Português

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

"Sedia-m'eu na ermida de San Simion"


· Assunto: uma donzela formosa espera, na ermida de San Simion, o regresso do seu amigo embarcado. Obcecada pela ideia desse regresso, aliena-se da realidade circundante e só se apercebe de que nem o amigo virá nem poderá fugir dali quando se vê cercada pelas águas do mar (após a maré encher). Só lhe resta então esperar pela morte, crescendo a sua angústia ao pensar que vai morrer sem reencontrar o amigo.


· Tema: a saudade e o desespero, em virtude da demora do amigo.


· Estrutura interna

         O tema desenvolve-se através de um monólogo da donzela, que constitui uma micro-narrativa dos vários acontecimentos que a donzela vive na ermida.




OUTRA DIVISÃO

u 1.ª parte (estr. 1 a 4) - A donzela descreve, num monólogo, a sua situação: obcecada pelo regresso do amigo, a jovem, desesperada, apercebe-se tardiamente da subida da maré, sem ter barca nem marinheiro para fugir às águas do mar.

u 2.ª parte (estr. 5 e 6) - A donzela toma consciência da certeza da chegada da morte.

u Refrão: A angústia e a saudade obsessiva na espera do amigo, pois conclui que vai morrer sem o voltar a ver.



· Esquema-síntese

. ausência do amigo          ü                                        ì. exclamações
          (refrão)                  ï                                        ï. relação morte/juventude
              +                        ý  desespero da donzela      í. jogo dos tempos verbais
. hostilidade do ambiente  ï                                        ï. referência ao impasse
        (caract. do mar)        þ                                        î



· Elementos narrativos do poema

n Acção: a amiga espera o amigo que não chega.

n Espaço: ermida de San Simion, em Val de Prados.

n Tempo: tempo da espera do amigo, coincidente com a subida da maré.

Personagens:   - donzela;
                       - amigo (ausente, mas sempre presente).


· Relação Natureza                       /                     Donzela (estado psíquico)

. ondas que crescem
. maré que sobe
. mar alteroso
. possível afogamento



=
sentimento amoroso
. emoção crescente
. "a maré alta da paixão"
. obsessão amorosa
. angústia de que o amigo não venha / de que não consiga fugir ao arrebatamento amoroso quando ele chegar



· Caracterização da donzela:
- bela
- jovem

NOTAS

         1. Os dois sentimentos que dominam o espírito da amiga são:
                   à o receio de que o amigo não regresse;
                   à o receio de perecer afogada.

         2. Todavia, verdadeiramente o grande desespero da jovem reside na ausência do amigo; ou seja, a possível perda do seu amor é que é realmente a sua perdição, o seu naufrágio na vida. A donzela, nesta cantiga, afinal pressente o seu naufrágio, a saber: o fim da sua relação amorosa. O segundo receio é, pois, metáfora do primeiro.

         3. Os sentimentos da amiga assentam num crescendo de intensidade dramática. De facto, nas duas primeiras coplas, a donzela exprime apenas um receio longínquo, como se tivesse já passado (notar o emprego do passado: sedia-me e cercaron-mi). Na terceira e na quarta copla, a jovem constata que "Non hei barqueiro, nem ar son remador" (notar o uso do presente verbal e do ponto de exclamação, quando, nos versos equivalentes das duas estrofes iniciais, não tinha sido usado, o que revela já a emoção dela perante o perigo), isto é, que o perigo é iminente. Este avolumar da emoção da donzela culmina nas duas últimas coplas, com o uso do futuro a traduzir a certeza da morte: "E morrerei, fremosa, no alto mar".



· Papel da Natureza
. cenário: enquadraria um hipotético encontro amoroso;
¯
. oponente ® realmente: separa a donzela do seu amor e impede o relacionamento amoroso, sendo, portanto, culpada da "morte" da amiga;
 ® metaforicamente: ameaça engolir a jovem.



