Português: 21/11/17

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Análise da cantiga "Que soidade de mha senhor ei"

. Assunto: o trovador exprime a saudade e o desespero que sente face à ausência da "senhor", de tal forma que o levará à morte se não a vir rapidamente.


. Tema: a saudade pela "senhor".


. Estrutura interna

. 1.ª parte (vv. 1-6) - O trovador exprime:
- a saudade provocada pela ausência da amada;
- a recordação dela: "qual a vi", "que bem a oí falar", "quanto ben dela sei";
- refrão: o pedido a Deus para a ver.

. 2.ª parte (vv. 7-12) - Consequências de não ver a amada:
- a loucura
        ou
- a morte.

. 3.ª parte (vv. 13-20) - Exaltação das qualidades da mulher amada ("non lhi fez par", "fez das melhores melhor") e confissão da certeza de que morrerá se não vir rapidamente a "senhor" (dependência total em relação à mulher amada).


. Caracterização da "senhor":
- boas maneiras (fala bem);
- formosa;
- não há outra igual;
- ideal;
- perfeita;
- divinizada;
- altiva, distante, indiferente aos sentimentos do trovador (v. 7);
- inacessível;
- encontra-se ausente.


. Caracterização do trovador:
- recorda a "senhor" com saudade;
- sofre por ela (coita de amor);
- está triste;
- apaixonado;
- suplica a Deus que lhe permita voltar a vê-la;
- enlouquecerá e/ou morrerá se não voltar a vê-la;
- esperançado em voltar a vê-la;
- ansioso;
- desesperado;
- totalmente submetido à "senhor";
- comedido na expressão do sentimento amoroso (mesura);
- sente dor;
- revoltado;
- encontra-se na fase de fenhedor, pois suspira e pede a Deus que lhe permita vê-la.


NOTAS:

            a) Amor associado à saudade: o trovador ama a "senhor" e basta um dia sem a ver para morrer de saudades.

            b) O "ensandecer" e a morte de amor: o amor é considerado um sentimento que pode levar à loucura e mesmo à morte.

            Os nossos trovadores sofrem a "coita de amor". Não lhes basta cantar as perfeições idealizadas da mulher, a aspiração ao inacessível não os satisfaz. O amor é entendido como um sentimento que esvazia a vida de sentido e leva à loucura e à "morte".
            A cantiga de amor galaico-portuguesa é um repetir monótono da necessidade vital de ver a "senhor"; daí que a realidade e a ficção acabem por se entrelaçar e aquela, por vezes, sobrepor-se a esta. Todavia, a afirmação da "morte de amor", repetida vezes sem conta, torna-se um lugar-comum que destrói a sinceridade, se presta ao ridículo e à sátira.


. Concepção do amor (amor cortês):

. A "senhor" é um ser superior a quem o trovador presta vassalagem amorosa. Ela é a suserana do coração dele ("todo en seu poder ten"), que enlouquecerá ou morrerá se não a vir.

. A relação amorosa caracteriza-se, portanto, pela admiração e pela submissão do trovador face à dona.

. Ao contrário da cantiga de amigo, o amor não tende, por princípio, à união sexual; é, em geral, fingimento e convenção. Apresenta-se como um ideal a atingir, como um estado de espírito que deve ser alimentado. É uma aspiração sem correspondência, em que se invertem as relações de domínio e de vassalagem:


              O trovador vê-se atingido por um amor fatal, porque, um dia, viu uma formosa dama, "das melhores a melhor", e pelos olhos lhe vai surgir todo o sofrimento, toda a sua coita, que o leva a dizer que morrerá se não a vir.
              Consiste este amor, em suma, numa aspiração e estado de tensão por um ideal de mulher ou ideal de amor.

. Deste modo, o trovador segue de perto a teoria platónica do amor:


              A "senhor" é cheia de formosura, é o tipo ideal de mulher. A sua beleza e o bem que possui são, de acordo com a teoria platónica, uma ideia pura. Ela é uma projecção platónica do Bem, do Belo e da Virtude. O amor cortês apresenta-se, pois, como ideal, como aspiração que não tende à relação sexual, mas surge como estado de espírito que deve ser alimentado.

. Este amor (em geral fingimento e convenção na poesia provençal), na língua galego-portuguesa, parece sincero, numa súplica apaixonada e triste.


