Português

sexta-feira, 19 de abril de 2013

A ignorância e o Ministério da Educação e Ciência


Educação: mais com menos (II)


Investimento na Educação

Investimento na Educação abaixo de 4% do PIB coloca Portugal ao nível da Indonésia, diz CNE

Educação esteve em debate no Parlamento
A presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) disse nesta terça-feira no parlamento que reduzir o investimento público na Educação abaixo de 4% do Produto Interno Bruto (PIB), “é colocar Portugal ao nível da Indonésia”.
Ana Maria Bettencourt esteve na Comissão de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República, acompanhada de outros conselheiros do órgão a que preside, para apresentar aos deputados as conclusões do relatório “Estado da Educação 2012 – Autonomia e Descentralização”, divulgado na passada semana.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Frei Diogo de Melo

          Esta personagem é o símbolo do antipoder dentro da Igreja católica. Assim, contrasta com principal Sousa, a figura que representa uma Igreja em tudo contrária aos princípios do catolicismo e que, por isso, desvirtua a interpretação dos próprios textos sagrados. Pelo contrário, Frei Diogo representa uma Igreja pura, autêntica, espelho de honestidade, fé, caridade, solidariedade, amor ao próximo, esperança, compaixão e sentido correcto da caridade cristã, isto é, uma Igreja que quer ser e não parecer. Neste sentido, contraria o poder religioso instalado, embora não o confronte abertamente. Pede a Matilde que "Não faça a Deus o que os homens fizeram ao general Gomes Freire: não O julgue sem O ouvir.", denunciando assim a actuação contraditória dos representantes da Igreja (pág. 128) e dá-lhe força e conforto quando ela parece descrer da sua fé, afirmando que "A misericórdia de Deus é infinita.".

          Frei Diogo é um homem sério (pág. 13); é o confessor de Gomes Freire e, nessa qualidade, reconhece que ele foi vítima de uma injustiça, para a qual contribuiu a instituição de que faz parte - a Igreja. Não tem mesmo pejo em o elogiar, o que provoca a ira de principal Sousa.

          A sua linguagem está eivada de sensibilidade, inocência e compreensão da dor alheia.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Programa de Matemática do ensino básico revogado

Novo programa para os alunos do 1º ao 9º ano vai ser desenhado depois de discussão pública com professores.

     O ministro da Educação revogou hoje o programa de Matemática para o Ensino Básico que foi desenhado por Maria de Lurdes Rodrigues, em 2007. Segundo o Diário da República hoje publicado, os alunos dos 1.º ao 9.º ano do ensino básico vão ter um novo programa desta disciplina já no próximo ano lectivo.
     O novo programa da Matemática vai ser definido depois de uma discussão pública, na qual vão participar professores, e que deverá arrancar ainda este mês.
     Segundo o documento, o actual programa "é demasiado rígido" e "retira liberdade aos professores para actuarem de forma adequada perante as suas turmas e escolas e de acordo com a sua experiência". 

terça-feira, 16 de abril de 2013

"O Grito", de Munch


Edvard Munch (1863-1944), pintor e gravador norueguês, a sua infância foi marcada pela tragédia com a morte precoce da mãe e da irmã mais velha com tuberculose. Frequentou a "Escola de Artes e Ofícios" de Oslo. Morou em Berlim, Florença e Roma. Em 1893 realizou a obra “O Grito” esta tela foi pintada após uma experiência alucinante vivida pelo norueguês enquanto passeava no parque Ekebert, em Oslo. A obra é inspirada na própria vida pessoal do pintor, nas suas tristezas, angústias profundas, na sua história de vida e desencontros. A possível fonte de inspiração para esta figura humana estilizada pode ter sido uma  múmia peruana que Munch viu na exposição universal de Paris em 1887. Esta tela é considerada um fenómeno global apenas comparável ao da Gioconda, de Leonardo da Vinci e encontra-se exposta na Galeria Nacional, Oslo.
É uma pintura, tipo óleo sobre tela, têmpera e pastel sobre cartão. Mede 83.5 x 66 centímetros. Ao fundo vemos um céu, de cores quentes, em oposição ao rio em azul (cor fria) que sobe acima do horizonte, característica do expressionismo, onde o que interessa para o artista é a expressão das suas ideias e não um retrato da realidade. A figura humana, em si, também apresenta cores frias, como o azul, como a cor da angústia e da dor. A personagem encontra-se sem cabelo para demonstrar um estado de saúde precário. Os elementos descritos estão tortos, como se reproduzindo o grito dado pela figura. Quase tudo se encontra deformado, menos a ponte e as duas figuras que estão no canto esquerdo. A dor do grito está presente não só na personagem, mas também em toda a paisagem, ou seja, quando alguém se encontra num estado permanente de sofrimento todo o ambiente se altera, todo o ambiente reflecte o desespero que habita no interior. A meu ver Edvard deu o titulo” O Grito ” à sua tela devido ao momento angustiante vivido pela figura central, em comparação com a vida real o ser Humano sente como que uma vontade de gritar quando se sente angustiado e incapaz de realizar algo na sua vida.
Em suma, esta tela foi fruto de uma experiência vivida por Munch no parque Ekebert em Oslo é uma pintura que apresenta mistura de cores (tanto quentes como frias) e podemos compará-la com a realidade vivida por muita gente com doenças terminais que vivem a sua vida angustiadas. Como já referi esta tela encontra-se na Galeria Nacional na cidade de Oslo e merece ser visitada por ser uma tela que expressa vários sentimentos e pela sua mistura de realidade com ficção. Por isso, visite esta obra e aprecie cada traço desta tela.

Bibliografia:
          www.wikipédia.pt
          http://www.sabercultural.org/template/obrasCelebres/O-Grito-Edvard-Munch.html 

Matilde de Melo

          Matilde de Melo, Sousa Falcão e Frei Diogo de Melo constituem o grupo de amigos do general, que age em nome do amor, da amizade e da caridade cristã, respectivamente.