· Recursos poético-estilísticos

         1. Nível fónico

         A composição é constituída por 6 coplas heterométricas formadas por dois versos (dístico monórrimo) hendecassílabos agudos e dois versos octossílabos graves, obedecendo a rima ao esquema AABB / CCBB / AABB / CCBB / AABB / CCBB, isto é, a rima é toda emparelhada. Temos também rima consoante ("Simion" / "son") e toante ("son" / "remador"), aguda e grave (no refrão), rica ("Simion" / "son") e pobre ("altar" / "mar"). O ritmo é acentuadamente binário, contribuindo para exprimir a cadência das ondas, até porque há uma natural entoação ascendente até ao meio do verso e descendente na segunda metade. Este ritmo, enriquecido pelo paralelismo e que pode traduzir também toda a rápida escalada emocional vivida pela donzela, contrasta com o ritmo do refrão, lento (uso do gerúndio), sugerindo a espera, numa atitude continuada, obsessiva, absorta; por outro lado, pode ainda significar a inutilidade da sua espera ansiosa. Além disso, o refrão repete-se, é iterativo, ao longo do poema e em si mesmo, em cada estrofe, repetição que acentua a ideia de que a grande causa da angústia da donzela é a ausência do amigo. Na última estrofe, o refrão, após o verso "e morrerei, fremosa, no alto mar", sugere que a donzela morria à espera do seu amigo e sem esperanças de o recuperar. A composição é uma cantiga paralelística perfeita, com leixa-prem. De notar que a presença do refrão e do paralelismo aponta claramente para a origem popular das cantigas de amigo, feitas para serem cantadas, algumas delas por dois cantores (repetições paralelísticas, como nas cantigas à desgarrada) e por um coro (refrão). Existem também aliterações, por exemplo em s ("Sedia-m' eu na ermida de San Simion") e de sons fechados e nasais, sugerindo tristeza, e também assonâncias em ô / á.


         2. Nível morfossintáctico

         O uso do ponto de exclamação (frases exclamativas/função expressiva) aponta para a emoção que se começa a apoderar da donzela perante o perigo.
         Há um predomínio de substantivos e verbos que traduzem objectividade e acção. A nível dos tempos verbais, devemos destacar os seguintes:
. o pretérito imperfeito remete para a atitude estática da rapariga na sua longa espera;
. o gerúndio do refrão reforça a ideia traduzida pelo imperfeito e também a obsessão, a ânsia e a angústia da jovem;
. o pretérito perfeito apresenta o facto consumado: "cercaron-mi as ondas";
. o presente revela-nos a constatação, por parte da donzela, da trágica situação em que se encontra e da impossibilidade de salvação no momento presente: "non ei i barqueiro, nem remador!";
. o futuro exprime a antevisão da morte sem encontrar o amigo: morrerei...".
Ou seja, a donzela posiciona-se no presente, refere, através do passado e do gerúndio, a longa espera do amigo e a angústia a ela associada, e prevê o desenlace da situação em que se encontra.
         A nível da adjectivação, é de destacar a expressividade do adjectivo "fremosa", pois permite-nos concluir que o que afinal a donzela receava não eram propriamente as ondas do mar, mas o não regresso do amigo. E ela ali permanecia, frente ao mar por onde ele tinha partido, mas ainda "fremosa", como quando o seduzira. Ou seja, a sua formosura era, afinal, a causa do grande amor e, agora, do grande desespero. O comparativo da penúltima estrofe informa-nos da subida das águas com uma imagem de sentido hiperbólico.
         Além do paralelismo perfeito, encontramos outras formas de paralelismo:
- semântico: "grandes son" / "ondas grandes", ... ;
- anafórico;
- estrutural.
         A função da linguagem predominante é a expressiva:
- os pontos de exclamação / frases exclamativas;
- a adjectivação;
- o refrão;
- a reiteração.
         A ausência de conjunções a estabelecer a relação das orações confere às frases um carácter emocional, adquirido já no facto de serem do tipo exclamativo. As próprias orações subordinadas relativas explicativas, em "que grandes son", pela sua função aproximada de aposto, prolongam o sentido emotivo daquele momento.
         A anáfora, o hipérbato e a reiteração (por exemplo, no refrão) são outros recursos presentes.


         3. Nível semântico

         A gradação é o recurso estilístico mais importante do poema (vide nota 3).
         As ondas do mar funcionam como metáfora. De facto, elas são a causa do seu pânico crescente; mas também significam a paixão amorosa que a levou à ilha e cujas consequências podem ser a morte, mesmo estando "ant' o altar", sob a protecção do santo e do santuário. O medo que as ondas suscitam na donzela é complexo:
® medo de morrer afogada nas ondas ou na própria emoção (ondas da emoção);
® medo de não conseguir escapar ao ímpeto amoroso do amigo se ele chegar, de não resistir à força do amor;
® medo da "maré alta" da paixão que essa chegada representará;
® medo da espera indefinida do amigo, de não chegar e ela morrer sem o ver.
         Por último, destaquemos a hipérbole, quer no que diz respeito à grandeza das ondas, quer á subida da maré e ao perigo iminente que rodeia a amiga.

         O poema pertence, logicamente, ao género lírico, mas está contaminado pelo género dramático (além do narrativo, como já vimos); as acções avançam cronológica e progressivamente, intensificando o dramatismo que envolve a situação da donzela: "sedia-m' eu na ermida" ® "cercaron-mi as ondas" ® "non ei barqueiro, nem sei remar" ® "morrerei fremosa".


