Português: 2015

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Número de professores caiu três vezes mais do que o número de alunos


     Quem está na escola já o sabe há muito tempo, mas o Tribunal de Contas veio torná-lo claro: entre os anos letivos 2010/11 e 2014/15, houve uma redução de professores de 23%, passando de 145 188 para 111 493, o que equivale a menos 33 695.
     No mesmo período de tempo, o número de alunos decresceu cerca de 8%, num total de 108 932.
     Por sua vez, entre 2009/10 e 2014/15, o número de escolas desceu de 8 351 para 5 838.

domingo, 29 de novembro de 2015

Pronúncia correta de «acordos»

     Qual é a pronúncia correta do plural de acordo?

          Hipótese a: acórdos?

          Hipótese b: acôrdos?

     Este excerto do programa Cuidado com a Língua, da RTP, dá a resposta e explica porquê:

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A palavra «azulejo» - catacrese


     Originalmente, azulejo designava os ladrilhos de cor azul.

     Porém, com o tempo, a palavra perdeu a ideia de «azul» que lhe estava associada e passou a designar ladrilhos de qualquer cor: azulejos brancos, verdes, amarelos, etc.

     Neste sentido, a palavra «azulejo» constitui um fenómeno de catacrese: determinadas palavras, como é o caso do termo em questão, perdem o seu sentido original.

Catacrese

     Catacrese deriva do termo grego katákhresis, que significava uso ou emprego de palavras.

     Catacrese é uma figura de linguagem que consiste na utilização de uma palavra ou expressão com um significado diferente do original, que não descreve com exatidão o que se quer expressar, por falta de uma palavra apropriada ou que corresponda ao que se pretende nomear. Ou seja, as palavras são usadas no sentido figurado por falta de um termo específico ou por desconhecimento do mesmo.

     A catacrese pode ocorrer também quando o termo específico de um conceito não é um termo utilizado comummente, sendo muito técnico ou formal.

     Estamos, no fundo, perante uma metáfora de uso comum, já desgastada, corriqueira, viciada, ou estereotipada, que deixou de ser considerada como tal, tendo perdido a sua originalidade, uma vez que corresponde a uma necessidade de uso (porque é utilizada na ausência de outro termo específico) e não de expressividade, como a metáfora.

     Trata-se da atribuição a uma palavra de um significado figurado, por falta de termo próprio, sentido esse que, no entanto, devido ao uso contínuo, deixou de ser percecionado.

     Deste modo, as palavras ou expressões são usadas quotidianamente para facilitar o processo comunicativo. Os termos substitutos são estabelecidos por comparação, ocorrendo uma extensão de sentido a partir da semelhança entre os conceitos. Por vezes, são atribuídas características de seres vivos a seres inanimados ou a situações diversas.

     Apesar de ser uma figura de linguagem, como se 'disse' no início, a catacrese pode ser usada para enriquecer um texto, porém o seu uso decorre essencialmente por necessidade de comunicação e menos por necessidade expressiva ou poética.

     É considerada um tipo de metáfora que, estando já consolidada pelo uso entre os falantes da língua, perdeu a sua vertente poética e original, sendo considerada comum e estereotipada. É por causa desse uso frequente, especialmente na linguagem oral, que os falantes já não a percecionam enquanto recurso expressivo.

Exemplos:
          - árvore genealógica
          - asa da chávena
          - barriga da perna
          - boca do estômago
          - boca do túnel
          - braço da cadeira / poltrona
          - braço de mar
          - cabeça de alfinete
          - cabeça do dedo
          - cabeça do prego
          - cabeça do samba
          - céu da boca
          - coroa do ananás
          - cotovelo da estrada
          - dente de alho
          - dentes do serrote
          - embarcar no avião
          - fio de água / de azeite
          - folha de papel
          - maçãs do rosto
          - pé da cama
          - pé de laranjeira (etc.)
          - pé da mesa
          - pé da página
          - pele do tomate
          - raiz do problema

* * *

Exemplos desenvolvidos

a) "Um beijo seria uma borboleta afogada em mármore."

          Este verso de Cecília Meireles associa um beijo a uma borboleta afogada em mármore, configurando uma construção (uma metáfora) original.

    "O anúncio está no pé da página."

          Neste caso, estabelece-se uma relação entre a expressão «pé da página» e a parte inferior desta, ou seja, associa-se o pé (parte inferior do corpo humano) à parte inferior da página. Só que esta metáfora já foi incorporada na língua e o seu uso corriqueiro fez com que perdesse o seu caráter original e inovador, tornando-se uma metáfora morta.


b) "Poderás depois voar terras distantes, rouxinol asas de vento."

          Nesta frase, está presente uma metáfora, dado que há uma semelhança entre os termos «asas» e «vento», que são usados de forma expressiva e original.

     "O pé da mesa."

          Neste caso, embora pressuponham o mesmo metafórico, o vocábulo «pé» é usado fora do seu contexto próprio para suprir uma lacuna vocabular, isto é, na ausência de termo próprio.


c) "O toureiro enterrou a espada no dorso do touro."

          O verbo «enterrar» significa «introduzir algo na terra" (in + terra). Na frase, por similaridade (processo metafórico), é usado para designar o ato de introduzir algo no corpo do animal. O que sucede é que esse sentido, de tão usado, se apagou da intuição do falante, isto é, de tão usual, desgastou-se. O mesmo sucede noutras expressões do género em que é usado, como «enterrar o dedo no bolo.».


d) Verbo «espalhar»

          Originalmente, significava «separar palha», porém hoje usa-se com diversos significados:
               - espalhar a brasa;
               - espalhar o sal sobre a comida;
               - espalhar dinheiro.


e) Verbo «embarcar»

          Primitivamente, significava «entrar no barco», todavia hoje usa-se para designar a entrada num qualquer meio de transporte («embarcar no avião», etc.).


f) Verbo encaixar»

          Na origem, significava «colocar numa caixa», no entanto atualmente significa colocar algo num espaço em que caiba perfeitamente.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Na aula (XXV): AVC ou ABC?

     O texto, embora repleto de falhas e erros ortográficos de todo o tipo e feitio, até era 'interessante' no que diz respeito ao conteúdo.

     A calinada em questão até estava rodeada de uma afirmação intensa de carinho e saudade, mas... não deixa de ser inexplicável numa aluna de 15 anos:

     «Os médicos diziam que o coraçãozinho do meu querido avô estava muito fraco por isso faleceu tinha lhe dado um ABC...»

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Na aula (XXIV)

     Sobre grávidas que o são... ou talvez não:

     "O teixto suger para que todas as gravidas se tiverem gravidas...".

     Enfim, haveria tanto por onde pegar...

Na aula (XXIII): renovação do léxico

     ENFEZ

     Quem adivinha o que a 'aluna' quis escrever?

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

PARA UMA LEITURA PLURIDIMENSIONAL DA PASTORELA DE JOÃO AIRAS DE SANTIAGO

Publicação original na Brotéria, 114 (3), 1982
Agradecemos ao director da revista a autorização para reeditar o texto.
João Airas de Santiago - Pastorela