1. Origens:
  • Seia;
  • ambiente humilde, pobre ("... uma terra tão pobre e tão pequena..." - p. 91) e religioso ("Ensinaram-me, de pequena, a amar a Deus sobre todas as coisas." - p. 91);
  • ambiente de isolamento físico e intelectual, que a impediu de ter uma perceção adequada do mundo.

2. Retrato físico:
  • vestida de negro (sinal de luto pela prisão do general);
  • desgrenhada (este aspecto revela o sofrimento, o desespero, o estado de alucinação causados pela prisão do general).

3. Retrato moral:
  • grande sentido de justiça e lealdade;
  • grande nobreza de carácter;
  • digna e simples, apesar do desprezo com que é tratada por ser a amante do general.

4. Retrato social:
  • pobre ("sentada numa cadeira tosca" - pág. 83).

5. Retrato psicológico:
  • desesperada e em estado de choque / alucinação após a prisão do general ("Parecia um animal ferido a ganir à beira duma estrada..." - pág. 82).

6. Matilde -> General:
  • apaixonada pelo general ("Dei-lhe tudo o que tinha...""Sou a mulher do general Gomes Freire d'Andrade." - pág. 92);
  • carinhosa, ternurenta ("Ele dava-me a mão, eu dava-lhe a minha...""Passa a mão pelo uniforme com ternura" - pág. 85) - note-se que esta ternura é mútua;
  • sensível;
  • sonhadora, recorda com saudade os tempos pobres, mas felizes, vividos por ambos ("Falávamos das batalhas em que ele andou... Relembrávamos o nosso hotel de Paris... os passeios que dávamos ao longo do Sena... os dias felizes que passámos juntos..." - pág. 85);
  • preocupada com o seu estado, receia pela sua vida.

7. Matilde -> Governadores
  • ousada e resoluta;
  • determinada e decidida;
  • combativa e corajosa;
  • revoltada;
  • enfrenta um poder que antagoniza, determinada, não obstante não ter grande esperança, na salvação do general, não desiste de lutar;
  • inconformada perante a falsidade, a opressão, a deslealdade, a injustiça e a intolerância;
  • escarnece e desmascara a hipocrisia dos governadores;
  • mantém um discurso agressivo, crítico e sarcástico em certas falas com os governadores;
  • faz uso de um tom arrogante e desafiador, de desprezo;
  • porém, em gesto de desespero, humilha-se por momentos para salvar o general, mostrando o seu altruísmo ao colocar os interesses e a vida do seu amado acima da sua vaidade e orgulho.

8. Matilde -> após a prisão do general
  • inundada pela dor, pelo rancor, pela raiva, pela angústia e pelo desespero;
  • vive uma crise de valores: mostra-se disposta a ceder perante o poder instituído em troca da vida do general e chega a questionar os valores que nortearam a vida do general ("Quem é mais feliz: o que luta por uma vida digna e acaba na forca, ou o que vive em paz com a sua inconsciência e acaba respeitado por todos?" - p. 83); "Se o meu filho fosse vivo (...) Havia de lhe ensinar a mentir, a cuidar mais do fato que da consciência e da bolsa do que da alma. (...) Havia de morre de velhice e de gordura, com a consciência tranquila e o peito a abarrotar de medalhas!" - p. 84);
  • tudo faz para o salvar:
                    » humilha-se perante Beresford;
                    » ajoelha-se perante principal Sousa e implora-lhe que salve o seu amado;
  • ousada e resoluta;
  • determinada e decidida;
  • revoltada;
  • combativa e corajosa.

9. Matilde -> no momento da morte do general
  • vive um estado de alucinação, loucura e delírio -> denúncia do absurdo a que a intolerância e a violência conduzem o ser humano;
  • acaba por transformar a tragédia (morte do general) num momento de esperança e apelo à modificação da situação.

          Em suma:
  1. Matilde é uma mulher lúcida e corajosa, de carácter forte perante a vilania, vibrante nas palavras de paixão. Recusa a hipocrisia e odeia a injustiça e o materialismo.
  2. Amante, esposa e companheira de todas as horas, não suporta a separação do homem que ama, acabando por se revelar uma espécie de alterego de Gomes Freire. Quer isto dizer que é impossível dissociar o clamor de revolta de Matilde do general, e uma vez que ele não pode provar a sua inocência, será ela a tentar fazê-lo, invectivando os seus três principais adversários, pois não crê que a acusação se mantenha nem que a condenação venha a ocorrer quando os acusadores constatarem, em consciência e com justiça, que a acusação é falsa: "Serei, então, a voz da sua consciência. Ninguém consegue viver sem ouvir a voz da consciência, António." (p. 88).
  3. Existe, porém, outra Matilde: a mulher. Neste caso, é o símbolo do Feminino, revelado durante os diálogos que mantém, onde se assume como o arquétipo da mulher que ama e sofre porque ama. O seu discurso revela o seu sofrimento íntimo, bem como o de todos aqueles que, vendo-se separados do ser que os completa, se sentem despojados da unidade que simbolizam: "(...) Amante dum traidor... e assim acabamos a vida... Tu, que deste aos homens tudo o que tinhas e viveste de mãos abertas, acabas enforcado com o rótulo de traidor. E eu... que nasci tua mulher, morro tua (...) amante! Nem me recebem, meu amor. (...) Chegamos ao fim da vida - matam-nos e nem nos consideram dignos de uma explicação. Tratam-nos assim, como se nunca tivéssemos existido..." (p. 120).
  4. O seu discurso funciona como uma resposta ao discurso oficial, apoiado nos textos bíblicos, ainda que estes surjam com uma interpretação duvidosa: "(...) Senhor, se te lembras da cruz, permite que o meu homem morra de cabeça levantada! Não vos peço nada para mim. Mais: troco a minha vida pela dele! Fazei-me sofrer, matai-me torcida de dores e abandonada de todos, mas a ele, dai-lhe uma morte que o não mate de vergonha!" (pp. 97-98).