· Classificação

1. Cantiga de amigo.

1.1. Temática:
. barcarola / marinha: cantiga que contém referências ao mar (1);
. de romaria.
         (1) Os temas das barcarolas são geralmente de grande singeleza. Afora um certo número em que a donzela vai apenas banhar-se ao rio, ou da margem vê o barco deslizar pelas águas, nas barcarolas ela geralmente lamenta-se do amigo, ou, durante a sua ausência, pede às ondas notícias dele, ou ainda, ansiosa, vai esperar os navios que chegam, para voltar a vê-lo.

1.2. Formal:
. paralelística perfeita;
. de refrão.






Análise da cantiga "Ai flores, ai flores do verde pino"

    Análise da cantiga: Ai flores, ai flores do verde pino.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Faltam professores

     A constante desvalorização (e nalguns casos perseguição) dos professores portugueses por obra e graça de sucessivos governos desde os tempos de Sócrates, as precárias condições de trabalho, a falta de apoio por parte de tudo e todos (incluindo o de proximidade), a estagnação forçada numa carreira que, na prática, quase não existe, o aumento da indisciplina e da violência em contexto escolar, a sensação galopante de inimputabilidade... são apenas alguns dos fatores que têm vindo a afastar do ensino candidatos a exercerem, futuramente, a profissão.

     Os reflexos estão aí e serão cada vez em maior número, mesmo que se continue a assobiar para o lado e a aguentar a situação, empurrando para o futuro um problema que se vai acentuando.


"Drive", The Cars


1984

     Em memória de Ric Ocasek (23/03/1944-15/09/2019)

"Impressa" ou "imprimida"?

     Qual é a frase correta?

         a) A folha foi impressa?

         b) A folha foi imprimida?

     O verbo «imprimir» é um dos que possui duas formas de particípio passado: uma fraca ou regular (imprimido) e outra forte ou irregular (impresso).

     O particípio regular é usado nos tempos compostos com os auxiliares ter e haver:
          . A Miquelina tinha imprimido a folha.

     O particípio irregular é usado com os auxiliares ser e estar:
          . A folha foi impressa pela Miquelina.

     Resposta à pergunta inicial: a frase correta é a b) A folha foi imprimida.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Chegou a chuva e com ela... a salamandra


Os chamados especialistas em Educação

Os 10 mandamentos de Salman Khan

Pedais nas mesas para os alunos pedalarem


     Se alguém quiser aprofundar o assunto, é seguir a ligação da tuitada.

domingo, 20 de outubro de 2019

Análise do capítulo V de Sermão de Santo António aos Peixes


            Se, no capítulo anterior, o padre António Vieira criticou a generalidade dos peixes, neste, apresentará os defeitos e vícios de alguns destes animais em particular (“Descendo ao particular…”). Note-se, antes de mais, que a estrutura do capítulo no que diz respeito aos quatro peixes focados é similar. Assim, o orador começa por identificar o animal, depois caracteriza o seu comportamento, que confronta seguidamente com figuras e exemplos bíblicos, cuja função é sustentar a sua tese e mostrar o caminho a seguir para corrigir o(s) vício(s) denunciado(s).