. Outras características:
® não totalmente declarado, devido ao seu carácter adúltero;
® com poucas hipótese de ser vivido a nível físico;
® submissão total do EU à dona, numa atitude de vassalagem amorosa;
® fidelidade eterna do EU à dona;
® beleza, altivez e indiferença da dona face ao seu "vassalo";
® sofrimento  -  coita de amor do trovador, de acordo com as regras:
. vassalagem amorosa;
. comedimento na expressão do sentimento amoroso  -  mesura;
. não mencionar o nome da amada  -  o "trobar clus";
. amor faseado:     fenhedor (suspirar);
precador (suplicar);
entendedor (namorar);
drut (amar);
® os artifícios poéticos do enlouquecer e da morte de amor.


. Recursos poético-estilísticos

            1. Forma / Estrutura externa

. Cantiga composta por três estrofes isométricas de 4 versos e um refrão dístico e ainda uma estrofe final dística, que é a finda.
. Rima      - abbaRR;
- interpolada e emparelhada;
- consoante ("ei"/"sei");
- pobre ("ei"/"sei") e rica ("ben"/"ten");
- aguda ou masculina.
. Metro: versos decassílabos.
. Refrão (influência da cantiga de amigo): dístico de versos monórrimos que traduz a ansiedade e do desejo do trovador de ver a dona, bem como a angústia e o desespero que o dominam.
. Finda: conclusão, remate ou assunto da cantiga. Exprime a certeza da morte se não conseguir ver a mulher.
. Atafinda: forma de encavalgamento ou de ligação sintáctica e ideológica entre as estrofes. A ligação é realizada através da repetição de "veer" no fim da estrofe e de "cedo" no início da seguinte.


                        1.1. Outros elementos fónicos

. Transporte: vv. 3-4, 8-9, etc.  -  prolonga o queixume e a mágoa do sujeito.
. Assonância em i, e, a.
. Ritmo predominantemente binário e lento.


            2. Nível morfossintático

. Substantivos [1]:
- "soidade": o sentimento central do trovador em virtude da ausência da dona e que é a matriz dos outros sentimentos  -  dor, desespero, desilusão, tristeza, sofrimento, ansiedade, amor, esperança, admiração, revolta;
- Deus:     ® o responsável pela beleza ímpar da dona;
® o objecto da súplica do trovador no sentido de voltar a ver a amada;
- senhor:     ® o objecto do amor-vassalagem do trovador, o ideal da perfeição;
® a causadora dos sentimentos do trovador, quer pela sua inigualável beleza, quer pela indiferença face ao amor dele.
. Verbos:
. pretérito perfeito: a recordação da época em que conheceu a dona (início da sua coita de amor presente) e os aspectos que o cativaram;
. presente: a coita de amor do trovador e o desejo e a rever;
. futuro ("prouguer" ® futuro do conjuntivo do verbo "prazer"): voltar a vê-la ou a morte se não a vir.
            O verbo ver é bastante expressivo no contexto da cantiga de amor, na evocação visualista da dona e porque remete para a estética da luz:
. O trovador vê-se enredado no amor fatal porque, um dia, viu uma formosa dama "das melhores melhor"; e pelos olhos vai surgir todo o sofrimento. Os olhos intrometem-se nos negócios de amor.
. Ver é ter luz = poder participar do objecto e difundir-se indefinidamente até ao ser amado. A actividade da luz é difundir-se indefinidamente e provocar todos os movimentos.
. Luz  -  do latim lux = esse lucidum (ser lúcido); ou seja, pela luz participa-se de todas as coisas criadas.
. A exploração do simbolismo da luz faz parte da própria estética medieval, que é uma estética da luz.
. Hipérbatos: "Que soidade de mia senhor ei", etc.
. Anáfora: vv. 7, 13, 19.
. Função expressiva:
- substantivos ("soidade");
- verbos ("rogo");
- carácter exclamativo do primeiro verso;
- adjectivos.


