Português

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A Grécia, Vítor Gaspar e o Benfica

Por Ferreira Fernandes
     QUANDO a Grécia obteve melhores condições para a dívida, o presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, disse que essa melhoria seria estendida a Portugal. Naturalmente os nossos ministros rejubilaram. Mas eis que o patrão destas coisas, o alemão Wolfgang Schäuble, veio dizer que não. Disse que "seria um sinal terrível" para Portugal querermos suavizar os empréstimos. Seria como ir à Feira da Ladra, perguntar pelo custo da moldura, ouvir "50 euros" e nem regatear. Contrapropor 30 euros seria um sinal terrível... 
     Não entendi. Já entendi melhor Vítor Gaspar ter aderido - depois do aviso de Schäuble - à tese do "sinal terrível." Isto é, entendi o feitio, ele é um tipo amável que não gosta de indispor alemães. 
     Mas continuei a não perceber a lógica da coisa. Até ontem à noite. 
     O Benfica foi jogar ao antro do Barcelona, o "més que un club", o que em catalão quer dizer: já nem sabemos enfiar 1-0 ou 2-1, connosco todos levam 4 ou 5. É, quem joga com o Barcelona apanha com taxas de juro a 4 ou 5 por cento. Ora o que começou por acontecer ontem foi que tivemos condições gregas, baixaram as taxas, suavizaram os prazos, não puseram a jogar Xavi, Iniesta e Messi. E o que aconteceu? Sinais terríveis: festival de golos perdidos de Lima e Ola John. E o Benfica foi eliminado. 
     Percebi: os portugueses não podem ter condições facilitadas. Abusam e perdem tudo. Por isso o meu sonho desde ontem é o Benfica despedir o Jesus e contratar o Gaspar. 
Diário de Notícias, 6 de dezembro de 2012

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Ao meu pai...

A UM AUSENTE

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste

                                                       Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

"Redação"

Uma senhora pediu-me
um poema de amor.

Não de amor por ela,
mas "de amor, de amor".

À parte aquelas
trivialidades
                    "minha rosa, lua
                    do meu céu interior"
que podia eu dizer
para ela, a não destinatária,
que não fosse por ela?

Sem o objeto, o poema
é uma redação
dos 100 Modelos
de Cartas de Amor.

                                Alexandre O'Neill, Poesias Completas

Grupo GPS - "Dinheiros Públicos - Vícios Privados"


Link original TVI

domingo, 2 de dezembro de 2012

Os maias, 'Os Maias' e o fim do mundo

Por Ferreira Fernandes
     DIZ-SE dos tolos que, quando se aponta a Lua, eles olham para o dedo. Os maias tinham a reação inversa. Ótimos astrónomos, enquanto apontavam para o alinhamento dos planetas não viram chegar os espanhóis que deram cabo deles. De que lhes serviu serem uma civilização superior? Pois esses notórios incapazes de preverem o desastre próprio ganharam agora fama por anunciarem o fim dos outros: um antigo calendário maia marcou o fim do mundo para o próximo 21 de dezembro. Tolice acreditada por meio mundo - a Internet pôs-se nervosa, anunciaram-se suicídios - a ponto de, ontem, um cientista da NASA ter de desmentir. O choque de planetas, a tempestade solar e outros apocalipses antes do Natal, tudo aldrabices. 
     Acredito, e aconselho a leitura não do fatídico calendário dos maias, mas de Os Maias. No fim do romance de Eça, os amigos Carlos da Maia e João da Ega dedicam-se a conversa dramática: "Não a vale a pena viver...", diz um. O outro concorda. E ambos chegam à conclusão de a única certeza ser o pó que nos espera. Porquê correr, pois, por alguma coisa?... Aí, Carlos olha para o relógio e vê que estavam atrasados para o jantar no Hotel Bragança. E deitam-se os dois a correr atrás da carruagem que os levará ao "paio com ervilhas"... 
     Assim acaba Os Maias, e é uma mensagem que merece mais Internet do que a outra, dos maias. 
     Leitor, quando lhe apontarem o fim do Mundo, a 21, olhe para o bacalhau e a couve tronchuda, dias depois. 
Diário de Notícias, 1 de dezembro de 2012

