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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Realismo e Naturalismo (1865-1890)

11. Origem do vocábulo Realismo

• O vocábulo realismo é constituído pelos vocábulos real (do latim “res”, que significava «facto», «coisa») e ismo, que significava «partido», «escola», «doutrina».


2. Definição de Realismo

O Realismo é um movimento artístico que surge, em Portugal, em meados do século XIX, contestando o idealismo romântico.


3. Origem do movimento realista

França: o termo realismo (de origem francesa) foi usado pela primeira vez pelo pintor Gustave Coubert, em 1855, ao intitular a sua exposição de arte, realizada em Paris, como Le Réalisme. Por outro lado, a primeira obra realista foi Madame Bovary, publicada em 1857, da autoria de Gustave Flaubert.
• Em Portugal, é comum considerar que o Realismo nasceu com a Questão Coimbrã, em 1865.


4. Definição de Naturalismo

• O Naturalismo é um movimento estético-literário com origem na doutrina positivista, estreitamento ligado ao Realismo e às transformações sociais, científicas, filosóficas e éticas, ocorridas no século XIX, tendo-se manifestado nas artes e na literatura.


5. Origem do Naturalismo

• Dentro do Realismo surgiu uma corrente literária motivada pela intensificação das suas características: o Naturalismo.
• A primeira obra naturalista é Thérèse Raquin, datada de 1867 e da autoria de Émile Zola.


6. O Realismo na Europa

O Realismo é um movimento literário que surgiu na Europa, na segunda metade do século XIX, influenciado pelas transformações que ali se operavam no âmbito económico, político, social e científico, em oposição ao Romantismo e aos excessos de lirismo e de imaginação.
As duas causas determinantes para a transição do Romantismo para o Realismo foram o desgaste de temas e de formas românticas e o desenvolvimento de novas correntes científicas e filosóficas na Europa.
Economicamente, vivia-se a segunda fase da Revolução Industrial, período marcado pelo clima de euforia e progresso material que a burguesia industrial experimentava em virtude das inúmeras invenções possibilitadas pelas descobertas científicas e tecnológicas. No entanto, apesar dos benefícios trazidos à burguesia, a condição social do proletariado era cada vez pior. Motivados tanto pelas ideias do socialismo utópico, principalmente as de Proudhon e Robert Owen, quanto pelas ideias do socialismo científico, defendidas por Karl Marx e Friedrich Engels, os operários procuram organizar-se politicamente. Fundam então associações trabalhistas e passam a exigir melhores condições de trabalho e de vida.
No âmbito científico e cultural, ocorre uma verdadeira efervescência de ideias, dentre as quais, surgidas como consequência do aparecimento de várias correntes científicas e filosóficas, têm destaque:
▪ o Positivismo, de Augusto Comte, para o qual o único conhecimento válido é o conhecimento positivo, ou seja, provindo das ciências;
▪ o Determinismo, de Taine, que defende que o comportamento humano é determinado por três fatores: o meio, a raça e o momento histórico;
▪ a lei da seleção natural, de Charles Darwin, segundo a qual a natureza ou o meio selecionam, entre os seres vivos, as variações que estão destinadas a sobreviver e a perpetuar-se, sendo eliminados os mais fracos.
Enquanto nos domínios da Física, da Química, da Biologia e da Medicina ocorrem avanços significativos, são lançados os fundamentos de três novas disciplinas: a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia.
▪ Mediante este quadro de ideias, os escritores sentem a necessidade de criar uma literatura sintonizada com a nova realidade, capaz de abordá-la de modo mais objetivo e realista do que até então vinha fazendo o Romantismo. As descobertas científicas, as ideias de reformas políticas e de revolução social exigiam dos escritores, por um lado, uma literatura de ação, comprometida com a crítica e a reforma da sociedade, e de outro, uma abordagem mais profunda e completa do ser humano, visto agora à luz dos conhecimentos das correntes científico-filosóficas da época. Aparece então o Realismo, cujas principais ações são o combate a toda a forma romântica e idealizada de ver a realidade; a crítica à sociedade burguesa e à falsidade dos seus valores e instituições (Estado, Igreja, casamento, família); o embasamento no materialismo, o emprego de ideias científicas; a introspeção psicológica das personagens; as descrições objetivas e minuciosas; a lentidão do ritmo narrativo ...).
▪ Os três movimentos (Realismo, Naturalismo e Parnasianismo) surgiram na França, com a publicação do romance realista Madame Bovary (1857), de Flaubert; do romance naturalista Thérèse Raquin (1867), de Zola, e das antologias parnasianas Parnasse Contemporain (a partir de 1866). Note-se que, também em 1867, Zola publicou a obra O romance experimental, encarada como um manifesto do movimento naturalista.


