Almada Negreiros (1893-1970). Heterónimos. 1958. Mural Fac. Letras de Lisboa |
sábado, 17 de fevereiro de 2024
Análise do quadro "Heterónimos", de Almada Negreiros
quarta-feira, 20 de dezembro de 2023
Apreciação crítica: análise do quadro "Golconde", de René Magritte
3.º par.: das figuras humanas;
Introdução |
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Título:
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Um mundo diferente |
Desenvolvimento
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–
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Cenário
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Desenvolvimento
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–
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Figuras
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Desenvolvimento
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–
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Tema
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Conclusão
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segunda-feira, 17 de outubro de 2022
Serebriakova - uma vida, uma obra
Este post é da autoria de Beatriz, uma professora de Filosofia de Setúbal, que possui um blogue onde escreve sobre diversos assuntos da atualidade e/ou do seu interesse: IP azul.
Neste caso, trata-se da divulgação de um nome da pintura ucraniana desconhecido para o comum dos mortais: Zinaida Serebriakova. O post original é este: Serebriakova - uma vida, uma obra.
O primeiro problema foi artístico: o seu estilo pessoal já não era bem-vindo no mundo da arte vanguardista, suprematista e construtivista favorecido pela Rússia soviética.
terça-feira, 4 de outubro de 2022
Análise de "Cornélia, Mãe dos Gracos, Apresentando os seus Filhos"
Na
pintura, encontramos, ao centro, portanto em posição de destaque, uma figura
feminina, Cornélia, que, vestida de branco (cor que simboliza a pureza), se
dirige a uma outra mulher vestida de vermelho (símbolo da paixão, neste caso,
das coisas mundanas) e branco. Esta personagem, sentada, exibe as suas joias
valiosíssimas; como resposta, Cornélia mostra os seus três filhos, o seu maior
tesouro. Deste modo, através desta situação contrastante, a pintora enfatiza o materialismo
e a frivolidade da mulher de vermelho, provocando o seu visível embaraço.
Cornélia,
na realidade, era uma figura histórica romana, uma das poucas mães em Roma às
quais se credita uma poderosa influência sobre a vida pública dos filhos. Era
também conhecida por se vestir de forma menos vistosa do que muitas das suas
contemporâneas. Cornélia era mãe dos Gracos, dos quais dizia
que eram as suas joias, e, depois de ficar viúva, recusou voltar a casar,
preferindo dedicar-se exclusivamente à educação dos filhos, que ficaram
conhecidos pelas iniciativas reformistas e que acabaram por provocar o seu fim
trágico.
Em suma, esta obra critica o apego excessivo aos bens materiais e a vaidade feminina, demonstrando-se que há valores muito mais importantes na vida do ser humano, como, por exemplo, o amor maternal.
quinta-feira, 8 de setembro de 2022
A escola do século XIX em imagens - IX
Nicolay Bogdanov-Belsky, Cálculo mental na escola pública (1895) |
Esclareça-se antes de mais que este docente não corresponde à figura convencional do mestre-escola em atividade nas escolas rurais oitocentistas. Trata-se de Sergey Rachinsky, um professor universitário de Botânica que a dada altura largou a vida académica em Moscovo para se tornar professor numa pequena cidade, onde não se limitava, como aqui se vê, a “dar a matéria”, mas se empenhava, através de desafios colocados aos seus alunos, em fazê-los pensar.
Além desta mensagem clara que a pintura transmite – a escola pública deve desafiar os alunos, retirando-os da zona de conforto do facilitismo e da falta de exigência, exigindo-lhes esforço para aprender e colocando-lhes desafios que os façam desenvolver todo o seu potencial – há uma outra ideia pertinente que, quando a diminuição das qualificações exigidas para dar aulas está na ordem do dia, é importante salientar: o professor não precisa de saber apenas a matéria que ensina aos alunos. A sua preparação deve ser bem mais vasta e abrangente. A qualidade da formação científica e pedagógica dos professores é, mais do que avaliações do desempenho burocráticas e vexatórias, a melhor garantia que podemos ter em relação à qualidade da escola pública.
