Português: Bocage
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segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Análise do poema "Camões, grande Camões", de Bocage


 
👉 Assunto: Camões é considerado por Bocage o modelo dos indivíduos predestinados à desgraça, vítimas do Destino adverso, além de poeta genial, cuja obra aspira a imitar.

 
 
👉 Tema: comparação de Bocage com Camões (vida e obra).

 
 
👉 Estrutura interna

 
n 1.ª parte (v. 1 – “Modelo meu tu és..”, v. 12) Semelhanças entre Bocage e Camões:

– ambos vítimas do destino / o mesmo fado: “quão semelhante / Acho teu fado ao meu”;



Continuação da análise aqui 👉 : "Camões, grande Camões".

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Soneto do velho escandaloso

     Hoje, faz anos Bocage: 15.09.1765 - 21.12.1805


                    Tu, ó demente velho descarado,

                    Escândalo do sexo masculino,

                    Que por alta justiça do Destino

                    Tens o impotente membro decepado!


                    Tu, que, em torpe furor incendiado

                    Sofres de ímpia paixão ardor maligno,

                    E a consorte gentil, de que és indigno,

                    Entregas a infrutífero castrado!


                    Tu, que tendo bebido o menstruo imundo,

                    Esse amor indiscreto te não gasta

                    De ímpia mulher o orgulho furibundo!


                    Em castigo do vício, que te arrasta,

                    Saiba a ínclita Lísia, e todo o mundo

                    Que és vil por génio, que és cabrão, e basta.


    Parabéns, Manuel Maria!

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

"Amigo Frei João, cuidas que é barro"






5





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Amigo Frei João, cuidas que é barro
O fumoso tabaco por que berro?
Um nigromante me transforme em perro,
Se há coisa para mim como o cigarro!

Ele me arranca pegajoso escarro,
Que nas fornalhas deste peito encerro;
O frio, as aflições de mim desterro,
Quando lhe lanço mão, quando lhe agarro.

De vício, se é vício, não me corro,
E só tomo rapé, simonte ou esturro,
Quando quero zangar algum cachorro.

Amigo Frei João, não sejas burro;
Dize bem do cigarro; senão, morro;
Traze-me lume já, ou dou-te um murro.

                                               (I, 116)


         Este soneto aborda o vício do tabaco através de uma situação cómica: estando o autor na cela do seu amigo Frei João de Pousafoles, sucedeu apagar-se-lhe um cigarro, pelo que pediu lume, que ele lhe recusou. É por aí que o soneto se inicia: o sujeito poético refere o pormenor de pedir lume ao amigo Frei João, porque o cigarro se lhe tinha apagado. O amigo da cela, porém, nega-lhe o lume, querendo com isso talvez não favorecer o vício.
         Reconhecendo os malefícios do tabaco, como o catarro do fumador (vv. 5-6), o sujeito poético confessa, porém, que não lhe consegue resistir. Daí a formulação do desejo hiperbólico dos versos 3 e 4: que um bruxo ou pessoa dedicada à arte de evocar os mortos para predizer o futuro (“nigromante”) o transforme num cão (“perro”, palavra de origem castelhana, usada frequentemente no sentido pejorativo de “tratante”). O prazer do tabaco não tem paralelo. O gozo insubstituível de fumar, descrito com humorado ênfase (v. 8), permite-lhe esquecer, ainda que momentaneamente, a miséria e o sofrimento (v. 7).
         Seguidamente, faz a distinção entre o tabaco de fumo (cigarro), referido no verso 2, de conhecidas consequências para os pulmões do sujeito poético (v. 6), e o tabaco de cheirar, referido enfática mas depreciativamente no verso 10 (rapé, simonte, esturro). Estes tipos de tabaco moído para degustar através de aspirações nasais distinguem-se pela qualidade, sendo o simonte um tabaco da primeira folha, e o esturro ou esturrinho um tipo de tabaco torrado, ambos usados para cheirar, como o rapé.
         O fecho coloquial do soneto encerra admiravelmente o tom cómico que o perpassa desde o início: “Traze-me lume já, ou dou-te um murro!” (v. 14).
         A nível estilístico, repare-se no trocadilho com as palavras homónimas barro e berro (vv. 1 e 2), ou no uso continuado da vibrante /r/, a estruturar toda a rima alternada do soneto, que nos sugere, foneticamente, o nefasto efeito do catarro típico do homem fumador.