            Os primeiros peixes a serem visados são os roncadores, que simbolizam a arrogância e a soberba. Trata-se de peixes pequenos (“peixinhos tão pequenos” – diminutivo e advérbio) e muito vulneráveis (“com uma linha de coser e um alfinete torcido, vos pode pescar um aleijado”) que emitem um som grave que se assemelha ao grunhido de um porco e que os faz ser “as roncas do mar”. Este contraste entre o seu tamanho e o barulho que fazem, porque roncam muito (isto é, ostentam, gabam-se, pavoneiam-se, são arrogantes, daí simbolizarem precisamente a arrogância), causa, simultaneamente, o desagrado e a ira do pregador (emoções expressas através da interrogação retórica): “… e vendo o seu tamanho, tanto me moveram a riso como a ira”; “É possível que sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de ser as roncas do mar”. De facto, como compreender que ronquem tanto quando um simples aleijado, com uma linha de coser e um alfinete torcido, são pescados com toda a facilidade? Neste contexto, repita-se, assume grande expressividade o recurso ao verbo «roncar», através do qual o orador critica todo aquele que “faz grande alarde das suas ações, que age com espalhafato, ostentação e aparato e que, como se não bastasse, também se gaba, pavoneia-se e é arrogante.” (Andreia Sousa e Regina Carvalho, in Arrumar ideias, 11.º ano). Por outro lado, a antítese/o contraste entre o tamanho dos peixes e o som forte que produzem traduz o ridículo em que caem com a sua forma de ser e, por extensão, o ridículo que cobre os homens arrogantes e soberbos, isto é, aqueles que possuem poucas qualidades, mas se comportam como se as possuíssem.
            Já outros peixes, de maior dimensão, como o espadarte, não roncam e permanecem em silêncio, o que, de certa forma, é um contrassenso, pois, se haveria alguém que pudesse «roncar», seria o «peixe maior». Qual a razão disto? O orador responde: “Porque, ordinariamente, quem tem muita espada, tem pouca língua.” (a espada constitui uma metáfora de força, enquanto a língua simboliza o alarde por meio das palavras). Deste modo, infere-se que os roncadores simbolizam aqueles que se autopromovem, exibindo a sua vaidade e o seu poder, sendo, por isso, soberbos e arrogantes.
            Este modo de ser desagrada a Deus e acarreta o seu castigo: “… mas é regra geral que Deus não quer roncadores e que tem particular cuidado de abater e humilhar aos que muito roncam.”.
            O padre Vieira exemplifica, seguidamente, os seus argumentos, o caso dos roncadores, com o caso de São Pedro, o discípulo de Cristo: “… tinha tão boa espada, que ele só avançou contra um exército de Soldados Romanos; e, se Cristo lha não mandara meter na bainham, eu vos prometo que havia de cortar mais orelhas que a de Malco.” (este era um servo de Caifás, um sacerdote a quem o santo cortou a orelha direita como ato de resistência à prisão de Cristo). Assim, Pedro tinha-se gabado antecipadamente da sua bravura, isto é, de que se todos fraquejassem, “só ele” defenderia Cristo até à morte, se fosse necessário, porém (“foi tanto pelo contrário”) bastou a simples voz de uma «mulherzinha», no pretório de Pilatos, após a Sua prisão, para tremer e negar que O conhecia por três vezes: “… só ele fraqueou mais que todos, e bastou a voz de uma mulherzinha para o fazer tremer e negar.” (esta é uma referência ao episódio bíblico segundo o qual uma criada do sumo sacerdote perguntou a Pedro se conhecia Jesus, o que ele negou, com medo de ser preso, como tinha acontecido a Jesus). O santo tinha já fracassado também no Horto das Oliveiras, onde se deixou adormecer depois de Cristo lhe ter pedido que vigiasse (“Vós, Pedro, sois o valente que havíeis de morrer por mim, e não pudestes uma hora vigiar comigo?”). Daí que o orador conclua: “O muito roncar antes da ocasião é sinal de dormir nela.”, ou seja, todos aqueles que se gabam muito de algo acabam por não cumprir o que deles se espera no momento oportuno. Além disso, se isto aconteceu ao santo (“Se isto sucedeu ao maior pescador…”), bem menos razões terão os homens para serem arrogantes (“… que pode acontecer ao menor peixe?”). Daí o conselho final do padre Vieira, para que se meçam e vejam como são ridículos e não têm fundamento para a sua arrogância: “Medi-vos e logo vereis quão pouco fundamento tendes de blasonar, nem roncar.”.
            Os próprios peixes maiores, como a baleia, não têm desculpa para a sua arrogância, não obstante a sua «grandeza». Esta referência às baleias é o ponto de partida para a introdução de novo exemplo: o de Golias e David. Golias era um gigante e a “ronca dos Filisteus” e esteve durante quarenta dias no campo, armado, sem ser derrotado. No entanto, foi vencido por um pequeno pastor, David (“Bastou um pastorzinho com um cajado e uma funda para dar com ele em terra.” – atente-se na expressividade do diminutivo, contrastando com o nome «gigante». O padre António Vieira recorre, assim, a novo exemplo bíblico para reafirmar que os arrogantes e soberbos que se julgam («tomam-se») Deus acabam sempre por ficar «debaixo», isto é, castigados, porque “quem se toma com Deus sempre fica debaixo”.
            Assim sendo, que conselho se pode dar aos “amigos roncadores” (ou seja, aos homens arrogantes e soberbos)? De acordo com o orador, o que há a fazer é “calar e imitar” Santo António.
            Por outro lado, quais são as causas da arrogância? Segundo o orador, são duas: o saber e o poder. E ambas “incham” e produzem efeitos diferentes. Os exemplos humanos apresentados são os de Caifás (“roncava de saber”), o sumo sacerdote dos judeus no processo que conduziu Jesus à morte, e Pilatos (“roncava de poder”), o procurador romano da Judeia que exerceu o papel de juiz, roncando “ambos contra Cristo”. Em contraste temos o exemplo de Santo António, que constitui o modelo oposto desta forma de ser. Possuidor de tanto saber e tanto poder, o santo nunca se vangloriou das suas capacidades (“ninguém houve jamais que o ouvisse falar em saber ou poder, quanto mais blasonar disso.”), mantendo o silêncio e confinando-se à sua condição de servo de Deus: “E, porque tanto calou, por isso deu tamanho brado.”. Desta forma, Santo António tornou-se um modelo de simplificada e um guia espiritual.


sábado, 19 de outubro de 2019

Donald Trump: os Estados e Itália partilham uma herança desde a Antiga Roma

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Análise do capítulo III de Sermão de Santo António aos Peixes


