Português

terça-feira, 19 de novembro de 2019

O regresso ao Absolutismo


            A evolução política espanhola decidiu a sorte da primeira experiência constitucional portuguesa. Fê-la nascer e fê-la morrer. Em 1823, um exército francês, agindo na execução do programa político antiliberal da Santa Aliança, penetrou em Espanha, derrotou os partidários da Constituição de 1812 e restaurou a monarquia absoluta. O facto não demorou muito a repercutir-se em Portugal.
            Por outro lado, a independência do Brasil (setembro de 1822) infligiu um golpe mortal nas Cortes e emprestou aos liberais grande impopularidade. Muita gente notava agora que um dos principais objectivos da Revolução, o de trazer de novo o Brasil à condição de colónia, falhara, disso culpando as Cortes. De forma semelhante, a crise económica iniciada por volta de 1817 e que afetava sobretudo a burguesia, impelindo-a para a Revolução, chegara ao seu termo, retirando a esta a sua justificação principal e empurrando aquela para uma prudência compreensível. O partido liberal, no poder, depressa se viu isolado e falho de apoio.
            Em Lisboa, o próprio palácio real conduzia a reacção às novas instituições. Os conspiradores uniam-se à volta de D. Carlota Joaquina, irmã do rei de Espanha e aguerrida adversária dos liberais, que chegou a recusar-se a jurar a Constituição. O infante D. Miguel, servia-lhe de instrumento para os manejos contra-revolucionários. Entretanto, o entusiasmo nos milagres que se esperavam da Constituição ia arrefecendo; o clero e a nobreza hostilizavam abertamente a revolução e o Governo parlamentar, cujas leis já não deixavam dúvidas de que os seus privilégios iam acabar. A burguesia ligada aos negócios sentiu-se desapontada com o rumo tomado pela questão do Brasil.
            Em 27 de Maio de 1823, o infante D. Miguel lançou em Vila Franca de Xira o pregão da revolta e proclamou a restauração do Absolutismo: “É tempo de quebrar o férreo jugo em que ignominiosamente vivemos.” O jugo era o liberalismo. A guarnição de Lisboa foi juntar-se aos revoltosos. Sem forças para resistir, as Cortes dissolveram-se e o rei aceitou os factos consumados, suspendendo a vigência da Constituição de 1822 e prometendo a promulgação de nova lei fundamental que garantisse «a segurança pessoal, a propriedade e os empregos». A essa revolta, que marca o fim do primeiro período constitucional, se ficou a chamar a Vila-Francada.
            Embora o infante D. Miguel se apresentasse como a cabeça do movimento anticonstitucional conhecido por Vila-Francada, não era de facto mais do que um instrumento nas mãos de vasto grupo de pessoas, onde alguns dos revoltosos de 1820 desempenhavam papel de relevo. Todavia, e exactamente como sucedera em 1820, a contra-revolução podia agora definir-se como um movimento «contra» qualquer coisa, mais do que a favor de um ideário e de uma acção precisos. Tudo isto se tornou claro à medida que o tempo foi passando e os contra-revolucionários se dividiram numa ala direita extremista chefiada por D. Miguel e por sua mãe, e numa ala moderada do centro, simbolizada pelo rei e pelo Governo. Descontente e impaciente, a primeira voltou a conspirar e revoltou-se uma vez mais em abril de 1824 (Abrilada).
            D. João VI procurou refúgio a bordo de um navio de guerra inglês surto no Tejo e, daí, apoiado pela Inglaterra, obrigou D. Miguel a submeter-se. O infante deixou o país e o partido do centro voltou ao poder. Até à morte do rei (março de 1826), Portugal foi governado por um absolutismo moderado, ainda que, sem dúvida, mais virado para a Direita do que para a Esquerda. A prometida Constituição nunca se concretizou, anunciando até o monarca a sua intenção de convocar as Cortes á maneira antiga. Numerosos liberais fugiram do país, exilando-se em Inglaterra e em França.
            A morte de D. João VI veio criar um problema de difícil resolução. O filho primogénito, D. Pedro, era o imperador do Brasil. E embora ninguém tivesse, até à data, posto em dúvida os seus direitos ao trono de Portugal, parecia óbvio que nem brasileiros nem portugueses aceitariam uma reunião das suas coroas, mesmo com estatutos separados e autónomos. Assim, D. Pedro, aclamado em Portugal como D. Pedro IV logo que seu pai morreu, abdicou sem demora (uma semana depois de o falecimento do rei ser conhecido no Brasil) a favor de sua filha Maria da Glória – uma menina de sete anos – sob a condição de ela casar com seu tio D. Miguel, ao qual era confiada a regência do Reino. Ao mesmo tempo, D. Pedro outorgava a Portugal uma constituição conservadora (Carta Constitucional), apressadamente redigida. Concedeu também uma amnistia e nomeou os primeiros Pares do Reino, escolhidos tanto entre os partidários do Absolutismo como do Liberalismo. D. Pedro tentava assim continuar a política de compromisso de seu pai, até ao extremo de chamar D. Miguel, cabeça da facção extremista, e de lhe confiar plenos poderes governativos durante, pelo menos, onze anos.
            Em Portugal, e apesar de muita gente criticar as abruptas decisões de D. Pedro (tomadas sem primeiramente jurar o tradicional voto de fidelidade à Nação) e rejeitar a ideia de uma Constituição, aquela solução foi geralmente aceite. A regente interina, infanta Isabel Maria, fez aclamar a nova rainha (D. Maria II) e jurara a Carta em todo o país, organizando ao mesmo tempo as eleições para as novas Cortes. Em Viena (onde D. Miguel estava a residir), o infante e futuro regente aceitou as condições do seu irmão, jurou a Carta e realizou os esponsais com a sobrinha. Nos fins de 1827 deixou a Áustria, chegando a Portugal, via Paris e Londres, em fevereiro de 1828.
            Já então se desvanecera por completo o primitivo clima de conciliação. Os liberais, dotados novamente de uma constituição e de um Parlamento, gritavam vitória e exibiam-se nas ruas em manifestações arrogantes. Os absolutistas davam-se conta de que a manutenção do statu quo significava derrota e um regresso ao odioso período constitucional. Não tardaram a invocar toda a espécie de razões para provar que D. Pedro não tinha direito à coroa – visto que proclamara a independência do Brasil e traíra, consequentemente, Portugal – e que, portanto, não a podia transmitir a ninguém. D. Miguel, alegavam, era o legítimo herdeiro e soberano. Aqui e além registaram-se levantamentos militares e guerrilhas. Por curto espaço de tempo, em 1826-27, houve mesmo um esboço de guerra civil com auxílio espanhol.
            O Governo tinha pouca força e menos decisão para conter as erupções de violência. Mas era claro que se inclinava mais para a corrente absolutista do que para a liberal. A fim de se proteger a si próprio e à situação vigente, solicitou até ao Governo inglês o envio de um contingente militar que se manteve estacionado em Lisboa durante algum tempo.
            De regresso ao país, D. Miguel jurou novamente fidelidade a D. Pedro e a D. Maria II, assim como à Constituição. Estava, todavia, sujeito a pressões constantes, oriundas de todos os grupos sociais e, principalmente, dos seus conselheiros mais chegados, para esquecer juramentos e se fazer proclamar rei absoluto. Os Governos austríaco e espanhol também se mostravam favoráveis à restauração do Absolutismo. Em março de 1828, D. Miguel dissolveu as Cortes, voltando a convocá-las em maio seguinte, mas à maneira antiga, por ordens. Nelas foi proclamado rei (julho de 1828), ao que imediatamente anuiu. As potências estrangeiras retiraram os seus representantes diplomáticos até 1829, data em que quase todas elas – mas não as três principais, Inglaterra, França e Áustria – formalmente reconheceram a realeza miguelista.

