Português: 13/05/11

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Paratextos de Memorial do Convento

1. CAPA

          1.1. Autor: José Saramago, escritor português e Prémio Nobel da Literatura em 1998.

          1.2. Título: Memorial do Convento

                    . Memorial: relato de memórias; obra em que se relatam factos memoráveis, que
                                         se pretendem guardar na memória. Remete para um recuo no tempo
                                         e para um resgate de lembranças, documentos, etc., relacionados
                                          com um acontecimento histórico.

                    . do Convento: Convento de Mafra, edifício português construído no reinado e por
                                              ordem de D. João V entre 1717 e 1744, cujos custos avultados fo-
                                              ram suportados pelas remessas de ouro provenientes do Brasil e
                                              no qual trabalharam milhares de homens. É uma obra da autoria
                                              do arquitecto João Ludovice.

          1.3. Género literário: romance.

          1.4. Editora: Editorial Caminho.

          1.5. Colecção: O Campo da Palavra.

          1.6. Horizonte de expectativas: após a observação da capa, pode "concluir-se" que esta-
                                                               mos na presença de um hipotético romance histórico,
                                                               que decorrerá num espaço e num tempo precisos.



2. CONTRACAPA - Texto

          2.1. Fórmula inicial "Era uma vez":
                    . remete para o mundo da infância, dos contos populares, do maravilhoso;
                    . destaca a importância da imaginação e do ficcional em cada uma das "histórias"
                       narradas - isto significa que o romance anunciado na capa não cabe nos limites
                       do romance histórico tradicional, ou seja, o narrador não se limitará a reconsti-
                       tuir factos históricos passados;
                    . assim, no texto vamos encontrar factos verdadeiros e personagens históricas lado
                       a lado com acontecimentos "trabalhados" pelo narrador e personagens ficcionais;
                    . remete para um tempo indefinido, conferindo ao texto um carácter atemporal.


          2.2. "Era uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento, em Mafra.":

                    . Rei: D. João V (1689 - 1750), filho de D. Pedro II e de D. Maria Sofia de Neu-
                              burg, proclamado rei em 1 de Janeiro de 1707, pai de seis filhos, resultantes
                              do seu casamento com D. Maria de Áustria.

                    . Promessa: preocupado com a inexistência de descendentes legítimos (filhos
                                        bastardos eram vários) que assegurassem a sucessão ao trono, D. João
                                        V promete edificar um convento em Mafra se, no prazo de um ano, a
                                        rainha lhe der um herdeiro. A promessa será cumprida após o nasci-
                                        mento da princesa Maria Bárbara.


          2.3. "Era uma vez a gente que construiu esse convento.":

                    . povo anónimo  personagem colectiva, cuja perspectiva de relato dos aconteci-
                                                  mentos é privilegiada, ou seja, a perspectiva dos que construí-
                                                  ram o convento;
                                              é tratado pelo narrador, que o tira do anonimato e o individua-
                                                   liza, como o verdadeiro herói da obra.


          2.4. "Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes.":

                   . Soldado maneta:
                              » Baltasar Mateus;
                              » mutilado de guerra (Guerra da Sucessão Espanhola);
                              » expulso do exército por ter perdido a mão esquerda.

                    . Mulher:
                              » Blimunda;
                              » possui poderes mágicos: é vidente, tem a capacidade de, em jejum, olhar
                                 para dentro das pessoas e das coisas;
                              » ajuda na construção da passarola, recolhendo as "vontades" necessárias.


          2.5. "Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido.":

                    . Bartolomeu de Gusmão:
                              » tinha o sonho de voar;
                              » por isso, construiu a passarola;
                              » é amigo e protegido de D. João V;
                              » morre, louco, em Toledo.


          2.6. "Era uma vez.": significa que há, no romance, outras histórias para além das sugeri-
                                            das no texto.


          2.7. Relação entre a capa e a contracapa: o texto desta precisa o espaço (Mafra) e o
                                tempo histórico do romance. Em contrapartida, sugere uma nova perspec-
                                tiva de relato dos acontecimentos: a do povo que construiu o convento.



