Português

sexta-feira, 27 de maio de 2011

"Este descaso de assassinos", Jorge de Sena

Chega-se a um momento na vida
(e por coincidência a um momento do mundo
que seja por linguagem o nosso)
em que o poeta se interroga antes de escrever:
porquê, e para quê, e para quem?
De nós mesmos falar não é possível:
seria necessário que houvesse humano respeito,
delicadeza humana, e não este descaso
de assassinos que se pisam sem desculpas.
Falar do que vai por este beco do universo
onde as comadres se acotovelam para levantar a saia
no escuro dos portais? Seria preciso
que a tristeza e a amargura e a visão do abismo
fossem partilhadas mais a fundo que a retórica
de serem tão infelizes no conforto
do piolhoso que vê mais dois piolhos na cabeça do outro.
Pensar em melhores mundos? Haverá,
mas não aqui. Aqui é o fim da festa,
o fechar das luzes do último dia
da Exposição dos Centenários, o arriar das bandeiras,
o apodrecer dos barcos pela praia.
Aqui só há lugar para metáforas,
óbvios símbolos, jogos de prendas poéticas,
para a droga de um sexo reduzido a palavras.
Cantem a beleza que se esvai, da juventude
que se perde, dos prados e das árvores,
com doce melancolia. O leitor tremula,
sente-se irmão, enfia
sorrateiramente a mão no bolso das calças,
apalpa-se e fecha os olhos, que está salva a pátria.

                                             Jorge de Sena (30.08.1973)

I, 105-106 - Correcção

1. Identifique o acontecimento motivador desta reflexão.

          O acontecimento é a chegada da armada portuguesa a Mombaça, após várias vicissitudes ocorridas em Moçambique e Quiloa, urdidas por Baco.


2. Explicite o valor expressivo dos versos 5 e 6 da estância 105.

          Os referidos versos traduzem a insegurança da vida humana, decorrente dos grandes perigos ("Oh! grandes e gravíssimos perigos..." - v. 5) e da incerteza ("... caminho da vida nunca certo..." - v. 6) que a caracterizam.


3. Comente o efeito expressivo da exclamação final da estância e do tom hiperbólico dos últimos quatro versos.

          Os referidos recursos acentuam o carácter trágico da condição humana. De facto, na vida, à maior esperança ("que aonde a gente põe sua esperança") sucede, geralmente, o maior perigo e grande insegurança ("tenha a vida tão pouca segurança!").


4. Releia a estância 106 e complete o quadro dado.



5. Clarifique a conclusão a que o Poeta chega nos últimos quatro versos da estância 106.

          O Poeta conclui que o ser humano dificilmente pode encontrar segurança e tranquilidade ("Onde pode acolher-se hum fraco humano") num universo hostil que contra ele se arma, dada a sua fragilidade ("Onde terá segura a curta vida") e a condição de "bicho da terra".


6. Reescreva a interrogação que finaliza a estância 106 (máximo de 22 palavras).

          Poderá o Homem, "bicho da terra tão pequeno", ultrapassar a sua pequenez face ao universo, muito mais poderoso do que ele?


7. Tendo em conta o conteúdo da Proposição relativamente ao herói de Os Lusíadas, refira uma possível intenção do Poeta com a reflexão feita nestas duas estâncias no que diz respeito aos feitos cometidos pelos portugueses.

          O Poeta pretenderá exaltar a valentia dos portugueses, que, mesmo sendo pequenos ("bicho da terra tão pequeno"), venceram os maiores desafios.


8. Para terminar, aponte o tema da reflexão de Camões.

          O tema da reflexão é a fragilidade e a efemeridade da vida humana, face aos grandes perigos enfrentados no mar e na terra e as circunstâncias da vida.

