Português: 06/06/11

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Dedicatória - Correcção

Segunda-feira: o entusiasmo do povo após a noite eleitoral

Classificação do romance

1. O conceito de romance histórico

          De acordo com a «definição actual» de romance histórico, este terá tido início no século XIX, com o Romantismo, período literário que valorizava imenso o passado histórico. Romances anteriores, como o Princess de Clives, da autoria de Madame de Lafayette, não cabem nesta classificação, uma vez que não possuem traços essenciais como a factualidade e o rigor histórico.
Sir Walter Scott
          Assim, diversos autores consideram que o primeiro romance histórico foi a obra Waverley, saída da pena do escritor britânico Sir Walter Scott (1771 - 1832), natural de Edimburgo, Escócia, escrito em 1814 e que veio definir as características do género. Dentre as suas obras, a mais conhecida será, eventualmente, Ivanhoe, escrito em 1820. A sua obra, considerada globalmente, está associada à afirmação da história e dos interesses da Escócia, cuja sociedade retratou através da acção individual dos seus membros num contexto definido com pormenor. A sua influência espalhou-se pela Europa, chegando naturalmente a Portugal e sendo visível em Alexandre Herculano e Almeida Garrett, particularmente em O Arco de Santana.


          1.1. Características do romance histórico

          O romance histórico procura a recriação histórica, que passa, entre outras coisas, pela criação de ambientes, traduzidos pela chamada «cor local», obtida através de uma série de recursos:
  • evocação, o mais fiel possível, da linguagem da época e dos diferentes grupos sociais;
  • descrição pormenorizada do vestuário e da indumentária das personagens;
  • reconstituição de espaços (cidades, castelos e monumentos), com especial incidência nos aspectos arquitectónicos;
  • recriação de grandes movimentações das personagens (saraus, torneios, manifestações populares), procurando criar a ilusão de fidelidade ao tempo narrado;
  • a presença de personagens referenciais, ao lado de personagens ficcionais, frequentemente os heróis dos romances históricos, na medida em que proporcionam ao autor maior / total liberdade criativa.
          A procura dessa fidelidade ao real histórico leva os escritores a socorrerem-se de fontes diversas: «documentos antigos», «velhos livros», «memórias», etc. Exemplificativa deste aturado trabalho de pesquisa é a polémica que envolveu, há alguns anos, o jornalista-escritor Miguel de Sousa Tavares e o seu romance Equador, acusado de plagiar obras estrangeiras, ao incluir no seu texto extractos das mesmas.


          1.2. O romance histórico português

          O primeiro autor português a cultivar uma forma de romance histórico foi Alexandre Herculano (Lendas e Narrativas; O Bobo; Eurico, o Presbítero...), cujos protagonistas eram geralmente personagens medievais profundamente românticas no que diz respeito ao seu comportamento e forma de sentir e estar.

Linguagem e estilo

1. Figuras de estilo
  • Ironia: a visão crítica dos acontecimentos do narrador é, geralmente, suportada pela ironia (relação rei / rainha, determinados actos religiosos, autos-de-fé, etc.);
  • Metáfora: "(...) esta cidade, mais que todas, é uma boca que mastiga..." (p. 27);
  • Hipálage: "(...) a regalar a vista sôfrega nas grandes peças de carne..." (p. 42).

2. Registos de língua
  • Língua popular e familiar, geralmente com função crítica e irónica ou como forma de explicitação da classe social das personagens: "emprenhar" (p. 11), "vossemecê" (p. 40);
  • Calão: "puta", "merda", etc.

3. Verbo
  • Uso do presente do indicativo (p. 39): transporta o leitor para o tempo da narrativa;
  • Modo imperativo, relembrando a oratória barroca - Padre António Vieira (p. 308);
  • Gerúndio.