3. EPÍGRAFES

          . Epígrafe do Padre Manuel Velho: remete para uma concepção determinista da His-
                                tória, isto é, há forças e leis (sociais, políticas...) que ultrapassam e ver-
                                gam a vontade individual de cada homem.

          . Epígrafe de Marguerite Yourcenar: traduz uma concepção da existência de uma rea-
                                lidade social que não pode ser conhecida com rigor e exactidão.

Génese de Memorial do Convento

          «Lá pelos finais de 80 ou princípios de 81, estando de passagem por Mafra e contemplando uma vez mais estas arquitecturas, achei-me, sem saber porquê, a dizer: "Um dia, gostava de poder meter isto num romance." Foi assim que o Memorial nasceu.»

Contexto de Memorial do Convento

Contextualização histórico-cultural - Século XVIII


          O reinado de D. João V, um dos mais longos da História da monarquia portuguesa, é visto como uma continuação da política absolutista, tendo o monarca concentrado em si todo o poder de decisão e execução. Exemplos disto são a suspensão da convocação de cortes e a dispensa de funções dos Ministérios e dos Conselheiros. Tal política é inteiramente sustentada pelas remessas de ouro do Brasil, que proporcionavam uma situação de desafogo económico e político.
          desde muito cedo viu-se envolvido nos problemas internos e políticos da Europa, nomeadamente na Guerra se Sucessão espanhola, o que lhe permitiu aperceber-se das manobras políticas, algumas de bastidores, que decidiam o poder no continente europeu. este rei procurou sempre manter uma posição neutral nesses jogos de poder, tendo, numa primeira fase, no que concerne à política externa, mantido ligações estreitas com a Áustria - como o prova o seu casamento com D. Maria de Áustria - e depois com a Inglaterra.
          Em termos íntimos, ficaram registadas as várias ligações extra-matrimoniais do rei, algumas verdadeiramente famosas, como é o caso com a madre Paula, freira do Convento de Odivelas.

          Esta é também a época do Iluminismo, que se faz sentir em vários domínios da vida e da cultura nacionais, sobretudo no ensino. Este movimento pretendia uma iluminação ou uma modernização de conceitos, de técnicas e normas com o objectivo de melhorar a sociedade e a vida das pessoas. Daqui advém a crítica a certos princípios e instituições até então tidos como intocáveis, desde a intolerância religiosa ao regime absolutista e à supremacia da fé e da tradição sobre a razão.
          O século XVIII é visto pelos «iluminados» como o momento oportuno para a difusão das "luzes" da razão, através do exercício constante do espírito crítico que vem pôr em causa todo um conjunto de ideias e de teorias do passado, principalmente a escolástica e os seus métodos tradicionais de ensino. Os grandes responsáveis por este movimento são os chamados "estrangeirados", um conjunto de portugueses que viveu e viajou pela Europa, como diplomatas ou exilados da Inquisição, tendo aí tomado contacto com as novas ideias iluministas (Alexandre de Gusmão, irmão de Bartolomeu de Gusmão - personagem do Memorial -, Luís António Verney, Ribeiro Sanches, etc). A fundação de academias, como a de História, ajudou à difusão destas ideias.
 
          Em terceiro lugar, a força e o poder da Inquisição em Portugal marcaram decisivamente esta época. O Inquisidor-Geral, em termos de poder, vinha imediatamente a seguir ao Rei, tinha poderes vitalícios e total liberdade de nomear todos os inquisidores seus subordinados. O processo inquisitorial era instaurado com base em testemunhas denunciantes que o acusado desconhecia e, para obter incriminações, recorria-se até a testemunhos anónimos e a qualquer tipo de tortura física e psicológica. As sentenças iam até à morte, pelo garrote ou pelo fogo. O Tribunal do Santo Ofício julgava vários tipos de crime, desde a heresia à feitiçaria, passando ainda pelo crime de mau uso do confessionário e por casos de aberrações sexuais. O maior número de processos,
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