            3. Nível semântico

. Hipérboles: a saudade é tamanha que, se não a vir, enlouquecerá e morrerá:
- "se a non vir, non me posso guardar / d' ensandecer ou morrer con pesar";
o encarecimento da dama  -  perfeita, ideal, divinizada, a melhor:
- "non lhi fez par";
- "fez das melhores melhor".
. Antíteses:       - "mi nunca fez ben" ¹ "ensandecer ou morrer con pesar";
- ver  ¹  não ver a dona
   ¯                    ¯
 vida             morte
. Metáforas do "ensandecer" e do morrer de amor.
. Perífrases: o retrato da mulher ideal, perfeita, divinizada, inacessível:
® "ca tal a fez Nostro Senhor:
 de quantas outras no mundo son
 non lhi fez par";
® "se a non vir, non posso viver" (eufemismo).
. Repetição do verbo "fazer": reforça a ideia da superioridade da dama.
. Gradação na expressão dos sentimentos do trovador: sente saudades ® enlouquece ® morre de amor.


. Classificação

1. Cantiga de amor: composição poética trovadoresca de carácter lírico, cujo emissor é um trovador que exprime os seus sentimentos amorosos em relação a uma dama designada por "mha senhor".
            O poeta elogia as qualidades invulgares da mulher amada a nível físico, moral e social e fala do seu sofrimento (coita de amor).

1.1. Formal:
- cantiga de refrão;
- cantiga de finda;
- cantiga de atafinda.





[1] O vocábulo saudade e a sua evolução semântica

. O vocábulo soidade tem na 1.ª estrofe um prestígio sugestivo que se prolonga em:
- nembrar;
- na lentidão do ritmo
   e traduz o sentimento de melancolia que parece realmente vivido.
. Saudade  -  palavra que se repete obsessivamente ao longo da literatura portuguesa:
soidade  -  traduzida em:  ½coitas de amor
½ cuidado
½ pesar
½ morte (de amor)
                O seu emprego literário é anterior ao de soledad, apesar de ambos os vocábulos derivarem da soletatem latina. Já na Idade Média havia em Portugal Marias da Soidade ou Suidade, enquanto em Espanha só depois do século XVII surgem Marias de la Soledad. O valor significativo entre os dois vocábulos é diferente:
soledad ® saudade ½ valor subjectivo-objectivo
® solidão   ½
soidade (sensibilidade portuguesa)  -  valor subjectivo ® saudade.

Verbos "ter" ou "estar"?


     Este erro (a confusão entre os verbos "ter" e "estar") é muito comum entre a «malta jovem» e (Ó tempos! Ó costumes!) começa a ser cada vez mais frequente no meio jornalístico.

     No caso concreto, o autor da tirada escreveu "Em declarações ao jornal Daily Mail, um dos casais afetados diz que tiveram "toda a vida a poupar (...)» quando, na realidade, deveria ter registado «estiveram».

Causas do despertar da cantiga de amor em Portugal

            A influência provençal foi reconhecida entre nós publicamente desde o meado do século XIII. É conhecida a censura de Afonso X a Pêro da Ponte de não trobar como proençal, mas à maneira do segrel galego Bernal de Bonaval (CV 70); e mais conhecida ainda é a cantiga de D. Dinis, em que ele se propõe imitar a poesia occitânica.
            Crê-se geralmente que a imitação da cultura francesa entre nós data da vinda do conde borgonhês D. Henrique, ou melhor, desde quando começou a reger o Condado Portucalense, em 1094 ou 1095.
            Os cantares provençais penetraram na Península Ibérica devido a várias causas, a saber:

1.ª) A transmissão da coroa da Provença, em 1092, aos condes de Barcelona.

2.ª) A emigração, motivada pelas perseguições das cruzadas contra a heresia dos Albigenses.

3.ª) O recrutamento de gente francesa, no governo do conde D. Henrique, para as necessidades correntes da paz e da guerra. Com os reis seguintes continuou a infiltração francesa, por via do repovoamento de terras.

4.ª) As Cruzadas, que trouxeram ao litoral peninsular gente oriunda de França. Por exemplo, a tomada de Lisboa, em 1147, na qual entraram cruzados flamengos e anglo-normandos, teve grande importância, por serem a Flandres e a Inglaterra focos intensos de civilização em língua francesa. Realizada a conquista, Afonso Henriques repartiu com eles as terras desde Santarém até Lisboa. Guilherme Descornes foi povoar, com outros, a Atouguia; Jourdan estabeleceu-se na Lourinhã, Allardo em Vila Verde. Azambuja, Alenquer, Santarém ficaram também sendo núcleos de população franca.
Com D. Sancho I entramos no período áureo da colonização francesa. Agentes do rei andavam pela Europa, sobretudo pela Flandres, a aliciar colonos. Protegiam-se por meio de forais as colónias existentes e fundavam-se outras em Leziras, Sesimbra, Montalto de Sor, etc.