     O leitor do século XX terá de enfrentar uma infinidade de problemáticas suscitadas pela leitura de uma pastorela medieval galego-portuguesa e da lírica trovadoresca. Referimo-nos apenas a alguns problemas de teoria e de conteúdo.
     A pastorela define-se, por vezes, como confluência dos géneros narrativo-lírico e narrativo-dramático, por apresentar interligação dos modelos da pastorela provençal, predominantemente dramática, e da galego-portuguesa, essencialmente lírica, acrescida da presença de elementos narrativos.
     Um problema teórico importante, relativo ao género lírico e dramático, é a presença ou ausência de mimese. Aristóteles inclui apenas a épica e o drama na teorização da mimese (1). K. Hamburger (2) nota que a obra ficcional é essencialmente mimética, permanece dentro de si própria, não se refere ao autor e possui uma «estrutura simbólica fechada em si» (3). A mesma autora afirma que a ausência de mimese da realidade, na lírica, define-a como «estrutura simbólica aberta», referindo-se ao sujeito de enunciação, ao eu-lírico (4) . Assim, ao tentar discernir o género de uma pastorela, que poderá ser predominantemente lírico, terá de verificar-se simultaneamente a presença do eu-lírico, expresso de forma pessoal ou não, e a ausência de mimese.
     A leitura sociológica da pastorela é sempre possível, mas não redutora, porque, se a poesia trovadoresca se inseriu num contexto social determinado, e nela podemos detectar a presença de códigos sociais, inseriu-se também numa tradição espiritual, exegética e/ou poética e/ou vivencial onde confluem a tradição céltica, a herança da poesia médio-latina, a influência provençal e a tónica espiritual da cultura galega dos séculos XI e XII.
     A tradição espiritual que acabamos de referir justifica a presença do símbolo na poesia galego-portuguesa, como em vastas áreas da literatura medieval (5) .Símbolo como «sinal natural», como realidade conhecida que leva ao conhecimento de outra desconhecida ou menos conhecida» (6) e que, não excluindo a interpretação naturalística de um espaço poético, suscita uma interpretação simbólica (7), porque a realidade desconhecida do símbolo exprime vivências espirituais das relações do homem com o cósmico e o divino. O leitor moderno terá de se despojar de uma concepção de símbolo como «processo de abstracção» (8), ou da sobrevalorização da componente abstracta do símbolo, para tentar integrar-se no universo medieval e/ou galego-português, profundamente marcado pelo concretismo simbólico, distanciado do leitor pelo espaço-tempo de oito séculos. A leitura simbólica é complexa, suscita algumas reservas e deve ser feita quando o próprio texto e contexto a determinar.
     A hermenêutica emerge do próprio texto. O leitor deverá conciliar a sua escolha de instrumentos de análise com a especificidade do texto que deixa emergir pistas de interpretação. Conciliar um trabalho crítico racional, e de selecção de instrumentos de análise, com uma atitude de abertura ao texto. Estar sempre atento e evitar a sua projecção no texto ou a excessiva projecção do texto na sua leitura. Trata-se de um esforço de constante discernimento.
     A leitura seguidamente apresentada da pastorela de João Airas de Santiago insere-se num itinerário pessoal e constante de tentativa hermenêutica do texto literário, apoiado em alguns contributos da história literária medieval, da crítica aplicada e aplicável à leitura de textos galego-portugueses, da teoria dos géneros literários e do simbólico na criação literária. Tentámos discernir várías dimensões de leitura, respeitando a «estrutura simbólica aberta» (9) do próprio texto. Outras leituras seriam possíveis. Como se trata de dimensões e não de círculos concêntricos de leitura, a unidade poderá encontrar-se dentro de cada dimensão, não obrigatoríamente na sua interligação, senão deixariam de ser perspectivas diferentes de leitura.
      A pastorela compostelana, criada pelo clérigo Airas Nunes de Santiago, no reinado de Afonso IX de Galiza e Leão, está profundamente vinculada à tradição das cantigas de amigo galego-portuguesas e inclui, no seu modelo, a própria cantiga de amigo, cantada pela pastora. Diferentemente da pastorela ultra-pirenaica, que apresenta diálogo entre o cavaleiro e a jovem pastora, a pastorela compostelana reduz o encontro a uma proposta amorosa do cavaleiro, que é ou não aceite pela pastora.
     João Airas renovou a pastorela compostelana com elementos provençais, no célebre poema "Pelo souto de Crexente". Introduziu a alba (10) nas duas primeiras estrofes e o diálogo nas duas últimas. O tom de recato e de submissão do cavaleiro que é o primeiro interlocutor podería contribuir para que este poema fosse incluído entre as cantigas de amor, de acordo com a doutrina da Arte de Trovar do Concioneiro B. O código social da reputação da pastora tem implícito um dos aspectos mais relevantes da pastorela provençal, que é o confronto de classes concretizado no debate entre a pastora e o cavaleiro, com vantagem moral para a pastora.
     Além da interligação dos modelos provençal e compostelano, é notória a confluência dos géneros dramático e lírico, com predominância quase redutora do género lírico, assim como a presença da narrativa. O poema suscitou-nos gradativamente a análise dos elementos narrativos, uma leitura dramática (11) e uma leitura do universal lírico, concentrada na poética do espaço e na simbólica.


I. Análise dos elementos narrativos

     O narrador refere-se a um acontecimento passado do qual foi testemunha. O ponto de visto é o do eu-narrador de hoje que adquiriu o conhecimento do facto passado através da sua experiência visual de ontem: «Ua pastor vi andar, v. 2).
     O narrador é também actor da narrativa, manifestando os limites e a probalidade do seu conhecimento da realidade circundante («não sei tal qu'i stevesse / que en al cuidar podesse / senon todo en amor, vv. 12-14), contemplando a beleza da jovem (ali! stivi mui quedo, v. 15), hesitando em abordá-la (Não ousei, v. 16; empero dix'a gran medo), apesar da sua vontade de ser amigo dela (quis falar, v. 16). A dialéctica passivo-activa do comportamento do eu-narrador bifurca a sintaxe narrativa da pastora (12).
     Os tempos verbais não exprimem uma comunicação real entre as personagens. Se, no primeiro segmento narrativo (as duas primeiras estrofes), predomina o imperfeito-narrativo-descritivo do passado, na fala das duas personagens predomina o futuro hipotético («se mi ascuitardes», v .19) , o futuro intencional «falar-vos-ei». v .17, «aqui non starei», v .12), o futuro eventual «quando mandardes», v. 20, «os que aqui chegaram, v. 26; «vos aqui acharem, v. 27). O único tempo presente é o imperativo, que exprime a rejeição da proposta amorosa, pela pastora, em dois versos seguidos «non estedes mais aqui, / mas ide-vos vossa via», vv. 23-24). Além da rejeição há um pedido formulado pela jovem no futuro exortativo («faredes mesura i»). A possibilidade de comunicação verbal durativa, no presente, é desviada e não chega verdadeiramente a realizar-se.
     A unidade da narrativa é conferida pela consciência do eu-narrador, identificado com o eu-lírico, unificador e unificante.

2. Uma leitura dramática

     O texto poderia dividir-se em dois actos que correspondem aos dois segmentos narrativos :
.I acto - estrofes 1 e 2: uma jovem pastora, única personagem, aparece ao longe, a cantar, ao romper da aurora, nas margens do rio Sar, perto de Santiago. As aves cantam de amor, nas árvores que estavam perto do rio e da personagem.
.II acto - estrofes 3 e 4: o narrador, depois de ter mantido a distância da personagem, dirige-lhe, a medo, algumas palavras, prometendo que se retira quando ela «mandar». A pastora pede-lhe que siga o seu caminho, receando que alguém possa vir a comentar, inventando, algo sobre esse encontro.
     O esquematismo desta leitura pressupõe o carácter relativamente simétrico da estrutura dramática. No entanto, a mimese das palavras, própria do género dramático, é desviada, porque o diálogo, apesar de preencher um terço do poema - onze dos vinte oito versos -, é interrompido. Assim o género dramático parece dar lugar à experiência vivencial englobante do eu-lírico.

3. Poética do espaço-tempo-personagens

     No universo lírico do poema, a poética do espaço está unida à poetica do tempo da madrugada, tempo de renovação ciclica e iluminadora.
     O souto, ou bosque de castanheiros, espaço sombrio e misterioso, sugere o distanciamento da pastora (13) que cumula a distância, criando novo espaço de beleza do seu canto («alçando voz a cantar», v. 4) e do seu gosto («apertando-se na saia», v .5). Existe uma alternância espaço cósmico-céu (implícito), raios do sol «raia do sol», «l'alvor»), espaço circundante e envolvente da personagem feminina «pelo souto»), das personagens imaginárias, preocupadas com o amor «não sei que tal i'stevesse / que en al cuidar podesse / senon todo en amor», vv. 12-14) e do próprio narrador convertido em personagem («ali estivi eu», v. 15). O distanciamento do narrador da personagem feminina («muit' alongada da gente», v. 3) é acidentalmente atenuado pelas palavras que redundam no espaço do silêncio.
     A harmonia espaço-tempo circundantes e emergentes de personagens portadoras e criadoras de sentimentos, de breves palavras e de silêncio, pressupõem e acentuam a comunhão do eu-lírico com o cosmos, a contemplação da beleza, do amor universal e da beleza da mulher. Os locativos «aqui» (v. 21), «ali» (v. 15), «i» (v. 12), a referência ao souto e às «ribas do Sar» não parecem definir um espaço real ou mimético, mas um espaço poético, onde existe um centro de irradiação luminosa, um local de permanência e de passagem do eu-lírico contemplativo, quiçá visionário.