"Certo enfermo, homem sisudo"

Certo enfermo, homem sisudo,




5





10



Deixou por condescendência
Chamar um doutor, que tinha
Entre os mais a preferência.

Manda-lhe o fofo Esculápio
Que bote a línguas de fora,
E envia dez garatujas
À botica sem demora.

«Com isto (diz ao paciente)
A sepultura lhe tapo.»
Replica o pobre a tremer:
«Aposto que não escapo».

                            (IV, 143)


         Outro grande tema da sátira epigramática de Bocage são os erros dos médicos, ou dos falsos cirurgiões da sua época.
         No caso deste texto, eis que um homem adoece e decide recorrer, com temor e hesitação (“Deixou por condescendência...”), aos serviços da medicina. Na 2.ª estrofe, Bocage apresenta ironicamente a figura do pretensioso médico (designado, com ironia, por “fofo Esculápio”Esculápio era o deus da Medicina) observando o doente, mandando-lhe deitar a língua de fora, e aviando uma receita ilegível (“dez garatujas”), actos que consubstanciam a sua pretensiosa ciência/sabedoria. Finalmente, na última estrofe, atente-se na irónica ambiguidade da afirmação do médico. Ao dizer que tapa a sepultura ao doente, tanto afirma que o vai salvar da morte certa, como pode significar que o mata definitivamente. E é nesta segunda acepção que o pobre e desenganado paciente entende a declaração do médico. Em suma, a sátira caricatural de que esta figura-tipo é alvo, incide sobre o tema dos doentes que morrem mais depressa por causa dos erros da classe médica do que por causa da própria doença e que, em alguns textos, leva Bocage a afirmar que a Medicina é filha da própria Morte. Como diz a sabedoria popular, se não morrem da doença, morrem da cura.
         Por vezes, como é o caso do texto em análise, Bocage serve-se de um breve mas cómico diálogo entre médico e paciente, dando assim maior vivacidade e graça ao cómico de situação ou de linguagem. Também é comum referir-se, algo jocosa e metaforicamente, aos médicos como os descendentes de Galeno (anatomista grego), os filhos de Esculápio (deus da Medicina) ou alunos de Hipócrates (médico célebre).

domingo, 24 de setembro de 2017

"Um homem que toda a vida"


 
 
 
 
 
5
 
 
 
 
 
10
Um homem que toda a vida
Passou fomes por querer,
Co’a muita debilidade
Pôs-se em termos de morrer.
 
Doutor, que de graça o via,
E co’a doença atinava,
Of’receu-lhe uns certos doces,
Para ver se o melhorava.
 
Obrigado (eis lhe responde
O enfermo estendendo a mão),
Dê cá... Bom será guardá-los
Para maior precisão.”

 

 

         Outro dos alvos predilectos da sátira epigramática de Bocage é o pecado da avareza; neste caso concreto temos o tipo do avarento que esconde a sua riqueza, não tirando partido dela, nem mostrando algum tipo de generosidade para com os demais.

         Este é o caso de um homem que, durante toda a vida, passou fome voluntariamente, para não gastar o seu dinheiro e por isso ficou doente a ponto de estar em risco de morrer. É então consultado gratuitamente por um médico que se apercebe de que a causa da doença é a falta de alimentação, por isso oferece-lhe alguns doces para o curar. O doente aceita mas – espanto dos espantos – decide guardá-los “Para maior precisão”.

         Em suma, neste epigrama a sátira de Bocage incide sobre o comportamento do homem avarento que, posto na maior necessidade e até na iminência da morte, aferrolha tudo a que pode deitar a mão. Este homem que poupa, avaramente, o próprio alimento que o salvaria de morte certa, só pode ser alvo do ridículo.

 

sábado, 23 de setembro de 2017

"Dizem que o Caldas glutão"

                    Dizem que o Caldas glutão
                    Em Bocage aferra o dente:
                    Ora é forte admiração
                    Ver um cão morder na gente!”
                                                              (IV, 133) 

         Os epigramas são composições poéticas breves, muitas vezes estruturadas em quadras, mas sempre animadas pela sátira mais ou menos maliciosa, incisiva e sarcástica.
         Este epigrama tem como alvo um confrade da Arcádia, Domingos Caldas Barbosa, que se teria excedido nas críticas a Bocage. De facto, este texto aparece como resposta a um outro do padre Caldas, censurando a maledicência de Elmano Sadino:
De todos sempre diz mal
O ímpio Manuel Maria;
E se de Deus o não disse,
Foi porque o não conhecia.
         A violenta resposta do poeta não se fez esperar, comparando a maledicência do adversário a nada menos que uma investida canina.
         Acrescente-se que para a compreensão da sátira é importante ler a rubrica que muitas vezes antecede o próprio texto poético. Neste caso, pode ler-se que o epigrama era dedicado «A um mulato comilão que murmurava de mim».

