Português

sexta-feira, 11 de março de 2011

Correcção do teste (4.º)

Grupo I


TEXTO A


1. A metáfora “O plantador de naus a haver” remete para os pinhais mandados plantar por D. Dinis que são já, virtualmente, as naus das Descobertas – o futuro adivinhado. A figura do rei é apresentada, assim, como aquela que cria condições para as navegações futuras, como uma espécie de intérprete de uma vontade superior.

2.1. Efeitos de sentido:

          a) Com a madeira dos pinhais construíram-se as naus com as quais Portugal viria a
              construir o seu império marítimo.

          b) A palavra «trigo» pode ter o sentido de «abundância», «ausência de fome», «riqueza»,
              «sobrevivência».

3. Elementos que evidenciam o destino mítico de Portugal:
          - os pinhais plantados por D. Dinis;
          - o rumor dos pinhais;
          - «esse cantar»;
          - o «som presente»;
          - a «voz da terra».

4.1. Esta metáfora apresenta-nos o «cantar» do rei como um regato que corre em direcção a um «oceano por achar», querendo com ela apontar para a ideia de que nesse passado – do «cantar» se adivinha já o futuro das descobertas, simbolizado pelo oceano ainda não descoberto, ainda não desvendado.



TEXTO B


1 – V

2 – F

3 – F

4 – V

5 – V



Grupo II

1 – d

2 – d

3 – b

4.1. – a

5.1. O advérbio desempenha a função sintáctica de modificador frásico / de frase.

5.2. O predicativo do sujeito é «a que fica, esperando, imóvel, na felicidade e no sonho do regres-so».

6.
   1 – d
   2 – h
   3 – a
   4 – g
   5 – f

7.
   a) A oração é uma oração subordinada substantiva relativa.

   b) As orações são ambas coordenadas disjuntivas.

"Esta velha angústia"

          Todo o poema se desenvolve em torno da expressão da angústia do sujeito poético.

          Logo a abrir, o deíctico demonstrativo «esta» (repetido em anáfora nos versos 1 e 2 com a finalidade de expressar o estado de alma do sujeito) e o adjectivo qualificativo «velha» remetem para a temática da angústia, para a sua presentificação.
          O sujeito poético pretende comunicar que a angústia o consome (o complemento preposicional «em mim» relaciona-o precisamente com esse sentimento) e é real ("Esta (...) angústia, / Esta angústia» - vv. 1-2; «este mal-estar» - v. 9) e se vem a desenvolver na sua alma («em mim» - v. 2), desde a idade da razão, desde que começou a tomar consciência de si («velha» - v. 1; «que trago há séculos em mim» - v. 2 - notar a hipérbole, para mostrar o enraizamento, a duratividade da angústia, já sugerida pela expressão «trago (...) em mim»).
          Por outro lado, a angústia do sujeito poético é «tanta» e dura há tanto tempo que «transbordou da vasilha» (metáfora - v. 3), isto é, ele (o seu coração, a sua alma) já não comporta mais, por isso não a pode esconder e tem de a exteriorizar através das lágrimas, de grandes imaginações, de sonhos e de grandes emoções  (vv. 4 a 6) - notar a anáfora, a estrutura paralelística e os nomes abstractos que designam os sentimentos e as emoções. Além disso, a adjectivação («grandes») sugere que as «imaginações» e as «emoções» são muito numerosas, muito intensas ou muito elevadas e distanciadas da realidade. Por outro lado, os nomes abstractos «pesadelo» e «terror» traduzem o carácter opressivo dos sonhos, o que os torna semelhantes a pesadelos, embora sem o medo que eles instilam («sem terror»). Por último, convém atentar no valor expressivo do modificador preposicional «sem sentido nenhum», que destaca a desproporção entre a intensidade das sensações experimentadas e a falta de lógica da sua existência.

          Na segunda estrofe, despojado de qualquer argumento, em anáfora com o verso 3,

quinta-feira, 10 de março de 2011

Semana Académica Viseu 2011


          E eis que chegamos àquela época em que se multiplicam as semanas académicas...

          Além dos problemas ortográficos, há a referir a ausência, no cartaz, da alusão à Serenata, a realizar no dia 3, pelo grupo «Toada Coimbrã».

segunda-feira, 7 de março de 2011

Epigrama - Gregório de Mattos

Juízo anatómico dos achaques de que padecia o corpo da República em todos os membros, e inteira definição do que em todos os tempos é a Bahia

                    Que falta nesta cidade?... Verdade.
                    Que mais por sua desonra?... Honra.
                    Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.