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Corrupção na Educação

Coisas (mais ou menos) do «facebook»


"O deus Pã não morreu"

            Antes de iniciar a análise propriamente dita do texto convém esclarecer quem são as entidades mitológicas nele referidas.
            Assim, era o deus dos pastores da região da Arcádia (região central do Peloponeso) e representava o poder e a fecundidade da natureza selvagem, com fortes implicações sexuais. Era representado com orelhas, chifres e pernas de bode. Além disso, como era amante da música, transportava consigo sempre uma flauta. Por sua vez, os Romanos identificaram-no como o deus itálico Fauno. Uma lenda conta que, no reinado do imperador romano Tibério (século I d. C.), o piloto de um navio ouviu uma voz que lhe ordenou que anunciasse a seguinte mensagem: «o Grande Pã está morto». Quando o marinheiro obedeceu, toda a natureza começou a gemer. Frequentemente, é associado à palavra grega “pan”, que significa “tudo”, uma associação errada, no entanto deu origem à ideia de que Pã simbolizava «o Grande Todo», ou seja, o poder universal da vida.
            Por seu turno, Apolo era o deus do sol e da música, irmão gémeo de Artemis, deusa da lua e da caça, filho de Zeus e da ninfa Leto. Por outro lado, Apolo amava a música, tendo sido presenteado com uma lira por parte de Hermes, feita a partir da carapaça de uma tartaruga e de tripas de gado.
            Quanto a Ceres, era, entre os romanos, a deusa das colheiras e do cereal, o equivalente a Deméter entre os gregos.

            O deus Pã simboliza o neoplatonismo para os neoplatónicos e para os cristãos, daí a sua «adoção» por parte de Ricardo Reis, em cuja filosofia existencial – a do paganismo da decadência ‑ se inscreve a ideia da sobrevivência dos deuses pagãos (“O deus Pã não morreu” – v. 1), bem como no programa do neopaganismo (de Fernando Pessoa ele mesmo e dos seus heterónimos Alberto Caeiro, Ricardo Reis e António Mora).
            O neopaganismo sustentava o reatar da alma grega na arte, na religião e nas instituições políticas, ao considerar que nada, depois dos gregos clássicos, pode igualar a sua civilização. Neste sentido, o cristianismo é visto como um retrocesso, um atraso civilizacional.
            Neste poema, Cristo é apresentado num plano de igualdade com os deuses pagãos referidos. Ele não “matou outros deuses”, é apenas “um deus a mais, / Talvez um que faltava”, o que indicia que é um deus dispensável, pois é “apenas mais um”. Assim, a noção do Cristianismo segundo a qual Cristo seria o único e verdadeiro deus é implicitamente rejeitada, afirmando-se, pelo contrário, que todos os deuses pagãos antigos permanecem. Cristo, de facto, “não matou outros deuses”, é apenas “ Quanto ao ser humano, falta-lhe reconhecer essa permanência dos deuses pagãos.
            A relação entre o ser humano e os deuses carateriza-se pela distância e pela indiferença, dado que estes estão “Cheios de eternidade / E desprezo por nós” (vv- 18 e 19).
            O perfil dos deuses é traçado com clareza: são “claros e calmos” (v. 17), eternos / imortais, regem o mundo (“Trazendo dia e a noite / E as colheitas douradas”), mas não por causa dos seres humanos (“Sem ser para nos dar / O dia e a noite e o trigo”, antes por razões que não estão ao alcance da compreensão humana e alheias à sua vontade (“por outro e divino / Propósito casual” – vv. 24-25).

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

"A pequena angústia"

O que Portugal
poderia ser
se todos os portugueses emigrassem...
- Pé de gazela
na lua.
Um desejo adusto fora d'uso.
Um lírio.