5.ª) As peregrinações a santuários (Santiago de Compostela – a partir de 829 tornou-se apóstolo protetor das Espanhas contra os árabes, chegando Compostela a rivalizar com Roma –, Tours, Santa Maria de Rocamadour), que reuniam peregrinos quer vindos de França, quer da Península, peregrinos esses que traziam consigo novas ideias, novas formas de vida, a música, poesias e danças.

6.ª) A influência de Afonso X de Castela, avô de D. Dinis, grande criador da poesia castelhana e um dos melhores poetas em galaico-português, onde as cantigas à Virgem se destacam com um lirismo, uma espontaneidade e um espiritualismo bem expressivos.

7.ª) Os casamentos de D. Mafalda, filha do conde de Sabóia, com D. Afonso Henriques; o de D. Teresa, filha de D. Afonso Henriques, em 1180, com o conde Filipe de Flandres, grande protector de trovadores, e o de D. Sancho I com D. Dulce, filha dos condes de Barcelona, que, tal como D. Mafalda, eram princesas de cortes muito ligadas à Provença e contribuíram também para a difusão destes cantares.

8.ª) O regresso a Portugal de D. Afonso III, que esteve treze anos exilado em Bolonha, onde frequentou as cortes e casou e onde conviveu com o gosto de trovar.

9.ª) As saídas de estudantes peninsulares para as grandes universidades além Pirenéus, onde contactaram com novas ideias e saber.

10.ª) D. Dinis, um dos grandes trovadores portugueses, foi educado por um professor francês, Américo d' Ebrard, futuro bispo de Coimbra, e casou com uma princesa de Aragão, corte onde a poesia era muito apreciada.

11.ª) As movimentações dos trovadores que, segundo o costume, andavam na Primavera ("no tempo da frol"), de castelo em castelo, divulgando as suas composições. Além disso, houve também o contacto e convivência com trovadores provençais. O conhecimento pleno, directo, da poesia provençal efectivar-se-ia, para os portugueses, fora do país, em Leão, sobretudo depois de terem saído para aquela corte numerosos fidalgos, descontentes com a política cesarista de Afonso II.

12.ª) A acção dos monges de Cister e Cluny, que deixaram muitas das suas influências na arquitectura e nas letras, antes de Portugal se tornar reino independente.

13.ª) O intercâmbio comercial entre Portugal e a França.

            A influência provençal nas cantigas de amor galego-portuguesas manifesta-se inclusivamente ao nível da linguagem. A missão da cultura francesa foi a de despertar os germes da poesia nacional; e aqui em Portugal esse facto produziu-se com maior intensidade, devido à existência dum rico filão de poesia popular cujo valor e qualidade são inquestionáveis.
            A nossa imitação foi sobretudo uma apropriação de formas. Ainda assim, não há um único verso português traduzido de autores estrangeiros. As semelhanças explicam-se mais por inevitável encontro de ideia e de expressão. Mantivemos, pois, intacto como nunca o nosso génio literário, o nosso temperamento nostálgico, a nossa humildade amorosa, que tão bem se espelha na saudade e no fatalismo das cantigas. E a influência francesa deu-se precisamente entre nós nos pontos e na medida em que lisonjeava esse temperamento.


Situação político-social e cultural da Provença

            A Provença, do latim Província, nome criado pelo imperador Augusto, é uma região do sul da França, um condado que, a partir do século XI, foi o "berço" de uma poesia lírica masculina e que vai fazer despontar o lirismo europeu nos séculos vindouros.
            A Provença também sentiu a força e a crueldade dos Árabes e tentou defender-se. O feudalismo era um meio eficaz contra estes invasores, a que ficavam expostas as pobres populações indefesas.
            Mas a cristandade também estava ameaçada por outros povos, como os Eslavos, Magiares e Dinamarqueses.
            O cavaleiro armado e o castelo transformam-se, assim, em formas ou meios de defesa extremamente importantes, acabando por se constituir uma hierarquia, desde o mais alto suserano ao mais desprezível servo da gleba.
            A Cavalaria surge como uma bênção, guerreira e combativa, que protege a pátria contra os infiéis. Surge, então, uma poesia épica que canta estes heróis.


