Português

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Capítulo CXLVIII da Crónica de D. João I


🔺 Título: sintetiza o conteúdo temático do capítulo:
- os factos ocorridos durante o cerco a Lisboa (a falta de mantimentos dos sitiados);
- as consequências psicológicas e sociais decorrentes desses factos (o sofrimento da população).


🔺 Tema: as dificuldades de Lisboa face ao cerco castelhano.


🔺 Estrutura interna

🔼Introdução (do início até "vieram na frota do Porto."): Cerco da cidade → fome → escassez de mantimentos, motivado pela quantidade de pessoas existentes na cidade.

                Os mantimentos existentes na cidade gastam-se cada vez mais depressa, tornando-se escassos, devido ao facto de o número de habitantes da cidade aumentar cada vez mais, porque a ela se recolheu muita gente (lá estavam os habitantes de Lisboa, pessoas que vieram dos arredores, famílias inteiras e os que vieram numa frota do Porto para socorrer a capital).


🔼 Desenvolvimento (desde "E alguns se tremetiam..." até ao antepenúltimo parágrafo, inclusive).

1) Tentativas infrutíferas de superar a situação (até “… mester sobrelo conselho.”).

1.1. Procura de trigo no Ribatejo (desde "E alguns..." até "... cinco mil homens.").

a) Motivos da procura:
- o cerco à cidade;
- a presença de muita gente na cidade;
- a falta de alimentos.

b) Resultados: quase nulos
- a oposição castelhana;
- pouco trigo e raro.

c) Estado de alerta constante entre os portugueses.

                Durante a noite, os sitiados embarcam em batéis e vão buscar trigo ao Ribatejo para abastecer a cidade, correndo enorme perigo, pois são atacados pelos castelhanos. Sempre que os sinos repicam e tocam a rebate, a população vai em socorro das galés. Esta recolha de mantimentos obedece, aparentemente, a um plano prévio, dado que parece existir uma partilha de tarefas e funções distribuídas: há aqueles que vão recolher mantimentos que já estavam prontos (“… ali carregavom de trigo que já achavom prestes, per recados que ante mandavom…”), através do Rio Tejo; há sinais combinados para alertar para os perigos, nomeadamente os decorrentes da presença dos castelhanos, etc.: “ali carregavom”; “Os que esperavam…”; “… repicavom logo por lhe acorrerem.”; “… aguardando quando veesse, e os que velavom, se viiam as galees remar contra lá, repicavom logo por lhe acorrerem…”.
                Apenas uma vez os galés foram tomadas, graças à denúncia de um “homem natural d’Almadãa”, cujo castigo pela traição foi terrível: “el foi depois tomado e preso e arrastado, e decepado e enforcado.” (enumeração, polissíndeto e gradação).
                No entanto, o trigo é tão pouco e raro que não supre as necessidades (atente-se na comparação com o milagre da multiplicação dos pães).


1.2. Expulsão da cidade da gente incapaz, fraca e pobre [("não pertencentes pera defensão", prostitutas, judeus") – desde "Em esto gastou-se..." até "... mester sobrelo conselho."].

a) Consequências da fome: a ausência de esmolas para os pobres.

b) Motivos:
- não podiam lutar / não podiam contribuir para a defesa da cidade;
- consumiam os mantimentos aos defensores.

c) O drama dos expulsos:
- refúgio no acampamento castelhano (1.º momento): “comer e acolhimento”;
- recusa de refúgio por parte dos castelhanos (2.º momento): para “gastar mais a cidade”, o rei de Castela ordena que mais nenhum sejam acolhido e que todos os que tinham sido sejam expulsos do acampamento.

                Inicialmente, os castelhanos recebem bem as pessoas expulsas da cidade, mas, quando percebem que Lisboa beneficia com isso, dado que haveria menos pessoas para alimentar, mandam-nas regressar.
                Todos os que se recusassem a partir seriam açoitados e obrigados a retornar para a cidade. O seu desespero é total, pois certamente não seriam acolhidos de volta, nomeadamente aqueles que tinham saído voluntariamente, já que preferiam ser prisioneiros dos castelhanos do que morrer à fome.

d) O Mestre ordena que se faça o levantamento do pão existente em Lisboa, tendo-se concluído que é muito escasso.