4. Uma leitura sImbólica


     O espaço da visão, assim como a circunstância focada, são vistos e filtrados pelo narrador, são simbolizados (14) - o que permite uma leitura marcada pela intersubjectividade autor-leitor .
     O espaço da alba (15) de João Airas está impregnado de símbolos que se acumulam na primeira estrofe, como uma concentrada energia poética - bosque «souto», v. 1), canto «alçando voz a cantar», v. 4) , raios ( «raia», v. 6) , «sol» (v. 7) , margens («ribas». v .7) , rio («Sar», v .7) -decrescendo em quantidade na segunda estrofe - «aves» (v. 8), «alvor» (v. 9), canto «todas de amor cantavam», v. 10), «ramos» (v. 11). A interpretação dos símbolos, pela ordem em que aparecem no texto, procura acompanhar o percurso do autor.
     O autor vê a pastora solitária, afastada dos homens («muit' alongada da gente», v , 3) , num bosque de castanheiros. A sacralidade do bosque, como morada misteriosa do divino está associada à sacralidade da floresta que, na tradição céltica, à qual se vincula a cultura galega, representava um santuário; na natureza, o bosque é também simbolo de concentração de vida, renovação e contemplação.
     Nesse lugar ameno, está presente a água, simbolo de fecundidade, o rio, simbolo do devir da existência humana e as margens do rio. As margens (16) indicam a existência de dois domínios diferentes, que separam a pastora do autor.
     A pastora vive da contemplação, do canto e do «andar» no bosque, longe «da gente». O texto não explicita visualmente as duas margens, nem a localização exacta da pastora em relação ao autor.. Sabe-se apenas que o autor esteve presente («ali 'stivi eu», v, 15) e que tentou dirigir-lhe a palavra; por isso, apesar da interpretação simbólica das margens não parecer incoerente, porque todo o poema vive de separação virtual e real, apresentamos contudo as nossas reservas à mesma interpretação, pela falta de explicitação do local em que ambas se encontram, em relação às margens.
     O canto, arte da preferência da cultura galega e elemento relevante das cantigas de amigo, cria, neste poema, um espaço sonoro englobante - canto da jovem e canto amoroso das aves, Trata-se também dum simbolo universal de vibração harmonizante e profunda das criaturas com o criador.
     As aves, não especificadas no texto, simbolizam estados de alegria e comunicação espiritual. O voo exprime não apenas beleza, mas a procura de harmonia interior. Os ramos acrescentam, à simbólica implícita da árvore, a vitória, o triunfo da vida e do amor. O tempo cíclico da madrugada simboliza a pureza da luz, o tempo paradisíaco da «simprez inocência» (17).
     Todos os símbolos do poema parecem convergir na harmonia do humano com o cósmico, na sintonia de vibração de vida. A visão da mulher, da Beleza, da luz, do amor é dada no ponto do instante contemplativo em que a pastora e o autor se deixam impregnar de reservas de energia amorosa e luminosa, no silêncio. Depois da experiência contemplativa, o autor é convidado a seguir o seu caminho.
     Esta breve análise procura demonstrar, sobretudo, que uma pastorela medieval se presta a vários niveis de leitura, harmonizando a leitura aberta com a abertura do próprio eu-lirico do poema que lhe confere unidade no plano narrativo, que converte os elementos dramáticos à lirica. Em cada uma das leituras se tentou discernir idêntica capacidade unificante e unificadora do eu-lírico, capacidade que é essencialmente contemplativa.
___________
(1) Aristote. Poétique, Les Belles Lettres. Paris.
(2) K. Hamburger, «Do Problema do Simbólico da Criação Literária» in A Lógica de Criação Literária.
(3) Ibid., pp. 254-256.
(4) Ibid., p. 256.
(5) Mário Martins, Alegorias e Símbolos na Literatura Medieval Portuguesa. Brotéria, Lisboa, 1972; Estudos de Cultura Medieval, Verbo, Lisboa, 1009.
(6) Manuel Antunes. História da Cultura Clássica, policopiada, 1961-62, p. 39. (7) Vide interpretação simbólica do cervo e da fonte, na edição crítica de Fero Meogo, da autoria de Ferrin.
(8) Helder de Macedo, «Uma Cantiga de D. Dinis. In Stephen Reckert e Helder de Macedo, Do Cancioneiro de Amigo, Assirio e Alvim, Lisboa. p. 52.
(9) Designação de K. Hamburger. op. cit., p. 256.
(10) A terminologia alba, de origem provençal, designa as cantigas de amigo cujo percurso narrativo se situa no tempo da madrugada. A sua génese é difícil de determinar. Segundo Rodrigues Lapa, a alba terá tido uma origem «profundamente ritual, litúrgica, pela sua forma, o próprio misterioso do seu sentido. a sua filtração através do Cristianismo que a purificou. Cfr. Prado Coelho. Dicionário de Literatura, vol. I.
(11) L. S. Picchio in A Lição do Texto I, Edições 70, Lisboa, 1979, também faz leituras dramáticas de pastorelas. Consiste em tentar discernir, na pastorela, uma estrutura que se aproxima de uma peça de teatro.
(12) Cfr. S. Reckert, "Cinquenta Cantigas de Amigo", in S. Reckert e Helder de Macedo, Do Cancioneiro de Amigo, p. 177.
(13) A juventude da "pastora" é um elemento da cantiga de amigo, mas não é um elemento especifico da pastorela. Por outro lado, "pastor", feminino, no inicio das pastorelas, tinha possivelmente o significado de «moça», «jovem». Cfr. L. S. Picchio, op. cito, p. 48, nota 27.
(14) Cfr. distinção entre significação e simbolização. in J. Prado Coelho. Problemática da Leitura, INIC. Lisboa. 1980, p. 30.
(15) Duas primeira estrofes da pastorela.
(16) J. Chevalier e A. Gheerbrandt, Dictionnaire des Symboles. vol. II. Seghers, Paris, p. 331.
(17) Camões, Os Lusíadas. IV, 98, 6.


FONTE: triplov

Análise da cantiga "Pelo souto de Crexente"

. Assunto: o trovador descreve o encontro com uma pastora e o diálogo que, a medo, estabelece com ela, que deixa transparecer a preocupação dela com a sua honra.


. Tema: a declaração amorosa de um cavaleiro à pastora, que recusa.


. Estrutura interna

. 1.ª parte (1.ª estr.) - Momento narrativo inicial que descreve a posição solitária da pastora, afastada dos demais, e que é observada por um cavaleiro, e que situa a ação no espaço e no tempo.

. 2.ª parte (2.ª estr.) - Momento descritivo do ambiente envolvente, onde se destaca o canto das aves, que não fazem sentir outra coisa que não seja amor a quem o escutar.

. 3.ª parte (3.ª estr.) - Diálogo iniciado pelo cavaleiro que, a medo, ousa pedir à pastora que o escute. Ele aborda-a com o intuito de obter os seus favores amorosos e dirige-se-lhe em termos corteses.

. 4.ª parte (4.ª estr.) - A resposta da donzela é negativa e crítica do comportamento do cavaleiro. Embora este seja representante de uma classe social mais elevada, é a pastora que revela um comportamento mesurado e cortês, pois preocupa-se com a sua honra: quem os ali vir pode pensar que o encontro foi combinado e não fortuito.


. Elementos narrativos do poema

1. Acção:
. encontro de um cavaleiro com uma pastora, a quem ele aborda com o intuito de obter os seus favores amorosos, mas ela recusa, preocupada com a sua honra e com o que os outros poderão pensar se os virem ali a conversar.


2. Personagens:


3. Espaço:

NOTA:
A descrição das flores de maio, da brisa da primavera, do cantar malicioso das aves, a sugerirem um ambiente propício ao relacionamento amoroso, são motivos comuns à lírica cortês occitânica / provençal.
               D. Dinis, embora respeite e admire os trovadores provençais, critica o convencionalismo deste quadro primaveril do amor provençal (mais idílico que no cantar de amigo).
                        Mas o enquadramento da relação amorosa na primavera tem uma relação lógica: se o cantar de amor é um agradecimento pela possibilidade do trovador experimentar uma sensação / sentimento que provoca o rejuvenescimento, a primavera é a estação mais adequada, pois é nela que a natureza rejuvenesce. Por isso se associa o canto dos pássaros ao do trovador.

4. Tempo:
. manhã / alvorada ("quando saia la raia do sol").


. Classificação:
Esta cantiga é uma pastorela, "género" de origem provençal (foi inaugurada por Marcabrú), que não foi muito cultivada pelos trovadores galego-portugueses.


. Hibridismo

            A pastorela é muito difícil de classificar ou incluir num dos géneros mais conhecidos, porque apresenta características próprias do cantar de amor e do cantar de amigo. Daí a constante oscilação por parte dos estudiosos.

            Vejamos alguns itens onde esse hibridismo é evidente.

1. Linguagem: linguagem concretizante, com referência a topónimos (Crexente, rio Sar), embora haja vestígios de uma linguagem própria do cantar de amor ("mia senhor" / mesura") mais convencional e abstractizante.

2. Origem: é de origem provençal como a cantiga de amor e foi pouco praticada na Península, ao contrário da cantiga de amigo, mais ligada à tradição popular.