                    O demo a viver se exponha,
                    Por mais que a fama a exalta,
                    Numa cidade onde falta
                    Verdade, honra, vergonha.

                    Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.
                    Quem causa tal perdição?... Ambição.
                    E no meio desta loucura?... Usura.

                    E que justiça a resguarda?... Bastarda.
                    É grátis distribuída?... Vendida.
                    Que tem, que a todos assusta?... Injusta.

                    Valha-nos Deus, o que custa
                    O que El-Rei nos dá de graça.
                    Que anda a Justiça na praça
                    Bastarda, vendida, injusta.

          Substituamos o nome «Bahia» pelo de Portugal e o texto de Gregório de Mattos (Bahia, 1633-1696), também conhecido por Boca do Inferno, escrito no século XVII, aplica-se, sem a mais pequena alteração, à situação que se vive hoje no nosso rectângulo.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Gomes Freire de Andrade

          Embora nunca apareça em cena, Gomes Freire de Andrade - amado pelo povo e odiado pelos governadores - é a personagem central e constitui o elemento estruturador da acção:
  • origina a sequência de episódios da peça;
  • é o símbolo da luta pela Liberdade e pela Justiça;
  • atrai a admiração e a esperança do povo miserável e oprimido;
  • atrai, por oposição, a desconfiança e o ódio dos governadores.
  • a sua prisão, condenação e execução constituem o centro das conversas e condicionam o comportamento das restantes personagens.

          Apesar de estar fisicamente ausente (de facto, nunca surge em cena / palco), domina os pensamentos e as preocupações das restantes personagens, daí que o seu retrato seja traçado a partir do que elas nos dão a conhecer sobre ele.


1. Para o POVO:
  • é considerado um mito / é mitificado ("Para esta cambada, o Freire é Deus." - pág. 24);
  • é idolatrado (pelo povo);
  • é carismático;
  • é admirado ("Fala com entusiasmo." - pág. 20);
  • representa a liberdade;
  • é um amigo, «um homem às direitas»;
  • é humano e corajoso («Não é um santo, é um homem como todos nós.»);
  • é o único capaz de enfrentar «os senhores do Rossio».

2. Para o ANTIGO SOLDADO:
  • é um militar - general ("No regimento de Freire d'Andrade" - pág. 18);
  • defende / representa a liberdade ("No regimento de Freire d'Andrade / São cantadas com o estilo / De lá ré ó liberdade." - pág. 18);
  • é "Um amigo do povo" (pág. 20);
  • é justo, recto, honesto ("Um homem às direitas!" - pág. 20), sendo, pelas suas qualidades, único, diferente dos restantes ("Quem fez aquele não fez outro igual..." - pág. 20);
  • é um herói ("Vê-se que Gomes Freire é o seu herói." - pág. 20);
  • não é oportunista; é humano e um igual ao povo ("Não é um santo, é um homem como todos nós..."- pág. 23).

3. Para MANUEL:
  • deposita no general a sua (única) esperança de enfrentar o poder instituído e lutar pela liberdade ("Se ele quisesse..." - pág. 21);
  • é forte, corajoso, valente ("... é capaz de se bater com os senhores do Rossio..." - pág. 23);
  • é o único "capaz de se bater com os senhores do Rossio" (pág. 23).

4. Para VICENTE:
  • é um general como os outros, que se serve do povo quando dele necessita e depois o abandona à sua sorte;
  • ignorará o sofrimento do povo, não o retirando da opressão e da miséria
  • é um estrangeirado ("O teu general, então, é perfeito: nem sequer é português... (...) Estrangeirado: estrangeirado é que ele é!" - pág. 23);
  • é idolatrado pelo povo ("Para esta cambada, o Freire é Deus." - pág. 24; "... a ninguém tem o povo mais amor do que ao primo de V. Excelência." - p. 34), que nele deposita toda a sua esperança numa revolução ("Em ninguém põe o povo mais esperança do que no general..." - p. 34).

