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quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Pai

     No dia em que celebrarias 96 anos...

    A palavra portuguesa "pai" deriva diretamente da forma latina «pater», que originou pelo caminho «padre», usado em textos portugueses antigos. Ora «pater» terá derivado do proto-indo-europeu *phtḗr (note-se que as letras representam os supostos sons das palavras reconstruídas a partir da comparação das várias línguas europeias).

    Foi, portanto, este *phtḗr que esteve na origem do vocábulo latino «pater» e seus derivados, bem como dos vocábulos que designam "pai" nas línguas germânicas, por exemplo, o termo inglês father, cujo "f" inicial resulta da transformação do som inicial do indo-europeu. De facto, várias das palavras iniciadas por "p" nas línguas latinas começam por "f" nas línguas germânicas: "peixe" → "fish" (ambas derivam do proto-indo-europeu *peysk-.

    Em suma, do indo-europeu *phtḗr (uma reconstrução, como atrás foi referido), passamos para o latim pater, daí para o português antigo padre e para o atual pai.


    A seguir, vamos descobrir de onde veio João e, depois, saudade...

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Origem da palavra «golo»

                 Muitas palavras relacionadas com o futebol têm origem inglesa, desde logo a designação — era «football», acabou «futebol». Parece quase igual, mas houve, primeiro, uma certa adaptação fonética e, logo a seguir, uma adaptação ortográfica. A palavra começou por se escrever como em inglês, às vezes com um hífen («foot-ball»), mas acabou por se adaptar à escrita portuguesa.

                Ora, o mesmo aconteceu com «golo»: vem de «goal», a palavra inglesa que significa «objectivo». É, literalmente, o objectivo do jogo. A origem um pouco mais remota de «goal» era uma antiga palavra do inglês médio que significava «limite». Se continuarmos a escavar, acabaremos numa palavra ainda mais antiga que significava algo como «brecha». No entanto, pouco é certo nestas viagens tão profundas. A etimologia é tão interessante quanto perigosa.

                Na nossa língua, e tal como «futebol», a palavra começou por ser adaptada foneticamente e, depois, com o tempo, também ortograficamente. Acabámos com o «golo» em Portugal e com o «gol» no Brasil. As diferenças entre as duas normas do português são especialmente marcadas na área do futebol; afinal, esta foi uma área que se desenvolveu já depois da separação política entre os dois países — as importações e adaptações fonéticas e ortográficas foram feitas em separado.

                Como em tantas coisas na língua, a transformação de «football» em «futebol» e «goal» em «golo» foi um processo gradual. Cada vez mais se escreveu a forma adaptada até chegar ao dia em que já ninguém escrevia a forma original.

                Por outro lado, o futebol mostra que um estrangeirismo não é inevitável. Durante muito tempo, usámos — só como exemplo — a palavra inglesa «corner» nos relatos de futebol. Ora, o «corner» à portuguesa, em vez de se transformar em «córner» — morreu. Alguém se lembrou de «pontapé de canto» e os falantes, pelo menos desta vez, aceitaram bem a expressão portuguesa.

                Outras tentativas de criação de expressões com materiais portugueses falharam. Havia uma proposta antiga, ainda do século XIX, para substituir «football» por «ludopédio». Não pegou. Só por isso não ouvimos hoje relatos do Campeonato Português de Ludopédio.

                Por que razão o «pontapé de canto» caiu no goto dos falantes e «ludopédio» nem por isso? Não sei. A nós, habitantes do século XXI, parece óbvio: mas só é óbvio porque temos décadas e décadas de hábito a dizer «pontapé de canto» e a ignorar «ludopédio».

                A língua é assim: os falantes às vezes hesitam, baralham-se, voltam atrás, mas há momentos em que se decidem, mesmo sem ninguém perceber bem porquê. «Ludopédio» morreu. O «corner» também. Mas «futebol» e «golo» estão vivos e recomendam-se. Quando os falantes, no seu conjunto, se decidem, as palavras passam a fazer parte da língua e nada há a fazer se não aprendê-las.

                E o outro golo?

                Como disse no início, para falarmos da origem de «golo» temos de pensar nas duas palavras que partilham a forma. «Golo» é o que um jogador de futebol quer marcar, mas também é aquele momento em que engolimos algo.