7. O Realismo em Portugal

▪ A Questão Coimbrã (1865) é apontada como o marco introdutório do Realismo em Portugal. Nessa época haviam cessado finalmente as lutas entre liberais e as fações que representavam a velha monarquia deposta pela revolução de 1820. Consolidado o liberalismo, Portugal conheceu, a partir de 1850, um período de estabilidade política, de progresso material e de intercâmbio com o resto da Europa. Coimbra, importante centro cultural e universitário da época, ligava-se em 1864 diretamente à comunidade europeia por meio do caminho de ferro. Contudo, do ponto de vista literário, predominavam ainda velhas ideias românticas.
▪ O primeiro romance realista português é O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós, cuja primeira versão (de três) foi publicada em 1875.
▪ Em França, ao lado do realismo surgem também as correntes literária denominadas Naturalismo e Parnasianismo, de pequena penetração em Portugal. A primeira procura provar, através do romance de tese, as teorias científicas da época, particularmente o determinismo. O Parnasianismo, por sua vez, é uma corrente que combate os exageros de sentimento e de imaginação do Romantismo e tenta resgatar certos princípios clássicos de procedimento, como a busca do equilíbrio, da perfeição formal e o emprego da razão e da objetividade.


8. Características do Realismo

1.ª) O Realismo é uma reação contra o Romantismo, contra os excessos, contra o idealismo artificial e formalista e as atitudes emocionais enfáticas e hiperbólicas dos românticos, defendendo a análise, síntese e exposição da realidade com verdade e neutralidade do coração. Perante o bem e o mal, o vício e a virtude, o belo e o feio, o escritor realista não deixará transparecer qualquer emoção. É uma literatura anti-idealista e que combate a evasão romântica, interessando-se pela realidade circundante, pela análise social e pelo contemporâneo. Ao sentimento exacerbado opõe a análise do caráter humano.
2.ª) O Realismo é a negação da "arte pela arte".
3.ª) A obra de arte é vista como uma verdadeira tese com intenção científica.
4.ª) É uma literatura engagé, isto é, comprometida ou empenhada, humana e/ou socialmente. A arte realista mantém um compromisso com a sua época e com a observação do mundo objetivo e exato. Como proclamará Antero nas Odes Modernas, “A Poesia é a voz da Revolução”.
5.ª) Recurso à reflexão e análise: o Realismo visa uma análise corajosa, mas exata, da vida, do mundo e dos seus vícios. Os realistas desnudam e atacam a imoralidade, os vícios, os maus costumes, os aspetos baixos da vida/sociedade contemporâneas.
6.ª) Preconiza uma atitude descritiva e crítica em relação à sociedade.
7.ª) Defende a observação e análise de tipos humanos e costumes sociais, tentando representar objetivamente a realidade.
8.ª) Observação do pormenor: na representação da ação, quase sempre de implicações sociais, os espaços e as personagens são descritos de forma pormenorizada, pois isso permite uma reflexão crítica sobre o ser humano e os seus problemas concretos.
9.ª) Dá preferência ao presente contemporâneo do escritor. Assim, a crítica social ficaria mais próxima e mais concreta. Nesse sentido, a literatura ganha um papel de denúncia do que de mau existe na sociedade.
10.ª) Reflete ideais republicanos e socialistas e marcas da ideologia materialista e do reformismo liberal.
11.ª) Os temas mais cultivados pelos escritores realistas são temas cosmopolitas e de incidência coletiva:
▪ a representação da vida burguesa, naquilo que ela possa ter de mais desagradável ou negativo, em certos aspetos da sua existência económica (a usura, a ambição, a avareza, a cobiça, a corrupção, etc.);
▪ a representação da vida urbana, porque é nos grandes meios sociais, nas cidades, que as tensões sociais, políticas e económicas, resultantes ainda dum comportamento condenável da burguesia, mais se agudizam;
▪ a análise das relações e dos conflitos sociais, resultantes de grandes desníveis entre classes;
▪ a representação do sofrimento social e moral, da frustração, da opressão, da corrupção e do vício, em consequência de erros e injustiças sociais, económicas ou políticas;
▪ o adultério, a frivolidade;
▪ a educação, o jornalismo, a política, o parlamentarismo.
12.ª) A forma literária privilegiada pelo Realismo é o romance.
13.ª) A narração articula-se com a descrição, intercalando a representação de uma ação com a descrição de espaços sociais (Os Maias).
14.ª) O Realismo procura a objetividade, a análise impessoal e minuciosa/pormenorizada da realidade, que critica. É o gosto pelo real.
15.ª) Procura o retrato fidelíssimo da Natureza.
16.ª) Faz uso da personagem-tipo, que permite a reflexão crítica sobre o Homem e os seus problemas.
17.ª) Preconiza uma nova moral social: crítica de costumes, de temperamento, de ações.
18.ª) Visa a regeneração de costumes.
19.ª) A construção da personagem está em conexão com o mundo profissional, cultural, económico, social e psicológico.