3. Forma: cantiga de mestria, mais comum no género da cantiga de amor que na cantiga de amigo.

4. Estrutura interna: apresenta uma estrutura narrativa e dialógica, o que permite uma maior dramatização. Aproxima-se mais da cantiga de amigo, devido à sua estrutura oralizante, pois a cantiga de amor coloca-se num plano mais elevado.

5. Estatuto das personagens: representantes dos dois pólos da pirâmide social: uma pastora, representante do povo (tal como na cantiga de amigo) e um cavaleiro, representante da aristocracia feudal (cantiga de amor). Aqui, no entanto, é a personagem de estatuto social inferior que revela comportamentos/sentimentos próprios da dama da cantiga de amor: mesura e preocupação pela sua reputação.

6. Espaço: todos os elementos são colocados de forma a construírem um cenário, daí a pastorela ser dotada de uma nitidez descritiva que nos afasta da paisagem sugestiva, mas campestre, ao contrário da cantiga de amor, inserida num ambiente palaciano/cortês.


* * * * * * * * * *


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quinta-feira, 12 de novembro de 2015

A subclasse dos verbos "andar" e "continuar"

1. À semelhança de "ser", "estar", "ficar", "parecer", "permanecer", "tornar-se" ou "revelar-se", entre outros, os verbos "andar" e "continuar" classificam-se, normalmente, como copulativos, selecionando, por isso, um predicativo do sujeito.
          Ex.: O João anda [verbo copulativo] doido. [predicativo do sujeito]

2. Porém, nem sempre "andar" e "continuar" são copulativos. De facto, em determinados casos, são verbos intransitivos, não selecionando qualquer complemento.
          Ex.: O meu filho de dez meses já anda. [verbo intransitivo]

3. Em conclusão, "andar" e "continuar":

          i) são verbos copulativos quando funcionam como elo de ligação entre o sujeito e o
              predicativo do sujeito;

          ii) são verbos copulativos quando podem ser substituídos por "estar" e
               "permanecer":
                    - A Maria anda nas nuvens.
                    - A Maria está nas nuvens.

          iii) a sua classificação depende do valor e sentido que possuam num determinado
                enunciado;

          iv) quando não selecionam complementos, são verbos intransitivos:
                    - O João anda depressa.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

"Simplesmente Aconteceu", Ana Carolina

Falecimento de Helmut Schmidt


     O ex-chanceler alemão (1974 a 1982) Helmut Schmidt faleceu hoje, aos 96 anos, vitimado por problemas cardíacos de que padecia há décadas.

     Da sua intensa e longa ação política destaca-se o europeísmo convicto e a paternidade, juntamente com o ex-presidente francês Giscard d'Estaing, do sistema monetário europeu.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Na aula (XXII)

     Lá fora devem estar uns 15 graus, se tanto.

     O aluno, muito vermelho, tira a camisola e, ruidosamente, abana-se com o que tem à mão.

     Quando considera que o circo já foi demasiado longe, o professor, muito pouco pedagogicamente, pergunta ao aluno:

     - Estás na menopausa?

     - Não. - responde ELE perentoriamente.

     - Mas vais lá chegar?

     - Sei lá.

     Salva o momento uma colega que, prontamente, lhe explica a diferença entre meno e andropausa.

     Ainda bem que há essa coisa chamada Educação Sexual.

Na aula (XXI)

     Exercício sobre adjetivos derivados de nomes.

     Nome em questão inferno.

     "Adjetivo" sugerido pelo aluno João N.: diabo.

sábado, 7 de novembro de 2015

sábado, 31 de outubro de 2015

Acervo de Cantigas Medievais Galego-Portuguesas


     A Faculdade de Ciências Sociais e Humanas disponibilizou uma página através da qual é possível aceder ao acervo das cantigas medievais galego-portuguesas.
     Assim, é possível aceder aos textos, à biografia dos seus autores, aos manuscritos que se conservaram até à atualidade, a algumas cantigas musicadas e ainda iluminuras.

     Para aceder, clicar em acervo.

Estudo sobre a poesia de Martin Codax

     Aqui fica a ligação para um estudo sobre a poesia de Martin Codax, trovador ou jogral de origem galega, da autoria de Tatiane Santos de Araújo.

     Clicar para aceder: Estudo.

"Em que estou a pensar?"

O desenho da palavra ou
a palavra do desenho ?
E quando a linha
se traça no braço
que do livro emerge
e que num rodopio
do livro foge ! ! !
. . . para outra página, outro livro,
outro diário gráfico ?
quando outras mãos convergem
para o livro de
quadrícula e
linhas e outras mãos
fogem
e se sobrepõem
. . . a pena mantém-se
do canto da folha ao
aparo que traçou a linha perdida
porque a linha traçou
e quando a linha se traça
o texto se escreve,
tudo se repete . . .
E quando a linha
se traça . . .

                    (José Assis, 16/2/2015)

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Análise da cantiga "Ondas do mar de Vigo"

· Assunto: a donzela interpela as ondas sobre o paradeiro do amigo e o seu regresso, revelando o seu sofrimento e a sua angústia pela separação.


· Tema: o apelo da donzela ao mar, pretendendo saber novas do amigo.


· Estrutura interna

. 1.ª parte (2 primeiras estrofes / coblas) – O sujeito poético - a donzela - interpela / questiona as ondas do mar de Vigo sobre o paradeiro do amigo, que se encontra ausente (tema marítimo), visível na forma verbal “vistes” e no refrão “se verrá cedo”.

. 2.ª parte (


Continuação da análise: aqui.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Na aula (XIX)

     Contexto: definição e identificação do sujeito nulo expletivo.

     «O sujeito nulo expletivo ocorre, por exemplo, com verbos que traduzem fenómenos meteorológicos como "chover", ...».

     Intervenção da Marta T.: «Por exemplo, 'o cão ladrou.'».

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Plutão tem «céu azul» e «água congelada»

(FOTO: NASA/JHUAPL/SwRI)

     A NASA partilhou publicamente as primeiras imagens da neblina que cobre Plutão, tudo apontando para que o planeta anão tenha céu azul como a Terra. Além disso, os cientistas acreditam ter encontrado evidências da existência de água congelada em diversas áreas da superfície, ainda que em pequenas quantidades.
     A NASA aventou ainda a possibilidade de as partículas que compõem a neblina serem cinzentas ou vermelhas, sendo a forma como refletem a luz solar que lhes confere a tonalidade azul.

domingo, 11 de outubro de 2015

"A solução", de Bertolt Brecht

Após a revolta de 17 de Junho
O secretário da União de Escritores
Fez distribuir panfletos na Alameda Estaline
Afirmando que o povo
Tinha deitado fora a confiança do Governo.
E que só poderia recupera-la
Por esforços redobrados.
Não seria mais fácil,
Neste caso, para o governo
Dissolver o povo
E eleger outro?

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

"Estou mais perto de ti porque te amo"

Estou mais perto de ti porque te amo.
Os meus beijos nascem já na tua boca.
Não poderei escrever teu nome com palavras.
Tu estás em toda a parte e enlouqueces-me.

Canto os teus olhos mas não sei do teu rosto.
Quero a tua boca aberta em minha boca.
E amo-te como se nunca te tivesse amado
porque tu estás em mim mas ausente de mim.

Nesta noite sei apenas dos teus gestos
e procuro o teu corpo para além dos meus dedos.
Trago as mãos distantes do teu peito.

Sim, tu estás em toda a parte. Em toda a parte.
Tão por dentro de mim. Tão ausente de mim.
E eu estou perto de ti porque te amo.


                                           Joaquim Pessoa, in Os Olhos de Isa

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

República? Que república?


     Depois de não a cuidarem, depois de a matarem, abandonaram-na por completo.

     Foi para isto que se assassinou um rei e um príncipe herdeiro?

terça-feira, 22 de setembro de 2015

terça-feira, 15 de setembro de 2015

O paradoxo da crença

     Tema da composição do exame nacional de Português do 12.º ano: "A importância dos ideais para os jovens na atualidade."

     Tese do examinando, ipsis verbis: «Todos devemos acreditar em algo na vida, mesmo que não acreditemos.».

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Nuno Crato, a anedota

     O que o Arlindo relata no seu blogue sobre a colocação de professores é inacreditável.
     Confesso que, passados longos minutos após a leitura do «post», continuo a crer que se trata de uma «blague», de uma piada, de uma caricatura de uma qualquer reunião ministerial.
     O «modus operandi» dos nossos governantes não pode ser este. Porém, refletindo bem nas políticas (?) com que somos confrontados e nas ideias que nos são apresentadas, o ceticismo passa a ser quase inexistente.
     O «post» pode ser lido aqui. »»»
     Eu ri imenso... Nada como regressar à escola muito bem disposto...