"Já sobre o coche de ébano estrelado"


Introdução:
            O soneto é da autoria de Bocage, poeta pré-romântico do final do século XVIII, um dos grandes sonetistas portugueses. Tendo recebido uma formação inicial neoclássica, tendo sido sócio por pouco tempo da Nova Arcádia, de temperamento rebelde, aderindo aos ideais da Revolução Francesa, abandonou essa Academia e seguiu um caminho poético próprio, dando forma às vicissitudes da sua vida e ao forte individualismo que sempre o orientou. Desta forma, tornou-se um dos vultos do chamado Pré-Romantismo.

Desenvolvimento:
. Tema

. Assunto





. Estrutura externa















. Estrutura interna
– 1.ª parte

































– 2.ª parte











– Articulação dos dois momentos




. Sentimentos










. Formação arcádica















. Elementos neoclássicos e pré-român-ticos








. Recursos poético-es-tilísticos


            Neste soneto, como noutros, é abordado o tema do desejo da morte, fruto da angústia existencial de um sujeito poético que se revê num cenário que se costuma denominar “locus horrendus”: um ambiente nocturno, triste e solitário. De facto, a Noite já vai alta e o silêncio é total, não se ouvindo qualquer ruído nem de pessoas nem de aves nem de coisas: tudo adormeceu. Apenas ele está acordado e, consolado com o ambiente fúnebre que o rodeia, pede ao Destino que lhe dê a morte.
            O texto é constituído por duas quadras e dois tercetos (um soneto), sendo doze versos decassílabos heróicos (acentos dominantes nas 6.ª e 10.ª sílabas) e dois decassílabos sáficos (versos 7 e 12, com acentos dominantes nas 4.ª, 8.ª e 10.ª sílabas) e apresentando o seguinte esquema rimático: ABBA / ABBA / CDC / DCD. A rima é toda grave ou feminina, toante nos versos 2 e 3, 6 e 7 (“feia”/”rodeia”), consoante nos restantes (“estrelado”/”vedado”), rica nos versos 2 e 3, 6 e 7, 9 e 11, 10 e 12, 11 e 13 (“feia”/”rodeia”), pobre nos outros (“estrelado”/”vedado”). Trata-se portanto de uma forma clássica que, pela sua rigidez, condiciona o tratamento do tema em poucos momentos, articulados com lógica rigorosa. Ainda neste parâmetro da análise, destaque para o encavalgamento ou transporte nos versos 1 e 2, 3 e 4, 9, 10 e 11, 13 e 14, e para o ritmo, mais lento nas quadras e mais movimentado nos tercetos.
            O soneto pode dividir-se em duas partes. A primeira, correspondente às duas quadras, é descritiva: apresenta o cenário que rodeia o sujeito. A Natureza está imersa em profundo silêncio; por outro lado, temos a Noite, caracterizada como “escura e feia”, entidade mitológica que conduz uma carruagem negra, um “coche de ébano estrelado”, elemento dominante porque condicionante de todos os outros. Com efeito, o silêncio profundo que reina na Natureza acontece porque a Noite vai alta e tudo dorme. Não é, pois, difícil justificar a presença dos outros elementos do cenário como o Zéfiro, vento brando e agradável, que não exerce a sua função, o Tejo, cujas águas adormecem, o rouxinol, ave do canto perfeito, que não tem espaço para cantar, o mocho, ave nocturna, cortesão da Noite, como é denominada noutros textos, até essa não faz ouvir seus pios agourentos. Nem era preciso, pois tudo é tão solitário e silencioso que faz lembrar a própria morte. Compreende-se por que razão a Natureza se encontra personificada: é que o sujeito poético revê nela o seu estado de espírito, numa atitude romântica, construindo-a à sua imagem e semelhança. A nível estilístico, é notável o paralelismo de construção na 1.ª quadra: o verso 1 transporta-se sobre o verso 2 e o verso 3 sobre o verso 4, criando dois segmentos melodiosos, reforçando o paralelismo a anáfora “Nem (...) Nem (...)”. As duas quadras formam o momento descritivo estático, salientando-se nele a presença de grande quantidade de adjectivos, ora antepostos, ora pospostos. De todos, deve salientar-se aquele que tem uma carga semântica maior: profundo (silêncio). Na verdade, o silêncio é o elemento que melhor caracteriza o ambiente físico e o ambiente psicológico. Não é sem razão que este nome aparece repetido e domina todo o texto. A tonalidade nasal (frequência de consoante nasais /m/ e /n/), as repetições de fonemas consonânticos sugestivos de ausência de ruído (/s/ e /ch/), tudo se conjuga para evidenciar de forma exemplar o estado em que se encontra o sujeito.
            A 2.ª parte, correspondente aos tercetos, é “narrativa”: acordado, o sujeito poético pede a morte, que vê prefigurada no silêncio da Natureza. Silêncio e solidão são palavras-chave deste soneto. Esta 2.ª parte inicia-se pelo advérbio de exclusão , repetido com o pronome pessoal de primeira pessoa: “Só eu velo, só eu”. Está justificada a localização do sujeito poético: “Neste deserto bosque”. Deserto exterior e deserto interior, porque só assim se compreende o seu comportamento: “... pedindo à Sorte / Que o fio, com que está minh’alma presa / À vil matéria lânguida, me corte”. Deserto interior reforçado com a aliteração do fonema /s/: “Só eu velo, só eu, pedindo à Sorte”.