9. Características do Naturalismo

1.ª) A literatura naturalista é a expressão dos progressos da ciência (Fisiologia, Sociologia, estudo dos caracteres, da evolução, da influência do meio, etc.). O Naturalismo deve usar o método fisiológico, ou seja, deve descrever as emoções através das suas manifestações físicas, com base no estudo das fisiologias.
2.ª) O romance naturalista inspira-se na vida quotidiana, comum, procurando a análise rigorosa do meio social e de aspetos patológicos.
3.ª) É uma corrente influenciada pela ciência e pela filosofia do século XIX, nomeadamente pelo Determinismo (o Homem está preso a um destino que ele não consegue mudar) e pelo Positivismo de Comte.
4.ª) Traz a ciência para a obra de arte; tenta aplicar à literatura as descobertas e métodos da ciência da época. A obra literária surge como a ilustração das teses científicas.
5.ª) Os temas fundamentais do romance naturalista ("experimental") são:
▪ a opressão social e a miséria, como resultado de conflitos de interesses, denunciando as suas causas económicas, políticas e sociais;
▪ o adultério, como denúncia de determinado modo de vida resultante duma errada educação romântica;
▪ o alcoolismo, como deformação social e dos caracteres;
▪ o jogo, encarado como consequência de determinadas situações de injustiça;
▪ a doença (por exemplo, a loucura), enquanto manifestação de taras hereditárias.
6.ª) Procura explicar cientificamente o comportamento do homem com base em três fatores: a hereditariedade, o meio ambiente e a educação/momento histórico. Os fenómenos humanos são consequências inevitáveis destas determinações.
7.ª) A forma literária adotada foi o chamado "romance experimental" (seguido do conto), resultante da aplicação dos princípios da observação e da experimentação, adotados inicialmente na investigação científica.
8.ª) Procura a análise das circunstâncias sociais que envolvem as personagens. Através da análise experimental (do meio social), explica a decadência da sociedade.
9.ª) Manifesta preocupações socioculturais e objetiva a crítica dos costumes, como o Realismo.
10.ª) Usa a indução e os métodos experimentais; descreve, por exemplo, as emoções, justificando as manifestações físicas pelos estudos fisiológicos e de caracteres. Procura a anatomia do carácter.
11.ª) Dá relevo à importância das leis da Natureza.
12.ª) A arte deve representar objetivamente a realidade.


10. Semelhanças entre Realismo e Naturalismo

1.ª) A Arte é a representação mimética objetiva da realidade exterior (em contraste com a transfiguração imaginativa, impregnada de subjetivismo, praticada pelos românticos).
2.ª) A objetividade dos temas.
3.ª) A técnica impessoal de narrar.
4.ª) Servem-se dos mesmos preceitos científicos.