5. Para BERESFORD:
  • é um oficial de patente elevada, com um grande passado militar (p. 64);
  • considera-o inimigo natural dos governadores pelas suas qualidades ("Trata-se de um inimigo natural desta regência." - pág. 71);
  • é seu inimigo pois receia ser substituído por ele e, assim, perder os privilégios de que disfruta, entre os quais se conta a tença que recebe por comandar o exército.;
  • é incómodo porque «... devendo, por nascimento e posição, defender certos interesses, defende outros...» (p. 96).

6. Para D. MIGUEL:
  • considera-o lúcido, inteligente, idolatrado pelo povo, um soldado brilhante, grão-mestre da Maçonaria e um estrangeirado (p. 71);
  • considera-o um "inimigo natural desta regência" (p. 71);
  • considera-o um traidor, daí a necessidade da sua morte: "Morte ao traidor Gomes Freire d'Andrade!" (p. 74);
  • consciente de que não possui a capacidade de comunicação do primo, receia que este ponha em causa o seu lugar na regência e lhe retire a sua projecção como estadista.;
  • considera-o incómodo, já que «... devendo, por nascimento e posição, defender certos interesses, defende outros...» (p. 96).

7. Para PRINCIPAL SOUSA:
  • odeia os franceses, os maçons, porque os considera responsáveis pela falta de respeito a Deus e à Igreja ["São muitos os inimigos do Senhor (...). Fala-se de Deus com ironia e da sua Igreja como se de letra morta se tratasse. Os piores, Srs. Governadores, são os pedreiros-livres (...). Quem será o chefe da Maçonaria?" - pág. 67]. Por ser considerado estrangeirado, Gomes Freire de Andrade representa os franceses, cuja influência faz com que o povo cante "... pelas ruas subservivas." (pág. 40).

8. Para MATILDE:
  • constitui uma ameaça ao Poder, mesmo que não tenha sido conspirador: «Olhe que nem saía de casa com medo que o povo o aclamasse. Juro-lhe que nunca conspirou.» (p. 95);
  • é o seu homem;
  • é o paradigma da honestidade, da verdade, da lealdade: «(...) dizem a verdade (...) vêem para além da cortina de hipocrisia com que os poderosos escondem a defesa dos seus interesses...» (p. 95);
  • não é ambicioso nem adulador: «Vê para além das medalhas que usais no peito...» (p. 96);
  • é ousado, corajoso e destemido: «... olha para vós de frente e sorri...» (p. 96);
  • é valente, justo e leal;
  • está inocente do crime que lhe procuram imputar, isto é, conspirar contra o Poder («... ele não cometeu qualquer crime.» - p. 95).

9. Para SOUSA FALCÃO:
  • é o oposto de D. Miguel Forjaz: «É franco, aberto e leal...» (p. 117) e sabe perdoar, ao contrário do primo, que é «calculista e medíocre»;
  • é um homem corajoso, o exemplo da luta por um ideal, um daqueles «... homens que obrigam todos os outros homens a reverem-se por dentro...» (p. 137).

10. Para FREI DIOGO:
  • é um santo: «Se há santos, Gomes Freire é um deles...» (p. 126);
  • «Foi um grande privilégio que Deus lhe concedeu - o de viver ao lado dum homem como o general Gomes Freire.» (p. 127).

          Em suma, o general Gomes Freire de Andrade é apresentado como:
  • um homem culto, educado e letrado (um estrangeirado");
  • o símbolo da luta pela liberdade e pela defesa dos ideais contrários à prática dos "reis do Rossio";
  • o símbolo da modernidade e do progresso, adepto das novas ideias liberais, por isso considerado pelos governantes subversivo e perigoso, daí que preencha todos os requisitos para ser o bode expiatório do ambiente de revolta;
  • símbolo da integridade e da recusa da subserviência, da capacidade de liderança e de coragem na defesa dos ideais em que crê;
  • culpado (pelos detentores do poder) porque "... é lúcido, é inteligente, é idolatrado pelo povo, é um soldado brilhante, é grão-mestre da Maçonaria e é, senhores, um estrangeirado..." (p. 71);
  • um homem cuja morte remete para a manutenção de uma ideologia fossilizada, num país estagnado e assolado pelo medo, pela denúncia e pela suspeição (p. 63);
  • um homem cuja morte é duplamente aviltante enquanto militar, pois é enforcado e depois queimado, quando a sentença adequada para ele na qualidade de elemento do exército seria o fuzilamento; por outro lado, a morte pretende ser uma lição para todos aqueles que ousarem afrontar o poder político.