                Neste segundo sentido, a origem é também interessante, embora muito diferente: os falantes pegaram num verbo antigo, de origem latina — «engolir» — e retiraram-lhe partes. Deixaram o «gol-», com um «o» final a compor o nome. Chama-se a isto derivação regressiva — ou seja, os falantes criam uma palavra nova desmontando uma outra palavra maior. Há muitos, muitos exemplos em português. É uma das maneiras que os falantes de português têm para criar palavras novas.

domingo, 8 de janeiro de 2023

Origem da palavra «carro»


       Um espanhol, quando entra no Museu dos Coches, é bem capaz de coçar a cabeça: então onde estão os automóveis? Vejamos a história da palavra «coche» e da palavra «carro».

Para percebermos a origem da confusão do pobre turista, e antes de olharmos para a nossa palavra «carro», tentemos descortinar a origem de «coche» — as voltas que deu têm o seu quê de inesperado.

Tudo começou na localidade húngara de Kocs (lê-se algo como «cotche»), onde no século XV se começou a fabricar uma carruagem com uma suspensão mais agradável às costas dos passageiros. Este tipo de veículo foi chamado de «kocsi» (húngaro para «de Kocs») e o nome, com as habituais amolgadelas sempre que as palavras viajam, foi aproveitado por outras línguas, desde o italiano «cocchio» ao alemão «Kutsche», passando pelo inglês «coach».

A palavra inglesa acabou por ganhar também o sentido de treinador por um caminho arrevesado: «coach» era um termo usado entre estudantes ingleses de meados do século XIX para denominarem um professor que ajudava alguém, individualmente, a treinar para um exame. O professor era o veículo — «coach» — que levava o aluno até à meta. Esta metáfora acabou por ser usada em particular no desporto, onde a meta era a vitória, e deixou de ser vista como uma figura de estilo. Há muitas destas metáforas mortas nas nossas línguas e é também por isso que o mesmo vocábulo pode ganhar significados tão diferentes em diferentes lugares. As palavras andam a entornar-se pelos idiomas, mas vão sendo absorvidas à maneira de cada língua, como tinta que ganha novos tons conforme o tecido por onde alastra.

Antes das transformações desportivas, os ingleses tinham recebido a palavra do francês — que, como era costume, também a oferecera aos primos ibéricos, com a forma «coche». Assim ficámos todos com uma nova palavra para designar aquele tipo de carruagem, numa viagem que tinha começado na Hungria.

Quando, no século XIX, surgiram os automóveis, os nossos vizinhos aproveitaram o nome dos coches para designar esta novíssima carruagem que não sujava tanto as ruas das cidades (mal sabíamos nós…).

Já os falantes de português, perante um automóvel, não pensaram no coche engalanado. Virámo-nos para a velha palavra «carro», que remetia para um veículo puxado por animais num ambiente bem mais rural que o dos coches. Este sentido de «carro» ainda não se perdeu, mesmo entre quem vive na cidade: todos sabemos o que é pôr o carro à frente dos bois.

A palavra «carro» tinha vindo do latim que, por sua vez, a tinha ido buscar à velha língua celta dos gauleses — e estes tinham-na herdado do «*kers-» do proto-indo-europeu, que significava «correr». A mesmíssima palavra latina também foi exportada pelos franceses para o inglês e acabou por ser aproveitada da mesma maneira: o «car» inglês e o «carro» português têm a mesma origem. As histórias de palavras fazem-se de alguma lógica e muito acaso.

Portanto, ali por fins do século XIX, tanto portugueses como espanhóis tinham o mesmo problema: o que chamar ao novo veículo sem animais (tirando os que lá forem dentro)? Encontrámos soluções parecidas: pegámos numa palavra que já existia e reutilizámo-la com um novo sentido. A única diferença foi a palavra escolhida — e assim se explica que um espanhol amante de motores e afins se veja de repente num mundo de reis e cinderelas.

 
Enfim, há enganos bem piores.


Fonte: Certas Palavras, da autoria de Marco Neves.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Distinção entre oração coordenada explicativa e subordinada adverbial causal


     Distinguir uma oração coordenada explicativa de uma subordinada adverbial causal não é fácil em muitas circunstâncias, o que dá origem a muitas apreciações erradas.

    Com a devida vénia, transcrevemos a explicação da professora Maria Regina Rocha, retirada do Ciberdúvidas:

'Para tentar que fique esclarecida e percecione o melhor critério de distinção entre os dois tipos de orações, vou começar por lhe apresentar exemplos, passando, depois, à explicação.

 
1. Exemplos de orações subordinadas causais:

a) Não almoço, porque não tenho fome. = Como não tenho fome, não almoço.

b) O Vítor domina o vocabulário, porque lê muito. = Como o Vítor lê muito, domina o vocabulário.

c) A Marta não comprou o vestido, porque era muito caro. = Como o vestido era muito caro, a Marta não o comprou.

d) O menino caiu, porque ia distraído. = Como ia distraído, o menino caiu.

e) Aplaudiram o orador, porque o discurso foi brilhante. = Como o discurso foi brilhantes, aplaudiram o orador.

