Português

domingo, 1 de abril de 2012

Eusebiozinho

     Os primeiros traços desta personagem são-nos apresentados nas páginas 68 e 69 do romance:
  • é mais velho do que Carlos (p. 78);
  • é fisicamente débil, conforme o atesta o uso abundante de diminutivos na sua caraterização (Eusebiozinho, craniozinho, crescidinho, perninhas, linguazinha, etc.) e pela sova que Carlos lhe dá, não obstante ser mais novo que o primo;
  • melancólico, mole / molengão, pasmado, sisudo e tristonho;
  • «facezinha trombuda» e amarelidão de manteiga»;
  • «olhinhos vagos e azulados, sem pestanas»;
  • pernas flácidas, enfezado e estiolado.
     A educação a que é sujeito - semelhante à de Pedro da Maia - em nada contribui para formar uma personalidade forte. Os traços essenciais são os seguintes:
  • contacto com velhos livros: «... alfarrábios e(...) todas as coisas do saber...»;
  • permanência em casa, em constante isolamento e imobilidade;
  • superproteção (por parte da mãe e da titi):
  • é transportado ao colo;
  • anda sempre abafado em roupas;
  • dorme no choco com as criadas;
  • não toma banho para não se constipar;
  • «Passava os dias nas saias da titi a decorar versos, páginas inteiras do "Catecismo de Perseverança"»;
  • valorização da memorização, exemplificada pela memorização do poema, que traduz o papel (des)educativo da poesia:
  • a deformação da vontade própria, através do suborno, traduzido na promessa da mãe que «se dissesse os versinhos, dormia essa noite com ela»;
  • a imersão na atmosfera doentia e melancólica do Romantismo decadente (o poema que Eusebiozinho declama é a «Lua de Londres», de João de Lemos, uma das mais soturnas composições do Ultrarromantismo português);
  • o recurso à memorização, isto é, a um atributo que implica a desvalorização da criatividade e do juízo crítico;
  • o isolamento da natureza e do mundo: «... abriu a boca, e como de uma torneira lassa veio de lá escorrendo, num fio de voz, um recitativo lento e babujado...» - este excerto mostra, com clareza, como não existe aqui qualquer traço de pensamento, raciocínio, apenas memorização e recitação mecânica de um texto;
  • aprendizagem de línguas mortas (o latim);
  • estudo da Cartilha, a base deste tipo de educação, com noções erradas: «Passava os dias nas saias da titi a decorar versos, páginas inteiras do "Catecismo de Perseverança". Ele por curiosidade um dia abrira este livreco e vira lá "que o Sol é que anda em volta da Terra (como antes de Galileu), e que Nosso Senhor todas as manhãs...».
     Deste caldinho só poderia resultar uma alma doente em corpo doente.

A intriga secundária


     N'Os Maias distinguem-se duas intrigas - a intriga secundária, narrada retrospetivamente, corresponde à paixão trágica de Pedro da Maia e condiciona decisivamente o desenvolvimento e o desenlace da intriga principal, cujo protagonista é Carlos da Maia, filho de Pedro.

     A intriga secundária está estruturada em cinco momentos:
          1.º) Pedro vê Maria Monforte.
          2.º) Pedro namora Maria Monforte.
          3.º) Pedro casa com Maria Monforte.
          4.º) Maria Monforte foge com Tancredo, levando a filha.
          5.º) Pedro suicida-se.

     Observemos, agora, em detalhe, algumas das suas caraterísticas principais.

     Desde logo, a paixão de Pedro por Maria é aquilo que poderíamos designar por romântica. Por um lado, Maria surge envolta num ambiente de mistério (a sua origem) e marcada pelos traços da beleza física e da transgressão («toilettes excessivas e teatrais»). Por outro lado, trata-se de uma paixão súbita / à primeira vista (uma paixão fatal), seguida de um namoro "à antiga", com a escrita diária de duas cartas febris de seis folhas de papel (de Pedro para Maria) e a oferta de ramos das mais belas camélias dos jardins de Benfica. Em terceiro lugar, não poderia faltar a oposição paterna a este romance, resultante do conhecimento dos pormenores hediondos sobre a família de Maria por parte de Afonso.Por último são inúmeros os presságios disfóricos que marcam as personagens e a paixão em si.