2) Fome da população: carência de pão e carne (desde "Na cidade não havia trigo..." até "...tam presentes tinham?").

a) Valor/preço dos mantimentos: alto e exagerado, dada a sua escassez.

b) Natureza dos mantimentos:
- pão de bagaço de azeitona e dos bolbos das malvas;
- raízes de ervas;
- melaço cristalizado;
- criação de porcos;
- comércio de galinhas, ovos e bois;
- carne das bestas.

c) O drama dos que padecem:
- a animalização das pessoas, que procuram desesperadamente comida no chão;
- a morte;
- os peditórios: as crianças mendigam pela cidade, pedindo comida;
- a falta de leite das mães.

d) O drama dos que morrem:
. a morte provocada pela ingestão de determinados alimentos e de água;
. a morte provocada pela fome.


3) Resistência da população: o patriotismo e a solidariedade da população – apesar da situação extrema de penúria e de desespero, do ambiente de tristeza e de conflitos ocasionais banais, sempre que os sinos repicam, todos se aprestam para enfrentar o inimigo castelhano; por outro lado, consolam-se uns aos outros naquele momento de infortúnio.

                De facto, apesar de famintos e extenuados, são solidários uns com os outros e corajosos contra os castelhanos, continuando a manifestar uma identidade coletiva que os une num propósito comum.
                Mais uma vez, a cidade é apresentada como uma personagem coletiva, um ser só: “Toda a cidade era dada a nojo” (isto é, toda a cidade sofria, tanto os pobres como os ricos – “grandes pessoas da cidade”). Assim, Lisboa é apresentada como um grande corpo coletivo que sofre.


4) Fome e desespero – Tentativas infrutíferas de ultrapassar a situação (desde "Oh quantas vezes..." até "... podia obrar."): recurso a Deus:
- missas;
- preces.

                A população reza, devota e desesperadamente, pedindo a Deus que a ajude, mas, vendo que as suas preces não são atendidas e que a sua dor é cada vez maior, chega a pedir a morte.


5) A incapacidade do Mestre resolver a situação (desde “Sabia, porém…” até “… rumor do povo.”)

                o Mestre e os seus, sabendo que nada podem fazer, sentem-se impotentes e ignoram os lamentos da população.
                Neste passo, aparentemente Fernão Lopes critica a ação de D. João e do seu Conselho, dado que “çarravom suas orelhas do rumor do poboo”, parecendo assim o cronista cumprir a imparcialidade e a neutralidade enunciadas no “Prólogo” à crónica.


6) O desespero da população (desde “Como nom quereis…” até “… per duas guisas.”) – dois inimigos: a fome e o rei de Castela levam ao desejo de morte.


7) Tentativa de superar a fome: corre o boato de que o Mestre irá expulsar da cidade todos os que não tenham alimentos, o que intensifica o desespero das pessoas, transformado em alívio ao saberem que tal não é verdade.


8) Justificação da situação de fome:
- excesso de população (a quantidade de pessoas que se recolheu dentro das muralhas da cidade);
- a falta de alimentos.


                Em suma, a falta de alimentos e o aumento do número de habitantes da cidade de Lisboa durante o cerco castelhano tem como consequências:
. a diminuição das esmolas públicas (ll. 24-25), o que evidencia falta de solidariedade desumanização;
. a expulsão da cidade de todas as pessoas consideradas incapazes de a defender;
. a falta de trigo para vender e consequente subida do preço de vários produtos (trigo, vinho, pão e carne), o que origina a fome entre a população, que come qualquer coisa, e a morte de muitas pessoas;
. o apego à religião constitui uma forma de mitigar todos os sofrimentos vividos.

