. Assunto: o trovador exprime a saudade e o desespero que sente face
à ausência da "senhor", de tal forma que o levará à morte se não a
vir rapidamente.
. Tema: a saudade pela
"senhor".
. Estrutura interna
. 1.ª parte (vv. 1-6) - O trovador exprime:
- a saudade
provocada pela ausência da amada;
- a recordação
dela: "qual a vi", "que bem a oí falar", "quanto ben
dela sei";
- refrão: o pedido
a Deus para a ver.
. 2.ª parte (vv. 7-12) - Consequências de não ver a
amada:
- a loucura
ou
- a morte.
. 3.ª parte (vv. 13-20) - Exaltação das qualidades da
mulher amada ("non lhi fez par", "fez das melhores melhor")
e confissão da certeza de que morrerá se não vir rapidamente a
"senhor" (dependência total em relação à mulher amada).
. Caracterização da "senhor":
- boas
maneiras (fala bem);
-
formosa;
- não
há outra igual;
-
ideal;
-
perfeita;
-
divinizada;
-
altiva, distante, indiferente aos sentimentos do trovador (v. 7);
-
inacessível;
-
encontra-se ausente.
. Caracterização do trovador:
- recorda a
"senhor" com saudade;
- sofre por ela
(coita de amor);
- está triste;
- apaixonado;
- suplica a Deus
que lhe permita voltar a vê-la;
- enlouquecerá e/ou
morrerá se não voltar a vê-la;
- esperançado em
voltar a vê-la;
- ansioso;
- desesperado;
- totalmente
submetido à "senhor";
- comedido na
expressão do sentimento amoroso (mesura);
- sente dor;
- revoltado;
-
encontra-se na fase de fenhedor, pois suspira e pede a Deus que lhe permita
vê-la.
a) Amor
associado à saudade: o trovador ama a "senhor" e basta um dia sem
a ver para morrer de saudades.
b) O
"ensandecer" e a morte de amor: o amor é considerado um
sentimento que pode levar à loucura e mesmo à morte.
Os
nossos trovadores sofrem a "coita de amor". Não lhes basta cantar as
perfeições idealizadas da mulher, a aspiração ao inacessível não os satisfaz. O
amor é entendido como um sentimento que esvazia a vida de sentido e leva à
loucura e à "morte".
A
cantiga de amor galaico-portuguesa é um repetir monótono da necessidade vital
de ver a "senhor"; daí que a realidade e a ficção acabem por se
entrelaçar e aquela, por vezes, sobrepor-se a esta. Todavia, a afirmação da
"morte de amor", repetida vezes sem conta, torna-se um lugar-comum
que destrói a sinceridade, se presta ao ridículo e à sátira.
. Concepção do amor (amor cortês):
. A "senhor" é um ser superior a
quem o trovador presta vassalagem amorosa. Ela é a suserana do coração dele ("todo
en seu poder ten"), que enlouquecerá ou morrerá se não a vir.
. A relação amorosa caracteriza-se,
portanto, pela admiração e pela submissão do trovador face à dona.
. Ao contrário da cantiga de amigo, o amor
não tende, por princípio, à união sexual; é, em geral, fingimento e convenção.
Apresenta-se como um ideal a atingir, como um estado de espírito que deve ser
alimentado. É uma aspiração sem correspondência, em que se invertem as relações
de domínio e de vassalagem:
O trovador vê-se atingido por um
amor fatal, porque, um dia, viu uma formosa dama, "das melhores a
melhor", e pelos olhos lhe vai surgir todo o sofrimento, toda a sua coita,
que o leva a dizer que morrerá se não a vir.
Consiste este amor, em suma, numa
aspiração e estado de tensão por um ideal de mulher ou ideal de amor.
. Deste modo, o trovador segue de perto a
teoria platónica do amor:
A "senhor" é cheia de
formosura, é o tipo ideal de mulher. A sua beleza e o bem que possui são, de
acordo com a teoria platónica, uma ideia pura. Ela é uma projecção platónica do
Bem, do Belo e da Virtude. O amor cortês apresenta-se, pois, como ideal, como
aspiração que não tende à relação sexual, mas surge como estado de espírito que
deve ser alimentado.
. Este amor (em geral fingimento e convenção
na poesia provençal), na língua galego-portuguesa, parece sincero, numa súplica
apaixonada e triste.
. Outras características:
® não totalmente
declarado, devido ao seu carácter adúltero;
® com poucas
hipótese de ser vivido a nível físico;
® submissão total do
EU à dona, numa atitude de vassalagem amorosa;
® fidelidade eterna
do EU à dona;
® beleza, altivez e
indiferença da dona face ao seu "vassalo";
® sofrimento - coita de amor do trovador, de acordo com as
regras:
. vassalagem amorosa;
. comedimento na expressão do sentimento
amoroso - mesura;
. não mencionar o nome da amada - o "trobar clus";
. amor faseado: fenhedor (suspirar);
precador
(suplicar);
entendedor
(namorar);
drut
(amar);
® os artifícios
poéticos do enlouquecer e da morte de amor.