Paralelismo histórico-metafórico


Vicente

          Vicente integra o grupo dos traidores e delatores, o equivalente aos «bufos» da época do Estado Novo. Este grupo move-se pela conveniência, isto é, representa todos aqueles que se aproximam do poder para obter favores e que não têm qualquer pejo em se vender aos governantes. São, no fundo, os verdadeiros traidores que não têm qualquer ética ou valores morais e que passam impunes, alcançando os seus objectivos.

          Vicente é, na peça, o maior representante  desta «classe». Ele é um elemento do povo / popular que surge, pela primeira vez, investido na função de provocador e agitador, procurando denegrir a imagem do general Gomes Freire de Andrade junto do povo através de diversos «argumentos»: a guerra e as feridas e mágoas que deixou na lembrança das pessoas ("Vocês ainda não estão fartos de generais?" - pág. 21); as miseráveis condições de vida em que vivem [a fome que atinge as famílias, muitas numerosas, procurando apelar ao sentimento de pai ("Tens sete filhos com fome e com frio e vais para casa com as mãos a abanar. Julgas que o Gomes Freire os vai vestir?" - pág. 21); a ausência de vestuário; a ausência de habitação ("Nenhum de vocês tem um tecto que o abrigue no Inverno..." - pág. 21)]; o desprezo a que são votadas as pessoas quando deixam de ter utilidade, abandonadas à miséria e à condição de pedintes, por contraste com os generais, que obtêm glória ("... para eles se encherem de medalhas..." - pág. 22) através do seu sacrifício e vivem confortavelmente("Matas a fome com os cinco réis e com a recordação da campanha. Mas eles... eles vão para casa encher a pança!" - pág. 22 - notar o recurso a uma linguagem rude, sinónimo da sua origem social), indiferentes à desgraça alheia. Depois, concentrando-se directamente no seu alvo, acusa-o de ser um «estrangeirado» (pág. 23) e ser igual aos outros, de estar conluiado com o poder ("Porque está feito com eles, porque essa gente é toda igual." - pág. 24). Nessa sua tarefa, socorre-se por vezes do sarcasmo e da ironia ("É um santo, o teu general..." - pág. 23).

          Durante o diálogo com os dois polícias, Vicente autocaracteriza-se como mentiroso ("... digo-lhes metade da verdade." - pág. 25) e revela toda a sua astúcia, manha e inteligência ("Lembro-lhes que o Gomes Freire é general e falo-lhes da guerra. Haverá alguém que se não lembre da guerra?"; "Odeiam os Franceses e os Ingleses? Chamo estrangeirado ao Gomes Freire..." - pág. 25), todo o seu materialismo, oportunismo e ambição, afirmando que se vende a quem lhe pagar: "Só acredito em duas coisas: no dinheiro e na força. O general não tem uma nem outra." (pág. 25). Ora, estas afirmações permitem deduzir que Vicente poderia perfeitamente aliar-se ao general caso este fosse detentor de dinheiro ou poder, o que quer dizer que não há qualquer ideologia que sustente as suas acções, apenas o seu interesse imediato.
          Por outro lado, esta personagem não tem qualquer rebuço em confessar que trai os seus por dinheiro ("Ias perguntar-me se foi por dinheiro que eu me virei contra os meus..." - pág. 26), mostrando-se descontente, frustrado e revoltado com a sua condição social, revelando igualmente vergonha das suas origens ("´É verdade que nasci aqui e que a fome desta gente é a minha fome, mas... é igualmente verdade que os odeio, que sempre que olho para eles me vejo a mim próprio: sujo, esfomeado, condenado à miséria por acidente de nascimento." - pág. 27). O modo que encontra para ultrapassar a sua condição e o seu sentimento de inferioridade passa pela ascensão político-social rápida, obtida através da denúncia  e da traição e concretizada com a obtenção do cargo de chefe de polícia ("... sou capaz de acabar com uma capela... ou chefe de polícia..." - pp. 30-31). Esse sentimento de inferioridade e de vergonha pelas suas origens leva-o a desprezar os seus semelhantes, os elementos da sua classe ("Rindo-se com desprezo" [do 1.º Polícia] - pág. 31). Por outro lado, em determinado momento denuncia a incapacidade de o povo se fazer ouvir pelo Poder ("Bem vistas as coisas, que pode a voz do povo contra a voz d'el-rei?" - p. 35). A sua origem social fica patente na sua linguagem, quando recorre a provérbios populares: "Há quem diga que a voz do povo é a voz de Deus..." (p. 35).