     À paixão segue-se o casamento. A lua-de-mel, inicialmente, é apresentada como uma «felicidade de novela». Passa por Itália e Paris, havendo a destacar a vida faustosa e luxuosa de Maria, os ciúmes causados em Pedro e a primeira gravidez. De regresso a Lisboa, instado pela esposa, ele escreve ao pai tentando a reconciliação, recusada por Afonso. Segue-se a descrição das soirées mais alegres de Lisboa, em Arroios, num ambiente festivamente romântico, até que tudo muda após a chegada do misterioso Tancredo, por quem Maria se apaixona e com quem foge.

     E tudo culmina com o desenlace trágico da intriga secundária.
     O adultério e a fuga de Maria (com a filha) encontram as suas causas, por um  lado, na ociosidade de Maria, uma personagem dominada pelo luxo, pela ostentação, sem uma ocupação que lhe preencha utilmente a vida, daí que se entregue aos prazeres e caia no adultério, e, por outro, na literatura romântica, uma literatura idealista e desvinculada da vida real que origina condutas anómalas e desvarios no leitor: a fuga de Maria com Tancredo tem o caráter de um episódio de novela romântica.
     O suicídio de Pedro, por sua vez, constitui o desenlace típico do romance naturalista, reflexo do(a)


     Com efeito, o percurso amoroso e biográfico de Pedro só é explicável à luz de fatores naturalistas: a raça / hereditariedade, a educação e o meio social. Quanto à hereditariedade, o romance salienta o paralelismo de identidade entre a mãe e o filho (cap. I, p. 20); relativamente à educação, recebe a que a mãe escolhe, tendo o padre Vasques por orientador, uma educação que impede o desenvolvimento físico, moral e intelectual, tornando-o «um fraco em tudo»; quanto ao meio, Pedro, após a morte da mãe, frequentou um ambiente moralmente baixo. Eis, pois, Pedro lançado no trilho que o levará inexoravelmente à destruição. Ficava provada a tese de que o ser humano é um produto desses fatores naturalistas, que o condicionam irrefreavelmente. Pedro torna-se, em suma, um herói romântico, sem heroísmo, com uma solução romântica.

     Por último, refira-se que a intriga secundária se carateriza por um ritmo rápido de novela e é narrada por um narrador omnisciente. As duas personagens centrais têm como função maior (além da demonstração das teses atrás enunciadas) evidenciar os paralelismos de comportamento de Carlos e Maria Eduarda (vide intriga principal).

XXVIII Semana Académica de Viseu - 2012

sábado, 31 de março de 2012

Tancredo

     Tancredo tipifica o homem fatal do Romantismo.
     Desde logo, estamos na presença de uma personagem enigmática, incompreendida, foragida e condenada à morte, por ser uma opositora ao poder instituído.
     Por outro lado, o italiano possui uma beleza extraordinária que, conjugada com a sua figura pálida, atrai e seduz irresistivelmente Maria Monforte. Fisicamente, carateriza-se pela barba curta e frisada, pelos longos cabelos castanhos, ondeados e «com reflexos de ouro» e pelo olhar sombrio. Psicologicamente, é apresentado como um ser taciturno, orgulhoso e misterioso.
     Após o acidente de caça, desenha flores para Maria bordar e tange-lhe canções populares napolitanas à guitarra, indícios claros de um romance oculto.
     Acaba por fugir com Maria Monforte. A última notícia que temos dele é que foi morto num duelo.