            Está, pois, evidenciada a solidariedade entre os dois momentos do soneto, que pode caracterizar-se por afinidade e por contraste. Afinidade, porque cenário e estado psicológico se casam perfeitamente; contraste, porque enquanto tudo dorme, o sujeito poético vigia. O cenário favorece a reflexão, a interiorização, a expressão espontânea de sentimentos.
            Enquanto a morte não chega, o sujeito poético tem ao menos o cenário fúnebre que o consola, pois é o retrato da Morte, que é prefigurada pela Noite. À maneira clássica, esta é uma entidade que cobre com um manto os seres que atinge. Destacam-se dois sentimentos: horror e tristeza. O uso do determinante demonstrativo este, esta e da aliteração do fonema /t/ apontam o sofrimento, a mágoa e o desespero do sujeito lírico. Bem se quer iludir afirmando que lhe dá consolação “o silêncio total da Natureza”, mas o que ressalta no final é a expressão de um forte masoquismo, o que mascara uma profunda angústia existencial.
            Este soneto volta a manifestar a formação arcádica de Bocage, pois o recurso a mitologia é revelador desse facto. A “Sorte” é sinónimo de Destino, Fado, entidade que superintende, quer aos deuses, quer aos humanos. É ele que concede às irmãs Parcas o poder de dar ou tirar a vida. Átropos tinha nas mãos uma tesoura e entretinha-se a cortar os fios da existência humana. Além disso, a construção perifrástica e o uso do eufemismo são elementos exemplificadores do Neoclassicismo. A imagem do fio que prende a existência do corpo à alma é recorrente na poesia clássica e na sabedoria popular. O sujeito não tem nenhum gosto pela vida, caracterizando o corpo como “vil matéria lânguida”. À sua volta, tudo é silêncio; dentro de si, tudo é escuridão, solidão; não pode, pois, estar sossegado como as coisas: sofre. O verbo velar sugere sofrimento, lembrando as vigílias nocturnas e fúnebres. Só lhe resta a morte, que resolveria todos os seus conflitos.
            O texto apresenta elementos neoclássicos e pré-român-ticos. Por um lado, a forma poética (soneto), o verso decassílabo, a presença da mitologia (Noite, Zéfiro, Sorte), as várias perífrases (vv. 1 e 2, 5, 10 e 11) e as personificações são os elementos clássicos. Por outro, o tema do desejo da morte como solução para os conflitos, o “locus horrendus”, a subjectividade, a afirmação do indivíduo (egotismo), os sentimentos de terror e solidão são as características românticas dominantes. Integra-se, pois, na estética de transição denominada Pré-Romantismo. Confirma-se também a ideia de Bocage se constituir um poeta de transição.
            No que diz respeito aos recursos linguísticos, são de considerar os seguintes, além dos que já foram tratados. A nível fónico, a rima entre Sorte e corte, tristeza e Natureza é bastante expressiva. No primeiro caso, aproxima palavras que traduzem o desejo do sujeito poético: a Sorte (Destino/Fado) é quem tem nas mãos o poder de tirar a vida, através de uma Parca; no segundo, a Natureza apresentada é necessariamente triste. Por isso, a rima não é um mero artifício sonoro, mas aproxima palavras, fazendo a comunhão do sentido. As aliterações existentes nos verso 5 (/ch/), 9 (/s/) e 12 (/t/) sugerem, respectivamente, a ausência do vento, a solidão do sujeito e a acentuação da mensagem, o que comprova que houve um investimento sonoro bastante expressivo. Além disso, ainda é nítida a tonalidade nasal que percorre o texto e traduz a temática da tristeza. O ritmo, predominantemente binário, casa perfeitamente com os dois pólos do discurso: o cenário e o EU; lento nas quadras, devido ao estatismo da descrição, mais rápido nos tercetos, devido ao comportamento do sujeito poético.
            Relativamente aos aspectos morfossintácticos,  como é natural, na descrição predominam os adjectivos, que, antepostos aos nomes, adquirem cariz subjectivo; pospostos, mantêm a objectividade. O vocabulário de índole clássica e as perífrases (“coche de ébano estrelado”, “Zéfiro abafado”, “me corte o fio”) indicam a formação arcádica de Bocage. Por outro lado, com esse vocabulário podemos formar dois conjuntos lexicais: um ligado à ausência de luz, outro ligado ao silêncio, realizando o “locus horrendus”. Os verbos encontram-se no pretérito perfeito e no presente nas quadras e no presente nos tercetos. No primeiro caso, indicam estados passados que permanecem inalteráveis, observados pelo sujeito; no segundo, traduzem a expressão da vontade e dos sentimentos no momento da interiorização. De referir ainda que, na 1.ª parte, descritiva, domina a coordenação e, na 2.ª, subjectiva, domina a subordinação, de acordo com os dois tipos de enunciado. A anáfora nos versos 7 e 8 intensifica o silêncio da Natureza.
            A nível semântico, comecemos por destacar as perífrases longas, de sabor clássico, em que assentam as duas quadras e o primeiro terceto. A personificação da Noite, do Tejo, do Zéfiro e da Sorte permitem a construção do cenário de acordo com o estado de alma do sujeito poético, à maneira romântica. A personificação da Morte faz lembrar a entidade que cobre com um manto os seres vivos, roubando-lhes a luz (vestígio clássico). O eufemismo no primeiro terceto (“... o fio... me corte...”), recurso clássico, traduz de maneira mais suave o desejo de morte do sujeito poético e mostra uma vez mais a formação árcade de Bocage.


