Português

domingo, 9 de dezembro de 2012

Medina Carreira, ou 'Maus a investigar, bons a enlamear'

Por Ferreira Fernandes
     FRANCISCO Canas tinha um esquema de dinheiro para a Suíça, o que levou a Polícia Judiciária a investigar. Traduzido: a Judite pôs debaixo d'olho o Zé das Medalhas no caso Monte Branco. 
     À polícia dá-se a alcunha da bíblica Judite, o comerciante da Baixa lisboeta passa a ser Zé das Medalhas e a Helvécia esconde-se atrás da sua célebre montanha. E porquê esses biombos? Porque um bom caso policial precisa sempre de mistérios que apimentem a coisa. 
     Agora, sigamos um investigador português dando com o livro escondido do Zé das Medalhas, onde este apontava os seus clientes e verbas. Um livro destes seria lido por qualquer investigador como as mensagens da Rádio Londres eram ouvidas pelos nazis durante a II Guerra Mundial. Se a mensagem era "les sanglots longs des violons...", eles não diziam: "Olha, agora deu-lhes para a poesia de Verlaine!" Desconfiavam: "Aqui há gato...", mesmo não sabendo se persa ou siamês. 
     Da mesma forma, um investigador lendo o nome "Medina Carreira" no livro do Zé das Medalhas desconfiaria. Tentava traduzir aquele código. Um investigador, disse eu. Em geral. Mas se o investigador for português, aí já marra a direito: "Medina Carreira? Olha, o gajo que tem a mania de dar lições." E ia direito a buscas na casa e escritório do "indiciado". 
     Não deu em nada, claro, era mesmo código. Porém, se os investigadores portugueses marram mal, pegam de cernelha bem: os jornais ficaram logo a saber que houve buscas... 
Diário de Notícias, 9 de dezembro de 2012

Os progressos da Educação em Portugal

É igual ao litro (I)


Indecentemente roubado
ao Sorumbático

O engraçadismo e a enfermeira

Por Ferreira Fernandes
     DA AUSTRÁLIA, um duo de engraçadistas profissionais entrou no quarto do hospital londrino de Kate, a mulher do príncipe William. Gravando para uma rádio, a mulher do duo telefonou para a receção e apresentou-se como "a Rainha". A enfermeira Jacintha Saldanha, que recebeu a chamada, nem deu pela pronúncia grosseira, passou o telefonema para o quarto de Kate, onde outra enfermeira, também enganada, forneceu dados sobre a gravidez ducal ou lá o que é. 
     Os australianos gozaram que nem uns perdidos e a casa real protestou. Ontem, Jacintha Saldanha foi encontrada morta; por suicídio, julga a polícia. 
     O engraçadismo vai continuar, é um género cruel e popular, gosta-se sempre de ver gente ridicularizada; e é um género fácil, as vítimas são sempre os mais fracos, mesmo quando parece querer beliscar-se a Rainha quem sai esfolado são enfermeiras (veja-se, ainda, como os nossos "apanhados" televisivos são quase sempre imigrantes ou pobres, nunca poderosos). 
     A casa real britânica vai também continuar a filtrar as notícias pessoais que lhe interessam e a indignar-se com as outras. De novo, neste caso, só o mexilhão que não acolheu o vexame mansamente. 
     Jacintha Saldanha não suportou que se tivessem rido da forma como ela exerceu a sua profissão. É uma surpresa extraordinária, isso de haver gente com pundonor. Olha, pode ser a desculpa dos australianos: como é que engraçadistas iam adivinhar que ainda havia gente assim?