Fonte: Escola Portuguesa.
domingo, 4 de setembro de 2022
A escola do século XIX em imagens - VIII
John Frederick Lewis, Escola árabe (c. 1850) |
Embora a arte europeia tenda a representar sobretudo, como é natural e expectável, o mundo dos europeus, não faltam, a partir do Renascimento e da expansão europeia, exemplos de pinturas e outras obras artísticas que refletem a descoberta e o contacto com outros continentes, civilizações e culturas. Trata-se de um olhar, de início curioso e ocasional, que se vai tornando mais atento e sistemático à medida que as principais potências do Velho Continente constroem ou consolidam, no século XIX, os seus impérios coloniais.
John F. Lewis, um inglês que viveu a sua infância no Cairo, registou, nesta pintura a guache e aguarela, o ambiente de uma típica maktab, a escola muçulmana que correspondia sensivelmente ao que hoje designamos por ensino básico. Os rapazes que desejassem prosseguir os seus estudos ingressariam depois numa madrassa. Umas e outras são escolas religiosas, sublinhando a ligação umbilical, também patente no mundo ocidental, entre a escola e a religião. Só que, enquanto na Europa a laicização progressiva da sociedade foi abrindo espaço à separação entre a escola pública, destinada a formar cidadãos, e as escolas da Igreja, vocacionadas para a formação do clero, no mundo muçulmano essa distinção entre religião e laicidade tem-se mostrado mais difícil e custosa.
A pintura, de contornos difusos, mas onde não falta expressividade, foca-se nas figuras do professor, já idoso – a idade avançada é, neste contexto, um símbolo de sabedoria -, e de um dos seus alunos, que se prepara para recitar a lição. O apelo à memória, hoje tão criticado, era um elemento essencial dos sistemas de ensino mais tradicionalistas e conservadores. E será sempre fundamental, embora ninguém defenda hoje o decorar de matérias como um fim em si mesmo: a verdade é que só somos verdadeiramente conhecedores daquilo que conseguimos armazenar, de forma organizada e compreensiva, no nosso cérebro.
sexta-feira, 2 de setembro de 2022
A escola do século XIX em imagens – VII
George Haanen, Escola nocturna (1835) |
Eis uma faceta da escola oitocentista que não poderia faltar nesta série: a escola noturna. As aulas à noite têm hoje uma presença pouco mais do que residual nos sistemas educativos, mas foram cruciais em épocas em que a maioria da população começava a trabalhar com uma escolarização mínima, ou mesmo sem ter tido oportunidade, na infância, de frequentar a escola. Neste contexto, e à medida que os trabalhadores vão percebendo que a formação escolar lhes pode abrir novas perspetivas profissionais e de desenvolvimento pessoal, a vontade e a necessidade de voltar a estudar começam a impor-se.
Na imagem, percebemos que boa parte dos alunos que chegam a esta escola, iluminada a velas e candeias, é ainda criança: na primeira metade do século XIX, o trabalho infantil era uma realidade muito frequente, o que remetia estas crianças desafortunadas para a escola noturna, única forma de escaparem ao analfabetismo. Posteriormente, graças sobretudo à luta sindical, esta situação começará a mudar, com o aparecimento de legislação restritiva do trabalho de menores e o aumento progressivo da idade mínima para trabalhar. Aliás, e já que se fala em sindicalismo, refira-se também o papel importante que os sindicatos tiveram, praticamente desde o seu aparecimento, na promoção do ensino e da formação profissional entre os seus associados.
Nesta escola, o ambiente de aprendizagem parece pouco formal, reinando algo parecido com o que hoje chamaríamos diferenciação pedagógica, o que é natural tendo em conta as diferenças de idades, as motivações e os níveis de conhecimento de uns e outros. Assim, enquanto uns alunos estudam autonomamente, outros fazem uma pausa no estudo e aquecem-se junto à salamandra. Um dos discentes, vestido de verde, ouve a explicação do professor, que por sua vez mira de relance aqueloutro – talvez um novo aluno? – que acaba de chegar à escola, trazido pela mãe…
Fonte: Escola Portuguesa.
terça-feira, 30 de agosto de 2022
A escola do século XIX em imagens – VI
Paul des Amoignes- Na sala de aula (1886) |
Este quadro constitui um exemplar da pintura naturalista francesa. Nesta observação cirúrgica e quase fotográfica da sala de aula, a figura de um pequeno estudante destaca-se pelo olhar intenso e penetrante, certamente dirigido à figura do professor.