            Neste capítulo, são apresentadas as virtudes de alguns peixes em particular, concretamente em quatro: o peixe de Tobias, o torpedo, a rémora e o quatro-olhos.
            Por que razão o padre António Vieira selecionou apenas este quatro e não outros peixes quaisquer? Para o orador, por um lado, discorrer sobre as virtudes de todos os peixes seria matéria “infinita” (daí só referir alguns); por outro lado, estes peixes são os que possuem características que os distinguem dos outros por causa das suas virtudes; além disso, adequam-se melhor à intenção argumentativa e persuasiva do texto.
            Antes de descrever o peixe em concreto, o padre Vieira conta o episódio bíblico que se lhe refere. O velho Tobias ordenou a seu filho Tobias que fizesse uma viagem até junto do seu povo para cobrar uma dívida e ao mesmo tempo tomar esposa entre as mulheres da sua tribo. Acompanhado pelo Anjo São Rafael, quando caminhava à beira de um rio e tentou lavar as mãos do pó do caminho, um peixe enorme abriu a boca para o comer. Ao ver-se atacado, Tobias gritou e logo o socorreu o anjo, que lhe disse que não tivesse medo e o aconselhou a puxar o peixe para terra, retirar-lhe as entranhas e guardá-las, que lhe “iam servir de muito”. Tobias assim fez e retirou-lhe o fel e o coração, que possuíam duas qualidades: o fel curava a cegueira e o coração afastava os demónios.
            Apresentadas as virtudes, o padre Vieira procede, seguidamente, à sua demonstração. Sendo o pai de Tobias cego, recuperou totalmente a visão depois de, a conselho de São Rafael, lhe ter sido aplicado um pouco de fel extraído do peixe. Por outro lado, o coração do peixe, quando queimado em casa, servia para expulsar os demónios que nela existissem, o que se veio a comprovar no caso de Sara, que tinha na sua habitação o demónio Asmodeu, que já lhe tinha matado sete maridos. Sara e Tobias filho casaram, ele queimou na casa parte do coração do peixe, o demónio fugiu dali “e nunca mais tornou”. Assim se comprovaram as virtudes das entranhas do peixe de Tobias.
            De seguida, o orador estabelece uma analogia entre o peixe e Santo António, referindo que as suas palavras tinham o mesmo poder que as entranhas do peixe. De facto, o santo “abria a boca contra os hereges e enviava-se a eles, levado do fervor e zelo da Fé e da glória divina”, mas eles reagiram e gritaram contra ele como o peixe de Tobias, porque “cuidavam que os queria comer”, isto é, não o entenderam e atacaram-no. Observe-se a metáfora e a interrogação «Pois a quem vos quer tirar as cegueiras, a quem vos quer livrar dos Demónios, perseguis vós?!”, que acentua a ideia de que os homens vivem cegos (isto é, em pecado) e atacam quem quer curar a sua cegueira (ou seja, recolocá-los no caminho do bem) e exprime a indignação do orador com os seus ouvintes por causa da hostilidade que demonstram relativamente a quem só quer o seu bem). Sucede que, se alguém revelasse a esses homens o coração e as entranhas do santo, descobririam as duas virtudes que simbolizam: a cura da sua cegueira, dos seus pecados e da sua ignorância, e a expulsão dos demónios de casa. No entanto, há uma diferença entre Santo António e o peixe: o primeiro pregava (abrir a boca) contra os hereges, contra aqueles que não se queriam purificar (observe-se o trocadilho com a expressão «abrir a boca» a expressividade da metáfora / polissemia do verbo «lavar») pela palavra de Deus, enquanto o segundo abria a boca “contra quem se lavava”.
            Dito de outra forma, neste passo do sermão o padre Vieira compara o poder e a virtude do peixe com a mestria da pregação e da doutrina de Santo António: os homens que ouvissem as suas palavras libertar-se-iam da cegueira, dos demónios, do mal, ou seja, dos vícios que os corrompiam, emendar-se-iam e mudariam de vida. Aqui se discerne a alegoria deste passo: a palavra de Deus ilumina e afasta os vícios dos homens. Por outro lado, a dimensão crítica é também evidente: Vieira critica os homens que, cheios de vícios e pecados, não se deixam doutrinar, não se querem purificar, nem corrigir os seus erros, nem abandonar os seus vícios.
            O louvor do peixe de Tobias finaliza com uma apóstrofe aos «moradores do Maranhão», que constitui um apelo («Abri, abri estas entranhas; vede, vede este coração.») a que vejam as entranhas dele mesmo – padre Vieira – e o seu coração puro e virtuoso, porque curam a cegueira do pecado. Todavia, a ironia das duas frases finais do parágrafo – o orador “relembra” que não prega aos homens, mas aos peixes – servem para cativar e prender a atenção do seu auditório, mas também para escancarar a sua mágoa pelo facto de esse mesmo auditório ignorar a sua mensagem, a sua pregação, cuja única finalidade é curar-lhes a cegueira e libertá-los do mal (algo que eles não percebem).