                Em suma, a falta de alimentos e o aumento do número de habitantes da cidade de Lisboa durante o cerco castelhano tem como consequências:
. a diminuição das esmolas públicas (ll. 24-25), o que evidencia falta de solidariedade desumanização;
. a expulsão da cidade de todas as pessoas consideradas incapazes de a defender;
. a falta de trigo para vender e consequente subida do preço de vários produtos (trigo, vinho, pão e carne), o que origina a fome entre a população, que come qualquer coisa, e a morte de muitas pessoas;
. o apego à religião constitui uma forma de mitigar todos os sofrimentos vividos.


🔼 Conclusão (2 últimos parágrafos): desabafo comovente de Fernão Lopes.

                Fernão Lopes congratula os que viverão no futuro, porque não passarão pelos sofrimentos que Lisboa tem de passar durante o cero.


🔺 Consequências do cerco a Lisboa (síntese):

1. Sociais:
- expulsão dos fracos e não aptos para a defesa da cidade por falta de alimentos;
- a preferência pelo cativeiro dos castelhanos, em detrimento de morrer à fome.

2. Económicas:
- a diminuição / ausência de esmolas;
- a escassez e o preço elevado dos alimentos;
- a impossibilidade de comprar mantimentos, por causa do seu preço elevado.

3. Psicológicas:
- a coragem;
- o choro;
- o desespero;
- o conforto e a solidariedade mútuos.


🔺 Caracterização das personagens

 O povo de Lisboa – personagem coletiva (sente e age como um só): comportamentos e sentimentos diversificados, que evidenciam o agravamento da miséria e do estado anímico:






- o medo da vingança do rei de Castela, caso a cidade caísse nas suas mães
- disponibilidade total, "quando repicavom os sinos";
- coragem: a procura empenhada de alimentos (as idas de homens ao Ribatejo e a sua defesa por parte dos que esperavam), colocando a vida em risco
- defesa corajosa da cidade, ultrapassando a fraqueza humana e revelando um esforço sobrenatural;
- luta pela sobrevivência, procurando comida de forma degradante e bebendo água até à morte e pedindo esmola pela cidade;
- crueldade: a punição do traidor;
- pedido de ajuda a Deus, face à situação de desespero reinante;
¯
- população unida, solidária na desgraça, consciente no risco, sofre no presente e receia o futuro, mas não desiste de lutar e tenciona resistir até ao fim;


 Mestre de Avis – personagem individual:
- governante responsável, infortunado e ativo;
- solidário com o seu povo;
- sofre e resiste com ele;
- sentimentos:
. dor, motivada pelo conhecimento da situação de carência que o povo vive;
. impotência e incapacidade de resolver ou atenuar a gravidade da situação ("veendo estes males a que acorrer nom podia.") e as dificuldades da população;
. sofrimento graças à incapacidade de socorrer a população;
- atos: o Mestre e os do seu Conselho fecham os ouvidos "ao rumor do poboo", não por indiferença ou hostilidade, mas porque lhes eram dolorosas "douvir taaes novas (...) a que acorrer nom podiam";
- assume comportamentos de emergência face à situação extrema que a cidade vive, nomeadamente a expulsão dos que não têm mantimentos para se alimentar, uma forma difícil de atenuar o sofrimento da restante população.



🔺 Linguagem e estilo

. Marcas do estilo de Fernão Lopes:

-» o tom coloquial:
- uso da segunda pessoa do plural: "ouvistes"; "esguardae";
- uso da interrogação retórica: "Como nom querees que maldissessem sa vida e desejassem morrer... da vida aa morte?"; "veede que fariam aquelles que as continuadamente tam presentes tinham?"; “Pera que é dizer mais de taes falecimentos?”;
- uso da exclamação: "Oo quantas vezes... não eram compridas!";

-» a interpelação do leitor:
- uso da interrogação retórica;
- uso da apóstrofe: “Ó geeraçom que depois veo […] de taes padecimentos!”;
- uso da frase imperativa: “Ora esguardae como se fosses presente”;
- uso da interjeição “Ó”;