Conclusão:
. Visão global da poesia de Bocage
            Se alguma vez, em literatura, “o estilo é o homem”, pode afirmar-se que a vida de Bocage está registada na sua produção poética. O seu temperamento irascível, registado no soneto “Apenas vi do dia a luz brilhante”, a sua infelicidade amorosa expressa em tantos poemas, a sua entrega a exageros de toda a espécie, como se pode constatar no soneto “Meu ser evaporei na lida insana”, a saudade e o exílio, o fatalismo que o perseguia, o ciúme atroz expresso em sonetos como “Guiou-me ao templo do letal Ciúme”, “A loira Fílis na estação das flores”, “Há um medonho abismo, onde baqueia”, o desejo da morte, a angústia existencial de quem não encontrou sentidos para a vida, tudo isto faz deste poeta um bom representante dessa estética que se irá afirmar anos mais tarde.


quarta-feira, 11 de março de 2009

Inês de Castro segundo Bocage

A lamentável catástrofe de D. Inês de Castro

Da triste, bela Inês, inda os clamores
Andas, Eco chorosa, repetindo;
Inda aos piedosos Céus andas pedindo
Justiça contra os ímpios matadores;

Ouvem-se inda na Fonte dos Amores
De quando em quando as náiades carpindo;
E o Mondego, no caso reflectindo,
Rompe irado a barreira, alaga as flores:

Inda altos hinos o universo entoa
A Pedro, que da morte formosura
Convosco, Amores, ao sepulcro voa:

Milagre da beleza e da ternura!
Abre, desce, olha, geme, abraça e c'roa
A malfadada Inês na sepultura.

Bocage
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