            Seguidamente, o padre António Vieira apresenta outro exemplo, o da rémora, cujas características são as seguintes: é um «peixezinho tão pequeno no corpo e tão grande na força e no poder». De facto, estamos na presença de um peixe de pequenas dimensões que possui uma barbatana dorsal transformada em ventosa. Segundo a ideia exagerada de obras da Antiguidade, como, por exemplo, a História Natural, de Plínio (séc. I d.C.), este animal teria a propriedade de fazer parar uma nau se se pegasse ao seu leme. Repare-se na forma como é justificada a sua integração no sermão: se naquele dia se celebra Santo António (13 de junho), que é um “santo menor”, então terá todo o cabimento incorporar no texto um peixe também menor. E acrescenta que se trata de uma preferência (“devem preferir” = devem ser preferidos) de caráter obrigatório.
            O uso do diminutivo «peixinho» chama a atenção do ouvinte para as dimensões reduzidas do animal e traduz a afetividade do orador para com ele. O contraste entre o seu tamanho (acentuado pelo advérbio «tão») e as características morais que o tornam “tão grande na força e no poder” configuram a prevalência do espírito sobre o corpo. Para exemplificar esse poder da rémora, Vieira seleciona um objeto que é o “leme de uma nau da Índia”. Ora, esta era o tipo de embarcação mais possante da época; por outro lado, a Índia é um local bem distante de onde regressavam as naus normalmente muito carregadas; além disso, a referência a elementos como «velas» e «ventos», os quais possibilitam a deslocação do barco e atuam em conjunto (“das velas e dos ventos”), o que torna muito mais difícil a tarefa de os anular, aliada à expressão coordenada, com valor também concessivo, que destaca o peso e o tamanho da rémora, contribuem para a criação de um contraste entre o animal e os elementos contra os quais é representado a agir, contraste esse que traduz a desproporção entre a gigantesca nau ou a força dos ventos e das velas que a fazem mover. Apesar disso, a rémora é capaz de “prender e amarrar” a nau “mais que as mesmas âncoras” (atente-se na imagem, na comparação, na interrogação retórica e na hipérbole).
            A interjeição «Oh» que abre o período seguinte introduz um desejo do orador: o de que houvesse uma rémora na terra, com tanta força como a do mar, que diminuiria o número de calamidades (“perigos na vida” e “naufrágios no mundo”) que se abatem sobre os homens.
            Posteriormente, o padre Vieira estabelece uma analogia entre a rémora e Santo António: a existir, a rémora na terra seria a língua do santo. Esta ideia é sustentada por um argumento de autoridade: a citação de S. Gregório Nazianzeno (“Na verdade, a língua é pequena, mas tudo vence pela força.”). De seguida, explica a relação existente entre a «língua» e os objetos que têm como função guiar ou travar o percurso: o «leme» da nau e o «freio» do cavalo (metáforas). A rémora “é freio da nau e leme do leme”. As virtudes e a força são pertença da língua e esta, por sua vez, pertence a Santo António.
            No período seguinte, através de uma imagem que sugere a existência de uma nau, associa o livre-arbítrio (“alvedrio”) inerente aos homens ao «leme» e a «razão» ao piloto. Recorrendo à conjunção coordenativa adversativa «mas», o orador estabelece um contraste entre o que deveria ser (o que acabou de referir) e aquilo que é e que se encontra demonstrado no quantificador indefinido «poucas», intensificado pelo advérbio «quão», que, por antítese, denuncia o grande número de vezes que o homem erra; e o adjetivo «precipitados», qualificador do nome abstrato «ímpetos» – que têm origem no «alvedrio» – anula a submissão à razão, como é indiciado pela frase interrogativa. Porém, o leme é “tão desobediente e rebelde” e Vieira compara a língua do santo à rémora, realçando a semelhança entre a força do peixe e a da língua de Santo António “para domar e parar a fúria das paixões humanas”. Dito de outra forma, as suas palavras foram “uma rémora na terra”, dado que conseguiram domar as paixões humanas. Note-se, neste passo, a expressividade do nome «fúria», que sugere uma circunstância de agressividade e irracionalidade, e da gradação presente nos verbos «domar» e «parar», pois o primeiro refere-se a um ato de submissão e o segundo remete para uma situação de cessação/fim de algo.
            O padre Vieira prossegue o seu discurso alegórico, apresentando quatro exemplos que confirmam a ideia de que ele foi uma rémora entre os homens, porque conseguiu “domar a fúria das paixões humanas”:
▪ a nau Soberba, com as velas inchadas pelo vento, não se desfez contra os rochedos, porque as palavras de Santo António a salvaram;
▪ a nau Vingança, carregada de ira e de ódio, encontrou a paz através das palavras do santo;
▪ a nau Cobiça, sobrecarregada até às gáveas com uma “carga injusta”, foi salva das garras dos corsários pela ação de Santo António;
▪ a nau Sensualidade, perdida na cerração e na noite, iludida pelos cantos das sereias, encontrou a salvação, seguindo a luz das palavras do santo.
            O orador começa, pois, por nos falar dos homens dominados pela soberba e que, por isso, navegam num navio “com as velhas inchadas do vento e da mesma soberba”. Estas orações demonstram a rapidez com que a embarcação e os seus ocupantes se deslocam («correndo»). A imagem das velas enfunadas sugere que o vento é propício a uma navegação veloz. Nota-se, porém, aqui o estabelecimento de uma analogia entre a imagem do vento a enfunar as velas e a da soberba (“que também é vento”), que é tão vazia quanto o vento e, tal como ele, obriga os homens a movimentarem-se com rapidez excessiva. Esta atitude coloca-os na iminência do perigo (“se iam desfazer nos baixos”), ideia reforçada pela metáfora «rebentavam». No entanto, a língua de Santo António, mais uma vez comparada à rémora, impediu que esta situação de destruição se concretizasse: “… se a língua de António, como rémora, não tivesse mão no leme” (metáforas). A sua língua funciona como a mão de um piloto experiente, guiando a nau por um rumo certo, mantendo o leme na posição devida, “até que as velas se amainassem”. Ou seja, embora seja Santo António quem mantém o rumo, são as velas que, por decisão própria, que corresponde à intervenção do «alvedrio», reduzem a velocidade, o que implica que a escolha última seja sempre do indivíduo (o livre-arbítrio).