 
2. Exemplos de orações coordenadas explicativas:

a) Sobe, que te quero mostrar uns livros. = Sobe, pois quero mostrar-te uns livros.

b) Come a sopa toda, que está muito boa. = Come a sopa toda, pois está muito boa.

c) Não tenhais medo, que o mundo não acaba agora. = Não tenhais medo, pois o mundo não acaba agora.

d) O Manuel tem dinheiro, pois comprou um carro novo.

e) O pai já está deitado, pois as luzes estão apagadas.

 
1. A oração subordinada causal tem uma relação de dependência em relação à principal, apresenta um motivo, uma causa da ação, do acontecimento, da ocorrência referida nessa oração principal. Nos exemplos que dei com orações subordinadas causais, é visível essa dependência entre a causal e a principal:

 
a) O facto de não ter fome é a causa, o motivo que leva a pessoa a não almoçar.

b) O facto de o Vítor ler muito é a causa, o motivo, que o leva a dominar o vocabulário.

c) O facto de o vestido ser caro foi o motivo, a causa, que levou a Marta a não o comprar.

d) O facto de o menino ir distraído foi a causa da sua queda.

e) O facto de o discurso ser brilhante foi a causa dos aplausos.

 
2. Para se compreender bem a situação das orações coordenadas explicativas, penso que será útil referir cinco dos estratos gramaticais possíveis na análise de uma língua, por ordem ascendente: o monema, a palavra, os grupos de palavras, a oração e o texto. 

 
                No que diz respeito às orações coordenadas explicativas, que em algumas gramáticas são sintomaticamente chamadas de coordenadas «causais-explicativas», elas exprimem dois tipos de relação (a coordenação e a subordinação), mas não ao mesmo nível de estruturação gramatical. Entre si (no estrato oracional), elas são coordenadas, mas existe uma relação de dependência no que diz respeito ao sentido do discurso, ao nível, pois do texto. 

 
                A oração coordenada explicativa também apresenta, pois, um motivo ou uma causa, mas não da ocorrência referida na oração anterior, e, sim, do motivo que leva o emissor a referir aquela ação, a fazer aquele pedido, a dar aquele conselho, etc. Vou considerar, então, cada uma das orações coordenadas explicativas que apresentei acima: 

 
a) A ação de querer mostrar os livros não é a causa da ação de subir; é a causa do pedido de que suba. Quem fala quer mostrar os livros, quer o outro suba, quer não. A oração «que te quero mostrar os livros» justifica o facto de o emissor ter feito o pedido, justifica algo que não está sintaticamente expresso. Assim, estas duas orações são independentes entre si e poderiam formar dois períodos: «Sobe. Quero mostrar-te uns livros.» Se quiséssemos explicitar a dependência da explicativa em relação ao discurso, poderíamos construir um período complexo, aí, sim, pondo no mesmo nível todos os elementos em relação e subordinando-os uns aos outros: «Peço-te que subas, porque te quero mostrar uns livros.» Neste período, a oração «porque te quero mostrar uns livros» é subordinada à oração «peço-te», exprimindo a causa desse pedido.

 
b) O facto de a sopa estar muito boa não é a causa de a pessoa a comer; é o motivo que leva o emissor a aconselhar o recetor a comer a sopa. Como independentes entre si, estas orações poderiam constituir dois períodos: “Come a sopa toda. Ela está muito boa.” Para ver a relação entre o que está explícito e o que não está, poderíamos também construir um período complexo, com orações subordinadas: “Aconselho-te a que comas a sopa toda, porque ela está muito boa.”

 
c) O facto de o mundo não acabar agora não é a causa de as pessoas não terem medo; é o motivo que leva o emissor a tranquilizar as pessoas. Como independentes, estas orações poderiam formar dois períodos, sem prejuízo do sentido: “Não tenhais medo. O mundo não acaba agora.” Poderíamos também pôr os valores semânticos todos no mesmo plano, o das orações, e interligar essas orações por subordinação: “Como o mundo não acaba agora, acho que não deveis ter medo.”

