Português: 20/11/11

domingo, 20 de novembro de 2011

D. João de Portugal

     Filho do conde de Vimioso, D. João de Portugal era um nobre que acompanhou D. Sebastião a Alcácer Quibir, onde, supostamente, terá falecido ("... que Deus tenha em glória?"). Casou com D. Madalena de Vilhena, que muito amava ("Queria-vos muito...") algum tempo antes de partir para o Norte de África. Sobre ele, pouco sabemos até entrar em cena no final do ato II, além de ser um "... espelho de cavalaria e gentileza, aquela flor dos bons...".
     À semelhança de outras personagens, o seu nome de batismo é bíblico, pois evoca o nome do apóstolo João. Por outro lado, é também, desde a época em que decorrem os acontecimentos, o nome de um tipo literário tão do agrado dos românticos: o D. Juan.

Telmo Pais

     Telmo Pais era o aio fiel e honesto de D. João de Portugal que se manteve ao lado de D. Madalena após o desaparecimento daquele, em cuja morte não acredita, daí os seus constantes agouros e profecias, que aterrorizam D. Madalena ("... tenho cá uma coisa que me diz que, antes de muito, se há-de ver quem é que quer mais à nossa menina, nesta casa...") e a afirmação de que o seu senhor continua a ser D. João ("... não sei latim como o meu senhor... quero dizer, como o Sr. Manuel de Sousa Coutinho...").
     Religioso e crente, manifesta a sua adesão às ideias reformistas em voga na época, ao condenar o uso do latim na Bíblia, uma posição protestante.
     Amigo de Maria, ama-a profundamente e possui grande ascendente sobre ela e sobre a mãe ("... tu tomaste (...) um ascendente no espírito de Maria..."), embora inicialmente a tivesse rejeitado ("... era uma criança que eu não podia..."). Presentemente, pretende amá-la mais do que os próprios pais ("... que lhe quero mais do que seu pai.").
     Experiente em razão da sua idade avançada, fiel e honesto ("... o aio fiel de meu senhor D. João de Portugal."), foi "carinho e proteção, e amparo" de D. Madalena quando esta ficou viúva. Todavia, não aprova o segundo casamento e atormenta-a constantemente com os seus agouros, presságios, acusações e insinuações, configurando a lembrança viva e permanente do remorso recalcado na consciência dela. Neste contexto, é significativa a alusão à carta de D. João de Portugal, escrita na madrugada da batalha de Alcácer Quibir, onde afirmava o seguinte: "Vivo ou morto, Madalena, hei de ver-vos pelos menos ainda uma vez neste mundo.".  Por outro lado, atormenta D. Madalena com «ciúmes póstumos», por conta de D. João, o que explica as prevenções de Telmo relativamente a Manuel de Sousa e a sua aversão inicial por Maria.
     É, claramente, sebastianista, por duas razões: crê no regresso de D. Sebastião e acredita que o seu antigo amo não morreu. O único momento em que vacila, na cena II do ato I, é aquele em D. Madalena, desesperada, o atinge evidenciando a contradição que o marca e que provocará a fragmentação da sua alma: pretendendo ser tão amigo de Maria, sustenta uma crença (a do regresso de D. João) que, a concretizar-se, significará a morte dela.
     Note-se que Telmo, desde o início da ação, desempenha a função de coro das tragédias gregas: alimenta o sebastianismo, anuncia desgraças próximas, profere contínuos agouros e alimenta a presença de um passado, um tempo que D. Madalena quereria morto e enterrado, mas que não consegue - ou não a deixam.
     