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Questão Exame 1 (ex-10-2f)


TAREFA: responder à pergunta seguinte:

1. Scarlatti e Baltasar têm percepções diferentes da «ave gigantesca» (linha 12).

     Explique em que consiste a diferença, ilustrando o ponto de vista de cada uma destas personagens com uma citação adequada.

Vicente

     Vicente integra o grupo dos traidores e delatores, o equivalente aos «bufos» da época do Estado Novo. Este grupo move-se pela conveniência,isto é, representa todos aqueles que se aproximam do poder para obter favores e que não têm qualquer pejo em se vender aos governantes. São, no fundo, os verdadeiros traidores que não têm qualquer ética ou valores morais e que passam impunes, alcançando os seus objetivos.

     Vicente é, na peça, o maior representante  desta «classe». Ele é um elemento do povo / popular que surge, pela primeira vez, investido na função de provocador agitador, procurando ridicularizar os outros populares e manchar a reputação e denegrir a imagem do general Gomes Freire de Andrade junto do povo através de diversos «argumentos»: (1) inferiorizar o povo, acusando-o de irresponsável («Vocês ainda não estão fartos de generais? Cornetas, tambores, tiros e mais tiros... Bestas!»; «Julgas que matas a fome com as balas? Idiotas!»), simplório («Nenhum de vocês tem um teto que o abrigue no inverno, nenhum de vocês tem onde cair morto, mas, mal passa um tambor, não há um só que não queira ir atrás dos saldados. Catrapum! Catrapum! Catrapum, pum, pum! - Idiotas!») e ingénuo («Se o teu Gomes Freire é tão bom como dizes e se a 'rapaziada' lá do regimento é como tu a descreves, explica lá o que estás a fazer aqui...»); (2) acusa os generais de serem oportunistas («O que interessa a uns interessa a outros, e a todos interessa que a gente viva assim...»), desumanos, insensíveis e arrogantes, usufruindo e prosperando com base nas discrepâncias sociais do país e nas miseráveis condições de vida em que vivem os populares [a fome e o frio que atingem as famílias, muitas numerosas, procurando apelar ao sentimento de pai ("Tens sete filhos com fome e com frio e vais para casa com as mãos a abanar. Julgas que o Gomes Freire os vai vestir?" - pág. 21); a ausência de vestuário; a ausência de habitação ("Nenhum de vocês tem um tecto que o abrigue no Inverno..." - pág. 21)], sem fazer qualquer gesto para os resgatar desta situação, concluindo que Gomes Freire é como todos os generais; (3) a guerra e as feridas e mágoas que deixou na lembrança das pessoas ("Vocês ainda não estão fartos de generais?" - pág. 21); (4) o desprezo a que são votadas as pessoas quando deixam de ter utilidade, como acontece com os soldados, que serviram o país na guerra e, quando velhos, foram marginalizados, abandonados à miséria e à condição de pedintes, por contraste com os generais, que obtêm glória ("... para eles se encherem de medalhas..." - pág. 22) através do seu sacrifício e vivem confortavelmente("Matas a fome com os cinco réis e com a recordação da campanha. Mas eles... eles vão para casa encher a pança!" - pág. 22 - notar o recurso a uma linguagem rude, sinónimo da sua origem social), indiferentes à desgraça alheia. Depois, concentrando-se diretamente no seu alvo, (1) põe em causa o seu patriotismo e acusa-o de ser um «estrangeirado» (pág. 23) e ser igual aos outros, (2) põe em dúvida o seu caráter, acusando-o de estar conluiado com o poder ("Porque está feito com eles, porque essa gente é toda igual." - pág. 24), e (3) levanta dúvidas sobre a sua coragem («Mas não se bate! Vais ver que não se bate!»). O seu discurso, na tentativa de ser bem sucedido na sua missão, é particularmente rico em termos estilísticos. Assim, Vicente socorre-se por vezes do sarcasmo e da ironia ("É um santo, o teu general..." - pág. 23); socorre-se das interrogações retóricas («Julgas que o Gomes Freire os vai vestir?»), dirigidas aos populares, na tentativa de os intimidar, persuadir e convencer dos seus argumentos; socorre-se da enumeração («Cornetas, tambores, tiros e mais tiros...»); socorre-se os onomatopeias («Catrapum! Catrapum! Catrapum, pum, pum!»), que conferem verosimilhança ao texto (sugerindo o ambiente da capital) e procuram atingir o povo; socorre-se das repetições enfáticas («Que te dizem eles (...) Sabes o que te dizem? Sabes?»); socorre-se das exclamações injuriosas («Bestas!»; «Idiotas!»); socorre-se das frases suspensas («... e que a Virgem se compadeça dele...»). Por outro lado, o seu discurso de desacreditação e, simultaneamente, de persuasão é acentuado por elementos não verbais como a posição escolhida para falar, que o coloca num plano superior ao dos populares, conferindo-lhe logo centralidade e superioridade («Sobe a um caixote»), o voz («Fala muito depressa.»; «Pronuncia a palavra 'rapaziada' com sarcasmo.»; «Fala alto, em tom de triunfo.»; «Fala com escárnio.»), e os gestos («Faz com as mãos o gesto de quem toca tambor.»; «Abre os braços num gesto que abrange os presentes, o fundo do palco, a miséria...»).