-» o pormenor descritivo e o visualismo:
- uso da adjetivação, por vezes dupla: "faminto"; "forte e rijo"; "triste e mesquinho"; "desvairados"; "desaventuirada"; "doorosas"; "cruel";
- a comparação concreta para precisar uma ideia abstrata: "assi como é natural cousa a mão ir amiúde onde se a door, assi uus homees falando com outros, nom podiam em al departir, senom em na mingua que cada uu padecia";
- a personificação: "toda a cidade era dada a nojo, chea de mesquinhas querelas";
- paralelismo de construção: "Uus choravom antre si, mal dizendo (...) Outros se querelavom a seus amigos, dizendo...";
- a referência ao valor dos alimentos:
. "Ca valia o alqueire quatro libras, e o alqueire de milho quarenta soldos, e a camada de vinho três e quatro libras.";
. "... e pequena posta de porco valia cinco e seis libras, que eram uma dobra castelã; e a galinha quarenta soldos; e a dúzia dos ovos, doze soldos. E se os almogávaros traziam alguus bois, valia cada uu setenta libras, que eram catorze dobras cruzadas, valendo então a dobra cinco e seis libras; e a cabeça e as tripas, uma dobra...";
. "Andavom os moços de três e de quatro anos...";
- a enumeração gradativa: “Das carnes, […] ua dobra”;
- vocabulário relacionado com os atos de ver (“vede”) e ouvir (“ouvistes”) – as sensações auditivas têm grande relevância na descrição, pois é através delas que o narrador exprime a noção do perigo: os sinos repicam, tocam a rebate, alertando a população, que acorre rapidamente onde é necessário quando os ouve;

-» o realismo descritivo:
. "No lugar u costumavom vender o trigo, andavom homees e moços esgravatando a terra e se achavom alguus grãos de trigo, metiam-nos na boca, sem tendo outro mantimento. Outros se fartavom de ervas e bebiam tanta água, que achavom mortos homees e cachopos jazer inchados nas praças e em outros lugares.";
. "Andavom os moços de três e de quatro anos pedindo pão pela cidade por amor de Deus, como lhes ensinavom suas madres; e muitos não tinham outra cousa que lhe dar senão lágrimas que com eles choravom, que eram triste cousa de ver; e se lhes davom pão como uma noz, haviam-no por grande bem.";
. "... ficados os geolhos, beijando a terra, bradavom a Deus que lhes acorresse...";
. "Os padres e madres viam estalar de fame os filhos que muito amavom, rompiam as faces e peitos sobreles, não tendo com que lhe acorrer senom pranto e espargimento de lágrimas".

-» objetividade:
. os pormenores de caráter económico (“ca valia o alqueire quatro livras; e o alqueire do milho quarenta soldos…”);
. o realismo descritivo relativo à luta pela sobrevivência (“Das carnes, isso meeesmo, havia em ela […] bem mostravom seus encubertos padecimentos.”);

-» subjetividade – a apreciação crítica e emotiva dos factos relatados:
. interrogações retóricas: “Como non lançariam fora a gente minguada […] havia mester sobr’elo conselho?”;
. frase exclamativa na interpelação final às gerações vindouras: “Ó geeraçom de depois […] de taes padecimentos!”;

-» alternância entre
. planos gerais: o grande plano da cidade e dos atores coletivos que nela intervêm (linhas 1 a 5, por exemplo);
. planos de pormenor: a incidência em grupos de personagens e/ou situações particulares (por exemplo, a procura de grãos de trigo, por “homees e moços”);

-» comunicação do narrador com o narratário, isto é, o leitor:
. o narrador apela à leitura de capítulos anteriores, dirigindo-se diretamente aos leitores: “Estando a cidade assi cercada na maneira que já ouvistes”;
. o narrador interpela diretamente o leitor para o aproximar da situação descrita: “Veede que fariam aqueles que as continuadamente tam presentes tinham?”;
. o narrador convoca o leitor para o passado de dor que reporta, procurando fazer-lhe notar que quem nasceu depois daquela provação, tal como ele (leitor), teve sorte;
. o narrador convida os leitores a observar o que se passa em Lisboa: “Ora esguardae como se fosses presente…”.