11. Diferenças

1.ª) O Naturalismo procura aplicar à obra literária as descobertas e métodos das ciências experimentais do século XIX (Biologia, Positivismo, Psicopatologia). Assim, transporta a ciência para a obra literária, fazendo desta um meio de demonstração de teses científicas, especialmente de psicopatologia. O Homem era um simples produto biológico cujo comportamento resultava da pressão do ambiente social e da hereditariedade psicofisiológica. O Realismo ignora a Patologia ou qualquer outra ciência como meio de explicar e ilustrar a obra de arte.
2.ª) O Naturalismo implica uma posição combativa, de análise dos problemas que a decadência social evidenciava, fazendo da obra de arte uma verdadeira tese com intenção científica. O Realismo limita-se a "fotografar" com certa isenção a realidade circundante, sem trazer a ciência para a obra de arte.
3.ª) O Realismo procura retratar o Homem interagindo no seu meio social; o Naturalismo pretende mostrá-lo como produto de um conjunto de forças “naturais”, instintivas, que, em determinado meio, raça e momento, pode gerar comportamento e situações específicas.
4.ª) No romance experimental naturalista, o indivíduo é mero produto da hereditariedade. Ao lado desta, o ambiente em que vive, e sobre o qual também age, determina o seu comportamento pessoal. Assim, predomina o elemento fisiológico, natural, instintivo: erotismo, agressividade e violência são os componentes.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O Acordo Ortográfico em cartune (I)


Os "Vencidos da Vida"

Em pé: Conde de Sabugosa, Carlos Mayer, Carlos Lobo d'Ávila, Oliveira Martins,
Marquês de Soveral, Guerra Junqueiro de Conde de Arnoso
Sentados: Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, Conde de Ficalho, António Cândido

A partir de 1887 e até 1889, várias personalidades relevantes da vida literária, desiludidas com a situação política portuguesa, passaram a reunir-se, semanalmente, à mesa do Café Tavares e do Hotel Bragança, para jantar e para discutir assuntos relacionados com a sociedade, a política, a cultura e a literatura.

Estes intelectuais, herdeiros da Questão Coimbrã e das Conferências Democráticas do casino, pretendiam demonstrar o seu desencanto e pessimismo em relação ao rumo da sociedade portuguesa.

O grupo era constituído pelos elementos mais destacados da Geração de 70, nomeadamente Eça de Queirós (a partir de 1889, sempre que se encontrava em Lisboa, nos intervalos da sua atividade consular), Ramalho Ortigão, Oliveira Martins e Carlos Mayer.

Em 1888, o próprio Oliveira Martins batizou o grupo com a designação de Vencidos da Vida, em razão do seu diletantismo e de um certo mundanismo desencantado, de um desalento e frustração que, no fundo, eram os sentimentos de uma geração – a de 70 – que almejara a transformação e reforma sociocultural do país, mas falhara.

Com a morte e o afastamento progressivo dos seus membros, o grupo dos Vencidos da Vida dissolveu-se por volta de 1894.

A Geração de 70 e a Questão Coimbrã


& O Realismo e a Geração de 70







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            1. A Geração de 70

            A segunda geração romântica, geração ultrarromântica, liga-se ao período da Regeneração, fase de estabilização aparente da vida social e política, conseguida através da:
. eliminação da ala esquerda do Liberalismo;
. criação duma oligarquia que deturpou as reformas sociais de Mouzinho da Silveira, degradou os ideais do Liberalismo e deu lugar a uma nova classe dominante.
            Esta geração romântica, despojada da pureza dos ideais que tinha caracterizado a primeira geração, vivia num compromisso assumido e proveitoso com o governo, ocupava cargos privilegiados, dominava a administração pública, a imprensa, a política e a literatura. Tudo parecia querer traduzir a vontade e os princípios orientadores do governo. A Literatura é mais do que nunca um fenómeno oficial, marcado pelo conservadorismo ideológico e pela deterioração duma estética cada vez mais estereotipada.
            O paternalismo / autoritarismo destes valores tem em Castilho o seu representante máximo. Este poeta ultrarromântico, com uma formação neoclássica e conservadora, é a figura venerada, o patriarca dos ultrarromânticos a cuja apreciação sujeitam toda a produção literária com o objetivo de obterem a sua adesão, a sua avaliação favorável, condição suficiente para os impor junto dos editores e do público em geral. Castilho alimentou este clima, este estado de espírito medíocre que nada tinha de promissor e de fecundo, tornando-se um dos grandes responsáveis pela decadência do Romantismo português e pela rutura polémica que lhe pôs fim.
            Esta situação literária, que tem como suporte o enfeudamento ao poder, o elogio mútuo, o protecionismo e a consequente falta de qualidade e de criatividade, dá azo a que um grupo de jovens intelectuais, ligados à Universidade de Coimbra assuma a coragem da "rebelião" contra os literatos de Lisboa e o seu mestre e protetor. Este grupo ficou a ser conhecido por Geração de 70.
            A Geração de 70 é, basicamente, um grupo de jovens intelectuais estudantes na Universidade de Coimbra, do qual fazem parte Antero de Quental, Eça de Queirós, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro e outros, que surge a contestar os excessos do Ultrarromantismo, representados por uma plêiade de escritores sob a égide de António Feliciano de Castilho.