          Durante o diálogo com os dois polícias (símbolo da violência e repressão e um instrumento ao serviço do poder tirânico exercido pelos governadores), de quem, ao contrário do povo, não foge, Vicente autocarateriza-se como mentiroso ("... digo-lhes metade da verdade." - pág. 25) e revela toda a sua astúciamanha e inteligência ("Lembro-lhes que o Gomes Freire é general e falo-lhes da guerra. Haverá alguém que se não lembre da guerra?""Odeiam os Franceses e os Ingleses? Chamo estrangeirado ao Gomes Freire..." - pág. 25), todo o seu materialismooportunismo e ambição, afirmando que se vende a quem lhe pagar: "Só acredito em duas coisas: no dinheiro e na força. O general não tem uma nem outra." (pág. 25). Ora, estas afirmações permitem deduzir que Vicente poderia perfeitamente aliar-se ao general caso este fosse detentor de dinheiro ou poder, o que quer dizer que não há qualquer ideologia que sustente as suas acções, apenas o seu interesse imediato.

          Por outro lado, esta personagem não tem qualquer rebuço em confessar que trai os seus por dinheiro ("Ias perguntar-me se foi por dinheiro que eu me virei contra os meus..."- pág. 26), mostrando-se descontentefrustrado e revoltado com a sua condição social, revelando igualmente vergonha das suas origens ("´É verdade que nasci aqui e que a fome desta gente é a minha fome, mas... é igualmente verdade que os odeio, que sempre que olho para eles me vejo a mim próprio: sujo, esfomeado, condenado à miséria por acidente de nascimento." - pág. 27). Vicente odeia ser pobre e considera que essa condição social não decorreu da sua vontade, mas de um «acidente de nascimento», um acaso do destino. O modo que encontra para ultrapassar a sua condição e o seu sentimento de inferioridade passa pela ascensão político-social rápida, obtida através da denúncia  e da traição e concretizada com a obtenção do cargo de chefe de polícia ("... sou capaz de acabar com uma capela... ou chefe de polícia..." - pp. 30-31). Esse sentimento de inferioridade e de vergonha pelas suas origens leva-o a desprezar os seus semelhantes, os elementos da sua classe ("Rindo-se com desprezo" [do 1.º Polícia] - pág. 31). Por outro lado, em determinado momento denuncia a incapacidade de o povo se fazer ouvir pelo Poder ("Bem vistas as coisas, que pode a voz do povo contra a voz d'el-rei?" - p. 35). A sua origem social fica patente na sua linguagem, quando recorre a provérbios populares ("Há quem diga que a voz do povo é a voz de Deus..." - p. 35) e vocábulos / expressões tipicamente populares também («... encher a pança.»).

          No seu percurso, marcado por várias etapas - provocador e agitador (início do acto I), procurando denegrir a imagem do general; espião (vigia a casa de Gomes Freire);delator (denuncia o general, acto pelo qual espera uma recompensa); acusador (confirma a existência das reuniões e indica o nome dos conspiradores) - ficam bem patentes as suas características mais marcantes: a hipocrisia, o servilismo, a adulação, o materialismo, o oportunismo dos que não olham aos meios para atingir os seus fins. No diálogo entabulado com os governadores, nomeadamente com D. Miguel, demonstra toda a sua adulação ("Avançando e fazendo uma vénia prolongada" [para D. Miguel] - pág. 33; "Francamente adulador" - p. 34), todo o seu calculismo e hipocrisia, visto que age e fala de acordo com aquilo que pensa poder agradar ao seu interlocutor. Dito de outra forma, as respostas que Vicente dá ao governador são, inicialmente, dúbias até ter a certeza da sua posição em relação ao general ("Fixa atentamente D. Miguel porque não tem a certeza de estar a agradar. A meio da frase faz uma pausa para estudar a reacção do governador, e recomeça." - p. 34). Mais: ao tomar conhecimento do grau de parentesco que que une D. Miguel e o general, elogia este, mas, ao constatar que, com essa atitude, não está a agradar ao governante, «começa a compreender que se enganou ao gabar Gomes Freire» e muda o discurso. No final desse diálogo, é incumbido de vigiar a casa de Gomes Freire, no Rato, e de trazer, diariamente, a D. Miguel, uma lista discriminada com a identificação nominal de todas as pessoas que a frequentavam.

          Após a denúncia e condenação do general, Vicente é recompensado pelos seus «bons» serviços ao ser promovido a chefe de polícia, afinal a sua grande ambição, passando, a partir daí, a ignorar e maltratar os seus conhecidos e os da sua classe social:«Olhou para mim como se nunca me tivesse visto. Estendi-lhe a mão e deu-me uma cacetada na cabeça.». Ele é, em definitivo, aquele que se vende ao poder de forma pouco escrupulosa.

Povo

   O povo / os populares configura(m) uma personagem coletiva relevante na peça, como não poderia deixar de acontecer.
     O povo não possui qualquer poder nem um líder - embora deposite enormes esperanças no general -, o que faz com que surja na peça oprimido e completamente indefeso.
     O seu espaço privilegiado é a rua, retrato da sua miséria:
  • ausência de alojamento / habitação (os populares dormem na rua; nas palavras de Vicente, «Nenhum de vocês tem onde cair morto» - pág. 21);
  • não tem condições de higiene e de saúde: uma velha cata piolhos a uma rapariga nova;
  • tem fome e vive o drama do desemprego: «Tens sete filhos com fome e com frio e vais para casa com as mãos a abanar. (...) E tu, que não comes desde ontem...».
     Além disso, é caracterizado pela ignorância e pelo analfabetismo («Talvez, se o ensinassem a ler...» - p. 36) e vítima do terror e da opressão (sentem medo ao ouvirem os tambores e fogem quando os polícias chegam, levando consigo os parcos e rudimentares objetos pessoais), da desilusão e da ausência de perspetivas.
           Nas palavras de Vicente, a sua miséria é tal que dirige a sua preocupação para o quotidiano e para a sobrevivência diária ("Interessa-lhe mais o preço do pão... Talvez, se o ensinassem a ler, tomasse conhecimento do «Eclesiastes»..." - p. 36), escasseando-lhe tempo para questões da filosofia política ou religiosa ("... e pouco se preocupa com a origem do poder."- p. 36).
          Não obstante todas as circunstâncias que marcam o seu quotidiano, o povo tem um grande sentido de justiça e de dignidade e uma elavada consciência. À semelhança do que sucede com Manuel, vê no general Gomes Freire o libertador da opressão, do medo e da miséria em que vive, depositando na sua ação toda a esperança, daí não ser de estranhar o desespero, a falta de ânimo e a desilusão que o assalta quando toma conhecimento sua prisão e posterior condenação à morte.