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

"Manhãs de setembro", Vanusa


     O mês de setembro sempre foi o mais belo do ano... Só poderia ser o meu mês.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

A cor vermelha provoca fome

     "Um exemplo disso são as cadeias de «fast-food», que normalmente usam a cor vermelha, pois é uma cor que desperta no ser humano a fome.»

     Já no caso dos touros...

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

A 'porção' de Panoramix

     "já temos a ideia que tudo fica limpo e cheiroso como aquela porção mágica".

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Um grão de areia na guitarra

     "A música, está para a guitarra como o deserto está para a areia."

     Depois de muitas horas a tentar decifrar a profundidade de pensamento desta inusitada comparação, convoquei Camões, Pessoa e Eça, eles igualmente às voltas na tumba.

domingo, 2 de agosto de 2015

sexta-feira, 31 de julho de 2015

quinta-feira, 30 de julho de 2015

4 regras para impor disciplina segundo John Cleese

     

     Para quem não sabe, John Cleese, provavelmente o mais conhecido dos Monty Python, também foi professor durante um curto período da sua vida.
     Recentemente, publicou a sua autobiografia, na qual expõe as suas quatro regras para não se deixar arrasar por uma turma. Leia-mo-lo:

     «Não, a primeira coisa que se faz é...» saber o nome dos alunos.
     «A segunda coisa é: nunca ordenar a um rapaz "Para de falar", porque ele afirmará sempre que não estava a falar. Tem de se dizer: "Não fales." Então, quando ele negar que estava a falar, pode replicar-se: "Eu não disse que estavas, disse 'Não fales!'." Isto deixa-o encurralado.
     A terceira é: quando se lança uma pergunta, deve-se sempre formulá-la integralmente antes de nomear o rapaz que lhe irá responder, porque se se começar pelo nome, todos os outros deixarão de imediato de prestar atenção (a não ser os marrões e os graxistas).
     A quarta coisa é: se se intercetar uma lufada de insurreição iminente, recorra-se ao sarcasmo. (...) Porém, não se abuse: preserve-se para... aquela ocasião especial.» (John Cleese, Ora, como eu dizia..., pág. 104).


     Lendo e aprendendo...

quarta-feira, 29 de julho de 2015

O deleite de Saramago

     "Saramago deleita-se com a expressividade linguística das personagens daí lhes tecer tais considerações."

     O que uma pessoa aprende a corrigir provas de exame nacional.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Palácio da Pena, Sintra


     O Palácio Nacional da Pena foi construído em 1839 e serviu de residência privada do rei D. Fernando II de Saxe Coburgo-Gotha, que adquiriu, remodelou e ampliou um antigo convento manuelino. Está erigido a cerca de 500 metros de altitude.
     É o mais célebre exemplar da arquitetura romântica portuguesa, onde se misturam "motivos" românticos, manuelinos, góticos e mouriscos.

Tempo gasto na correção de exames nacionais

. Ano: 12.º
. Disciplina: Português
. Total de provas: 43

. Escolha múltipla e gramática: 1h 10m
. Pergunta 1: 1h 27m
. Pergunta 2: 1h 25m
. Pergunta 3: 1h 18m
. Pergunta 4: 1h 14m
. Pergunta 5: 1h 24m
. Composição: 4h
. Revisão e acertos: 57m
. Preenchimento da grelha: 1h 07m
. Passar a vermelho: 2h 13m
. Apagar: 49m
. Viagens: cerca de 2 horas (ida e vinda) x 2 = 4h
. Reunião: 1 hora

A tragédia grega em números


domingo, 19 de julho de 2015

A-Ha no 'Rock in Rio' 2015


     27 de setembro, no estádio do Maracanã...

     Quem me arranja um bilhetinho? 

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Correção do exame nacional de Português 12.º ano (2.ª fase) - 2015

Grupo I

A

1. Para que a voz se manifeste, é necessário que quem ouve se encontre num estado de semiconsciência ou de semiacordo ("E só se, meio dormindo, / Sem saber de ouvir ouvimos" - vv. 6-7) e que não procure escutar essa voz, pois, se tal acontecer, ela cala-se ("Mas que, se escutamos, cala, / Por ter havido escutar." - vv. 4-5).

2. Segundo os dois últimos versos do poema, quando se desperta do estado de semiconsciência, por um lado, a voz do mar, que traduz a ideia de esperança, desaparece, e, por outro, o mar constitui apenas uma realidade objetiva.

3. De facto, a última estrofe convoca o mito sebastianista. Nela é visível a esperança no regresso do Rei (D. Sebastião) e, com esse regresso, a crença na possibilidade de resgatar a glória de Portugal.
     O Rei encontra-se num espaço mítico e misterioso, fora do espaço ("São ilhas afortunadas, / São terras sem ter lugar," - vv. 11-12), e aguarda o momento adequado para regressar e agir ("Onde o Rei mora esperando." - v. 13).



B


4. Maria é uma jovem
  • sebastianista e mística, pois acredita no regresso de D. Sebastião;
  • crente / religiosa, dado que evoca Deus;
  • crente em presságios e agouros;
  • curiosa, pois insiste em que Telmo lhe explique quem é a primeira figura retratada;
  • idealista e patriota, pois crê na restauração da glória da pátria a partir do regresso de D. Sebastião e da figura de Camões;
  • culta, visto que conhece figuras da política e cultura.
5. Para Maria, as duas figuras simbolizam a glória passada de Portugal e a recusa do presente de submissão a um poder estrangeiro. De facto, o Rei (isto é, o seu regresso), uma figura que ela admira, representa a esperança na restauração da grandeza perdida de Portugal (" é o do meu querido e amado rei D. Sebastião." - linhas 3-4; " que tomou a sério o cargo de reinar, e jurou que há de engrandecer e cobrir de glória o seu reino!" - linhas 5-6), enquanto Camões constitui o herói aventureiro que simboliza o ideal de poeta e de guerreiro ("Numa mão sempre a espada e noutra a pena…" - linha 16).



Grupo II

                   Versão 1            Versão 2

1.                     B                      D
2.                     A                      B
3.                     D                      C
4.                     C                      D
5.                     B                      C
6.                     A                      B
7.                     B                      A

8. "Tudo"

9. Valor restritivo

10. Função sintática: sujeito

TALIS


     A OCDE realizou um inquérito internacional sobre professores que envolveu mais de 100 mil docentes do 3.º ciclo do ensino básico e diretores de 34 países membros.
     Os resultados são... o que são.

1. Disciplina
  • Os professores portugueses perdem, em média, 25% do seu tempo a manter a ordem na sala de aula (15,7% contra 12,7 dos demais países) e a realizar tarefas administrativas, sendo o tempo realmente dedicado a ensinar de 75%.
  • Apenas dois países nos «superam» neste âmbito.
  • 4 em cada 10 professores afirmam que têm de esperar bastante tempo até que os alunos acalmem no início das aulas.
  • Um terço dos professores considera que «há demasiado barulho e perturbação na sala».
2. Pontualidade
  • 58% dos diretores declaram que os alunos chegam atrasados às aulas pelo menos uma vez por semana.
3. Crime e vandalismo
  • Os atos de vandalismo e roubo que sucedem semanalmente nas escolas portuguesas é de 7,4%, contra 4,4 em média na OCDE.
4. Álcool e drogas
  • O número de alunos que possui e usa álcool e drogas é de 3,6%, o segundo valor mais alto da OCDE, só superado pelo Brasil.
5. Horário de trabalho dos professores
  • 44,7 horas por semana é o tempo que os docentes portugueses dedicam ao exercício da sua profissão, contra 38,3, a média da OCDE.
  • Entre os países da OCDE, apenas três - asiáticos - apresentam valores superiores.
  • A média da admirada Finlândia cifra-se nas 31,6 horas.
  • Os professores portugueses despendem uma média de 9,6 horas semanais a corrigir trabalhos dos alunos, o dobro da média da OCDE.
  • 3,8 horas por semana são gastas em tarefas administrativas.
6. Reconhecimento social
  • Apenas 10% dos professores afirmam sentirem reconhecimento da sociedade face ao seu trabalho e profissão. A média da OCDE é o triplo.
  • 16% mostram-se arrependidos com a escolha profissional feita, contra 9,5% na OCDE.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Análise da letra de "Mulheres de Atenas"


Mulheres de Atenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas
Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram
Mais duras penas
Cadenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Sofrem por seus maridos, poder e força de Atenas
Quando eles embarcam, soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam sedentos
Querem arrancar violentos
Carícias plenas
Obscenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas
Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar o carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas
Helenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas
Elas não têm gosto ou vontade
Nem defeito nem qualidade
Têm medo apenas
Não têm sonhos, só têm presságios
O seu homem, mares, naufrágios
Lindas sirenas
Morenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Temem pro seus maridos, heróis e amantes de Atenas
As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro se encolhem
Se confortam e se recolhem
Às suas novenas
Serenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas.