            2. Questão Coimbrã

            O primeiro sinal da renovação literária e ideológica foi dado na Questão Coimbrã, onde se defrontaram os defensores do statu quo literário e um grupo de jovens escritores estudantes em Coimbra, mais ou menos entusiasmados pelas leituras e correntes estrangeiras.
            O motivo da "Questão" foi aparentemente trivial. O conjunto de acontecimentos que a rodearam pode resumir-se da seguinte forma:
-» Publicação, em 1862, do poema D. Jaime, de Tomás Ribeiro;
-» A Conversação preambular, escrita, em 11 de Julho de 1862, por António Feliciano de Castilho, para apadrinhar o poema D. Jaime, ultrapassa todos os limites, traçando um confronto entre essa obra e Os Lusíadas, considerando-a uma epopeia superior à epopeia camoniana.
-» Leitura a Castilho dos poemas, até então inéditos, de Antero e Teófilo, que os acolheu com hiperbólica ironia.
-» Escaramuças jornalísticas entre Pinheiro Chagas, crítico dos «coimbrões», e Germano Meireles, seu apologeta.
-» Em agosto de 1865, Antero de Quental publica Odes Modernas, influenciado por escritores e filósofos franceses, afirmando no prefácio que “A poesia é a voz da Revolução”.
-» Em 27 de setembro de 1865, Castilho (uma espécie de padrinho oficial de escritores mais novos, tais como Ernesto Biester, Tomás Ribeiro ou Pinheiro Chagas, à volta do qual se constelou um grupo de admiradores e protegidos ‑ «escola do elogio mútuo», chamar-lhe-á Antero ‑ em que o academismo e o formalismo anódino das produções literárias correspondiam à hipocrisia das relações humanas, e em que toda a audácia tendia a neutralizar-se), em carta ao editor António Maria Pereira que serve de posfácio ao Poema da Mocidade, ingénua biografia lírica em quatro cantos, típica do saudosismo ultrarromântico, escrita por Pinheiro Chagas, aproveita a oportunidade para fazer o elogio deste escritor, recomendando Pinheiro Chagas ao rei D. Pedro V para a cadeira, então vaga, de Literaturas Modernas no Curso Superior de Letras, e censurar um grupo de jovens de Coimbra, acusando-os de exibicionismo livresco, de obscuridade propositada e de tratarem temas que nada tinham a ver com a poesia. Os escritores mencionados eram Teófilo Braga, autor dos poemas Visão dos Tempos e Tempestades Sonoras (futuro candidato a essa cadeira de Literatura); Antero de Quental, que publicara Odes Modernas; e Vieira de Castro, um jovem e verboso deputado.
-» Antero responde, em novembro de 1865, com um folheto intitulado Bom Senso e Bom Gosto (as duas virtudes que Castilho negara aos dois academistas). Nele defendia a independência dos jovens escritores; apontava a gravidade da missão dos poetas na época de grandes transformações em curso, a necessidade de eles serem os arautos do pensamento revolucionário e os representantes do «Ideal»: ridicularizava a futilidade, a insignificância e o provincianismo da poesia de Castilho. Estava despoletada a Questão Coimbrão e estavam também lançadas as sementes do Realismo em Portugal.

            Os sequazes de Castilho replicaram de imediato e os folhetos começaram a chover de ambos os lados. Quental arremeteu com novo opúsculos nesse mesmo ano, sob o título A dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, enquanto Teófilo replicou com Teocracias Literárias (1866). Castilho não reagiu publicamente, mas teve como defensores figuras ilustres. Um deles foi Ramalho Ortigão, que mais tarde se haveria de integrar no grupo de Coimbra, mas que nesta altura saiu à liça como paladino de Castilho em Literatura de Hoje (1866), repreendendo Antero com ásperos adjetivos pelo seu desrespeito, o que provocou um duelo entre ambos. Note-se, porém, que nesse folheto Ramalho marcou uma posição de independência, criticando também a fuga de Castilho às lutas das ideias. Outro combatente das hostes de Castilho foi Camilo, que, em Verdades Irritadas e Irritantes (1866), com o seu temível sarcasmo polémico, veio atacar a nova geração.
            De notar que a Questão Coimbrã se alimentou de incompatibilidades literárias, que se foram juntando as sociais, políticas e filosóficas e, por último, as pessoais. Por exemplo, Antero e Teófilo não deixaram de causar estupefação com a brutalidade das alusões à idade e à cegueira de Castilho.