Seria livre.
Ilimitado,
como nuvem humilde
quando se dissolve.

O que Portugal
poderia ser
se todos os portugueses regressassem...

A pergunta tenta como osso
debaixo da carne.

                                                           Ruy Cinatti (1969)

terça-feira, 27 de novembro de 2012

"Sim, sei bem"

Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
    Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
    Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
    Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
    Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
    Deixem-me me crer
O que nunca poderei ser.

                    8-7-1931
                    Odes de Ricardo Reis

Linguagem e estilo de Ricardo Reis

  • Aspetos fónicos:
  • composição preferida: a ode horaciana, com estrofes regulares em verso decassilábico, alternado ou não com o hexassílabo;
  • eufonia;
  • verso branco / solto;
  • irregularidade métrica (por vezes);
  • recurso frequente à assonância, à aliteração e à rima interior. 
  • Aspetos morfossintáticos e semânticos:
  • subsmissão da expressão ao conteúdo: a uma ideia perfeita corresponde uma expressão perfeita;
  • sintaxe alatinada:
  • ordem inesperada das palavras; 
  • anteposição do complemento direto ao verbo («As rosas amo...» em lugar da ordem tradicional da língua portuguesa: «Amo as rosas...»);
  • uso de latinismos: "astro", "ledo", "ínfero", "vila", "vólucres", "inscientes", etc.;
  • uso frequente da inversão (hipérbato e eanástrofe) e da elipse;
  • uso frequente do imperativo (de acordo com a feição moralista das odes) ou do conjuntivo com valor de imperativo;
  • uso do gerúndio;
  • perífrases (remetem para um contexto religioso e mitológico grego ou latino);
  • eufemismos (traduzem / suavizam a ideia de morte, que Ricardo Reis, afinal, teme);
  • estilo denso e rigorosamente elaborado, construído, pensado, nos antípodas, por exemplo, de Alberto Caeiro;
  • seleção cuidada de fonemas ou vocábulos sugestivos das ideias que pretende exprimir (a elevação, a nobreza, o classicismo da linguagem).

Temas da poesia de Ricardo Reis

  • Epicurismo:
  • busca da felicidade relativa;
  • moderação dos prazeres / busca de um prazer relativo;
  • fuga ao sofrimento e à dor (aponia); 
  • ataraxia (tranquilidade ou indiferença capaz de evitar a perturbação, a dor e o sofrimento).
  • Estoicismo:
  • aceitação das leis do Destino / Fado, entidade inexorável que oprime deuses e homens;
  • indiferença face às paixões e aos males (moderação).
  • abdicação de lutar;
  • autodisciplina, autodomínio.
  • Paganismo:
  • crença nos deuses;
  • crença na civilização romana;
  • sente-se um "estrangeiro" fora da sua pátria, a Grécia
  • Horácio (horacianismo):
  • carpe diem: fruição do momento presente ("Colhe o dia / Porque és ele");
  • aurea mediocritas: a felicidade possível no sossego do campo (proximidade de Alberto Caeiro);
  • símbolos clássicos do sorriso, do vinho, das flores: tentativa de iludir o sofrimento resultante da consciência aguda da efemeridade da vida, do fluir contínuo do tempo e da fatalidade da morte.
  • Intelectualização das emoções (o oposto de Alberto Caeiro).
  • O culto do Belo como forma de superar a brevidade e a transitoriedade dos bens terrenos e da vida.
  • A intemporalidade das suas preocupações:
  • a angústia humana perante a brevidade da vida e a certeza da morte;
  • a busca de soluções tendentes a limitar o sofrimento que carateriza a vida humana. 
  • Outros temas clássicos:
  • a miséria da condição humana;
  • a efemeridade da vida;
  • a velhice e o medo da morte;
  • a fatalidade da morte;
  • a aceitação calma e serena das coisas;
  • o equilíbrio interior pela busca de um prazer relativo.