Alguns colegas escrevem aplicadamente, outros mostram-se apáticos, distraídos ou aborrecidos. Mas só este rapaz levanta o lápis do caderno para prestar atenção ao professor. É uma realidade de todos os tempos e de todas as escolas: nem todos os alunos têm o mesmo interesse, a mesma capacidade de concentração, a mesma facilidade em aprender. Mas o desafio de dar a todos a sua oportunidade, razão de ser da escola, em especial da escola pública, é hoje ainda mais pertinente do que há um ou dois séculos.
A técnica do pintor é primorosa, não só no traço e na ambiência naturalista, mas também na forma como os rostos à volta do protagonista se apresentam desfocados – algo que na técnica fotográfica se consegue reduzindo a profundidade de campo – reforçando o impacto e o dramatismo da imagem. E atraindo o nosso olhar, irresistivelmente, para o aluno que quer aprender.
Análise do quadro "O Tempo – Passado e Presente"
“O Tempo – Passado e Presente” é uma
pintura de Paula Rego, datado de 1990, a segunda realizada pela pintora
enquanto Artista Associada da National Gallery, um acrílico sobre papel colado
em tela, 183 cm x 183 cm.
O título
encontra eco nas duas personagens centrais – um homem velho e uma menina,
provavelmente avô e neta – e também no par mulher/criança que comunica na porta
ao fundo aberta. Os quadros nas paredes contêm outras personagens, são uma
espécie de janelas que se abrem para outras narrativas e até os bonecos sobre o
móvel e os azulejos nas paredes são figuras que podem contar-nos histórias, a
nós e ao bebé que nos olha da direita do quadro.
Ao centro, a figura masculina domina
a composição. A idade já avançada sulca-lhe o rosto, pinta-lhe o cabelo de
cinzento, estagna-lhe o olhar. É a presença que dialoga com a rapariga, pequena
e andrógina, que está sentada à esquerda, debruçada sobre a folha em branco que
se esforça por esconder. Sobre o aparador, vemos uma caravela, um hipopótamo e
uma estatueta de contornos femininos, que as vestes acentuam. Estes objetos
remetem para a memória do tempo passado, tal como os objetos e pinturas que
povoam as paredes definidoras do espaço interior onde a cena se desenvolve. É
um espaço fechado, iluminado pela claridade que entra pela porta que, ao fundo,
se abre para o mar. Essa mesma porta mostra-nos uma mulher idosa, de saia azul,
e uma menina, de saia amarela, que se encontra no exterior. Todas as
personagens parecem alheadas do bebé envolto no seu casulo verde, confiado ao
anjo, que encima o berço, a sua proteção. É esta figura a única que nos olha.
A figura do bebé, que Paula Rego
afirmou constituir uma alusão ao nascimento da sua neta Lola, é, pois, encimada
por um anjo fundido com a parede-biombo onde se insere. À esquerda do quadro
encontramos uma alusão ao mar que funde elementos relacionados com a História
de Portugal (a caravela, por exemplo, é um símbolo dos Descobrimentos), a
atividade de marinheiro de Keith Sutton e as viagens de S. Jerónimo, enquanto o
centro da composição alude à pintura produzida num contexto de encomenda e
fruição religiosa, da mesma forma que a imagem do anjo e a figura do bebé
estabelecem com o observador uma relação de familiaridade que remete para a
cultura tradicional – constituindo estas três camadas sociais uma crítica
subtil à retórica propagandística do Estado Novo. Neste contexto, merece destaque
a capa azul de pescador que marca a divisão de planos e o traje escolar,
característico dos rapazes da Mocidade Portuguesa, com que é representada a
adolescente – vestes que acentuam a robustez das formas desenhadas e se
sobrepõem aos traços de feminilidade.
Outras recorrências, como os
azulejos bicromáticos em azul e branco onde estão representados jogos infantis,
a extremidade da moldura do quadro apócrifo acima do aparador que remete para
os beirais da casa portuguesa de Raul Lino, ou o mar que a porta aberta ao
fundo deixa adivinhar como horizonte, remetem à infância da pintora (serão memórias
convocadas da quinta dos seus avós na Ericeira).
Neste quadro, podemos encontrar
influências de outras obras, como, por exemplo, “S. Jerónimo na sua cela” (c.