 
d) O facto de o Manuel ter comprado um carro novo não é a causa de ele ter dinheiro; é a causa da dedução que o emissor faz a respeito daquela ocorrência da compra do carro. Se construir um período complexo em que esteja claro o que ficou subentendido com a utilização da explicativa, poder-se-ia, então, explicitar essa subordinação: «Como o Manuel comprou um carro novo, eu penso (eu deduzo) que ele tem dinheiro.» E a oração subordinada causal (o Manuel ter comprado um carro novo) apresenta o motivo, a causa que me leva a pensar que... («eu penso, eu deduzo»).

 
e) O facto de as luzes estarem apagadas não é a causa de o pai estar deitado; é o motivo que o leva a pensar, a deduzir, a supor que o pai já esteja deitado. Se construir um período complexo em que esteja claro o que ficou subentendido com a utilização da explicativa, poder-se-ia, então, explicitar essa subordinação: «Como as luzes estão apagadas, penso que o pai já está deitado.»'

 

terça-feira, 22 de novembro de 2022

"Havia" ou "haviam"; "houve" ou "houveram"?



O verbo «haver», enquanto verbo principal, é sinónimo do verbo «existir». Por isso, pode ser substituído pela forma verbal correspondente:

- O Eusébio disse que havia muitos computadores estragados.

- O Eusébio disse que existiam muitos computadores estragados.

 
Quando o verbo «haver» é o verbo principal da frase, é defetivo impessoal (isto é, não tem sujeito) e apenas se conjuga na terceira pessoa do singular (em qualquer tempo ou modo), independentemente de o complemento direto estar no singular ou no plural.

- No estádio, havia muitos espectadores com a careca ao sol.

- No estádio, havia muita gente com a careca ao sol.

- O professor afirmou que há muitos alunos que não estudam.

- Se houvesse mais competência no governo, não estaríamos a atravessar uma crise tão aguda.

 
A mesma regra aplica-se também quando o verbo «haver», enquanto verbo principal, está acompanhado por verbos auxiliares.
 
Estes verbos auxiliares flexionam-se também apenas na 3.ª pessoa do singular, mantendo-se o verbo principal («haver») no particípio ou no infinitivo.

- Na minha escola, tem havido muitas atividades.

- Algum dia deixará de haver fome e guerra entre os homens.

 
Quando o verbo «haver» é usado como verbo auxiliar, conjuga-se em todas as pessoas, concordando com o sujeito:

- Quando o filme começou, os alunos já haviam acalmado. [Note-se que os verbos auxiliares dos tempos compostos são «haver» e «ter», pelo que a frase podia também ser Quando o filme começou, os alunos já tinham acalmado.].

- Quando a campainha tocou, o professor já tinha terminado a aula.

- Os vícios humanos hão de levar à sua extinção.

 
O verbo «haver», quando é auxiliar, acompanha o verbo principal no particípio passado ou no infinitivo.

- As minhas ex-namoradas ainda hão de descobrir que namorei com todas ao mesmo tempo.

 
 
Conclusão
 
É a subclasse do verbo «haver» que determina se se conjuga apenas na 3.ª pessoa do singular ou em todas as pessoas.
 
Assim, quando ocorre como verbo auxiliar, conjuga-se em todas as pessoas.
 
Porém, quando ocorre como verbo principal, como sinónimo de «existir», apenas se usa na 3.ª pessoa do singular.
 
            Resumindo, vamos deixar de ouvir dizer ou ler «Houveram muitos acidentes no verão passado.» e bacoradas semelhantes?

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Função sintática do pronome que

O pronome que pode desempenhar diversas funções sintáticas, nomeadamente de sujeito e complemento direto.
Para a maioria dos alunos, é difícil identificar ou distinguir os casos em que desempenha uma ou outra função sintática, no entanto, a tarefa é simples. Basta aplicar o seguinte teste:
• pegamos na frase em que o que está presente e “tapamo-lo”;
• se houver concordância (entre o sujeito e o predicado)
correta, o “que” é sujeito:
- O padre que foi preso era pedófilo.
- O padre foi preso…
incorreta, o “que” é complemento direto:
- O padre que prenderam era pedófilo.
- O padre prenderam…

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Cona: etimologia


     A palavra cona designa, enquanto calão, o órgão sexual feminino, constituindo, por isso, um sinónimo de vagina.

    O termo provém do latim cunnus, que significava «vulva», mas também foi usado como representação metonímica de mulher pelo poeta Horácio.

    Cunnus deu origem ao português «cona», bem como ao castelhano «coño» (que pertence ao género feminino), ao italiano «conno», ao francês «con» e ao catalão «cony».

    Relativamente à origem indo-europeia, existem diferentes hipóteses, não se tendo chegado até agora a nenhuma conclusão definitiva.

domingo, 8 de maio de 2022

Origem da palavra «gravata»


    Qual é a origem da palavra gravata?