I, 105-106

1. Identifique o acontecimento motivador desta reflexão.

2. Explicite o valor expressivo dos versos 5 e 6 da estância 105.

3. Comente o efeito expressivo da exclamação final da estância e do tom hiperbólico dos últimos quatro versos.

4. Releia a estância 106 e complete o quadro dado.


5. Clarifique a conclusão a que o Poeta chega nos últimos quatro versos da estância 106.

6. Rescreva a interrogação que finaliza a estância 106 (máximo de 22 palavras).

7. Tendo em conta o conteúdo da Proposição relativamente ao herói de Os Lusíadas, refira uma possível intenção do Poeta com a reflexão feita nestas duas estâncias no que diz respeito aos feitos cometidos pelos portugueses.

8. Para terminar, aponte o tema da reflexão de Camões.

Estrutura - Correcção

Estrutura

Dedicatória

Cronologia de Camões - Correcção

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Bob Dylan: "Tight Connection to my Heart"


Bob Dylan cumpriu, ontem, 70 primaveras.

Transgressão: código ficcional

          A nível ficcional, a transgressão ocorre, entre outros, nos seguintes aspectos:

  • a. A música vence a doença (a música tocada por Scarlatti no seu cravo tem poderes curativos bem evidentes na cura da misteriosa doença que afecta Blimunda após a árdua tarefa de recolher as duas mil vontades necessárias ao voo da passarola).
  • b. O padre Bartolomeu de Gusmão desafia o poder da Igreja, seguindo o seu sonho e acreditando na ciência.
  • c. A concepção das personagens, nomeadamente as figuras históricas, transgride aquilo que a História nos transmite. Por exemplo, o casal real é apresentado pelo narrador de forma caricatural; ao contrário do que seria de supor, é o casal Baltasar e Blimunda que assume o estatuto de protagonista do romance.
  • d. O voo da passarola conforme descrito no romance não é verídico. Por outro lado, o voo sai do domínio humano e entra no domínio de Deus, subvertendo as leis do universo.
  • e. O voo da passarola assenta na conjugação inusitada de saberes: o saber científico de Bartolomeu, associado ao saber artesanal de Baltasar, à magia de Blimunda e à arte de Scarlatti.
  • f. O narrador assume um estatuto pouco habitual: acompanha a acção, comentando-a e criticando-a, estabelecendo uma interacção permanente entre passado, presente e futuro.

Transgressão: código religioso

  • A sumptuosidade que rodeia a edificação do convento (pp. 365-366) vs a simplicidade e a humildade, essência dos valores cristãos;
  • O recrutamento de homens à força para as obras do convento;
  • A construção da passarola vs a proibição de ascender a um plano superior / divino (pág. 198) - os quatro pilares de solidez do projecto: Bartolomeu, Baltasar, Blimunda e Scarlatti;
  • A castidade vs a promiscuidade / as relações sexuais nos conventos que envolvem frades e freiras;
  • As estátuas dos santos (pág. 344) vs a santidade humana (pág. 342);
  • A missa enquanto espaço de vivência espiritual (pág. 145) vs a missa enquanto espaço de namoros e de encontros clandestinos (pp. 43, 162 e 236);
  • A bênção de Deus vs a bênção dos homens (por exemplo, a bênção dada por Bartolomeu de Gusmão a Baltasar e Blimunda);
  • O funeral do infante D. Pedro, um espectáculo de pompa e circunstância, vs o funeral do sobrinho de Baltasar, manifestação isolada de dor.

Transgressão: código sexual e amoroso

          A nível amoroso, a transgressão concentra-se na relação de Baltasar e Blimunda, que é vivido à margem das regras sociais da época: não são casados, uniram-se por um ritual de sangue e da colher, vivem uma relação de igualdade de papéis, guiando-se por um estado de perfeição que não é deste mundo.

          A nível sexual, a transgressão atinge o auge no contraste entre a relação carnal que o rei e a rainha mantêm - sexo ritual protocolar para procriação (pp. 11-13, 319-320), profusamente caricaturado pelo narrador - e a relação carnal entre Baltasar e Blimunda, caracterizada por uma entrega sexual permanente e mútua de corpos e almas, sem tabus ou limites, que não os que as próprias personagens definem (pág. 77).