BUARQUE, Chico, BOAL, Augusto. In: Chico Buarque – letra e música. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 144.


Análise da letra de Mulheres de Areia

1. Memória discursiva.

                “Mulheres de Atenas” faz referência a aspectos da sociedade ateniense do período clássico e a alguns episódios e personagens da mitologia grega. A letra faz uma alusão aos famosos poemas épicos Ilíada e Odisséia, ambos atribuídos a Homero. Penélope, mulher de Ulisses, herói do poema Odisséia, viu seu marido ficar longe de casa por vinte anos, período em que ela se porta com dignidade e absoluta fidelidade; mas, por um lado, sua formosura, e, por outro, os bens familiares atraem a cobiça de pretendentes, que julgavam seu marido morto. Ela lhes dizia que só escolheria o futuro marido após tecer uma mortalha, que, a bem da verdade, não fazia questão de terminar: passava o dia tecendo e, à noite às escondidas, desmanchava o trabalho realizado. E enquanto seu marido se mantinha ausente, embora por tanto tempo sem notícia, ela se vestia de longo, tecia longos bordados, ajoelhava-se, pedia e implorava para a deusa Atena que providenciasse o retorno de seu amado.
                Helena, filha de Zeus, era considerada a mulher mais bela do mundo. Sua história é uma das mais conhecidas na mitologia grega. Esposa de Menelau, rei de Esparta, foi seduzida e raptada por Páris, filho do rei de Tróia. Esse rapto deu origem à guerra de Tróia, que os gregos promoveram para resgatar Helena; fato narrado em Ilíada de Homero. Embora Ulisses não figurasse no primeiro plano da Ilíada, nela é freqüentemente mencionado, como um viajante conduzido à terras distantes e herói da batalha de Tróia. Por essa escolha Homero, o poeta, relaciona as duas epopéias. A esposa de Ulisses, a prudente Penélope, opõe-se à esposa infiel – senão verdadeiramente culpada – Helena, que na Ilíada é causa inicial da guerra. Por essas e outras razões a Odisséia está intimamente ligada à Ilíada.
                Assim, como uma referência histórica de um momento da humanidade que data de 5 séculos antes de Cristo, os autores de “Mulheres de Atenas” valem-se da ideologia de Odisséia para chamar a atenção das mulheres que ainda “vivem” e “secam” por seus maridos ao estilo ateniense. Após a narrativa da morte dos pretendentes de Penélope, o rei Agamêmnon, filho de Atreu, lamenta profundamente a morte dos que lhes eram caros e faz a seguinte referência à esposa de Ulisses, descrita em Odisséia, de Homero, na Rapsódia XXIV, p. 216, Abril Editora, edição de 1981:
                “A alma do filho de Atreu exclamou: ‘Ditoso filho de Laertes, industrioso Ulisses, grande era o mérito da que tomaste por esposa. Nobres os sentimentos da irrepreensível Penélope, filha de Icário, que soube manter-se sempre fiel a seu esposo Ulisses! Por isso, jamais perecerá a fama de sua virtude, e os Imortais inspirarão aos homens belos cantos em louvor da prudência de Penélope’”.
                Os autores também realizam um apurado trabalho com a linguagem, no que se refere tanto à construção das frases quanto à seleção e ao emprego das palavras. Para obtermos uma melhor compreensão desse texto, necessariamente teremos de percorrer os caminhos da história, da mitologia, e reconhecer o diálogo aberto com outros textos, contido em “Mulheres de Atenas”.
                Entretanto, não é nosso ofício nos deter extensivamente com a história que envolvia a sociedade ateniense na época de Odisséia. Por essa razão, e colaborando com o trabalho de estabelecer essas pontes, antes do desenvolvimento de nossa análise, de forma sucinta, apresentamos um trecho escrito pelo historiador Edward MacNall Burns sobre o comportamento das mulheres de Atenas dos séculos V e IV a.C.:
                “Embora o casamento continuasse a ser uma instituição importante para a procriação dos filhos, que se tornariam os cidadãos do Estado, há razão para se crer que a vida familiar tivesse declinado. Ao menos os homens de classes mais prósperas passavam a maior parte do tempo longe de suas famílias. As esposas, relegadas à uma posição inferior, deviam permanecer reclusas em casa. O lugar de companheiras sociais e intelectuais dos maridos foi ocupado por mulheres estranhas, as famosas heteras1, algumas das quais eram naturais das cidades jônicas e demonstravam grande cultura. Os homens casavam para assegurar legitimidade ao menos a alguns de seus filhos e para adquirir prosperidade por meio do dote. Era também necessário, naturalmente, ter alguém para tomar conta da casa”.
                É comum, ainda nos dias de hoje, leitores menos avisados considerarem essa música como uma apologia à submissão e à subserviência feminina ao machismo brasileiro, a exemplo das mulheres da Grécia antiga. Aliás, isso aconteceu com muitas mulheres que se diziam feministas, algumas leitoras vacilantes e obtusas, que criticaram os autores porque julgaram a música “machista” – segundo elas, a letra da música sugeria que as mulheres de hoje tivessem o mesmo comportamento das mulheres da antiga Atenas. Não conseguiram perceber a inteligente ironia do texto... Onde se lê “Mirem-se...” sugere-se que se faça o contrário; dessa forma, o texto é um hino contra a submissão das mulheres que se sujeitam às regras ditadas pelas sociedades patriarcais. O próprio Chico Buarque, em uma entrevista à televisão Cultura, ao ser indagado sobre o pensamento das feministas da época, disse: “Elas não entenderam muito bem. Eu disse: mirem-se no exemplo daquelas mulheres que vocês vão ver o que vai dar. A coisa é exatamente ao contrário”.

1 mulher dissoluta, cortesã, prostituta elegante e distinta.



2. Estrutura do Texto.

                Mesmo sendo uma letra de música, portanto um texto para ser ouvido, “Mulheres de Atenas” apresenta um primoroso trabalho formal. O texto se compõe, fundamentalmente, de cinco estrofes de nove versos cada uma. As estrofes apresentam um esquema fixo de rimas: o primeiro verso rima sempre com o segundo, o quinto, o oitavo e o nono; o terceiro rima com o quarto; o sexto com o sétimo. Do ponto de vista métrico, é inegável a habilidade do autor que abusou de uma métrica elaboradíssima: os dois primeiros versos têm 14 sílabas poéticas: o terceiro, o quarto, o sexto e o sétimo têm oito; o quinto e o oitavo têm quatro e o nono tem duas. Os dois primeiros versos funcionam como refrão. As idéias básicas do poema são reafirmadas pelo fim do poema que traz o refrão como se quisesse inicial uma sexta estrofe.
                Por conta desse rol de advertências podemos verificar uma situação cíclica de ladainhas que não pretendem parar no poema. Ao introduzir no final do poema a repetição, como se fosse iniciar uma nova estrofe, o autor deixa livre para a reflexão do leitor que poderá buscar no subconsciente qualquer fato que se assemelha às advertências anteriores para completá-lo. Exatamente por conta disso é que o refrão vem no início de cada estrofe.
                O refrão apresentado nessa música nos remete à mesma estrutura usada nas cantigas medievais. O paralelismo apresentado nele é bastante semelhante ao das cantigas medievais, porém, com ligeiras alterações no segundo verso. O primeiro verso do refrão sempre se repete identicamente em todas as estrofes, introduzindo uma idéia de múltiplas escolhas no segundo verso, com poucas variações entre si em todas as estrofes, mantendo-se fixas as formas “pros seus maridos” e “Atenas”. A semelhança não reside somente no paralelismo, mas também na métrica de 14 sílabas poéticas, uma contagem marcante na Cantiga de Amor de Bernardo de Bonaval, entre os séculos XII e XIII, aproximadamente. Essa não é, sem dúvida, a primeira e única performance de Chico Buarque com semelhanças medievais. As músicas “Atrás da Porta” e “Com Açúcar Com Afeto”, por exemplo, são claros exemplos de cantigas medievais de amigo, de autoria masculina para um Eu-lírico feminino, cujo tema sugere um lamento pela ausência do amigo (amante). Esse é, sem dúvida, um recurso marcante nas cantigas medievais também usado nas músicas dos autores contemporâneos Caetano Veloso (Esse Cara) e Vinícius de Moraes (Pobre Menina Rica).