1475), de Antonello de Messina, embora haja diferenças significativas entre os
dois quadros. Assim, a relação interior/exterior é invertida: em da Messina o
espaço encontra-se “fechado”, o tempo petrificado, e o observador é apenas
convidado a observar; em Paula Rego, o observador encontra-se no interior do
espaço onde se desenrola a ação da pintura, assumindo o lugar de espectador; a
ilusão do espaço, em perspetiva, é-nos sugerida em Antonello pelo padrão
geométrico do chão e pela arcaria à direita; em Paula Rego, são as ortogonais
marcadas pela parede lateral esquerda e pela sobreposição de planos à direita
que fecham o espaço e conduzem o olhar através da pintura. Para a construção
das figuras do primeiro plano, o quadro recorre ao jogo realidade-ficção,
fazendo coincidir em cada personagem a representação de alguém do seu mundo
real com uma imagem retirada de uma obra da National. Desta forma, a figura
masculina, não sendo a representação de S. Jerónimo mas um retrato de Keith
Sutton, encontra-se na mesma posição mantendo a atitude pensativa e
introspetiva que a figura do “S. Jerónimo numa paisagem” (c. 1440), de Bono da
Ferrara; a figura da menina a desenhar («retrato» da artista quando jovem)
coincide com a imagem do leão na pintura de Bono da Ferrara, ao nível da
relação espacial que este estabelece coma figura de “S. Jerónimo” e do
posicionamento do corpo. No que concerne ao bebé, existem semelhanças com o
leão representado por Domenichino em “A visão de S. Jerónimo” (a. 1603). Do
mesmo modo, a relação entre o par leão/anjo em Domenichino é assumida em “O
Tempo…” pela dupla bebé/anjo. Assim, ao jogo realidade-ficção sobrepõe-se a injunção
profano-religioso.
Por outro lado, as pinturas de
santos reproduzidas no fundo do quadro são reproduções fiéis ao “S. Francisco em
Meditação” (c. 1636-9), de Francisco de Zurbaran, ao “S. Sebastiºao” (c. 1623),
de Gerrit van Honthorst, e ao São Cristóvão, no reverso do volante esquerdo, do
“Tríptico de Donne” (c. 1478), de Hans Memling. Deste modo, Paula Rego presta
homenagem aos mestres do passado.
É possível identificar na pintura
duas narrativas paralelas: uma personificada pela própria artista que se
autorrepresenta em três tempos diferentes (coincidentes com o bebé, a menina ao
fundo e a adolescente) de cariz autobiográfico; outra historicista, que
consiste na pintura enquanto disciplina artística. Neste contexto, é
interessante registar a relação de “O Tempo…” e “As Meninas”, de Diego
Velázquez, havendo diversas semelhanças entre as duas obras: a porta que se
abre ao fundo para onde converge a obliquidade da construção espacial
assinalando o ponto de fuga; a profusão de figuras; a convocação de obras de
pintores precedentes e, no caso de Velázquez, também seus contemporâneos; a
elisão do sujeito. É, no entanto, através da autorrepresentação – com a
suspensão do gesto de Velázquez e a folha em branco em Paula Rego, com o facto
de os pintores integrarem não só a pintura, mas também o seu tempo e contexto
histórico de produção (para Velázquez a corte e para Paula Rego a instituição
museu).
Podemos considerar “O Tempo –
Passado e Presente” como uma alegoria, por conter a representação simbólica de
ideias abstratas através de figuras, grupos de figuras ou atributos. Neste
caso, a arte do presente deve permitir estabelecer relações por antecipação
(visão do futuro) e por retornos (conhecimento do passado). Nesta obra de Paula
Rego, a existência dessa visão do futuro e conhecimento do passado estimula a
continuidade transformativa que determina a inovação. Assim, no quadro,
perspetivado como uma alusão à história da pintura que tem no tempo histórico o
tema e na pintura o motivo, o que motiva a pintora é a combinação de formas
múltiplas da história da pintura e da arte, a desconstrução e reformulação do
real, a afirmação da linguagem pictórica e, através dela, da injunção da arte
com a vida. Ou seja, “O Tempo – Passado e Presente” constitui uma alegoria da
história da pintura.
C Paula Rego: O Tempo – Passado e
Presente ou a Pequena História da História da Pintura.
C GREER, Germaine. 1992. “A Olhar para
Paula Rego”, in Paula Rego: Histórias da National Gallery.