                        2.1. O significado da Questão

            A Questão, embora aparentemente literária, denunciava incompatibilidades mais profundas. De facto, os jovens universitários de 1865 reagiram contra a falsidade que representavam muitos outros aspetos da vida portuguesa, produto da adaptação das formas alienígenas do Liberalismo à velha estrutura tradicional do País. A revolta da Geração de 70 eclodiu num movimento político, filosófico e literário, cuja amplitude ultrapassou talvez a do próprio Romantismo.
            Este grupo que se sublevou contra Castilho era o mesmo que, acrescido de personalidades com tendências paralelas, havia de tratar, em 1871, nas Conferências Democráticas do Casino, de colocar Portugal a par da atualidade europeia, ligando-o "com o movimento moderno", estudando "as condições de transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa".
            Da ânsia de renovação cultural dos universitários dessa época dá Eça de Queirós uma boa ideia, ao relembrar a Coimbra do seu tempo: "Pelos caminhos de ferro que tinham aberto a Península, rompiam cada dia, descendo da França e da Alemanha (através da França), torrentes de coisas novas, ideias, sistemas, estéticas, formas, sentimentos, interesses humanitários. Cada manhã trazia a sua revelação, como um sol que fosse novo. Era Michelet que surgia, e Hegel, e Vico, e Proudhon; e Hugo tornado profeta e justiceiro dos Reis; e Balzac com o seu mundo perverso e lânguido; e Goethe, vasto como um universo; e Pöe, e Heine, e creio que já Darwin, e quantos outros!
            Naquela geração nervosa, sensível e pálida como a de Musset (por ter sido talvez como essa concebida durante as guerras civis) todas estas maravilhas caíam à maneira de achas numa fogueira, fazendo uma vasta crepitação e uma vasta fumarada!"
            De toda esta problemática, fácil se torna concluir que esta geração surgida à vida pública na famosa "Questão Coimbrã" avulta como uma das mais brilhantes constelações que a cultura portuguesa produziu em qualquer época.



            3. As Conferências do Casino

            Assim designadas por terem decorrido na sala alugada do Casino Lisbonense, as Conferências do Casino foram uma série de cinco palestras realizadas em Lisboa, na primavera de 1871, pelo chamado grupo do Cenáculo, constituído por jovens escritores e intelectuais de vanguarda (Geração de 70), que passaram a reunir-se em Lisboa depois de concluídos os seus estudos em Coimbra, restaurando a antiga fraternidade académica num Cenáculo com sede em casa de um deles. Do grupo faziam parte Antero, Teófilo, João Augusto Machado de Faria e Maia, Manuel de Arriaga, Eça de Queirós, e mais tarde Jaime Batalha Reis, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Adolfo Coelho, Augusto Soromenho, Guilherme Azevedo e Guerra Junqueiro.
            Das discussões do Cenáculo, em que se aliavam a literatura e a boémia, tinham saído de começo obras de pura ficção, como as últimas Prosas Bárbaras de Eça de Queirós e os «satânicos» Poemas de Macadam, atribuídos a um imaginário Carlos Fradique Mendes; a chegada de Antero vem disciplinar as leituras e os interesses e dar um objetivo mais preciso ao grupo.
            O grande impulsionador das Conferências foi Antero de Quental, que, a partir de 1871, regressando de viagens a França, América e à ilha de S. Miguel, logo começara a influir nos gostos e interesses do grupo, iniciando-o na leitura de Proudhon. A ideia das Conferências surgiu na Casa da Rua dos Prazeres, onde o Cenáculo reunia então. Antero e Batalha Reis alugaram a sala do Casino Lisbonense, no largo da Abegoaria, hoje de Rafael Bordalo Pinheiro. O jornal A Revolução de Setembro encarregou-se da propaganda. A 18 de maio surgiu naquele jornal um manifesto (que já fora distribuído em prospeto), assinado por doze nomes, onde se indicavam as intenções dos organizadores das chamadas Conferências Democráticas.