          No seu percurso, marcado por várias etapas - provocador e agitador (início do acto I), procurando denegrir a imagem do general; espião (vigia a casa de Gomes Freire); delator (denuncia o general, acto pelo qual espera uma recompensa); acusador (confirma a existência das reuniões e indica o nome dos conspiradores) - ficam bem patentes as suas características mais marcantes: a hipocrisia, o servilismo, a adulação, o materialismo, o oportunismo dos que não olham aos meuos para atingir os seus fins. No diálogo entabulado com os governadores, nomeadamente com D. Miguel, demonstra toda a sua adulação ("Avançando e fazendo uma vénia prolongada" [para D. Miguel] - pág. 33; "Francamente adulador" - p. 34), todo o seu calculismo e hipocrisia, visto que age e fala de acordo com aquilo que pensa poder agradar ao seu interlocutor. Dito de outra forma, as respostas que Vicente dá ao governador são, inicialmente, dúbias até ter a certeza da sua posição em relação ao general ("Fixa atentamente D. Miguel porque não tem a certeza de estar a agradar. A meio da frase faz uma pausa para estudar a reacção do governador, e recomeça." - p. 34).

          Após a denúncia e condenação do general, Vicente é recompensado pelos seus «bons» serviços ao ser promovido a chefe de polícia, afinal a sua grande ambição, passando, a partir daí, a ignorar e maltratar os seus conhecidos e os da sua classe social: «Olhou para mim como se nunca me tivesse visto. Estendi-lhe a mão e deu-me uma cacetada na cabeça.». Ele é, em definitivo, aquele que se vende ao poder de forma pouco escrupulosa.

quinta-feira, 3 de março de 2011

quarta-feira, 2 de março de 2011

Piscator

          Piscator foi um actor e encenador, portanto um homem do teatro, que trabalhou com Brecht e que esteve na origem da revolução dramatúrgica encetada por este último.
          Piscator considerava que uma peça de teatro serve para que se compreenda o mundo e a história e que o público deve manter-se afastado da acção, não se deixando encantar ou enfeitiçar por ela. Além disso, defendia encenações com poucos recursos técnicos, mas recorrendo a linguagens muito diversificadas. Para ele, o teatro era um veículo de actuação, de intervenção, de educação, muito próximo do teatro épico posteriormente teorizado por Bertold Brecht.

John Osborne

          Logo a seguir à dedicatória e antes da apresentação das personagens, encontramos um excerto de uma peça de John Osborne, dramaturgo inglês dos anos 50 e 60 que se caracteriza por um estilo muito crítico relativamente aos valores sociais mais tradicionais.
          A referida citação foi retirada de uma peça do dramaturgo, televisionada em 1960.
          O seu teatro é caracterizado pelo enquadramento individual do herói num contexto de época, reflectindo um drama de consciência. Ora, um dos problemas focados por Osborne é o do confronto do liberalismo, proclamado por uma voz individual, e do tradicionalismo em vigor numa sociedade ultrapassada, o qual pode ser encontrado também na peça de Sttau Monteiro. De facto, nesta, um indivíduo, Gomes Freire, que preconiza o futuro, o progresso, é marginalizado e perseguido por uma ordem inquestionável, a do regime figurado nas personagens Beresford, D. Miguel e Principal Sousa. Por outro lado, se Osborne pretende atingir criticamente a sociedade inglesa da sua época, nomeadamente a monarquia, Sttau procura reflectir sobre o silenciamento, levado a cabo pelo regime autoritário de Salazar, de uma voz de protesto e inconformismo: a do general Humberto Delgado.
          Tal como em Osborne, vamos encontrar em Sttau tiradas monologais (por exemplo, de Manuel e de Matilde) em que toda a riqueza interior das personagens surge desnudada perante o olhar do leitor ou do público.
          As personagens do dramaturgo inglês são figuras sós, excluídas, que falam e não são compreendidas pelos que as rodeiam. No entanto, não se deixam vergar pela ordem instituída a que se opõem, tal como sucede com Gomes Freire, Matilde e Sousa Falcão, verdadeiros rebeldes perante um poder instituído, mas não revoltosos ou revolucionários.
          Holyoake, a personagem de Osborne que consta do excerto transcrito na obra de Sttau Monteiro, defende o direito à opinião («What's the morality of a law wich prohibits the free publication of an opinion?») e auto-proclama-se um homem honesto sobre o qual impende uma única acusação: ir contra a opinião vigente («... I'm here for having been more honest than the law happens to allow.»; «But these weapons are denied only to those who attack the prevailing opinion.»). Assim sendo, esta figura pode ser entendida como uma outra versão de Gomes Freire, o defensor de uma liberdade que o poder autocrático não reconhece e que acaba por ser vítima desse mesmo valor que defende e que o condena.