Manuel de Sousa Coutinho

     Manuel de Sousa, o segundo esposo de D. Madalena, é um fidalgo ("... fidalgo de tanto primor, e de tão boa linhagem..."), um nobre culto que sabe latim ("... acabado escolar é ele."; "... o retrato daquele gentil cavaleiro de Malta que ali está..." - o ingresso na Ordem de Malta era limitado aos membros da aristocracia, aos quais se exigia certificado de nobreza). De acordo com Telmo, é um "guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom português...").
     O seu nome é bíblico. Com efeito, «Manuel» é um dos nomes do Messias (Emanuel) e significa «Deus connosco», significado que se aplica, como uma luva, à personagem dada a boa fé com que se casou com D. Madalena, viúva, e a tranquilidade e a paz de espírito que daí lhe advinha, revela em cinco aspetos: a resposta aos melindres de Madalena por ter de regressar ao palácio onde vivera com D. João (I, 8); a vivência cristão da graça de Deus pela contrição do coração (II, 3); o contentamento de viver e conviver com os frades de S. Domingos como de portas a dentro; o desapego dos bens materiais ("... coisas tão vis e tão precárias..."); o desapego pela própria vida ("... vida miserável que um sopro pode apagar." - I, 11).
     De acordo com as palavras insuspeitas de Telmo, Manuel de Sousa é um "fidalgo de tanto primor e de tão boa linhagem, como os que se têm por melhores neste reino em toda a Espanha..." e "... um guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom português...".

D. Maria de Noronha

     Personagem nobre (a designação de "dona" e o apelido "Noronha", que indicia alta estirpe), tem 13 anos, mas é precoce ("Tem treze anos feitos (...) está uma senhora..."; "... em tantas outras coisas tão altas, tão fora de sua idade, e muitas de seu sexo também..."; ".. em tantas outras coisas tão altas, tão fora de sua idade, e muitas de seu sexo também..."; "Compreende tudo! (...) Mais do que convém."). O seu nome evoca o da Virgem Maria: é pura e angélica (Madalena e Telmo apelidam-na constantemente de "anjo") - é a mulher-anjo dos românticos.
     Filha única, manifesta um espírito vivo ("... uma viveza, um espírito..."), é generosa (".... que coração!") e muito curiosa ("... aquela criança está sempre a perguntar, a querer saber..."), mas extremamente frágil / débil fisicamente ("... não é uma criança... muito... muito forte.").
     Muito precoce, quer física, quer psicologicamente, possui uma imaginação e uma curiosidade muito férteis e pouco próprias da sua idade. Ela própria afirma que pensa muito ("... passo noites inteiras em claro a lidar nisto..."; "... a pensar em tudo...") e afirma que tem sonhos estranhos e que lê nos olhos e nas estrelas. Intuitiva, possui um conhecimento íntimo de si que escapa aos familiares ("O que eu sou... só eu o sei, minha mãe... E não sei, não: não sei nada, senão que o que devia ser não sou..."). Não será casualidade o facto de o tio Frei Jorge lhe chamar, em dado passo da obra (cena 5, ato I), Teodora, nome que significa «sábia».
     Juntamente com Telmo, constitui a dupla de sebastianistas da peça e é uma espécie de porta-voz da sabedoria popular: "Voz do povo, voz de Deus". Tem interesses culturais: lê novelas de cavalaria e romances populares. Deixa transparecer um caráter varonil, revelado no desejo de ter um  irmão ("... um galhardo e valente moço capaz de comandar os terços de meu pai...") e no desejo de resistência aos governantes (cena V, ato I), do qual transparece todo o seu idealismo e patriotismo: "Fechamos-lhe as portas. Metemos a nossa gente dentro e defendemo-nos." (cena VI). Defende o povo e insurge-se contra as injustiças sociais de que ele é vítima: "Coitado do povo!"; "... onde a miséria fosse mais e o perigo maior, para atender com remédios e amparo aos necessitados.".
     Na relação com a mãe, ressalta a bondade e a ternura com que a trata e o sofrimento que sente quando observa a tristeza e a angústia de Madalena, que não compreende. Noutro momento, quando manifesta a tristeza que sente ao ver as flores murchas, revela toda a sua sensibilidade doentia.
     Em suma, Maria de Noronha possui os traços essenciais da chamada heroína romântica:
          . os ideais de liberdade;
          . a exaltação de valores de feição popular;
          . a atração pelo mistério;
          . a intuição;
          . a doença da época - a tuberculose -, cujos sintomas conhecemos desde cedo:
                    - a febre;
                    - as mãos que queimam;
                    - as rosetas nas faces;
                    - a audição a grandes distâncias (cena 6, ato I).
     Note-se que a doença de Maria favorece, ao longo da obra, a sua extraordinária fantasia e a morte no final.
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