Presságios

1. Família
  • A lenda recordada por Vilaça, segundo a qual «eram sempre fatais aos Maias as paredes do Ramalhete».
  • O quadro de Rubens representando um Cristo na cruz que se encontra no escritório de Afonso: Cristo morreu para expiar os pecados dos homens; de modo semelhante, Afonso morre por causa dos pecados de Carlos, seu neto.
  • A referência a uma tapeçaria presente no escritório de Afonso: «tapeçaria mostrava ainda as armas dos Maias no desmaio da trama de seda».
2. Pedro da Maia
  • A parecença de Pedro com um avô da mãe, que enlouquecera e se enforcara sugere o «enlouquecimento» da personagem após a fuga de Maria Monforte e o seu suicídio.
3. Maria Monforte
  • A associação de Maria a Helena de Tróia: ambas adúlteras e causadoras de «guerras trágicas»;
  • A referência ao «luxo sombrio do luto oriental de Judite».
4. A relação Pedro / Maria Monforte
  • A paixão por Maria é descrita como «um amor à Romeu, vindo de repente numa troca de olhares fatal...»:
  • sugestão de tragédia: a morte de Romeu e de Julieta na peça de Shakespeare corresponde à morte de Pedro;
  • a oposição paterna, outro traço comum à obra de Shakespeare;
  • a presença do fatalismo; 
  • O vestido cor-de-rosa de Maria sugere (a cor) a vida romântica em que Pedro se enleou;
  • A cor dos olhos de Maria («azul sombrio») sugere a existência de sombras, ou seja, complicações naquela relação;
  • A ramagem de um verde triste constitui um prenúncio da tristeza que ensombrará a relação amorosa;
  • A sombrinha que envolve totalmente Pedro parece a Afonso «... uma larga mancha de sangue...»:
  • por um lado, aponta para o suicídio de Pedro;
  • por outro, sugere o incesto de Carlos e Maria Eduarda, uma relação entre dos irmãos de sangue; 
  • o ramo que se esfolha num vaso do Japão antecipa também a morte de Pedro.
5. Carlos da Maia
  • A escolha do nome de Carlos é feita a partir de uma novela romântica «... de que era herói o último Stuart, o romanesco príncipe Carlos Eduardo; e, namorado dele, das suas aventuras e desgraças, queria dar esse nome a seu filho... Carlos Eduardo da Maia! Um tal nome parecia-lhe conter todo um destino de amores e façanhas.». Este dado tem vários significados:
  • a influência perniciosa da literatura romântica em Maria Monforte;
  • tal como a personagem da novela era o «último Stuart», também Carlos será o último dos Maias;
  • tal como o príncipe, carlos irá levar uma vida de «aventuras e desgraças»;
  • a presença do Destino («conter todo um destino de amores e façanhas». 


Em atualização...

segunda-feira, 26 de março de 2012

Revisão curricular - Secundário

Documento completo:  RevEstCurric26Mar12.

Revisão curricular - 2.º e 3.º ciclos

Documento completo:  RevEstCurric26Mar12.

Exames nacionais para alunos do Ensino Recorrente


          Mensagem n.º 5 / JNE / 2012 sobre a realização de exames nacionais finais para prosseguimento de estudos para os alunos dos cursos científico-humanísticos do ensino recorrente.

          Descaradamente «pedido emprestado» ao ADDUO.

"Poema de Agradecimento à Corja"

Obrigado, excelências.
Obrigado por nos destruírem o sonho e a oportunidade de vivermos
felizes e em paz.
Obrigado pelo exemplo que se esforçam em nos dar de como é possível
viver sem vergonha, sem respeito e sem dignidade.
Obrigado por nos roubarem. Por não nos perguntarem nada.
Por não nos darem explicações.
Obrigado por se orgulharem de nos tirar as coisas por que lutámos e às
quais temos direito.
Obrigado por nos tirarem até o sono. E a tranquilidade. E a alegria.
Obrigado pelo cinzentismo, pela depressão, pelo desespero.
Obrigado pela vossa mediocridade.
E obrigado por aquilo que podem e não querem fazer.
Obrigado por tudo o que não sabem e fingem saber.
Obrigado por transformarem o nosso coração numa sala de espera.
Obrigado por fazerem de cada um dos nossos dias
um dia menos interessante que o anterior.
Obrigado por nos exigirem mais do que podemos dar.
Obrigado por nos darem em troca quase nada.
Obrigado por não disfarçarem a cobiça, a corrupção, a indignidade.
Pelo chocante imerecimento da vossa comodidade
e da vossa felicidade adquirida a qualquer preço.
E pelo vosso vergonhoso descaramento.
Obrigado por nos ensinarem tudo o que nunca deveremos querer, o que
nunca deveremos fazer, o que nunca deveremos aceitar.
Obrigado por serem o que são.
Obrigado por serem como são.
Para que não sejamos também assim.
E para que possamos reconhecer facilmente
quem temos de rejeitar.