Manuel

          A primeira personagem a ocupar a cena é Manuel, apresentado na didascália que «informa» sobre as personagens da peça como «o mais consciente dos populares». De facto a personagem está plenamente consciente da situação que a rodeia, marcada pela miséria, pelo medo, pela ignorância, pela repressão, pelo autoritarismo.
          As suas vestes denunciam, desde logo, a miséria em que  vive e que é extensível ao resto da classe a que pertence. Por outro lado,  as atitudes revelam a impotência para alterar a situação vivida, bem como um certo conformismo e resignação, não obstante a esperança inicial depositada no general Gomes Freire de Andrade. Exemplo desse estado de espírito é o início paralelo dos dois actos da peça, em que no surge um Manuel interrogando-se: «Que posso eu fazer? Sim, que posso eu fazer?».
          Logo de seguida, ainda no seu monólogo inicial, Manuel denuncia o sacrifício do orgulho nacional, vítima das invasões francesas, da opressão dos militares ingleses e da ausência do rei no Brasil, fugido precisamente em resultado daquelas.


(em actualização...)

Estrutura externa

          A peça é constituída por dois actos, que não estão divididos em cenas. Estas são sugeridas pelo movimento das luzes, que vão remetendo para espaços diferentes e dando conta da entrada e saída de personagens. Pode, contudo, tentar gizar-se quadros em que as personagens monologam ou dialogam, marcando as suas entradas ou saídas de cena.

Obra

● Narrativa:
  • estreia: Um Homem não chora (1960, Milão);
  • Angústia para o Jantar (1961, Lisboa)
  • Chuva na Areia (1982), adaptação televisiva de um romance que ficou inédito: Agarra o Verão, Guida, Agarra o Verão.
          Em todas estas obras, Sttau Monteiro denuncia, de forma sarcástica, os problemas da época.


● Teatro:
  • Felizmente há Luar! (1961), obra que obtém grande êxito e esgota rapidamente;
  • Todos os Anos pela Primavera (1963, Lisboa);
  • O Barão (1964, Lisboa) - adaptação teatral da novela com o mesmo nome, da autoria de Branquinho da Fonseca;
  • Auto da Barca do Motor Fora de Borda (1966, Lisboa);
  • Duas Peças em um Acto (1967, Lisboa);
  • A Estátua (1966, Lisboa);
  • A Guerra Santa (1966, Lisboa, prisão do Aljube - a sua publicação valeu-lhe mais seis meses de cárcere em Caxias);
  • As Mãos de Abraão Zacut (1968 - escrita na prisão de Caxias);
  • adaptação de A Relíquia de Eça de Queirós (1971, Lisboa);
  • Sua Excelência (1971, Lisboa);
  • E se for Rapariga chama-se Custódia (1978 - escrita na prisão do Aljube).
          Destas peças, poucas foram representadas em Portugal antes do 25 de Abril, devido ao seu conteúdo crítico e ideológico. Após a publicação das peças A Estátua e A Guerra Santa, que criticavam a ditadura e a guerra colonial, foi preso pela PIDE em 1967.


● Jornalismo:
  • colaborou com várias publicações (Diário de Lisboa, Almanaque, O Jornal, Se7e, Expresso, agências de publicidade);
  • redacções da Guidinha (Lisboa, 1971 - O Jornal e Diário de Lisboa - suplemento «A Mosca»;
  • escreveu também sobre gastronomia com o pseudónimo de Manuel Pedrosa, para O Jornal (Lisboa, década de 80).

● Prémios literários: Grande prémio de Teatro, em 1962, para a peça Felizmente há Luar!.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...