     Por outro lado, esta personagem desempenha diferentes funções ao longo da peça:
  1. Coro, dado que as suas falas têm o valor de informação ou comentário dos acontecimentos;
  2. Inicia os dois atos, estabelecendo, no I, a ligação entre a ação e o espetador e relatando, no II, a prisão de Gomes Freire e o desespero de Matilde;
  3. Situa o espetador no tempo histórico, através das suas interrogações ("Onde aprendeu vocessemecê isso? Em Campo d'Ourique - já lá vão dez anos..." - pág. 18);
  4. No ato II, as falas populares revestem o caráter de informação / comentário sobre os episódios ao nível da ação dramática: "Passaram toda a noite a prender gente por essa cidade..."; "É por pouco tempo, amigo, espera pelo clarão das fogueiras..." (pág. 80).
          Em suma, o povo é uma personagem coletiva que representa o «grupo dos deserdados pela sorte e pelo berço», dos que servem e são explorados, que recebem esmola e são tratados indignamente pela classe dominante, que trabalham e são explorados.

domingo, 14 de abril de 2013

Sttau Monteiro

● NOME: Luís Infante de Lacerda Sttau Monteiro.

● NASCIMENTO: 3 de abril de 1926, em Lisboa, na Rua Liverpool.

● FILIAÇÃO:
‑ PAI: Armindo Monteiro, jurista e diplomata (embaixador).
‑ MÃE: Lúcia Rebelo Cancela Infante de Larcerda.

● ESTADA em LONDRES:
‑ partiu aos 10 anos, acompanhando o pai, que aí desempenhou as funções de embaixador;
‑ aí conheceu a realidade da Segunda Guerra Mundial;
‑ possibilitou-lhe o contacto com movimentos de vanguarda da literatura anglo-saxónica, decisivos para a sua formação intelectual;
‑ regressou a Portugal em 1943, após a demissão do pai, ordenada por Salazar, em virtude das simpatias que nutria pelo governo inglês no contexto da guerra;
‑ manterá sempre uma ligação afectiva e um fascínio por Londres.

● FORMAÇÃO:
‑ Colégio de Santo Tirso (Lisboa), de onde foi expulso;
‑ Liceu Pedro Nunes (onde teve como colegas João Pulido Valente e João Abel Manta);
‑ Licenciatura em Direito (apesar do gosto pela Matemática), na Faculdade de Direito de Lisboa.

● PAIXÕES:
‑ as corridas de automóveis (corredor de Fórmula 2 em Inglaterra);
‑ a pesca;
‑ a gastronomia;
‑ a literatura.

● CARACTERÍSTICAS:
‑ não gostava de ser conhecido;
‑ considerava Portugal um país demasiado pequeno e limitado (“Nunca encontrei nada em Portugal que não encontrasse melhor lá fora”);
‑ era profundamente religioso (encarava a morte como “apenas uma maneira de ir a Deus”);
‑ defendia as liberdades individuais e coletivas – o seu lema era “A única coisa sagrada é ser livre como o vento”;
‑ a sua relação com a escrita não era fácil e foi o estímulo dos que lhe estavam por perto que o conduziu à produção literária e o conseguiu afastar da inércia que o levava a deixar inacabados vários manuscritos:
. José Cardoso Pires arrastou-o para o jornalismo e para a ficção (Um Homem não Chora, por exemplo);
. Nikias Skapinakis, pintor que vivia escondido da PIDE numa casa de Sttau Monteiro, incentivou-o à escrita de Felizmente Há Luar!;
‑ opositor do regime salazarista e preservando a liberdade como valor máximo, sofreu perseguições que culminaram com a sua detenção e prisão no Aljube, por alegado envolvimento na revolta de Beja;
‑ um dos traços da sua personalidade foi a dispersão e o desbaratar de um talento multiforme.

● PRÉMIOS LITERÁRIOS: Grande Prémio de Teatro, em 1962, para a peça Felizmente Há Luar!.

● MORTE: Lisboa, a 23 de julho de 1993, no hospital de S. Francisco Xavier.

● ACTIVIDADES:
→ Advocacia: exerceu a profissão apenas durante dois anos.
→ Corridas de automóveis:
‑ corridas de Fórmula 2 em Inglaterra;
‑ correu no team Cooper, ao lado de figuras lendárias como Stirling Moss;
‑ desistiu da actividade porque esta causava um grande desassossego à família.
→ Literatura:
‑ Narrativa:
. estreia: Um Homem não Chora (1960 ‑ Milão);
. Angústia para o Jantar (1961 ‑ Lisboa);
. Chuva na Areia, 1982, adaptação televisiva de um romance que ficou inédito: Agarra o Verão, Guida, Agarra o Verão;
. característica: denuncia, de forma sarcástica, os problemas da época.
‑ Teatro:
. Felizmente Há Luar! (1961 – obtém grande êxito e esgota rapidamente);
. Todos os Anos pela Primavera (1963 ‑ Lisboa);
. O Barão (1964 ‑ Lisboa) – adaptação teatral da novela com o mesmo nome, de Branquinho da Fonseca;
. Auto da Barca do Motor Fora de Borda (1966 ‑ Lisboa);
. Duas Peças em um Acto (1967 – Lisboa);
. A Estátua (1966 ‑ Lisboa);
. A Guerra Santa (1966 – Lisboa, prisão do Aljube ‑ valeu-lhe mais seis meses de cárcere em Caxias);
. As Mãos de Abraão Zacut (1968 – escrita na prisão de Caxias);
. adaptação de A Relíquia de Eça de Queirós (1971 – Lisboa);
. Sua Excelência (1971 ‑ Lisboa);
. E se for Rapariga Chama-se Custódia (1978 ‑ escrita na prisão do Aljube);
. características:
-» poucas peças foram representadas em Portugal antes do 25 de Abril, devido ao seu conteúdo crítico e ideológico;
-» foi preso pela PIDE em 1967,após a publicação das peças A Estátua e A Guerra Santa, que criticavam a ditadura e a guerra colonial.
→ Jornalismo:
‑ colaborou com várias publicações (Diário de Lisboa, Almanaque, O Jornal, Se7e, Expresso, agências de publicidade);
‑ redacções da Guidinha (Lisboa, 1971 – O Jornal e Diário de Lisboa – suplemento “A Mosca”);
‑ escreveu também sobre gastronomia com o pseudónimo de Manuel Pedrosa, para O Jornal (Lisboa, década de 80).