            No período seguinte, o foco do orador centra-se nos que embarcaram na nau Vingança, “com a artilharia abocada e os botafogos acesos”, “corriam enfunados a dar-se batalha”. As consequências deste ato passariam pela destruição inevitável, fosse pelo fogo, fosse pela água. Novamente, é a língua de Santo António (metaforicamente considerada como «rémora») que detém a fúria e os salva dessa destruição. Esta situação apresenta 3 fases: a primeira, em que a ira e o ódio dominaram e o desejo de vingança imperou; a segunda, marcada (já) pela inexistência desses sentimentos; a terceira, caracterizada pela predominância da amizade, que substituiu o ódio.
            O período posterior foca a nau Cobiça. Ou seja, o orador vai debruçar-se sobre todos aqueles que se deixam dominar pela cobiça. Note-se como o padre Vieira hiperboliza as ideias veiculadas pelas imagens “sobrecarregada até às gáveas” e “aberta com o peso de todas as costuras”, as quais revelam a ambição desmedida dos homens, impedindo-os de vislumbrarem o perigo que os espreita (“incapaz de fugir, nem se defender”). O navio vai tão carregado e vulnerável que é impossível a sua defesa. A salvação, mais uma vez, está na “língua de António”, que impede que os indivíduos percam tudo o que já possuem (“com perda do que levavam”), bem como o que poderiam vir a ter (“e do que iam buscar”), mostrando-se assim que a cobiça, o desejo excessivo de bens materiais, pode levar a uma perda superior àquilo que se desejou lucrar. Até à intervenção da rémora (o santo), os navegantes corriam o perigo de perder tudo, pois a carga da nau (a cobiça) era excessiva; agora, libertos dessa carga («aliviados»), adquirida de forma errada («injusta»), entram numa fase que os conduz a um terceiro momento, este vivido já em segurança (“escapassem do perigo e tomassem porto?”).
            Por fim, surge em cena a nau Sensualidade, que transporta aqueles que, cegos, s perderiam em Cila ou Caríbdis, escolhos situados no estreito de Messina, onde se afundavam muitos navios; neste passo, Vieira faz uma referência ao episódio da Odisseia, de Homero, em que Ulisses enfrenta Cila (o monstro de seis cabeças de serpente) e o remoinho Caríbdis. Esta quarta nau navega sempre (note-se como o recurso ao presente do indicativo e o uso do advérbio de tempo «sempre» sugerem o caráter habitual das condições de navegação) com cerração, sem Sol de dia, nem estrelas de noite, o que a impede de conhecer o rumo certo, pois não consegue ver os elementos que serviriam de orientação. Os perigos e a perdição a que os navegadores estão sujeitos são acentuados pela referência ao canto das sereias (o qual, de acordo com a mitologia, conduz quem o ouve à loucura e/ou à morte) e à navegação ao sabor da corrente, sem nada ser feito para alterar as circunstâncias, acabando por se perder “onde não aparecesse navio nem navegante”. No entanto, os ocupantes da nau Sensualidade são salvos, mais uma vez, pela língua de Santo António.
            Estilisticamente, o parágrafo referente à rémora é marcado, entre outros, pelos seguintes recursos:
▪ a simetria e o paralelismo de construção;
▪ a reiteração do quantificador interrogativo «quantos», sob a forma de anáfora, que sugere a indefinição acerca do número de indivíduos que navegam nas diferentes naus;
▪ o modo condicional, para designar as catástrofes que podem advir das paixões humanas;
▪ a conjunção subordinativa condicional «se», que, associada ao modo conjuntivo em frases de teor negativo, remete para uma situação hipotética e irreal;
▪ a locução conjuncional «até que», que significa anterioridade e estabelece um limite temporal;
▪ o caráter interrogativo dos sucessivos períodos constitui um convite dirigido aos ouvintes para que meditem nas situações apresentadas.
            Por outro lado, esta passagem do sermão, referente à rémora, põe-nos em contacto, através das imagens das quatro naus, com quatro tipos de vícios dos homens, os quais só se salvaram graças à língua de Santo António, que os «obrigou» a usar o livre-arbítrio (a capacidade individual de escolha) que cada um possui, de forma racional.
            O último período referente ao peixe em questão abre com uma apóstrofe aos «peixes» e uma perífrase do santo (“do vosso grande pregador”), que funcionou como rémora (isto é, guia) para aqueles enquanto a ouviram, no entanto a sua mudez presente (causa) acarreta consequências desagradáveis: a existência de muitos naufrágios (“se veem e choram na terra tantos naufrágios” – gradação). Há aqui, portanto, uma relação de causa (a mudez do santo) -efeito (os naufrágios). Uma última nota para a oração subordinada adverbial concessiva (“posto que ainda se conserva inteira”), que se refere ao facto de a língua de Santo António se conservar como relíquia na sua basílica em Pádua. Porém, como está muda, incapaz de exercer a sua função no presente, existem perdas numerosas, ou seja, desde que emudeceu, veem-se na terra muitos homens que se perdem pela soberba, pela vingança, pela cobiça e pela sensualidade.
            O recurso à alegoria das naus, em suma, confirma e exemplifica o poder e a virtude de Santo António (e da sua língua) ao domar, controlar e travar os vícios do ser humano:

Naus
Elementos caracterizadores/Atitudes
Consequências
Simbologia dos elementos caracterizadores
Ação de Santo António
Tipo humano
criticado
Nau Soberba
“Quantos, correndo fortuna”, “velas inchadas do vento e da mesma soberba”
A Nau Soberba estava destinada a desfazer-se nos baixos, que já estavam próximos.
O vento simboliza o caráter vão do pecado da soberba (isto é, do orgulho desmedido)
Leva as velas a amainarem e a tempestade interior e exterior a terminar.
Os homens vaidosos, que sentem um orgulho desmedido.
Nau Vingança
“Quantos»
«com a artilharia abocada”
“e os bota-fogo acesos”
“corriam enfunados a dar-se batalha”
Queimarem-se ou afundarem-se numa batalha.
O arsenal de guerra e o facto de avançarem “enfunados” (= com as velas inchadas ou «com orgulho de vaidade») simbolizam a fúria e a impetuosidade que arrasta as pessoas que se movem pelo desejo de vingança.
Detém a fúria, acaba com a ira e o ódio e faz a nau içar bandeiras de paz.
Os homens que se movem pelo desejo de vingança.
Nau Cobiça
“sobrecarregada até às gáveas”
“e aberta com o peso por todas as costuras”
“incapaz de fugir, nem de se defender”
Serem capturados pelos corsários, perdendo as riquezas que tinham e as que iam buscar (“dariam nas mãos dos corsários com perda do que levavam e do que iam buscar”).
A carga excessiva simboliza o resultado da cobiça, que leva os homens a acumularem demasiados bens.
Faz a Nau parar e leva-a a libertar-se da carga que adquiriu de forma injusta, de modo a conseguir escapar ao perigo dos corsários e chegar a bom porto.
Os que se submetem ao materialismo, à cobiça e à ganância.
Nau Sensualidade
“sempre navega com cerração, sem sol de dia, nem estrelas de noite”
os seus ocupantes navegam “enganados do canto das sereias e deixando-se levar da corrente”
Iriam perder-se cegamente em Cila ou em Caríbdis, onde não aparecesse navio nem navegante.
A cegueira e a desorientação simbolizam o que sucede aos que se deixam levar pela sensualidade: não tendo domínio sobre si mesmos, caem facilmente em tentação.
Impede a nau de naufragar, levando os seus ocupantes a readquirirem a capacidade de ver e a voltarem a assumir o rumo certo.
Os homens que caem facilmente na tentação, na luxúria e na desorientação.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...