. Outros recursos

- A elegia comovida.

- A análise psicológica dos que padecem e morrem.

- A sugestão de simultaneidade (apelo final):
. texto/facto narrado;
. facto narrado/leitura.

- As funções da linguagem:
. informativa;
. expressiva;
. apelativa.

- Enumeração, polissíndeto e gradação (“… e forom descobertos per huu homem natural dAlmadãa, e tomados per os Castellaãos; e el foi depois tomado e preso e arrastado, e deçepado e enforcao.”): traduz os castigos infligidos ao homem de Almada que encontrou barcos com trigo, evidenciando a crueldade e a brutalidade da punição.

- A gradação                                             ü intensidade dramática
- A multiplicação do clímax                   þ                   ¯
estrutura trágica

- Os tipos de frase:
- exclamativas            ü sublinham a gravidade e o dramatismo da situação  em que a
- interrogativas          þ população se encontrava.

- Exclamações            ü conferem autenticidade e emotividade à descrição,  tornando-a mais viva e
- Interrogações          þ e suscitando a comoção e a adesão do leitor.

- Arcaísmos: "pero", "ca" (pois, porque), "uus", "nenhuus", "antre", "nojo", "departir", "guisas".

- Comparação:
. "... assi dos que se colherem dentro do termo de homees aldeãos com mulheres e filhos, como dos que vierom na frota do Porto...";
. "... tamanho pão como uma noz...";
. "E assi como é natural cousa a mão ir amiúde onde sêe a dor, assi uns homees falando com outros não podiam em al departir senão em na míngua que cada um padecia": evidencia a necessidade de os habitantes de Lisboa lidarem com a sua dor, através do diálogo com quem comungava do seu sofrimento, tal como a mão o faz através do contacto físico, no caso de padecimentos dessa natureza;
. "... tanta diferença há de ouvir estas cousas àqueles que as então passaram, como há da vida à morte?";
. mester de o multiplicar como fez Jesu Christo aos pães”: reforça o dramatismo, uma vez que só um milagre poderia salvar a cidade.

- Advérbio de modo: "escusamente"; "mui rijamente"; "mui apertadamente"; "à pressa".

- Personificações:
- da cidade de Lisboa;
- “as pubricas esmolas começarom desfalecer”.

- Pleonasmos:
. "colherom dentro";
. "deitar fora";
. "lançarem fora";
. "os a morte privasse da vida".

- Metáforas:
. "rogavam a morte que os levasse";
. "cerravom suas orelhas do rumor do povo.";
. "padeciam duas grandes guerras" (…) sse defender da morte per duas guisas…”: os habitantes de Lisboa enfrentam duas guerras – a guerra (o cerco) contra os castelhanos e a fome resultante do cerco – que impedia que se defendessem quer da morte, quer, por falta de forças, do inimigo;
. "ondas de tais aflições?";
. “Os padres e madres viam estalar de fome os filhos…”: explicita a desgraça das crianças, tal como o que estala parte, morre, também as crianças morriam, privadas de alimentos;
. “… andavom homees e moços esgaravatando a terra”: a metáfora evidencia o desespero das pessoas por causa da fome. Tal como as galinhas esgaravatam a terra em busca dos grãos de milho, também as pessoas, levadas pelo desespero da fome, remexiam a terra como aquelas à procura de algum grão perdido.

- Adjectivação expressiva.

- Apóstrofe: "Oh, geraçom que depois veio, povo bem-aventurado...".

- Hipérbole: "ondas de tais aflições!".

- Eufemismo: “Assim que rogavam a morte que os levasse…” – explicita o desejo de morte, pois é preferível esta aos padecimentos que sofrem.

- Tempos verbais: pretérito perfeito e imperfeito.