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Análise de "O Mostrengo"

. Assunto: Chegados ao Cabo das Tormentas, os portugueses encontram um monstro voador, o «mostrengo», que pretende atemorizá-los para que não prossigam a viagem. Porém, o marinheiro português (o «homem do leme»), embora de início o receie e hesite, enfrenta-o, neutralizando-o, pois está imbuído da vontade de um rei  e de um povo que não abdica da sua missão.


2. Título

1.º) A palavra «mostrengo» é derivada por sufixação («monstro + engo»). O sufixo «-engo», de origem germânica, tem um valor pejorativo. «Mostrengo» significa, assim, «ente fantástico, geralmente considerado perigoso e assustador, dotado de uma configuração fora do normal e desagradável» (in manual Entre Margens 12).

2.º) Por outro lado, «mostrengo» está relacionado com o verbo «mostrar». Neste sentido, «mostrengo» é aquele que mostra o que não é ainda conhecido.


3. Retrato do «mostrengo»:
. situa-se no desconhecido, na lonjura, no local que se julgava ser o fim («está no fim do mar / Na noite de breu…») – vv. 1-2), ligado a um tom de mistério, de enigma;
. é o senhor dos mares e dos seus segredos: «Nas minhas cavernas que não desvendo, / Meus tetos negros do fim do mundo» (vv. 6-7) ‑ o mar é apresentado fechado no sentido de espaço e sem fim no sentido da profundidade, indiciando mistério; por outro lado, representa o desconhecido («Nas minhas cavernas que não desvendo»; «fim do mundo»);
. tem um aspeto semelhante ao de um morcego:
‑ voa (v. 2) – notar a intenção de exprimir a voz do morcego e o seu nervosismo, por ver os seus domínios ameaçados, através da musicalidade de sons como /u/, /ô/, /ê/, /i/, /a/;
‑ chia;
‑ habita cavernas e tetos negros;
‑ roça nas velas da nau;
‑ vê as quilhas de alto (v. 11);
‑ é imundo e grosso ‑ tem um aspeto medonho, horrível (v. 13);
. é ameaçador e arrogante (as suas falas);
. defende os seus domínios perante a ousadia dos portugueses, que ousam invadir e desvendar esses domínios;
. tem atitudes intimidatórias, ameaçadoras, aterrorizadoras, de força e poder:
‑ os movimentos circulares que tece em roda da nau (vv. 3, 4, 12, 13, 25) parecem querer «asfixiar» os portugueses;
‑ roça nas velas;
‑ chia;
‑ etc.
. tem poder sobre o mar: «o que só eu posso» (v. 14);
. identifica-se com o mar tenebroso e desconhecido: «moro onde nunca ninguém me visse / E escorro os medos do mar sem fundo» (vv. 15-16) ‑ notar a expressividade do verbo «escorrer», sugerindo que o «mostrengo» simboliza o mar, bem como a aliteração em /m/ e o pretérito imperfeito do conjuntivo «visse», sugerindo o desejo do «mostrengo» em continuar desconhecido;
. sente-se desafiado;
. infunde medo e terror;
. manifesta revolta, indignação e desejo de vingança perante a ousadia dos portugueses («Quem é que ousou entrar…», «Escorro os medos do mar sem fundo…»);
. os argumentos de autoridade que evoca têm como objetivo infundir nos marinheiros o medo e levá-los a retroceder, a desistir da sua viagem;
. na 3.ª estrofe, apaga-se e já não fala, facto que denota o triunfo dos marinheiros. De facto, à medida que o poema vai avançando, o «mostrengo» perde força, acabando por se anular.


. Retrato do marinheiro:
. 1.ª resposta:                        - pelo tom aterrador das suas palavras;
‑ medroso / receoso        - pelas atitudes intimidatórias;
‑ intimidado                   - pelo ambiente sinistro que o rodeia;
‑ treme e fala em simultâneo;
‑ invoca a autoridade de que foi investido: «El-Rei D. João segundo!» (v. 9);
‑ é o agente, o representante do rei e, na pessoa do soberano, todo o povo português.
. 2.ª resposta:
‑ mostra um crescendo de coragem e valentia, pois se, na 1.ª estrofe, fala a tremer, nesta fala depois de tremer.
. 3.ª fala do marinheiro ‑ clímax da tensão dramática:
‑ as suas atitudes contraditórias [desprender (desistência) e prender as mãos ao leme, tremer e deixar de tremer] revelam ainda certa dúvida, insegurança, hesitação e receio;
‑ de facto, o marinheiro está dividido interiormente entre o terror e a coragem, acabando por vencer esta última;
‑ consciencializa-se de que ali não se representa a si mesmo («Aqui ao leme sou mais do que eu« ‑ v. 22), mas a vontade do rei e do seu povo, e enfrenta o «mostrengo», vencendo e prosseguindo a sua missão, uma atitude que revela coragem, convicção, força e determinação.
         Estas reações do marinheiro ao discurso do «mostrengo» mostram que há uma espécie de gradação ascendente nas suas atitudes que contrasta com as do monstro. De facto, se, da primeira vez que lhe respondeu, se mostrou medroso e timorato («disse, tremendo, isto é, falou e tremeu ao mesmo tempo, e apenas respondeu «El-rei D. João Segundo» ‑ vv. 8-9), da segunda vez, embora tenha dado a mesma resposta, já se nota uma evolução, pois os dois atos estão dissociados (tremeu, depois deixou de tremer e falou, o que revela um ganho de coragem); da terceira vez, o marinheiro ainda se sentiu tentado a erguer as mãos do leme, a desistir da sua missão, mas logo tomou consciência do que estava em causa ‑ o seu rei e o seu povo: «E disse ao fim de tremer três vezes» (v. 21). É o recuperar definitivo da coragem, o assumir das responsabilidades de que se encontra investido: o tremer deixou de interferir com a sua fala.


