Português

domingo, 23 de setembro de 2012

AUTEDOR

Roubado ao Sorumbático

Da ignorância política e jornalística

Diz lá qualquer coisa que serve
Por Ferreira Fernandes
     POR ESTES dias demo-nos conta do nascimento de uma (enfim, duas) palavra oficial, rapidamente caída no goto de políticos, jornalistas e comentadores, tão nebulosa como devem ser as palavras oficiais mas, esta, com uma cândida confissão. Era tão sem nada para dizer que nem era uma, mas duas: ora modelação,ora modulação, e dizia-se uma delas ao calha. 
     Uma ou outra foi dita por Passos Coelho quando, os acontecimentos obrigando-o a arrepiar caminho, ele afirmou que poderia mudar a sua proposta da TSU. Mas disse ele "modelação"? Isto é, tornear, ajustar... Ou ele disse "modulação"? Isto é, passar o canto ou a harmonia para um tom diferente... 
     A primeira hipótese é verosímil, própria do jogo de cintura de qualquer político; mas a segunda também é, vinda de Passos Coelho, que não destoa ao cantar "chamava-se Nini/vestia de organdi". 
     O uso da palavra inócua não teria interesse, não fosse sindicalistas e políticos, na esteira do primeiro-ministro, passarem a citá-la como crucial. Tão decisiva que uns diziam "modelação" e outros "modulação"... E os jornalistas faziam-lhes eco, ora modelando, ora modulando. 
     Paulo Pinto, professor da Universidade Católica, propôs no blogueJugular uma palavra nova: "mudlar", a síncope do "e" ou do "u" poupando-nos esta vergonha. Esta. Para as outras, nascidas do mesmo vício, fica a mezinha tradicional. De cada vez que falarmos, pôr esta dúvida: de que estamos a falar quando estamos a falar?
«DN» de 23 set 12

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Dois pesos e duas medidas


Jesus ter mulher dá bandeira queimada?

Por Ferreira Fernandes 
     SOU A FAVOR de certos atentados, como os que, por legítima defensa, poderiam (e deveriam) ser feitos contra o homem que fez o tal filme anti-Islão. De que atentados falo? De um encharcado nas trombas do realizador, cristão copta egípcio que, no bem-bom da Califórnia, acirrou cáfilas de exaltados que se aproveitam do menor pretexto para atacar os cristãos coptas egípcios que, esses, vivem no Egito sem proteção da polícia americana. Encharcado pespegado, não vejo mais que violência possa ser justificada neste caso. Até o canalha desse realizador copta tem direito de fazer uma xaropada sobre a pretensa vida sexual do Maomé. Que isso pode ofender muçulmanos? Pode. Mas parte do mundo aprendeu que podem coexistir o direito a sentir-se ofendido e o direito de dizer (filmar, pintar...) mesmo com o risco de poder ofender outros. Não é má ideia. Não fosse assim, ontem, a minha porteira não se teria sentido só perplexa quando ouviu no telejornal que um milenário papiro copta (estes parecem danados para a ofensa, mas foi só coincidência) revelava que "Jesus tinha mulher." Ela ouviu aquilo, ofendeu-se (acreditou toda a vida na pureza sexual de Jesus) mas limitou-se a abanar a cabeça. Não foi para a rua queimar bandeiras e invadir a primeira embaixada. Se a minha porteira conseguiu fazer uma figura decente, julgo que os clérigos muçulmanos que se engasgam com o tal filme também podiam conter-se. E se não puderem, tratem-se. 
DN de 20 Set 12

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O impacto do aumento do n.º de alunos por turma no aproveitamento escolar

     O ministro Nuno Crato aumentou o número de alunos por turma em todos os ciclos do ensino obrigatório, desprezando todos aqueles que criticaram a medida, argumentando que tal iria prejudicar a aprendizagem e o sucesso educativo.
     Usou mesmo um tom displicente ao afirmar que não havia estudos que comprovassem a relação entre o aumento do n.º de alunos por turma e a diminuição do sucesso. Pois bem, há pelo menos um estudo do Ministério da Educação francês, datado de 2006, que comprova o que quem está no terreno tem afirmado até à exaustão: a partir de um momento, cada aluno a mais numa turma diminui o sucesso escolar dos aprendizes.