🔺 O texto como documento da época em que se insere

1. Pelo conteúdo:
- contexto histórico:
. o cerco da cidade de Lisboa pelos castelhanos.

2. Pela forma:
- o texto como exemplo da fase arcaica da língua:
. grande número de hiatos (encontro de vogais ásperas): doo, veede, door, seer, Meestre, etc.;
. a terminação -om nos nomes (razom, coraçom, etc.), nos advérbios (nom) e na terceira pessoa do plural do imperfeito do indicativo dos verbos da primeira conjugação (esforçavom-se, repicavom, encomendavom, braadavom, çarravom, etc.);
. o uso de conjugações arcaicas: pero (mas), ca (pois, porque);
. a ocorrência de pronomes arcaicos: all (outra coisa);
. o uso da forma arcaica do determinante indefinido (huus, nenhuu, hua) e da preposição (antre);
. a dupla negativa: "nenhuu nom mostrava";
. o uso de arcaísmos: nojo, departir, guisas.


Análise de outros capítulos:

    . Capítulo XI.

    . Capítulo CXV.

Estrutura externa da 'Crónica de D. João I'

. Duas partes.
. Um prólogo antecedendo cada parte.
. Primeira parte: 193 capítulos.
. Segunda parte: 203 capítulos.
. Síntese de abertura de cada capítulo (são relativamente curtos), antecedido(s) de uma síntese inicial que contém, frequentemente, uma intenção explicativa.

      O título da crónica parece apontar para D. João I como o protagonista da narrativa, todavia outras personagens são objeto de realce, como Nuno Álvares Pereira, por exemplo.


Fernão Lopes, cronista do reino

                O rei D. Duarte, em 1434, encarregou Fernão Lopes de ser o cronista do reino nos seguintes termos: “… poer em caronica as histórias dos reis que antigamente em Portugal foram” e registar “os grandes feitos e altos do mui virtuoso e de grandes vertudes El-Rei meu Senhor e padre [D. João I], cuja alma Deus haja.”.
                Em 1454, Fernão Lopes, já de idade avançada, foi substituído na função por Gomes Eanes de Zurara.


sábado, 30 de dezembro de 2017

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

"All Time High", Rita Coolidge

"A honra perdida de Katharina Blum", de Heinrich Böll

     Katharina Blum, empregada em casa de um advogado, durante um baile de Carnaval, apaixona-se por um alegado assaltante de bancos, desertor e assassino e passa uma noite com ele no seu apartamento. No entanto, a polícia tem ambos sob vigilância, o que não impede que ele desapareça sem deixar rasto.
     As forças da autoridade convocam então Katharina para depor sobre as suas relações com Ludwig Götten, mas liberta-a por a considerar inocente de parceria com o criminoso. Entretanto, enquanto o advogado e a sua esposa, conhecida por "Trude Vermelha" por ambos serem considerados comunistas, interrompem as suas férias e acorrem em seu auxílio.
     Um jornalista que trabalha para um jornal sensacionalista chamado simplesmente Jornal debruça-se sobre o caso e escreve uma série de artigos onde altera os factos, distorcendo-os, mente, de forma a dar de Katharina uma imagem de cúmplice de Götten, de uma mulher leviana e insensível. Entrevista pessoas amigas, vizinhas ou familiares (pelo meio causa a morte da mãe da jovem, recentemente objeto de uma intervenção cirúrgica delicada para debelar um cancro, depois de lhe mentir sobre a filha) e distorce as suas palavras sobre Katharina. Trata-se de uma verdadeira perseguição: de terrorista a comunista, passando por criminosa, tudo o 'jornalista' lhe chama.
     No auge da fúria, Katharina procura-o e assassina-o a tiros de revólver.
     Publicada originalmente em 1974, a obra, cuja ação decorre na então Alemanha Ocidental, no pico da Guerra Fria, retrata a paranoia dessa época e as profundas divisões políticas mundiais. Note-se, por exemplo, que o maior insulto dirigido a alguém era apelidá-lo de "comunista". Por outro lado, Böll critica acidamente o jornalismo sensacionalista.