    O professor Marco Neves, neste post, explica-nos a sua origem, numa viagem que começa na Croácia e termina em Portuga, passando pela França.

domingo, 16 de janeiro de 2022

Como identificar o sujeito indeterminado?

     Quando temos dúvidas acerca da identificação de um sujeito indeterminado, basta aplicarmos o teste da interrogação: O que / Quem + verbo?

    Se a resposta que obtivermos for «Não sei.», tal significa que o sujeito dessa frase é indeterminado.

    Vejamos a frase seguinte: "Bateram à porta.»

    Apliquemos-lhe o teste de identificação: Quem bateu [à porta]? «Não sei» é a resposta. Temos noção de que alguém bateu, mas, como não vimos quem ou o que foi, não sabemos quem foi exatamente.

    O mesmo se passa com outros enunciados:

        . «Assaltaram o banco.» Quem assaltou? Alguém, mas não sei quem foi.

        . «Diz-se que vai nevar.» Quem diz que vai nevar? Alguém, mas não sei quem.

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Origem e significado da palavra "caralho"

     Corre por aí uma "versão" que associa o termo, ou melhor, o seu significado mais comum, à cesta onde se alojava o vigia dos antigos barcos à vela. Tal não é correto.

    O dicionário Houaiss diz que caralho é de origem duvidosa, enquanto o homónimo da Porto Editora afirma que deriva do latim *caraculu-, que significava "pequena estaca". A evolução fonética seria óbvia: à síncope do primeiro /u/ (caraculu- > caraclu-) seguiu-se a palatalização do grupo /cl/ em /lh/ (caraclu- > caralho). Outros autores sustentam que provém do latim *characulus, o diminutivo de *charax, acis, do grego chárax, akos, que queria dizer «esteio», «estaca para a vinha», «vara». Há ainda quem associe o termo ao radical celta car-, que significava "tudo o que é direito e empinado", desde logo as pedras erguidas para o céu, ou menires, como nas Rochas de Carnac (um alinhamento de mais de 3 000 megalitos, erguidos na comuna de Carnac, na Bretanha, em França, por volta do ano 2 000 a.C.).

    A viagem de «caralho» ao longo dos tempos tem sido rica. Sendo ou não verdade que designou o pequeno cesto do mastro principal de um barco à vela onde ficava o vigia, em 982 d.C., num texto que outorgava privilégios a um mosteiro catalão, foi escrito que das suas terras fazia parte o Mons Carallo, ainda hoje designado Puig Carallot, sendo Puig uma elevação ou colina. Note-se que o termo carall é bastante comum em catalão, como se pode comprovar por outros exemplos: Carall Bernat (uma ilha a leste do arquipélago das ilhas Medas que tem o aspeto de um monólito) ou a ilhota El Carallot nas ilhas Columbretes, um arquipélago espanhol, também ela com uma forma que lembra um pénis em ereção. Já o castelhano ostenta o vocábulo carajo (note-se que, ainda hoje, o grupo /ll/ se lê /j/ naquela língua), que parece ter dado origem ao português popular «carago».

    Se é verdade que o termo «caralho» é usado maioritariamente como calão de «pénis» (convém não esquecer que o latim caraculu- significava um pau pequeno) foi sendo usado e ganhando outros sentidos. Na poesia galego-portuguesa, surge-nos em cantigas de escárnio e maldizer com o significado de pénis. Por exemplo, o trovador Pero Burgalês, retratando uma velha ninfomaníaca, mais concretamente a soldadeira Maria Negra, mulher já velha e apaixonada pelo trovador, representada como sequiosa de macho e reduzida agora a comprar membros viris que logo espatifava de tanto os usar, escreveu o seguinte:
                                        pois lhe não nom querem durar
                                        e lh'assi morrem aa malfadada?
                                        E num caralho grande que comprou,
                                        o onte ao serão o esfolou,
                                        e outra pissa tem já amormada.
Por seu turno, Martim Soares, outro trovador do século XIII, numa cantiga que se desenvolve a partir de uma referência paródica a um episódio do ciclo do Rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda, onde pontifica um D. Caralhote (uma óbvia deturpação paródica de Sir Lancelote, uma personagem pura e central da lenda arturiana que cai em desgraça ao relacionar-se com a rainha Genebra), um clérigo do qual se queixa uma irmã de Martim Soares ao próprio trovador porque lhe batia. Por causa desta queixa, o clérigo não quis voltar para a jovem, por isso esta foi buscá-lo, levando-o para a sua própria casa. Reza, pois, a cantiga (que critica a falta de vergonha e de caráter da rapariga, cujos motivos seriam mais interesseiros que propriamente amorosos) o seguinte:
                                        Ua donzela jaz [preto d] aqui,
                                        que foi ogano um adeam servir
                                        e nom lhi soube da terra sair;
                                        e a dona cavalgou e colheu [i]
                                        Dom Caralhot'enas mãos; e tem,
                                        pois lo há preso, ca está mui bem,
                                        e nom quer del as mã[a] os abrir.