          Outro momento da obra em que a transgressão sexual é bem evidente está relacionada com a proposta que o irmão de D. João V faz à rainha, bem como os sonhos eróticos que atormentam D. Maria Ana Josefa com aquele.

          Por último, o «desfile» que ocorre pelas ruas da cidade por alturas do Entrudo é outro momento de excesso e de transgressão sexual.

Transgressão: código escrito

          Memorial do Convento é uma obra dominada pela noção de transgressão, visível em vários domínios.

          Um desses domínios é o código escrito. Neste caso, a ideia de transgressão está presente nos seguintes aspectos:

     a. a desconstrução e reconstrução das regras da pontuação (vide linguagem):
» a supressão das marcas gráficas do discurso directo (diálogos);
» a substituição dos pontos finais por vírgulas, criando uma leitura contínua;
» o uso de maiúsculas no meio da frase para introduzir as falas das personagens;
» etc.
     b. a inversão de expressões bíblicas e de provérbios / adágios populares ("ainda agora a
         procissão vai na praça");

     c. a diversidade de registos de língua:
» o registo cuidado;
» o registo familiar;
» o registo popular, nomeadamente o calão ("merda", "puta", "mijo");
      d. os aforismos ("Não está o homem livre... com a verdade...");

      e. os jogos de palavras.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Vénia

          Dr. Aires Pereira do Couto, meu enorme professor de Latim.
          O professor que eu sempre desejei ser, mas nunca serei: competente, justo, sério, recto, exigente, estudioso incansável e apaixonado, implacável com as falhas de carácter.
          Foi o primeiro a falar-me, à entrada de uma aula, de uma «coisa» nova, uma «rede», que estava a ser preciosa na preparação da sua tese de mestrado: a Internet. Isto em 1989, creio.
          Concedeu-me a oportunidade de melhorar a nota da segunda frequência a Latim III, que calhou no dia seguinte à final da Liga dos Campeões em que o Benfica foi derrotado pelo Milan por 1 a 0 e em que obtive a miserável nota de 11.
          Quem se ficou a rir foram a Ana Amaral, do alto do seu 18 inexpugnável, e o José António Salvador, do seu 16, mas este por pouco tempo.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Espaço social em 'Memorial do Convento'

            O espaço social do Memorial concentra-se em torno de dois locais - LISBOA e MAFRA - e procura recriar a sociedade portuguesa - cortesã e popular - dos primeiros decénios do século XVIII, focando aspectos como a Inquisição, as festividades, a corte, a escravatura, as injustiças, a feitiçaria, os autos-de-fé, os rituais religiosos e cortesãos, as epidemias, etc.


1. LISBOA

          Citando Auxília Ramos e Zaida Braga, responsáveis intelectuais pela colecção RESUMOS, da Porto Editora, «Lisboa aparece descrita através de uma série de sensações auditivas (pregões, vozes alteradas, toques dos sinos, das trombetas, rufos de tambores, salvas de tiros anunciando a chegada ou a partida das naus, o som monocórdico das rezas, das ladainhas e da sineta dos frades mendicantes) que constroem a imagem de uma cidade - apesar de, na voz do narrador, parecer 'tão quieta' - em constante movimento.» (pág. 23).

          Em Lisboa, são vários os ambientes que constroem a visão epocal da capital do reino:


          1.1. O Paço
  • A subserviência e o vazio dos gestos repetidos e inúteis por parte do enxame de cortesãos que rodeiam o rei e a rainha;
  • Os aspectos caricaturais que definem a relação conjugal dos monarcas (o cerimonial, a ausência de afectividade, intimidade, amor, etc.).