Caeiro e as ovelhas


* * * * * * * * * *



     Observe os dois cartunes apresentados.

     Elabore um pequeno texto de apreciação crítica sobre uma das imagens.

     Se selecionar o primeiro, relacione-o com a poética de Alberto Caeiro.

     Se optar pela crítica do segundo, relacione-o com a ode de Ricardo Reis «Vem sentar-te comigo, Lídia...".


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Branca de Neve procura emprego

Por Alberto Gonçalves
     É PROVÁVEL que uma hipotética saída da União Europeia agravasse ainda mais a nossa situação económica. Mas talvez melhorasse a nossa saúde mental. No meio de uma crise que coloca a sua própria existência em risco, o Parlamento Europeu dedica-se a demonstrar que não se perderia muito: não satisfeito por possuir uma absurda Comissão dos Direitos da Mulher e Igualdade dos Géneros, o PE permite que a dita comissão se alivie de palpites acerca de matérias que sempre os dispensaram.
     Até agora, essa destravada fraternidade tentava interferir no mundo real e entretinha-se a propor quotas em empresas e delírios assim. Agora, soube por Helena Matos (blasfemias.net), a referida Comissão avança para o mundo da ficção e quer abolir das escolas ou no mínimo temperar a influência das obras literárias infanto-juvenis que atribuem papéis "tradicionais" aos elementos masculinos e femininos da família. Livrinho em que o pai saia para o trabalho e a mãe fique a cuidar da prole irá, se a coisa vingar, directamente rumo ao index dos eurodeputados.
     O index será vasto. Não estou a ver nenhum clássico da literatura do género em que a personagem do marido passe os dias a mudar fraldas e a da esposa assuma um lugar de relevo na sociedade. Mesmo na "Branca de Neve", que está longe de representar um agregado familiar retrógrado (conheço pouquíssimas senhoras que coabitem em simultâneo com sete cavalheiros, para cúmulo de estatura alternativa), a verdade é que a heroína trata das arrumações caseiras enquanto os seus sete parceiros labutam nas minas. E quanto a Huckleberry Finn, criado na ausência da mãe e na presença de um pai alcoólico, erradica-se ou não? E os órfãos de Dickens? E, uns degraus abaixo, os pobres sobrinhos sem tia da Disney? Além disso, a Comissão dos Direitos da Mulher e Etc. é omissa no que toca às fábulas. Se, por exemplo, é indesmentível que, ao invés da cigarra, a formiga trabalha como uma desgraçada, nem Esopo nem La Fontaine sugerem que a dita seja fêmea e unida pelo matrimónio a um formigo que colabora nas tarefas do lar e respeita o "espaço" da companheira. Que obras, em suma, corresponderão aos requisitos de igualdade? Há uma imensidão de dúvidas.
     Por sorte, há um PE recheado de certezas, que reivindica à Comissão Europeia legislação capaz de regulamentar (um verbo predilecto) o equilíbrio conjugal nas histórias para petizes - no papel e também no cinema, na televisão, na publicidade e onde calhar. O argumento (digamos) é o de que os "estereótipos negativos de género" minam a "confiança" e a "auto-estima" das jovens, limitando as suas "aspirações, escolhas e possibilidades para futuras possibilidades [a repetição não é gralha] de carreira". Quem fala assim não é gago: é semianalfabeto na medida em que escreve com os pés, arrogante na medida em que submete a liberdade criativa à engenharia social e um bocadinho maluco na medida em que confunde a fantasia com o quotidiano.
     Não tenho opinião sobre os modelos imaginários que devem orientar as criancinhas. Em compensação, parecem-me evidentes os modelos palpáveis de que as criancinhas devem ser protegidas a todo o custo - a menos, claro, que os pais lhes desejem um emprego em Bruxelas, a incomodar o próximo para entreter o ócio e realizar uma vocação. 
DN, 25 de novembro de 2012
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...