    Quando chegamos ao Renascimento, em pleno século XVI, o vocábulo já é de uso corrente. Por exemplo, no Glosário de el Escorial, o termo «androgenus» é definido como "ombre que tiene conno et carajo". E prossegue, nos séculos seguintes, a ser usado tanto no registo oral como literário. De facto, de Bocage a E. M. de Melo e Castro, muitos escritores usam o caralho nos seus textos.

    Quanto ao seu significado, a palavra é comummente usado, enquanto calão, como sinónimo de pénis, como atrás referidos. Contudo, o seu sentido não se esgota aqui. Por exemplo, pode ser usada também como expressão de espanto ("Caralho! Que golaço!"), de alegria ("Ganhámos, caralho!") ou indignação, entre muitos outros.

domingo, 2 de janeiro de 2022

Poesia

     A palavra poesia deriva do latim pŏēsis (que significava "poesia, obra poética, obra em verso"), que, por sua vez, provém do grego poiēsis - ποίησις (que queria dizer "criação; fabricação, confeção; obra poética, poema, poesia"), que deriva do verbo poiein ("produzir, fazer, criar" e, num sentido mais amplo, "compor"), o qual advém da raiz indo-europeia *kwei-, ou do sânscrito pu-, cujo significado era "gerar", "procriar", "construir".

    Em síntese, a base grega poiēsis teve origem no verbo poiein ("fazer" ou "criar"), a que se acrescentaram os sufixos -sis (que indica «ação», como em "paralisia") e -ia (que refere «qualidade», como em "caligrafia" ou "gastronomia"). Entre os gregos antigos, a poiesis concretizava-se em «poiema»(poemas), que podiam ser de dois tipos: «epos» (épicos) ou «melos» (líricos).

    No século IV a.C., Aristóteles (384-322 a.C.) dividiu a atividade humana em três áreas: a teoria, que se referia ao conhecimento, à busca do verdadeiro conhecimento; a práxis, entendida como a ação destinada a resolver problemas de forma prática; a poesia, como o impulso do espírito humano para criar algo a partir da imaginação e dos sentimentos e com a força estética das palavras.

    Por outro lado, antigamente os poemas eram cantados ao som de música produzida por um instrumento muito popular na Grécia Antiga: a lira. Por isso, considera-se que a poesia pertence ao modo/género lírico. Há estudiosos que defendem que os textos poéticos se podem dividir em quatro subgéneros: o lírico, o épico, o didático e o dramático.

Máscara

     A palavra máscara provém do termo italiano maschera (o «che» italiano pronuncia-se «quê»), que, por sua vez, derivará do latim medieval ou do árabe.
    Em latim do período da Antiguidade, máscara dizia-se persona, que se referia às máscaras que os atores usavam no teatro e que davam identidade às personagens (persona > personagem) e daí evoluiu para significar "ser humano com identidade social" ou "ser com direitos e deveres". Deste modo, o significado de persona evoluiu de máscara para a própria pessoa que a usa.
    Desde muito cedo, o termo máscara foi associado ao duplo ato de esconder e revelar, ou seja, é um artefacto que permite ocultar a personalidade e assumir-se outro. É este significado que encontramos, pois, no teatro da Grécia Antiga e, posteriormente, no romano, onde a máscara e um elemento cénico essencial que ampliava certos traços da personalidade da personagem cénica, ou no Carnaval, ou nos bailes de máscaras, etc.