     Aqui fica o link para o estudo em questão: Les Dossiers - Enseignement scolaire.

domingo, 9 de setembro de 2012

Conformismo / Protesto


          Acho uma moral ruim
          trazer o vulgo enganado:
          mandarem fazer assim
          e eles fazerem assado.

          Sou um dos membros malditos
          dessa falsa sociedade
          que, baseada nos mitos,
          pode roubar à vontade.

          Esses por quem não te interessas
          produzem quanto consomes:
          vivem das tuas promessas
          ganhando o pão que tu comes.

          Não me deem mais desgostos
          porque sei raciocinar...
          Só os burros estão dispostos
          a sofrer sem protestar!

          Esta mascarada enorme
          com que o mundo nos aldraba,
          dura enquanto o povo dorme,
          quando ele acordar, acaba.

                                              António Aleixo

O tuíte de Pedro Passos Coelho

A realidade portuguesa


Burro Justino


     David Justino é um professor universitário e ex-ministro da Educação no XV Governo Constitucional. Durante o exercício do cargo, a população do Poceirão batizou-o de «Burro Justino», uma forma de protesto pela demora do Ministério de Educação da altura em construir uma escola na zona.
     Cansadas de esperar, as populações de Poceirão e Marateca levaram um equídeo, em 6 de novembro de 2004, até à porta da Assembleia da República. O animal participou noutros momentos de protesto, por vezes de mochila às costas, e, ironicamente, foi intentada a sua candidatura ao Parlamento Europeu.
     Ainda que pelos motivos acima sumariamente explicitados, aquelas populações tinham toda a razão no nome de batismo que escolheram para o ex-ministro. De facto, repare-se como o dito, colaborador assíduo no blogue 4T - Quarta República, cometeu mais um dos erros de português pelos quais é conhecido, ao trocar o verbo «ver(-se)» pelo verbo «vir(-se)»: "Sem menosprezar a incompreensão de milhares de professores que se vêm ao fim de muitos anos de exercício de actividade docente...".
     Ainda bem que o aturado exercício da docência tem efeitos tão... agradáveis.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Como me curei de uma deficiência

     «Entre nós, os Jogos Paralímpicos de Londres acontecem sob o mando do pudor, até poucas fotografias se veem. Ora, se um recorde desportivo é sempre admirável, que imagem mais forte pode haver que esse conseguimento alcançado por alguém que tem tudo para não conseguir?
     Em 2004, nos JO de Atenas, durante uma corrida de apresentação de paralímpicos, um atleta virou a sua cadeira de rodas em frente da bancada de jornalistas. A cadeira por terra e as pernas deficientes viradas ao céu pareceram-nos demasiado patéticas, desviámos o olhar e nem coragem tivemos de nos encarar uns aos outros. Mas alguém endireitou a cadeira e o atleta continuou a corrida com naturalidade.
     Agora, a cobertura entusiástica dos bons jornais ingleses nos Jogos Paralímpicos de Londres tem-me curado da piedade despropositada. Também Oscar Pistorius, o sul-africano das pernas em lâmina, me ajudou. Há um mês, ele foi o primeiro atleta deficiente a correr nuns Jogos Olímpicos e até chegou às finais de 4x400m. No domingo, nos Jogos Paralímpicos, ele foi vencido nos 200m classe T44 (amputados das pernas, com próteses) pelo brasileiro Alan Fonteles. Só a derrota de Pistorius é uma lição de normalidade: aquele que é uma vedeta entre olímpicos, perde com paralímpico... Depois, houve a reação do sul-africano: acusou, sem razão, o brasileiro de ter corrido com próteses ilegais...
     Pronto, é oficial: os deficientes são normais. Até têm o mau perder dos outros.»

Ferreira Fernandes, in DN (04/09/2012)
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