Origem da cantiga de amor

            As cantigas de amor não são originárias da Península, ao contrário das de amigo, mas sim do Sul de França, da Provença. Guilherme de Poitiers, duque da Aquitânia, é considerado o primeiro trovador, pois a primeira cantiga de amor conhecida é da sua autoria e data de 1100: "Com a doçura da Primavera".

Definição de cantiga de amor

            As cantigas de amor são composições poéticas ao sabor provençal, cujo sujeito de enunciação é o trovador apaixonado que consagra à sua "senhor" um amor platónico, sem esperança, um amor-adoração.

Valor documental da cantiga de amigo

. Artístico: decoração, iluminuras;
o paralelismo com origem no ritmo natural do trabalho e da dança ou nos cânticos litúrgicos dialogados.

            . Histórico:     - costumes;
- maneiras de ser;
- formas de pensar;
- formas de vestir;
- elementos do al-Andaluz:
- a dança:
- as motivações bucólicas;
- a importância do mar;
- a guerra:    - o fossado / ferido (guerras da reconquista) (1);
                     - Castela (1).
            (1) De facto, o período da Poesia Trovadoresca coincide com a época de reconquista de terras aos mouros, luta em que se envolveram todos os reis peninsulares, dada a necessidade de afastar os mouros para África e retomar os territórios por eles conquistados. E as cantigas de amigo recriam esta época conturbada:
. a donzela, cheia de saudades do amigo, não sabe dele, pode estar em “cas del-rei”;
. na véspera da partida do amigo, despede-se dele, muito triste e preocupada;
. desabafa com a mãe a sua preocupação pelo amigo, que vai ou já partiu para o ferido.
            Além disso, convém também não esquecer as frequentes escaramuças com os castelhanos.

            . Linguístico: fase do Português Arcaico.

. Social:      - actividades domésticas (fiação, busca de água na fonte, etc.);
- a importância social da mulher  -  autoridade materna (a mãe proíbe ou permite os encontros amorosos da filha);  o seu papel  de mulher--mãe, que fica sozinha a resolver os problemas familiares, pois o homem está ausente;
- ausência dos homens (no "fossado", no "ferido" ou no mar);
- vida colectiva: romarias, bailes, festas populares;
- a hierarquia familiar;
- os sentimentos da mulher (donzela): a timidez, o pudor, a inexperiência do amor, a travessura, a alegria, a traquinice, a refilice, a mentirinha para  esconder os primeiros amores à mãe, a ansiedade de amar, a tristeza,  a saudade, a impaciência, o ciúme, o arrependimento, a alegria da reconciliação, a morte de amor, a ingenuidade, etc.;
- as ofertas de namorados.

            . Religioso:     - romarias;
                                   - forte religiosidade epocal (2):
® a fé;
® o aspecto lúdico.
            (2) a) A religiosidade do homem medieval está bem representada na cantiga de amigo, até porque se vivia em constante ambiente de guerra e era necessário rezar muito a "Nostro Senhor", pedindo-lhe protecção.

            b) As romarias reflectem esta preocupação, e os cânticos singelos e espontâneos transbordam de queixumes, anseios e preces a Deus. Daí as romarias, por exemplo, a Santiago de Compostela. Mas o povo, sobrecarregado de impostos e taxas e cheio de afazeres, não tem tempo nem dinheiro para se deslocar tão longe, por isso "limita-se" às pequenas ermidas, disseminadas por todo o lado. Essas romarias descrevem-nos uma variedade de situações apreciável:
* a donzela, chorosa, vai à ermida de San Simon, junto ao mar, pedir ao santo pelo seu amigo e lá fica à sua espera;
                        * se ele não voltar, está disposta a morrer;
                        * a menina ia também à ermida do Soveral, onde viu o amigo traidor;
* a donzela adorava ir a "San Simon de Val de Prados": as mães iam rezar, elas, eufóricas e traquinas, aproveitavam para bailar;
* um cavaleiro ficou desatinado quando foi a Santiago de Compostela e viu uma pastora muito bela.