          1.2. O Entrudo e a Procissão da Quaresma
  • A religião enquanto pretexto para a prática de excessos e desvarios (a satisfação de prazeres carnais) e brincadeiras carnavalescas (as pessoas comem e bebem em demasia, dão «umbigadas pelas esquinas», atiram água à cara umas das outras, batem nos mais desprevenidos, tocam gaitas, espojam-se nas ruas...);
  • A penitência física dos pecados da carne (o jejum e o açoite - pág. 28) e a mortificação da alma (o jejum e o açoite - pág. 28) e a mortificação da alma  após o desregramento do Entrudo (é tempo de «mortificar a alma para que o corpo finja arrepender-se...»);
  • As manifestações de fé caracterizadas pela histeria, pelo sadomasoquismo e pelo primitivismo: as pessoas arranham-se, arrastam-se pelo chão, puxam os cabelos, esbofeteiam-se, autoflagelam-se para gáudio das mulheres e amantes que assistem à procissão a partir das janelas;
  • Os comportamentos das mulheres que reclamam mais violência e vigor na «actuação» do seu «servidor» e obtêm prazer dos actos de autoflagelação dos penitentes (sadismo: obtenção de prazer a partir do sofrimento de outrem);
  • A alteração dos comportamentos femininos: as mulheres, nesta época, são livres de percorrer sozinhas as ruas e de frequentar as igrejas, comportamento que facilita o adultério;
  • A alteração periódica da mentalidade machista masculina: os homens «fecham» os olhos» aos

Espaço psicológico

1. Os sonhos
  • Os sonhos do rei e da rainha contrastam com os das outras personagens, sobretudo porque evidenciam o desamor que marca a ralação do casal real: D. João V sonha com a sua própria imortalidade, com a descendência e com o convento, enquanto D. Maria Ana sonha com o cunhado em razão da sua insatisfação sexual;
  • Baltasar sonha com Blimunda, com o trabalho, com os animais, a terra, o ar;
  • Baltasar e Blimunda têm sonhos comuns e, por vezes, sonham em conjunto com o padre Bartolomeu de Gusmão, nomeadamente no que diz respeito à passarola, o que evidencia o profundo envolvimento das três personagens na realização daquela obra, ao contrário da construção do convento, executada à custa do trabalho de milhares para a realização do sonho de um só - D. João V.

2. Os pensamentos
  • Os pensamentos das personagens revelam o seu mundo interior, os seus desejos, sonhos e ambições.

3. A atmosfera do romance
  •  A atmosfera do romance é densa e pesada, em virtude da religiosidade opressiva, com traços de fanatismo, imposta pelos clérigos e pelas ordens religiosas que manobram a vida dos lisboetas, os habitantes da corte, os operários que trabalham nas obras do Convento de Mafra. Tudo parece girar em função da motivação religiosa: desde o nascimento da herdeira real, resultado de uma promessa, à construção do convento. A própria rainha vive dominada pelo fanatismo religioso.
  • Por outro lado, à excepção das touradas, todos os divertimentos e acontecimentos importantes ou são de cariz religioso, ou têm a ver com a Igreja, ou misturam o religioso e o profano (como os festejos que antecedem a procissão do Corpo de Deus), ou ainda a religião e a luxúria (por exemplo, a procissão da penitência e as saídas das mulheres para visitar as igrejas durante a Quaresma. Pairando sobre tudo isto está sempre  mancha negra da Inquisição e os autos-de-fé, para gáudio e elevação espiritual de nobres e plebeus.
  • O sermão proclamado aquando do transporte da pedra e após a morte de Francisco Marques representa a demagogia exercida pelo clero sobre o povo ignorante.
  • O lar de Marta Maria e João Francisco distingue-se desta imagem profundamente negativa da sociedade portuguesa pela tolerância com que recebem o filho e a nora, que suspeitam não estarem casados conforme mandam as leis da Igreja, não questionando algumas estranhezas que notam em Blimunda, embora essa tolerância não seja tão grande que a aceitem se ela for uma cristã-nova.
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