. Atmosfera tenebrosa e medonha:
. Ambiente:
‑ Sensações visuais, que carregam o ambiente de tons tenebrosos:
- «noite de breu»;
- tetos negros»;
- «trevas do fim do mundo»;
- «as quilhas que vejo»;
‑ Sensações auditivas, que acentuam a horribilidade do quadro:
- «voou três vezes a chiar»;
- «as quilhas que ouço»;
. Personagem: «mostrengo» e não «monstro»;
. Atitudes e os movimentos circulares, sitiantes e ameaçadores do «mostrengo»:
‑ «À roda da nau voou três vezes»;
‑ «Voou três vezes a chiar»;
‑ «onde me roço»;
‑ «Três vezes rodou imundo e grosso».
. Relação eu (o «mostrengo») / tu (o marinheiro), criadora de um clima de sem cerimónia e agressividade entre os interlocutores;
. Abundância de formas verbais que sugerem movimento: «ergue», «voou», «tremer», «rodou», «ata»;
. Localização espácio-temporal:
‑ «à roda da nau»;
‑ «no fim do mar»;
‑ «nas minhas cavernas que não desvendo, / Meus tetos negros do fim do mundo!»;
‑ «onde nunca ninguém me visse»;
‑ « mar sem fundo».


. Simbolismo das personagens:

. O mostrengo simboliza   ‑ o mar desconhecido
‑ os segredos ocultos
‑ o medo dos navegadores que enfrentam o desconhecido
‑ os perigos que tiveram de enfrentar

. O homem do leme
‑ simboliza a coragem e a ousadia do povo português;
‑ é o herói mítico, símbolo do seu povo e que, por isso, passa de herói individual a coletivo, com uma missão a cumprir.


. Tom dramático do poema
. Alternância discurso direto / discurso direto.
. Grande tensão entre as duas personagens ao longo do diálogo e ao longo de todo o texto:
- o mistério que rodeia o «mostrengo»;
- o mistério patenteado pelo número 3;
- expressões carregadas de mistério e terror;
- as formas verbais que traduzem movimentos súbitos, violentos.
. Ambiente de terror:
- a linguagem visualista;
- as atitudes do «mostrengo»;
- a localização espácio-temporal.
. Os recursos estilístico-poéticos:
- a função expressiva / emotiva;
- as exclamações e interrogações;
- a reiteração;
- as metáforas;
- o refrão.
. O contraste entre o «mostrengo» e o marinheiro: o crescendo de irascibilidade do monstro e o seu progressivo apagamento, o crescendo de coragem do marinheiro, que culmina na sua última fala, quando se compenetra de que representa o povo português e de que tem de prosseguir a sua empresa.
. O drama interior do marinheiro, dividido entre o terror e a coragem.


. Tom épico do poema
. Verso decassílabo.
. Harmonia imitativa.
. Aliterações.
. Sons fechados e nasais.
. O espírito cavaleiresco de exaltação patriótica já existe n’Os Lusíadas: o marinheiro representa todo um povo que deseja conquistar o mar e que não se deixa vergar pelo monstro, símbolo dos medos e perigos do mar.
. A luta desigual, heroica, entre o monstro aparentemente invencível que é o mar e a insistência, a coragem heroica dos portugueses. Estamos, portanto, no mundo dos heróis.


. Intertextualidade: o Mostrengo e o Adamastor

Mostrengo
Adamastor
SEMELHANÇAS
. Conteúdo épico semelhante: de um lado, a forma invencível do mar; do outro, a vontade férrea e a coragem de um marinheiro que representa a forma de um povo que quer o mar.
. Objetivo dos textos: tornar os Portugueses heróis, pela sua coragem, valentia e determinação.
. Simbologia: personificação dos perigos e do receio do mar desconhecido.
. Localização: ambos os textos se situam no centro das respetivas obras, funcionando como eixos estruturantes.
DIFERENÇAS
. Retrato: figura animalesca, semelhante a u morcego, voa.
. Retrato: figura terrena humana de enormes proporções e de aspeto medonho (Adamastor).
. Aterroriza sobretudo pelo aspeto repugnante.
. Aterroriza pelas proporções gigantescas e pela forma estranha.
. É vencido pela determinação e pela coragem do marinheiro.
. É vencido pelos males de amor.
. O texto é mais épico-dramático, pois centra a emoção sobretudo na pessoa do homem do leme, que evoluciona do medo para a coragem e ousadia.
. O caráter épico dilui-se no lirismo da segunda parte do episódio, em que o gigante conta a sua história de amor e se considera um herói frustrado.
. É um ser que provoca medo e repugnância.
. É uma personificação que provoca medo.
. O terror e a repugnância que suscita vão diminuindo à medida que cresce a força, a coragem e a determinação do homem do leme, cuja heroicidade, na última fala, obnubila o monstro.
. É o Adamastor que se declara um herói vencido pelo amor. A tensão dramática dilui-se bastante, visto que a tensão emocional é transposta do marinheiro para o gigante.
. Expressão caraterizadora: «imundo e grosso».
. Expressão caraterizadora: «horrendo e grosso».
. Maior verosimilhança: a colocação do homem do leme ao serviço de D. João II, pois foi neste reinado que se ultrapassou o Cabo das Tormentas.
. O interlocutor do gigante é Vasco da Gama, ao serviço do rei D. Manuel.
. Texto mais curto, logo mais denso e simbolista, sendo mais importante o que se sugere do que o que se afirma claramente.
. Texto mais extenso e menos denso.