            c) As fórmulas de juramento revestem muitas cantigas, recriando-nos a mundividência do homem medieval. Tudo gira à volta de Deus, é um mundo teocêntrico:
* por Santa Maria, roga a mãe à filha, por que não vai ela bailar para o amigo, não vá ficar encalhada para toda a vida;
* a donzela acredita em Santa Cecília e solicita-lhe ajuda para o amigo que partiu para o "fossado";
* a pastor, tão afastada de casa, no souto de Crexente, a falar, só, com um cavaleiro, mostra-se preocupada com a sua honra, com o que dirão as pessoas, e, então, pede-lhe, por Santa Maria, que se vá embora;
* por vezes, é o cavaleiro que exclama  "par Deus de Cruz"  ao  ouvir  cantar a mulher, sentindo de imediato que ela sofre uma grande "coita de amor";
* noutras ocasiões é a amiga da donzela que lhe pede, por Deus, que tenha pena dele, porque o viu sofrendo tanto.








Paralelismo perfeito

            A cantiga de amigo galego-portuguesa apresenta vestígios de uma poesia tradicional muito antiga. Em muitos poemas, encontramos um esquema estrófico e rimático em que predomina o chamado paralelismo, que revela o seu caráter popular.
 
1. Definição
 
            O paralelismo consiste na repetição da ideia expressa numa estrofe na estrofe seguinte, substituindo-se, nos versos paralelos, apenas as palavras em posição de rima por outras que sejam sinónimas.
 
 
2. Tipos de paralelismo
 
1.º) Literal ou sinonímico: consiste na repetição literal ou com recurso a sinónimos.
 
2.º) Estrutural ou de construção: consiste na repetição de uma determinada construção sintática e rítmica.
 
3.º) Concetual ou de pensamento: consiste na repetição de conceitos.
 
 
3. Refrão
 
            O refrão é um verso ou conjunto de versos que se repete integralmente no fim de cada estrofe.
            A presença do refrão constitui outra caraterística das cantigas paralelísticas.
 
Ondas do mar de Vigo,
se vistes meu amigo!
E ai Deus, se verrá cedo! Refrão
 
Ondas do mar levado,
se vistes meu amado!
E ai Deus, se verrá cedo! Refrão
 
 
4. Paralelismo perfeito
 
            As cantigas de amigo são paralelísticas perfeitas / de paralelismo perfeito quando possuem as seguintes características:
 
▪ Cada estrofe é um dístico monórrimo (isto é, constituída por dois versos com uma só rima), seguido de refrão de rima diferente (o refrão pode também surgir intercalado nos dísticos.
 
▪ O número de coblas/estrofes é sempre par: o primeiro dístico do par emparelha com o segundo dístico, isto é, este repete o conteúdo do primeiro, alterando-se apenas as palavras finais, que rimam – geralmente de vogal tónica a num dos dísticos de cada par e i ou e no outro (ou seja, os versos dos dísticos ímpares repetem-se nos pares, variando apenas a palavra da rima.
 
▪ A unidade rítmica não é a estrofe, mas o par de estrofes, ou, mais precisamente, o par de dísticos, dentro do qual ambos os dísticos querem dizer o mesmo, diferindo só, ou quase só, nas palavras da rima, que são de vogal tónica a num dos dísticos de cada par e i ou ê no outro.
 
▪ O último verso de cada estrofe é o primeiro verso da estrofe correspondente no par seguinte.
 
▪ Uso do leixa-pren, isto é, deixa-toma ou larga-pega.
 



 
5. Leixa-pren
 
▪ O leixa-pren aproxima-se das desgarradas populares (ou cantigas ao desafio) e consiste em começar cada estrofe repetindo o último verso de uma estrofe anterior.
 
▪ O 1.º verso do terceiro dístico retoma o 2.º verso do primeiro dístico = o 2.º verso da 1.ª estrofe é o 1.º verso da 3.ª estrofe.
 
▪ O 2.º verso do quarto dístico retoma o 2.º verso do segundo dístico e repete, com variação, o 2.º verso do terceiro dístico = o 2.º verso da 2.ª estrofe é o 1.º verso da 4.ª; e assim sucessivamente.
 
▪ A progressão do pensamento verifica-se apenas no 2.º verso das estrofes ímpares.
 
            Através do paralelismo perfeito, é possível construir uma composição de 6 estrofes e 18 versos em que apenas há 5 versos semanticamente diferentes, incluindo o refrão.
 
 
 
6. Paralelismo imperfeito
 
            Quando o paralelismo está isolado em cada par de estrofes, não havendo qualquer ligação às outras estrofes, diz-se que o paralelismo é imperfeito.
 
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