe o significado das coisas que existem), da essência, acreditando o poeta apenas na aparência (captada pelos sentidos), eliminando assim a dor de pensar e alcançando a felicidade;
  •  Sensacionismo: Caeiro substitui o pensamento, que considera uma doença, pelas sensações que colhe no exterior objectivo, defendendo que nada existe para além do que é perceptível para o ser humano, para além do que é captado pelos sentidos;
  • Aceitação serena do mundo e da realidade tal qual eles são: as coisas são o que são, resumem-se à sua aparência, não têm significados ocultos, e o poeta aceita-as como elas são, sem as questionar, sem as pensar, visto que, «pensar é não compreender» (pelo contrário, o ortónimo pensa, vê para além das aparências, considerando que aquilo que vê é apenas a exteriorização de outra coisa);
  • Comunhão com a Natureza: o ser humano deve submeter-se às leis naturais e não deve racionalizar processos que existem naturalmente (por exemplo, as ideias de vida ou de morte, que existem enquanto verdades absolutas), daí a negação da existência de significados ocultos na Natureza;
  • Olhar ingénuo sobre o mundo: aceitação das ideias de vida e de morte sem mistérios, depojadas de reflexão, de pensamento, de subjectividade;
  • Neopaganismo: visão pagã da existência, resultante da comunhão com a Natureza, que passa pela descrença total na transcendência e pela opção pela sensação, considerada a única verdade;
  • Irregularidade formal (verso livre, irregularidade métrica e estrófica), «seguida» por Álvaro de Campos.
          Note-se, porém, que existe uma grande liberdade dos discípulos em relação ao seu Mestre. Por exemplo, Ricardo Reis é discípulo de Caeiro apenas em parte, visto que ama a Natureza e o viver lúdico da infância, mas não possui a calma e a placidez exibidas pelo Mestre diante da passagem / do fluir do tempo e da certeza da morte. Reis receia-a e angustia-se perante a sua mortalidade e a do ser humano em geral.
          Por sua vez, Álvaro de Campos, apesar de amar e reverenciar Caeiro, "exaspera-se por não conseguir viver os seus ensinamentos". É o próprio Campos que afirma: «Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu».
          Fernando Pessoa, por seu turno, é a antítese do Mestre, porque pensa e sofre em virtude dessa reacionalidade e da consciência. Ele que afirmou que cada um dos heterónimos constitui uma espécie de drama e que todos juntos constituem um outro drama, o que leva alguns estudiosos da obra pessoana a falar em Poetodrama relativamente à questão da heteronímia.
          Em suma, Caeiro é o Mestre, mas quer o ortónimo quer os heterónimos seguiram o seu próprio caminho com plena liberdade.



Bibliografia:

     . COELHO, Jacinto do Prado, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa;
     . Colecção RESUMOS, Poemas de Fernando Pessoa;
     . JACINTO; Conceição et alii, Análise de Poemas de Fernando Pessoa;
     . MARTINS, Fernando Cabral (Coord.), Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português.
     . MATOS, Maria Vitalina Leal, A Vivência do Tempo em Fernando Pessoa;
     . SEABRA, José Augusto, Fernando Pessoa ou o Poetodrama;
     . SENA, Jorge de, Fernando Pessoa & Companhia Heterónima.
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