"Werther", de Goethe

     Werther, um jovem inconstante, conhece Carlota, uma jovem comprometida com Alberto, por quem se apaixona irremediavelmente.
     Da evolução da sua paixão trágica dá conta ao amigo Guilherme através de cartas. Desesperado pela impossibilidade de concretizar o seu amor, vai trabalhar para um embaixador, mas rapidamente regressa para o convívio da sua amada. Após um convívio inicial com Alberto, os dois rivais começam progressivamente a esfriar as suas relações. Por outro lado, este faz, cada vez mais, mais alusões ao suicídio.
     Por seu turno, Werther conhece histórias de amores contrariados. Um deles é o de um criado e da viúva para quem trabalha. Afastado dela pelo irmão da viúva, outro criado toma o seu lugar e é anunciado o casamento deste último com a mulher. Porém, o primeiro assassina o rival, porque, já que ela não pode ser sua, não será de mais ninguém. O jovem vê neste caso um espelho do seu, por isso toma o partido do assassino.
     Depois de Carlota pedir a Werther que só a volte a visitar pelo Natal, ele acaba por ir a sua casa uns dias antes da data e, num acesso de loucura, beija-a. A jovem expulsa-o e pede-lhe que nunca mais a procure. Werther pede as duas pistolas a Alberto e quem as dá ao criado do jovem é Carlota, num gesto que, metonimicamente, a aponta como responsável pela desgraça dele.
     Werther suicida-se com um tiro na cabeça, mas a sua agonia prolonga-se por várias horas. Carlota, ao vê-lo, desmaia e está bastante tempo entre a vida e a morte. O funeral tem fraco acompanhamento e nenhum padre o acompanha, dado tratar-se de um suicida.

Partes da 'Crónica de D. João I'

     A Crónica de D. João I foi escrita entre 1434 e 1443, constituindo a terceira e mais perfeita das compostas por Fernão Lopes.
     Impressa pela primeira vez em Lisboa, em 1664, foi deixada incompleta, sendo da autoria do cronista a primeira (o interregno entre a morte de D. Fernando e a eleição de D. João I) e a segunda parte (o reinado de D. João I até 1411), não se sabendo se terá legado manuscritos para a terceira, redigida por Gomes Eanes de Zurara, seu sucessor, conhecida como Crónica da Tomada de Ceuta.

     A primeira parte narra, pois, o período revolucionário, durante o interregno de 1383-1385. A ação está concentrada em cerca de dezasseis meses: da morte do conde Andeiro (dezembro de 1383) à aclamação do Mestre de Avis como rei de Portugal nas cortes de Coimbra, em abril de 1385, passando pelo alvoroço da multidão que acorre a defendê-lo e pela morte do bispo de Lisboa. O que está em causa é a legitimação da eleição de D. João I, consumada em Coimbra, na sequência da argumentação do doutor João das Regras, enquanto desfecho inevitável imposto pela vontade popular.

     A segunda parte compreende o reinado de D. João I, decorrendo entre abril de 1385 e outubro de 1411, e inclui a narração do conflito bélico entre Portugal e Castela, incluindo a Batalha de Aljubarrota, até à assinatura do tratado de paz.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Fontes da obra de Fernão Lopes

1. Fontes narrativas
  • Crónica do Condestabre de Portugal (sobre Nuno Álvares Pereira), anónima, redigida provavelmente entre 1431 e 1436.
  • Tratados dos Feitos de D. João, Mestre de Avis, de Cristophorus (eclesiástico ou doutor em leis).
  • Crónica dos Reis de Castela, de Pero López de Ayala.
  • Crónica dos Feitos de D. Fernando, de Martim Afonso de Melo.
  • Livro de linhagens do conde D. Pedro.
  • Pelo menos cinco narrativas anónimas, referidas pelo próprio cronista e que descrevem a Batalha de Aljubarrota.
     Fernão Lopes recorre a várias fontes (textos históricos anteriores) com o objetivo de:
  • Fundamentar a verdade histórica em documentos escritos;
  • Confrontar os documentos para aferir a verdade dos factos.