. Conceitos de herói e heroísmo: quer este poema, quer o episódio do Adamastor revelam o espírito aventureiro, a intrepidez e a audácia do povo português.
         Por outro lado, o heroísmo do poema decorre da capacidade de o ser humano dominar e vencer o próprio medo, exemplificada pelo marinheiro.


. Recursos poético-estilísticos

1. Nível fónico
. Estrofes: três estrofes de 9 versos, finalizadas por um refrão.
. Irregularidade:
‑ métrica:
. versos decassílabos;
. versos hexassílabos no refrão;
. outros versos de metro mais curto (6, 8, 9);
‑ rimática:
. esquema rimático: aabaacdcd;
. emparelhada e cruzada, sendo cada terceiro verso das três estrofes um verso branco;
. consoante («mar» / «voar»);
. rica («mar» / «voar») e pobre («chiar» / «entrar»);
. aguda («mar» / «voar») e grave («desvendo» / «tremendo»).
. Ritmo livre, adaptado à emoção patente no poema.
. Refrão: predominam os sons nasais e fechados (ão, un), conferindo ao poema um tom pesado e sombrio. Por outro lado, nele ressoa a força, a vontade férrea inerentes à figura do rei D. João II, e acentua a lealdade inabalável do marinheiro à vontade do rei.
. Harmonia imitativa (onomatopeia) produzida pela repetição dos sons /v/, /s/, /ch/, /r/, /z/ (aliterações), que sugerem o ruído do voo do «mostrengo».
. Aliteração em /m/ no verso 15.
. Ocorrência de outros sons nasais (em) e fechados (ê, ô), que emprestam ao poema o referido tom sombrio, de gravidade, de mau presságio.
. Transporte: vv. 1-2, 5-6, 24-25.

2. Nível morfossintático
. Abundância de formas verbais que sugerem movimentos incontroláveis, violentos, de terror e que emprestam ao poema grande dinamismo. Os tempos verbais predominantes são o pretérito perfeito, predominante na parte narrativa, e o presente do indicativo, usado quase exclusivamente no diálogo entre o «mostrengo» e o marinheiro, contribuindo para a grande força e vivacidade do poema, para o seu valor universal e para o tom épico que culmina na última fala do marinheiro.
. Juntamente com as formas verbais, a abundância de nomes traduz a sucessão incontrolável e dramática dos acontecimentos.
. Os adjetivos são quase inexistentes: «negros», «imundo» e «grosso» (traduzem a noção de mistério e terror).
. Tipos de frase:
‑ declarativo: narração e parte do discurso do «homem do leme»;
‑ interrogativo: discurso do «mostrengo»;
‑ exclamativo: discurso do marinheiro.
. Funções da linguagem: emotiva, fática e apelativa.
. Inversão, assumindo por vezes a violência do hipérbato:
«três vezes rodou imundo e grosso»;
«três vezes do leme as mãos ergueu»;
«E mais que o mostrengo que me a alma teme
  E roda nas trevas do fim do mundo,
  Manda a vontade, que me ata ao leme,
  De El-Rei D. João Segundo!».
. Alternância entre a subordinação e a coordenação (sindética ou assindética), sendo de salientar a frequência da conjunção coordenativa /e/ (polissíndeto).
. Anáfora: «de quem (…) / De quem…» (vv. 10-11); «Três vezes (…) / Três vezes (…) / Três vezes (…)» (vv. 13, 19 e 20).

3. Nível semântico
. Metáforas / imagens:
- «nas minhas cavernas que não desvendo»;
- «meus tetos negros do fim do mundo»: estas duas primeiras sugerem o mistério impenetrável de um local desconhecido e medonho;
- «E escorro os medos»: sugere a ideia de terror, proveniente de algo que constitui uma fonte perene de medo;
‑ «a vontade que me ata ao leme»: expressa a missão do marinheiro, ligada fatalmente à vontade do seu rei e do seu povo.
. Exclamações e interrogações: traduzem a emotividade, quer do «mostrengo» quer do marinheiro.
. A personificação de um ser desconhecido, o «mostrengo» voador, que chia, vê, ouve e fala ameaçadora e aterradoramente, e que corporiza todos os perigos da navegação em mares desconhecidos.
. Reiteração do número 3 e seus múltiplos, um número cabalístico relacionado com as ciências ocultas que remete para um triângulo sagrado, presente em muitas religiões, como a tríade da religião egípcia, a tríade romana, a tríade dos cristãos (Pai, Filho e Espírito Santo); em suma, assume as conotações de um triângulo ou ciclo que se fecha (= perfeição), contribuindo para conferir ao poema um sentido oculto e esotérico:
‑ três estrofes;
‑ cada estrofe tem 9 versos (3 X 3);
‑ o refrão tem 6 sílabas (2 X 3);
‑ o «mostrengo» e o marinheiro falam três vezes cada;
‑ o marinheiro tremeu três vezes, ergueu as mãos do leme três vezes e três vezes as reprendeu ao leme.
. Linguagem visualista para sugerir o ambiente de terror e mistério, fazendo-se apelo às sensações visuais e auditivas.
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