Luva

     A palavra luva provém do gótico (a língua dos Visigodos) lofa, que significava "palma da mão".
    Por seu turno, lofa deriva do proto-germânico *lōfô, que queria dizer "palma da mão", tal como em gótico. Esta raiz encontra-se, hoje em dia, em línguas tão díspares como o islandês, onde lófi significava também "palma da mão", ou o inglês glove, que quer dizer "luva".
    Desse significado original evoluiu para o nosso termo português, que designa uma peça de vestuário, geralmente com a forma da mão e dos dedos, que se usa aos pares como agasalho ou proteção, mas também se pode referir a um "suborno".

sábado, 1 de janeiro de 2022

Feriado

1. Origem / etimologia

    A palavra «feriado» deriva do latim feria (que significava "salário diário" ou "soma de salários de uma semana ou de uma quinzena", ou designava um dia da semana), cujo plural [feriae] queria dizer "repouso em honra dos deuses" - "festas", "férias", "repouso", "folga", "descanso" -, ou seja, designava os dias em que os romanos não trabalhavam por motivos religiosos, enquanto no latim vulgar significava "mercado", "feira", o que se deverá ao facto de os dias de festividades religiosas serem também aproveitados para a realização de eventos comerciais nos aglomerados populacionais onde havia essas festas, isto é, de feiras, palavra que se formou a partir, portanto, de feriae com a metátese do /i/, que passou a ser colocado antes do som /r/: feriae > feira. De facto, nas festas populares era comum a montagem de uma espécie de barracas onde se vendiam os chamados "comes e bebes".
    Por seu turno, feriae está ligada etimologicamente a termos como festum ("festa", em geral em louvor aos deuses), festus ("festivo"), fas ("justiça divina"), nefas ("violação da lei divina", "pecado") e nefastus ("nefasto", "pecaminoso").
    Todas estas palavras têm uma raiz comum: o indo-europeu *dhēs‑ (o Indo-Europeu era uma língua falada na região do Cáucaso há cerca de cinco a seis mil anos que deu origem a múltiplos grupos de línguas e idiomas, como o grego e o latim; o asterisco significa que a forma não está documentada, tendo sido reconstruída pelos linguistas). Essa raiz queria dizer "sagrado" e constitui também a origem do termo grego théos ("deus"), que originou múltiplos vocábulos da língua portuguesa, como "teologia" e "ateu".


2. Significado

    Tendo presentes as explicações dadas acima, feriado provém de «feria», que significava uma retribuição atribuída como pagamento de um trabalho executado ou dia de semana (daí a designação de cinco dias, em que "feira", na verdade, quer dizer "féria", isto é, dia útil) e "dia santificado", logo dia de descanso.
    Assim, sendo "feriado" um dia consagrado às obrigações religiosas, em que, à maneira do sábado (Shabbat, dia de descanso e oração dos judeus) e do domingo (dominicus, dia do Dominus, ou seja, dia do Senhor), todo o trabalho para e as pessoas (mente e corpo) se voltam para o sagrado.
    Ora, constituindo o feriado um dia de descanso, as férias seriam uma sequência de feriados: a palavra «férias» só é usada no plural, mas não deixa de ser o plural de «féria», tal como o termo holidays (férias em inglês) é o plural de holiday (feriado).
    O que se pode concluir de tudo isto? Pode concluir-se que palavras como «feira», «féria», «férias», «feriado» ou «festa» têm uma conotação comum: a de sagrado. É isso que justifica o facto de grande parte dos feriados serem datas comemorativas da Igreja Católica.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Selfie

1. Origem

        A palavra "selfie" é de origem inglesa, mais concretamente um diminutivo de "self", por sua vez uma redução do termo "self-portrait", ou seja, autorretrato.


2. Género

    Não conheço ninguém (o que não quer dizer que não exista) que não utilize "selfie" como pertencente ao género feminino.

    Por seu turno, os gramáticos dividem-se. Assim, há os que defendem que os empréstimos (as palavras importadas de uma língua estrangeira) devem manter o género que têm na língua de origem, enquanto outros sustentam que esses vocábulos devem assumir em português o género do seu equivalente vernáculo. Deste modo, segundo o primeiro princípio, devemos dizer, por exemplo "a Deutsche Bank", visto que "Bank" é feminino em alemão; porém, de acordo com o segundo, a forma correta é: "o Deutsche Bank", dado que nos estamos a referir a um banco, que, na língua de Camões, é do género masculino.

    No caso de "selfie", em inglês o seu género é neutro (ou natural, como alguns gramáticos o designam), visto que a palavra "portrait" o é. Em virtude de, em português, não existir o género neutro, devemos atribuir a "selfie" o género masculino, pois as palavras neutras latinas assumiram o masculino na língua portuguesa, com raras exceções.

    Se adotarmos o segundo critério, a palavra "selfie" é masculina, visto que adota o género de "retrato". Assim, qualquer que seja o princípio adotado, de acordo com a gramática, o vocábulo "selfie" é masculino em português.

    Sucede, no entanto, que o comum dos falantes associa "selfie" a fotografia (e não a "retrato"), por isso a usa como pertencendo ao género feminino: "a selfie", "uma selfie".