2. Fontes documentais
  • Atas de cortes.
  • Documentos das chancelarias.
  • Bulas papais.
  • Bitafes antigos, isto é, epitáfios de sepulturas.
  • Práticas e sermões, procurações.
  • Correspondência epistolar particular e oficial.


3. Fontes orais

     Fernão Lopes socorreu-se ainda de testemunhos de pessoas que assistiram a acontecimentos narrador e que conheceram aqueles que nele participaram. De facto, o cronista teve acesso a testemunhos vivos, isto é, a pessoas que tinham conhecido aqueles tempos, nomeadamente os da crise de 1383-1385.

    A obra de López de Ayala serviu como fonte para 55 capítulos da Crónica de D. Fernando, enquanto a Crónica de D. Juan I foi aproveitada em 70 capítulos da Crónica de D. João I. Já a Crónica do Condestabre é usada quase na totalidade, não tendo sido utilizados apenas 8 capítulos. O cronista português chega mesmo a copiar períodos inteiros destas obras.
     As fontes narrativas dominaram a pesquisa de Fernão Lopes, tendo a consulta de fontes documentais ocorrido, de forma pontual, somente para completar o relato.

     A leitura das crónicas e da demais documentação deve ser feita com grande reserva pelos problemas que reserva. De facto, a redação das obras ocorre entre 1437 e 1443, ou seja, sessenta a setenta anos depois do reinado de D. Fernando (1367-1383) e da regência de D. Leonor Teles (22 de outubro de 1383 a janeiro de 1384). Pelo contrário, López de Ayala (1332-1407) foi testemunha ocular de acontecimentos que tiveram lugar no período a que se reportam as crónicas. Além disso, Ayala desempenhou outras funções além da de cronista: curador do casamento entre o infante D. Henrique e a infanta portuguesa D. Beatriz; chanceler e alferes-mor do rei D. João I de Castela (marido da dita Beatriz); vassalo presente nos juramentos ao Tratado de Salvaterra de Magos; participantes na Batalha de Aljubarrota, do lado castelhano. Um viveu os acontecimentos, o outro ouviu-os contar e leu-os.
     Por outro lado, convém não esquecer que a obra de Fernão Lopes resultou da encomenda feita pela dinastia de Avis, nos primeiros anos da sua vida, quando havia a premência de afirmar o reinado dos novos governantes.
     Outra questão a ter em conta prende-se com o facto de a Torre do Tombo - criada por D. Fernando em 1378 e instalada no castelo de S. Jorge, para funcionar como arquivo dos livros das chancelarias régias - ter sido marcada pela desorganização progressiva com a passagem do tempo, daí que, em 1458, D. Afonso V tenha encarregado Gomes Eanes de Zurara de a remodelar. A sua ação passou pela escolha, nos livros de registos antigos, dos atos dignos de memória e pela sua cópia em novos livros de registo. Por exemplo, os 48 livros de D. João I passaram a apenas 4. Com esta depuração, os antigos livros de registos passaram à categoria de obsoletos, foram esquecidos e acabaram por desaparecer no reinado de D. João III.
     Em suma, só chegou ao nosso conhecimento a informação que os nossos antepassados quiseram que chegasse, graças às triagens e depurações feitas ao longo do tempo por diferentes agentes.
     Por outro lado, se é evidente que, no Prólogo à Crónica de D. João I, afirma que o seu objetivo é contar a verdade dos factos, não o é menos a noção de que há sempre diversas leituras da mesma realidade. Com efeito, as fontes em que nos baseamos refletem habitualmente uma série de circunstâncias e a ideologia dominante e não necessariamente a dita realidade. Além disso, há que ter em conta que se trata de uma narração e representação dessa realidade e não a própria.

"D. João I - um retrato épico"


     Tese de mestrado sobre o caráter mítico de D. João I, da autoria de Luís Miguel Martins Ventura, datado de 2009, pela Universidade Aberta.
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