Diário de Notícias, 8 de dezembro de 2012

O ensino como negócio


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Brasil adia obrigatoriedade do Acordo Ortográfico


Brasil vai adiar obrigatoriedade do Acordo Ortográfico para 2016

Por Agência Lusa, publicado em 7 Dez 2012 - 17:18 | Actualizado há 6 horas 16 minutos

A Grécia, Vítor Gaspar e o Benfica

Por Ferreira Fernandes
     QUANDO a Grécia obteve melhores condições para a dívida, o presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, disse que essa melhoria seria estendida a Portugal. Naturalmente os nossos ministros rejubilaram. Mas eis que o patrão destas coisas, o alemão Wolfgang Schäuble, veio dizer que não. Disse que "seria um sinal terrível" para Portugal querermos suavizar os empréstimos. Seria como ir à Feira da Ladra, perguntar pelo custo da moldura, ouvir "50 euros" e nem regatear. Contrapropor 30 euros seria um sinal terrível... 
     Não entendi. Já entendi melhor Vítor Gaspar ter aderido - depois do aviso de Schäuble - à tese do "sinal terrível." Isto é, entendi o feitio, ele é um tipo amável que não gosta de indispor alemães. 
     Mas continuei a não perceber a lógica da coisa. Até ontem à noite. 
     O Benfica foi jogar ao antro do Barcelona, o "més que un club", o que em catalão quer dizer: já nem sabemos enfiar 1-0 ou 2-1, connosco todos levam 4 ou 5. É, quem joga com o Barcelona apanha com taxas de juro a 4 ou 5 por cento. Ora o que começou por acontecer ontem foi que tivemos condições gregas, baixaram as taxas, suavizaram os prazos, não puseram a jogar Xavi, Iniesta e Messi. E o que aconteceu? Sinais terríveis: festival de golos perdidos de Lima e Ola John. E o Benfica foi eliminado. 
     Percebi: os portugueses não podem ter condições facilitadas. Abusam e perdem tudo. Por isso o meu sonho desde ontem é o Benfica despedir o Jesus e contratar o Gaspar. 
Diário de Notícias, 6 de dezembro de 2012

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Ao meu pai...

A UM AUSENTE

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste

                                                       Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

"Redação"

Uma senhora pediu-me
um poema de amor.

Não de amor por ela,
mas "de amor, de amor".

À parte aquelas
trivialidades
                    "minha rosa, lua
                    do meu céu interior"
que podia eu dizer
para ela, a não destinatária,
que não fosse por ela?

Sem o objeto, o poema
é uma redação
dos 100 Modelos
de Cartas de Amor.

                                Alexandre O'Neill, Poesias Completas

Grupo GPS - "Dinheiros Públicos - Vícios Privados"


Link original TVI

domingo, 2 de dezembro de 2012

Os maias, 'Os Maias' e o fim do mundo

Por Ferreira Fernandes
     DIZ-SE dos tolos que, quando se aponta a Lua, eles olham para o dedo. Os maias tinham a reação inversa. Ótimos astrónomos, enquanto apontavam para o alinhamento dos planetas não viram chegar os espanhóis que deram cabo deles. De que lhes serviu serem uma civilização superior? Pois esses notórios incapazes de preverem o desastre próprio ganharam agora fama por anunciarem o fim dos outros: um antigo calendário maia marcou o fim do mundo para o próximo 21 de dezembro. Tolice acreditada por meio mundo - a Internet pôs-se nervosa, anunciaram-se suicídios - a ponto de, ontem, um cientista da NASA ter de desmentir. O choque de planetas, a tempestade solar e outros apocalipses antes do Natal, tudo aldrabices. 
     Acredito, e aconselho a leitura não do fatídico calendário dos maias, mas de Os Maias. No fim do romance de Eça, os amigos Carlos da Maia e João da Ega dedicam-se a conversa dramática: "Não a vale a pena viver...", diz um. O outro concorda. E ambos chegam à conclusão de a única certeza ser o pó que nos espera. Porquê correr, pois, por alguma coisa?... Aí, Carlos olha para o relógio e vê que estavam atrasados para o jantar no Hotel Bragança. E deitam-se os dois a correr atrás da carruagem que os levará ao "paio com ervilhas"... 
     Assim acaba Os Maias, e é uma mensagem que merece mais Internet do que a outra, dos maias. 
     Leitor, quando lhe apontarem o fim do Mundo, a 21, olhe para o bacalhau e a couve tronchuda, dias depois. 
Diário de Notícias, 1 de dezembro de 2012
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