                        3.1. Programa das Conferências

       «Ninguém desconhece que se está dando em volta de nós uma transformação política, e todos pressentem que se agita, mais forte que nunca, a questão de saber como deve re­generar-se a organização social.
       Sob cada um dos partidos que lutam na Europa, como em cada um dos grupos que constituem a sociedade de hoje, há uma ideia e um interesse que são a causa e o porquê dos movimentos.
       Pareceu que cumpria, enquanto os povos lutam nas revoluções, e antes que nós mesmos tomemos nelas o nosso lugar, estudar serenamente a significação dessas ideias e a legitimidade desses interesses; investigar como a sociedade é, e como ela deve ser; como as Nações têm sido, e como as pode fazer hoje a liberdade; e, por serem elas as formadoras do homem, estudar todas as ideias e todas as correntes do século.
       Não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelec­tuais do seu tempo; o que todos os dias a humanidade vai trabalhando, deve também ser o assunto das nossas constantes meditações.
       Abrir uma tribuna, onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este momento do século, preocupando-se sobretudo com a transformação social, moral e política dos povos.
       Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada;
       Procurar adquirir a consciência dos factos que nos rodeiam, na Europa;
       Agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna;
       Estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa;
       Tal é o fim das Conferências Democráticas.
       Têm elas uma imensa vantagem, que nos cumpre especialmente notar: preocupar a opinião com o estudo das ideias que devem presidir a uma revolução, de modo que para ela a consciência pública se prepare e ilumine, é dar não só uma segura base à constituição futura, mas também, em todas as ocasiões, uma sólida garantia à ordem.
       Posto isto, pedimos o concurso de todos os partidos, de todas as escolas, de todas aquelas pessoas que, ainda que não partilhem as nossas opiniões, não recusam a sua atenção aos que pretendem ter uma ação ‑ embora mínima ‑ nos destinos do seu país, expondo pública mas serenamente as suas convicções e o resultado dos seus estudos e trabalhos.

            Lisboa, 16 de maio de 1871 ‑ Adolfo Coelho, Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queirós, Germano Vieira de Meireles, Guilherme de Azevedo, Jaime Batalha Reis, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Saragga, Teófilo Braga."



                        3.2. Significado das Conferências

            Encaradas no seu conjunto, as Conferências do Casino integram-se num largo, embora vago, plano de reforma da sociedade portuguesa e representam entre nós a afirmação dum movimento de ideias que contagiara os intelectuais portugueses, através dos livros vindos de fora. Era o historicismo, o interesse pelas ciências políticas e sociais, a crítica positivista à maneira de Taine, o evolucionismo de Darwin, um alvorecer de interesse pelas teorias de Marx e Engels, os ecos da Internacional, o realismo em Arte como expressão dum novo ideal de vida, a crença no progresso das sociedades, conseguido através das ciências ‑ das positivas, cujo prestígio crescia a cada instante. E, embora as preleções de Soromenho e A. Coelho se tenham mantido alheias a este espírito revolucionário, e apenas tenham marcado uma posição de ácido negativismo quanto às coisas portuguesas ‑ a verdade é que o espírito das Conferências do Casino foi este. Como Eça afirmava nas Farpas, «era a primeira vez que a Revolução sob a sua forma científica tinha em Portugal a sua tribuna».
            Para compreender todo o alcance das Conferências, convém notar que se estava então num ano de grandes acontecimentos ‑ 1871: remate da unificação de Itália, queda do II Império francês, guerra franco-prussiana, Comuna de Paris, que Antero e Guilherme de Azevedo aplaudiram publicamente. No plano interno, este é o ano em que a Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1864, se estende a Portugal, com a cooperação de Antero. O principal promotor em Portugal desta organização, um empregado da livraria Bertrand, José Fontana, tem contactos com o Cenáculo, e participa, como organizador administrativo, nas Conferências.
            É fácil, desta forma, compreender a importância que lhe dedicaram as autoridades oficiais, até ao seu encerramento compulsivo por ordem do ministro do reino, António José de Ávila, após os ataques de jornais conservadores, que acusavam os conferencistas de intenções subversivas e de serem adeptos da Comuna. A motivação próxima da ordem de encerramento parece ter sido a de impedir a realização de uma conferência que ia pôr em causa a religião católica, constitucionalmente ligada ao Estado.

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