3. O eixo paradigmático da canção.

                Do ponto de vista sintático, podemos destacar os sujeitos presentes na canção (SN – sintagma nominal) e seus respetivos predicados (SV – sintagma verbal). O ponto mais importante da canção está no segundo verso de cada estrofe. Ele tem sua carga significativa centrada no verbo, sempre em terceira pessoa do plural, tendo como SN ELAS, as mulheres de Atenas. Evidentemente, no coletivo, porém, representadas pelas figuras de Penélope e Helena. Há, também, outro SN que é introduzido no enredo e faz parte do contexto, sem importância central: ELES (soldados, seus maridos, bravos guerreiros, etc). A menção de Helena, uma figura de conduta antagônica à de Penélope, é feita no poema para expressar sua rara beleza. Assim seus maridos buscam os carinhos de outras “falenas” (outro SN), mas mantém em suas residências uma mulher de beleza maior para quem sempre voltam para os braços, sem reminiscência de seus atos extraconjugais.
                Mas o eixo paradigmático da canção é marcado pelo SV, mais notadamente com a presença dos verbos conjugados em 3ª pessoa do plural, como uma ação que ainda ocorre no presente do indicativo. Eles se fazem presentes no segundo verso de cada estrofe, denunciando a desafortunada vida das mulheres de Atenas. Assim, vivem, sofrem, despem-se, geram, temem, secam, são verbos se são colocados numa forma cíclica das funções e das vidas daquelas mulheres. Temos, assim, um ciclo que se inicia com o verbo viver e se fecha com o verbo secar, isto é, morrer. No meio desse trajeto as mulheres de Atenas despem-se para seus maridos com a finalidade única de gerarem os filhos, pois o amor deles é desfrutado pelas famosas heteras (falenas) ou amantes; afora isso, só fazem sofrer e temer. Esses verbos resumem uma existência quase sem muito propósito e sem autonomia, como escravas de seus próprios maridos.



4. Marcadores da narrativa e da oralidade.

                Há muito, muito pouca característica de oralidade no poema, podendo somente ser percebida no refrão, mais notadamente no segundo verso de cada estrofe com a conjunção (em contração) “pros”. Na instância da narrativa não observamos fortes demarcações de tempo (não se define época ou momento histórico; considera-se um tempo genérico, falando no presente, mas se referindo a um passado indeterminado). Quanto ao espaço, este é demarcado como a cidade de Atenas, havendo menções de mares e de guerras (supostamente em terras distantes, fato denunciado pelas ausências e naufrágios de seus maridos).
                Quanto aos verbos, podemos afirmar que eles fazem a função da narrativa, exibindo a condição dos sujeitos atenienses. Entretanto, do ponto de vista gramatical destacamos que o autor dirige a narrativa ao conjunto de mulheres que se submetem aos valores da sociedade patriarcal no instante presente. Esse conjunto está representado gramaticalmente pelo sujeito da forma verbal de terceira pessoa do plural do imperativo afirmativo mirem-se (vocês). Observe que o verbo no imperativo não admite a classificação de sujeito indeterminado (a norma culta diz que só se emprega o imperativo quando se tem certeza do enunciatário da mensagem, daí não ser possível classificar o SN de um imperativo como indeterminado).



5. Da instância lexical.

                Podemos destacar, para elucidar um pouco mais o poema, duas palavras estrategicamente citadas pelo autor: Cadena e Falena. Cadena é um espanholismo que significa “cadeia, corrente”. Se consultarmos o Aurélio, teremos a seguinte definição: “Meio empregado para tirar dos chifres do touro, sem perigo, o laço que o prende”. Os dois sentidos significam um aprisionamento ou acorrentamento. Assim, cadenas nos remete à cadeia em que as mulheres de Atenas vivem, aprisionadas pelos desejos e caprichos de seus maridos. Falena no mesmo dicionário é explicada da seguinte forma: “Gênero de insetos lepidópteros, noctuídeos, que reúne mariposas noturnas cujas larvas, fitófagas, são nocivas a culturas vegetais”. Todavia o sentido emp regado aqui é metafórico, referindo-se a uma prostituta.
                Ao usar o verbete falena, o autor estabelece uma das metáforas mais significativas do poema. No sentido denotativo, falena significa mariposa de ação noturna, ou seja, que brilha a noite. No sentido conotativo, o termo falena é empregado no poema, fazendo uma alusão às prostitutas que brilham a noite, ou seja, que têm vidas noturnas, que são procuradas à noite pelos maridos. Assim, falena representa uma grande e importante metáfora que denuncia o comportamento narrado pelo historiador Edward MacNall Burns quando diz: “O lugar de companheiras sociais e intelectuais dos maridos foi ocupado por mulheres estranhas, as famosas heteras”, conforme já o dissemos anteriormente.
                Do ponto de vista semântico, há um grande emprego de palavras com muita aproximação para corroborar a idéia condicional das mulheres atenienses. Podemos destacar algumas palavras mais próximas semanticamente: amadas... carinhos; pedem... imploram; fustigadas... penas; carícias... carinhos; gosto... vontade; sonhos... presságios; Por outro lado, há outras mais distantes semanticamente: amadas... fustigadas; violentos... amantes; violentos... carinho; defeito... qualidade; amadas... abandonadas; encolhem... confortam. Mas o grande sentido de distanciamento se encerra na grande antítese do poema: vivem... secam (no sentido de morrem).



6. O diálogo entre os textos (intertextualidade)

                O diálogo que “Mulheres de Atenas” estabelece com o poema Odisséia, com a história e a mitologia da Grécia Clássica é o que podemos chamar de intertextualidade. O poema faz referências camufladas à obra mitológica grega de Homero, mais notadamente à história de Penélope, à despersonalização das mulheres de Atenas e à passagem pela ilha das sereias, vivida por Ulisses.
                É importante notar a forma subentendida que o autor se refere à Penélope no poema. Segundo a história de Penélope, em Odisséia, a virtuosa esposa de Ulisses convence seus pretendentes de que deveria fazer uma túnica, que serviria de mortalha para cobrir o corpo de Laertes, o venerável pai de Ulisses, que com a notícia do casamento de sua nora, morreria de depressão, dado ao avançado da idade. E como era costume das mulheres tecerem uma mortalha para os entes queridos que se encontravam prestas a deixar esse mundo, Penélope usa desse artifício para ganhar tempo com seus pretendentes, que aquiesceram de pronto, por ser uma proposta justa. Entretanto, ela nunca a terminaria, pois na tentativa de fazer com que seus pretendentes desistissem da idéia de disputar o lugar de Ulisses, ela desmanchava a noite o que fazia durante o dia. Então a esposa do aventureiro Ulisses é conhecida na mitologia grega como o símbolo da mulher que tece longos bordados, enquanto seus maridos se ausentam por períodos delongados. No poema de Chico Buarque essa referência à Penélope é feita na segunda estrofe: “Quando eles embarcam, soldados / Elas tecem longos bordados / Mil quarentenas”.
                Ao se referir às mulheres atenienses, o autor expõe a vida de completa subserviência a que elas se submetiam para seus maridos. Em Ilíada, Helena é usada pela deusa Vênus para servir como prêmio para o príncipe Páris. Ao apaixonar-se por ele, ela é tida como vulgar, por haver deixado de amar seu verdadeiro marido. Essa situação foi abordada e defendida por Górgias, um sofista e mestre da retórica clássica grega, que escreveu um discurso intitulado Elogio a Helena, em 414 a.C. A questão colocada por Górgias era que Helena, apesar de casada com Menelau e, do ponto de vista moral ligada a ele, tinha também o direito de apaixonar-se por Páris, dando vazão aos seus sentimentos. Na verdade, Vênus prometera a Paris não apenas Helena, mas o amor de Helena, dizendo: “... Se o amor é um deus, como poderia ter resistido e vencer o divino poder dos deuses quem é mais fraco do que eles? Se se trata de uma enfermidade humana e de um erro da mente, não há que se censurar como se fosse uma culpa, mas considerá-la apenas uma má sorte2”. Os versos que salientam uma absoluta despersonalização das mulheres de Atenas estão na quarta estrofe: “Elas não têm gosto ou vontade / Nem defeitos nem qualidade / Têm medo apenas”.
                Outra referência à epopéia de Homero é o momento da passagem de Ulisses, em sua longa viagem, pela ilha das Sereias, próximo ao golfo de Nápoles. Segundo o épico, Ulisses tapou com cera os ouvidos de seus companheiros e pediu que o amarrassem ao mastro do navio, para que nem ele nem a tripulação se deixassem seduzir pelo canto de morte das sereias, todavia, ele queria saber como era esse canto. Essa passagem não passa desapercebida pelo autor da música e é lembrada nos versos: “O seu homem, mares, naufrágios / Lindas sirenas / Morenas”. Sirenas, segundo o Aurélio, é o mesmo que sirene (objeto emissor de som, muito usado em navios) ou sereia. O aparelho que produz som tem esse nome por lembrar o hipnotizante canto das sereias da mitologia.