. Recursos poético-estilísticos
1.
Forma / Estrutura externa
. Cantiga composta por três estrofes isométricas de 4 versos e um refrão dístico e ainda uma estrofe
final dística, que é a finda.
. Rima -
abbaRR;
- interpolada e
emparelhada;
- consoante
("ei"/"sei");
- pobre
("ei"/"sei") e rica ("ben"/"ten");
- aguda ou
masculina.
.
Metro:
versos decassílabos.
. Refrão (influência da cantiga de amigo):
dístico de versos monórrimos que traduz a ansiedade e do desejo do trovador de
ver a dona, bem como a angústia e o desespero que o dominam.
. Finda: conclusão, remate ou assunto da
cantiga. Exprime a certeza da morte se não conseguir ver a mulher.
. Atafinda: forma de
encavalgamento ou de ligação sintáctica e ideológica entre as estrofes. A
ligação é realizada através da repetição de "veer" no fim da estrofe
e de "cedo" no início da seguinte.
1.1.
Outros elementos fónicos
.
Transporte:
vv. 3-4, 8-9, etc. - prolonga o queixume e a
mágoa do sujeito.
.
Assonância
em i, e, a.
.
Ritmo
predominantemente binário e lento.
2.
Nível morfossintático
- "soidade": o sentimento
central do trovador em virtude da ausência da dona e que é a matriz dos outros
sentimentos - dor, desespero, desilusão,
tristeza, sofrimento, ansiedade, amor, esperança, admiração, revolta;
- Deus: ® o responsável pela
beleza ímpar da dona;
® o objecto da
súplica do trovador no sentido de voltar a ver a amada;
- senhor: ® o objecto do
amor-vassalagem do trovador, o ideal da perfeição;
® a causadora dos
sentimentos do trovador, quer pela sua inigualável beleza, quer pela
indiferença face ao amor dele.
.
Verbos:
. pretérito
perfeito: a recordação da época em que conheceu a dona (início da sua coita
de amor presente) e os aspectos que o cativaram;
. presente: a
coita de amor do trovador e o desejo e a rever;
. futuro
("prouguer" ®
futuro do conjuntivo do verbo "prazer"): voltar a vê-la ou a morte se
não a vir.
O
verbo ver é bastante expressivo no
contexto da cantiga de amor, na evocação visualista da dona e porque remete
para a estética da luz:
. O trovador vê-se enredado no amor fatal
porque, um dia, viu uma formosa dama "das melhores melhor"; e pelos
olhos vai surgir todo o sofrimento. Os olhos intrometem-se nos negócios de
amor.
. Ver é ter luz = poder participar do
objecto e difundir-se indefinidamente até ao ser amado. A actividade da luz é
difundir-se indefinidamente e provocar todos os movimentos.
. Luz
- do latim lux
= esse lucidum (ser lúcido); ou seja,
pela luz participa-se de todas as coisas criadas.
. A exploração do simbolismo da luz faz
parte da própria estética medieval, que é uma estética da luz.
.
Hipérbatos:
"Que soidade de mia senhor ei", etc.
.
Anáfora:
vv. 7, 13, 19.
.
Função expressiva:
- substantivos ("soidade");
- verbos ("rogo");
- carácter
exclamativo do primeiro verso;
- adjectivos.
3.
Nível semântico
.
Hipérboles:
a saudade é tamanha que, se não a vir, enlouquecerá e morrerá:
-
"se a non vir, non me posso guardar / d' ensandecer ou morrer con
pesar";
o encarecimento da
dama - perfeita, ideal,
divinizada, a melhor:
-
"non lhi fez par";
-
"fez das melhores melhor".
. Antíteses: - "mi nunca fez ben" ¹ "ensandecer
ou morrer con pesar";
- ver ¹
não ver a dona
¯ ¯
vida morte
.
Metáforas
do "ensandecer" e do morrer de amor.
.
Perífrases:
o retrato da mulher ideal, perfeita, divinizada, inacessível:
® "ca tal a fez
Nostro Senhor:
de quantas outras no mundo son
non lhi fez par";
® "se a non
vir, non posso viver" (eufemismo).
.
Repetição
do verbo "fazer": reforça a ideia da superioridade da dama.
. Gradação na expressão dos
sentimentos do trovador: sente saudades ® enlouquece ® morre de amor.
. Classificação
1. Cantiga de amor: composição poética trovadoresca de
carácter lírico, cujo emissor é um trovador que exprime os seus sentimentos
amorosos em relação a uma dama designada por "mha senhor".
O
poeta elogia as qualidades invulgares da mulher amada a nível físico, moral e
social e fala do seu sofrimento (coita de amor).
1.1. Formal:
- cantiga de
refrão;
- cantiga de finda;
- cantiga de
atafinda.