4. Construção frásica
  • frases longas que, por um lado, aproximam o texto do discurso oral e, por outro, traduzem o monólogo interior e a celeridade do pensamento (pp. 94, 131);
  • paralelismo de construção (p. 26);
  • ausência de sinais gráficos indicadores de diálogo, sendo a vírgula que separa as falas das personagens;
  • ausência dos pontos de exclamação e de interrogação;
  • paralelismo de construção (p. 26);
  • enumeração (p. 335);
  • hibridismo de tipologias discursivas: utilização do discurso directo, indirecto e indirecto livre, sem recurso, porém, aos tradicionais sinais gráficos (dois pontos, seguidos de travessão) e lexicais (verbos introdutores do discurso como “perguntar”, “declarar”, “dizer”, “afirmar”, etc.);
  • polissíndeto (pp. 99, 112-113).

5. Oposições sugeridas por vocábulos antónimos para sugerir as diferenças entre ricos e pobres (p. 27).

Tempo histórico

1. Dados históricos:
  • o título realça o desejo de recordar, remetendo para um passado que é o da construção do convento;
  • os planos da construção do convento e da construção e voo da passarola estão relacionados com a realidade histórica;
  • diversos acontecimentos históricos são abordados no romance:
-» as referências ligadas ao convento de Mafra respeitam os anos, os dias e até as horas (por exemplo, a colocação e bênção da primeira pedra, cujas cerimónias tiveram início às 7 horas da manhã do dia 17 de Novembro de 1717, o que corresponde, efectivamente, à verdade);
-» a batalha de Jerez de los Caballeros, que enquadra o aparecimento de Baltasar;
-» a promessa do rei, por volta de 1711, que deu origem à construção do convento;
-» a bênção da primeira pedra do convento;
-» a indecisão do rei acerca do número de frades que o convento albergaria;
-» a procissão do Corpo de Deus;
-» a sagração do convento;
-» a importação de materiais, artistas e obras de arte de vários países da Europa e do Brasil;
-» o desejo do rei que a cerimónia de sagração ocorresse no 41.º aniversário do seu nascimento – 22 de Outubro de 1730;
-» o apressar dos trabalhos para que os prazos fossem efectivamente cumpridos;
-» o recrutamento em larga escala de trabalhadores para a obra;
-» os custos elevados da obra e a dificuldade de os calcular;
-» a origem das pedras de Pêro Pinheiro;
-» as remessas de ouro do Brasil;
-» os conflitos no Brasil;
-» os ataques franceses às embarcações portuguesas;
-» a chegada da nau de Macau;
-» a elevação do inquisidor a cardeal;

Tempo da histórica

          As referências cronológicas do romance são escassas ou descortinam-se por dedução.
  • 1711 - D. João V promete "construir um convento de franciscanos na vila de Mafra" se a rainha lhe der um herdeiro.
  • 1714 - Nasce o infante D. José, futuro rei de Portugal, filho de D. João V e D. Maria Ana.
  • 1717 - Início da construção do Convento de Mafra, que decorrerá até 1730.
  • 1723 - Surto de febre amarela em Lisboa.
  • 1724 - Furacão em Lisboa, em 19 de Novembro.
  • 1725 - Preparação dos casamento dos príncipes e das princesas.
  • 1728 - D. João V expressa o desejo de inaugurar o convento no dia do seu 41.º aniversário.
  • 1729 - Casamento dos príncipes portugueses (D. Jo´se e D. Maria Bárbara) com os príncipes espanhóis (Fernando e D. Maria Vitória de Bourbon).
  • 1730 - Sagração da basílica do convento.
  • 1730 - Desaparecimento de Baltasar.
  • 1739 - Blimunda procura Baltasar durante nove anos.
  • 1739 - Auto-de-fé (18 de Outubro), no qual são queimados Baltasar e António José da Silva.

          Por outro lado, este romance de Saramago aborda a questão do tempo através da memória e do resgate de lembranças de um período histórico, bem como através de uma (re)visão presentificada desse tempo, consoante o demonstra o quadro seguinte, roubado de Tudo Pro_Exame, das Edições Asa:


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