Plural dos nomes terminados em -s, -r, -z ou -n

     Os nomes agudos terminados em -s, -r, -z ou -n formam o plural acrescentando a terminação -es ao singular.

    É o que sucede com o nome «pionés», cujo plural é «pioneses».

    Ao formal o plural, estes nomes passam de agudos a graves.

"Aparte" e "à parte"

     A palavra aparte é um nome da área teatral que se refere à fala de um ator que simula falar consigo próprio e é ouvida apenas pelo público, ou a um comentário marginal feito no meio de um discurso.
            Ex.: Só um aparte: sabes que amanhã faço anos?

    Por sua vez, a locução à parte significa "em particular, em separado, isoladamente".
            Ex.: A Maria e o Manuel ficaram a conversar à parte durante horas.

"Estrambólico" e "estrambótico"

     O adjetivo estrambólico significa "extravagante, esquisito, ridículo" e surgiu pela alteração de outro: estrambótico, que, por sua vez, deriva por estrambote + -ico e quer dizer "que é singular, invulgar, diferente em todos os sentidos, excêntrico; que causa certa repugnância ou aversão, ridículo".
    Por seu turno, estrambote - cujo significado é "versificação: adição de um ou mais versos, geralmente de um terceto, aos 14 versos de um soneto, estramboto; música: estrofe acrescentada ao vilancico, à guisa de coda" - tem origem em estramboto, que é uma forma de poesia italiana muito antiga sobre temas amorosos ou satíricos.
    Assim sendo, é possível que estrambólico se tenha formado por analogia com outras palavras, como diabólico, hiperbólico ou simbólico, visto que a terminação -ólico parece ser mais frequente do que -ótico.
    Não obstante, grande parte dos estudiosos defende o uso preferencial do adjetivo estrambótico em contextos formais, em detrimento de estrambólico, cujo uso deve ser restrito a contextos informais.

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Vírus

     A palavra vírus é de origem latina e designava um veneno ou um líquido fétido de origem animal, entre outros significados, que não diferiam muito dos referidos.

    Nos finais do século XIX, um cientista holandês chamado Martinus Beijerinck descobriu que algumas doenças eram transmitidas por algo mais pequeno que uma bactéria. Para designar esses micróbicos, adotou o velho nome latino virus, que já há muito havia desaparecido da boca dos falantes.

    A partir dos artigos de Beijerinck, o termo espalhou-se pelo mundo com o significado que o cientista holandês o cunhou.

    Os mais curiosos talvez estejam a questionar-se acerca do motivo que terá levado Martinus a selecionar este termo. Pois bem, a explicação é relativamente simples. Nos finais do século XIV, quando virus deixara de ser usado pelo latim e pelas línguas que dele derivaram, as quais tinham optado por outros vocábulos para se referir a um veneno, o termo foi recuperado na Inglaterra, tornando-se uma palavra inglesa. Quatro séculos depois (XVIII), adquiriu um novo sentido: o de «agente que provoca doenças». Este significado foi-se espalhando gradualmente pelas línguas europeias, surgindo inclusive nos imortais Os Maias, o célebre romance de Eça de Queirós. Ora, isto quer dizer que o velhinho virus latino já tinha sido associado ao campo da Medicina, contudo foi o seu uso por parte de Martinus Beijerinck que fez com que a palavra se espalhasse com  o significado que hoje lhe damos.

    Resumindo, o termo virus provém do latim (que o terá herdado de outra língua); com o tempo, deixou de ser usado pelos falantes de línguas latinas, mas acabou por ser recuperado pelos ingleses, que lhe atribuíram um novo sentido; posteriormente, um cientista holandês conferiu-lhe um significado preciso e assim se disseminou pelas línguas do mundo inteiro.

    Porém, como as línguas - e as palavras - estão em permanente evolução, o vocábulo vírus, depois de ser reinventado para designar um novo tipo de germe, adquiriu novos sentidos. Atualmente, pode também referir um programa de computador que danifica, de alguma forma, as máquinas onde se aloja. Este novo significado foi criado pela língua inglesa, nos anos 70 do século XX, e espalhou-se pelo globo.

    E outros sentidos, de caráter metafórico, surgiram entretanto e são usados pelo comum dos mortais.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Sintaxe do verbo aquiescer

    O verbo «aquiescer» pode reger-se com as preposições a e em.

    Exemplos:
        1. O professor aquiesceu ao pedido do aluno.
        2. A Miquelina aquiesceu no casamento.
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