                                          Joaquim Pessoa

sábado, 24 de março de 2012

Pornografia pura

Analu Campos

     Imagem representativa, por contraste, da exibição pornográfica do SLB hoje, em Olhão.

quinta-feira, 22 de março de 2012

"José"

    E agora, José?
    A festa acabou,
    a luz apagou,
    o povo sumiu,
    a noite esfriou,
    e agora, José?
    e agora, você?
    você que é sem nome,
    que zomba dos outros,
    você que faz versos,
    que ama, protesta?
    e agora, José?
    Está sem mulher,
    está sem discurso,
    está sem carinho,
    já não pode beber,
    já não pode fumar,
    cuspir já não pode,
    a noite esfriou,
    o dia não veio,
    o bonde não veio,
    o riso não veio
    não veio a utopia
    e tudo acabou
    e tudo fugiu
    e tudo mofou,
    e agora, José?
    E agora, José?
    Sua doce palavra,
    seu instante de febre,
    sua gula e jejum,
    sua biblioteca,
    sua lavra de ouro,
    seu terno de vidro,
    sua incoerência,
    seu ódio - e agora?
    Com a chave na mão
    quer abrir a porta,
    não existe porta;
    quer morrer no mar,
    mas o mar secou;
    quer ir para Minas,
    Minas não há mais.
    José, e agora?
    Se você gritasse,
    se você gemesse,
    se você tocasse
    a valsa vienense,
    se você dormisse,
    se você cansasse,
    se você morresse...
    Mas você não morre,
    você é duro, José!
    Sozinho no escuro
    qual bicho-do-mato,
    sem teogonia,
    sem parede nua
    para se encostar,
    sem cavalo preto
    que fuja a galope,
    você marcha, José!
    José, para onde?

O gato, o pau e o Benfica

segunda-feira, 19 de março de 2012

Dia do Pai: «Não tenho tempo»


Texto: Neimar de Barros

Voz: Marcos Durães

"Poema à Mãe"

No mais fundo de ti, 
eu sei que traí, mãe 

Tudo porque já não sou 
o retrato adormecido 
no fundo dos teus olhos. 

Tudo porque tu ignoras 
que há leitos onde o frio não se demora 
e noites rumorosas de águas matinais. 

Por isso, às vezes, as palavras que te digo 
são duras, mãe, 
e o nosso amor é infeliz. 

Tudo porque perdi as rosas brancas 
que apertava junto ao coração 
no retrato da moldura. 

Se soubesses como ainda amo as rosas, 
talvez não enchesses as horas de pesadelos. 

Mas tu esqueceste muita coisa; 
esqueceste que as minhas pernas cresceram, 
que todo o meu corpo cresceu, 
e até o meu coração 
ficou enorme, mãe! 

Olha — queres ouvir-me? — 
às vezes ainda sou o menino 
que adormeceu nos teus olhos; 

ainda aperto contra o coração 
rosas tão brancas 
como as que tens na moldura; 

ainda oiço a tua voz: 
          Era uma vez uma princesa 
          no meio de um laranjal...
 

Mas — tu sabes — a noite é enorme, 
e todo o meu corpo cresceu. 
Eu saí da moldura, 
dei às aves os meus olhos a beber, 

Não me esqueci de nada, mãe. 
Guardo a tua voz dentro de mim. 
E deixo-te as rosas. 

Boa noite. Eu vou com as aves. 

                                         Eugénio de Andrade, in Os Amantes Sem Dinheiro"

"Sofia por ela própria", Mendes e João Só


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