2 GÓRGIAS, Fragmentos y Testimonios, pp. 90-91. Tradução de Antônio Suáres Abreu, professor livre docente pela Universidade de São Paulo, in: A Arte de Argumentar – Gerenciando Razão e Emoção.



7. Os recursos expressivos do texto

                É inegável que o texto de “Mulheres de Atenas” é bastante requintado e muito bem elaborado, tanto na sua estrutura quanto nas referências à cultura grega do período clássico. Numa primeira leitura ou acompanhamento da música somos fisgados pela emoção estética da música, podendo até nos determos em algumas passagens específicas. Mas só com sucessivas leituras, realizando um trabalho mais racional (sem perder a emoção) é que chagamos à uma interpretação mais rica do texto.
                A canção é inteiramente metaforizada. Isso faz dela um poema, embora haja um indício de narrativa ao passar uma idéia do que acontece com as mulheres em Atenas. Algumas metáforas mais expressivas podem ser destacadas facilmente na canção e sua significação é, quase sempre, muito sutil.


                Outro recurso muito presente é a antítese. Ao expressar a condição feminina da mulher ateniense, o autor valoriza suas palavras com idéias contrárias. Assim, podemos destacar: defeito... qualidade; vivem... secam (morrem); despem-se... vestem-se; gosto... vontade; amadas... abandonadas; embarcam (partem)... voltam; etc.
                Outro, menos abundantes, o anacoluto, é usado apenas para manter a construção idêntica das estrofes: “Lindas sirenas (sereias) / Morenas”; “Se confortam e se recolhem / às suas novenas / Serenas”; “Querem arrancar violentos / Carícias plenas”; etc.
                Alguns eufemismos são empregados no texto para atenuar a condição de dramaticidade exposta pelo autor. Destacamos alguns:


                Há outro recurso expressivo que aparece logo no início do texto, na primeira estrofe, que denuncia a degradante condição das mulheres de Atenas em total subserviência. É o emprego da Gradação. Nesse caso, o autor estabelece uma gradação com clímax ao empregar uma seqüência encadeada em ordem crescente: “Se ajoelham, pedem, imploram / Mais duras penas / Cadenas” (cadeias).
                O zeugma é outro recurso presente nessa canção. O autor se vale desse recurso para imprimir um ritmo de reflexão maior ao comparar a condição (ou estilo de viver) da mulher com a do homem; exemplo: “Elas não têm gosto ou vontade / Nem defeito nem qualidade / (elas) têm medo apenas” / (elas) Não têm sonhos, só têm presságios / O seu homem (tem) mares, naufrágios / Lindas sirenas / Morenas”. O zeugma é marcado pela elipse de um termo integrante da oração que foi mencionado anteriormente. Quando se refere à mulher, o autor usa o verbo “têm”, considerando que elas não têm sonhos, mas apenas prenúncios e agouro a respeito do futuro, portanto, têm medo apenas; já seu homem, esse tem o mar, o naufrágio (aventura) e lindas sereias morenas, ou mulheres para seus deleites, enquanto as esposas ficam encarceradas em casa, “banhando-se com leite”, pela ausência do ar da rua.
                Mas o recurso estilístico mais importante dessa música fica reservado para a ironia. Esse recurso permeia toda a canção e consiste em dizer o contrário do que se está pensando ou questionar certo tipo de comportamento com a intenção de ridicularizar, de ressaltar algum aspecto passível de crítica. É nesse sentido que o autor usa o verbo “mirem-se” para dizer não faça isso jamais, ou seja, tome cuidado com isso; evite isso.
                Não é a primeira vez que Chico usa de ironia em suas canções. Na música “Bom Conselho”, Chico trabalha ironicamente os provérbios tradicionais. Veja sua forma irônica de se referir a eles:






8. Conclusão do ponto de vista estilístico.

                “Mulheres de Atenas” é uma canção que pode ser considerada uma advertência para as mulheres contemporâneas que ainda vivem sob um modelo de uma sociedade patriarcal, com costumes praticados há quase 400 anos antes de Cristo, em Atenas, na Grécia antiga. Para expressar a idéia irônica que sugere uma mudança de vida, o autor provoca intertextualidade com as maiores obras sobre a mitologia grega: Ilíada e Odisséia, ambas atribuídas a Homero. Ao se referir àquelas obras, o poema traz como referência a história de duas mulheres que representam as mulheres atenienses: Penélope e Helena. A primeira, mulher de Ulisses, herói do poema Odisséia, viu seu marido ficar longe de casa por vinte anos, período em que ela se porta com dignidade e absoluta fidelidade. A segunda, motivo da guerra de Tróia, representa um símbolo da beleza para quem seus maridos voltam sempre correndo para seus braços, após deitarem-se e fartarem-se com suas famosas falenas (mulheres dissolutas, cortesãs, prostitutas elegantes e distintas).
                Composto de 5 estrofes de nove versos cada uma, o poema apresenta um esquema fixo de rimas: o primeiro verso rima sempre com o segundo, o quinto o oitavo e o nono; o terceiro rima com o quarto; o sexto com o sétimo. Os dois primeiros versos funcionam como refrão. As ideias básicas do poema são reafirmadas pelo fim do poema que traz o refrão como se quisesse inicial uma sexta estrofe, entretanto, sugere uma continuidade às advertências proferidas.
                Os sujeitos da história são as mulheres de Atenas, no sentido coletivo. Por isso, o eixo paradigmático da canção é marcado pelo SV, mais notadamente com a presença dos verbos conjugados em 3.ª pessoa do plural, como uma ação que ocorre no momento presente. É por isso que a advertência é dirigida para as mulheres que ainda se submetem ao sistema patriarcal, em completa subserviência aos seus desditosos maridos, até morrerem. Tais verbos marcam uma situação cíclica, denunciando a desafortunada vida das mulheres de Atenas que vivem, sofrem, despem-se, geram, temem, secam, em que o verbo viver se une com o verbo secar, isto é, morrer. No meio desse trajeto as mulheres de Atenas despem-se para seus maridos com a finalidade única de gerarem os filhos, pois o amor deles é desfrutado pelas famosas heteras (falenas), ou amantes; afora isso, só fazem sofrer e temer.
                Não é só do ponto de vista estrutural que “Mulheres de Atenas” é surpreendente. Semanticamente, ela se pauta sobre uma grande ironia. Assim, a grande surpresa da canção fica por conta do sentido irônico que o autor estabelece na mensagem que procura passar para as mulheres que não perceberam que ainda vivem centenas de séculos atrás, secando-se por seus maridos, sem serem amadas ou tratadas com dignidade. O movimento feminista trouxe várias conquistas nas últimas décadas e a evolução da condição feminina tem alterado o comportamento geral, de homens e mulheres, no sentido de um equilíbrio maior na distribuição de funções, no trabalho e na vida em família. Entretanto, há mulheres que ainda não perceberam essa mudança nem a importância de seu papel na sociedade contemporânea. Por isso, Chico faz a advertência, sugerindo que elas mudem de conduta e tomem outros rumos. Assim, o autor exprime-se do contrário daquilo que se está pensando, ou seja, NÃO é para seguir o exemplo daquelas mulheres de Atenas. Mirem-se no exemplo delas e façam o contrário!
                A ironia não se prende somente à falta de clareza da própria condição da mulher. O autor estende sua ironia também aos homens que se consideram superiores e elevados, em relação ao sexo feminino. Tomando como base o segundo verso de cada estrofe veremos que sempre quando se refere aos homens atenienses, Chico faz complementos enaltecendo suas características. O exagero e a insistência da exposição das qualificações superiores masculinas tornam-se cansativos e chamam bastante a atenção daqueles homens que, na visão das mulheres de Atenas, são heróis, mas, por outro lado, são cativos de suas falenas, de sereias, aventuras, naufrágios e morte prematura, por inconseqüências de seus atos vulgares. Assim, o que parece querer enaltecer as habilidades e as características dos maridos atenienses torna-se outra ironia de grande dimensão. Os seus maridos, orgulho e raça, poder e força, bravos guerreiros, procriadores, heróis e amantes, na verdade são ausentes, agressivos, mal amantes, violentos, irresponsáveis e infiéis. É nesse sentido que ironicamente o autor se refere à supremacia masculina dos maridos das “Mulheres de Atenas”.
                Esse é, sem dúvida, um majestoso texto, como muitos outros desse poeta ainda pouco conhecido e não tão bem avaliado: o nosso grande Chico Buarque de Holanda.


Trabalho da autoria do Professor José Anastásio Rosa

Publicado em Mundo Cultural
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