                                               A. H. de Oliveira Marques, História de Portugal


As guerras liberais


            D. Pedro de Alcântara era, como filho primogénito, o legítimo herdeiro de D. João VI, monarca que o reconhecera assim ao dar-lhe o tratamento de imperador do Brasil e príncipe real de Portugal e dos Algarves. Mas D. João VI temia intrigas e complicações por parte dos seus familiares, principalmente de sua esposa e de seu filho D. Miguel que se encontrava em Viena, no exílio. Morto D. João VI, D. Pedro via-se na posse de duas coroas: a de Portugal e a do Brasil. Qual dos tronos devia abandonar? Abdicou, então, da coroa portuguesa em sua filha mais velha, D. Maria da Glória, captando assim as simpatias dos portugueses aos quais outorgaria uma Carta Constitucional pela qual realizava a promessa liberal que seu pai não tivera oportunidade de cumprir. Uma das cláusulas da sua abdicação era o casamento da jovem rainha com o seu tio, o infante D. Miguel, irmão de D. Pedro em quem este depositava, na altura, bastante confiança, tanto mais que seu irmão se prontificara a jurar a Constituição e a declarar obediência. D. Miguel entra, desta forma, para o exercício do poder constitucional conforme acordo familiar, que o próprio D. Pedro arquitectara. Mas o procedimento de D. Miguel e dos seus partidários tornam a situação tão nebulosa que será preciso esclarecer definitivamente: o País teria de escolher entre os dois irmãos e o que eles representavam. Fazendo-se aclamar rei absoluto pelas cortes convocadas à moda antiga, D. Miguel alcançava o poder supremo e quebrava todas as ligações com a Carta. Tinha esse poder de facto e por usurpação, diziam os liberais; tinha-o de facto e de direito, diziam os absolutistas. Senhores do Poder, os imperialistas estabelecem a repressão integral como o melhor processo de se firmarem e, ao mesmo tempo, de reduzir à impotência os simpatizantes liberais. A resposta destes é a revolta militar que, dentro em pouco, domina o território português.

O Absolutismo e o Movimento Liberal

            O regime absoluto, em Portugal, teve uma vida longa e segura. Os reis gozavam de uma autoridade firme, uma vez que nunca se criaram, ao seu lado, corpos políticos organizados a que tivessem de fazer frente. O poder soberano vinha-lhes de Deus. Sofre, é certo, alterações no tempo do Marquês de Pombal, cujo regime teve o grande mérito de (involuntariamente) preparar o País para a revolução liberal do século XIX. Tanto a Igreja como a nobreza sofreram um golpe mortal de que nunca conseguiram recompor-se. Ao mesmo tempo foi dado à burguesia (homens de negócio e burocratas) o poder de que necessitava para tomar conta da administração e do domínio económico do País. Ao nivelar todas as classes, leis e instituições ante o despotismo único do rei, Pombal preparou a revolução da igualdade social e o fim dos privilégios feudais; ao mesmo tempo que, reforçando a máquina repressiva estadual e rejeitando toda e qualquer interferência da Igreja, preparou a rebelião contra a opressão laica e, portanto, a revolução da liberdade.
            A estrutura absolutista portuguesa entrou em crise no segundo quartel do século XIX sob a acção de múltiplos e poderosos golpes, entre os quais se destacam as invasões francesas, as grandes transformações técnicas, a independência do Brasil, etc... E, ao fim de quase vinte anos de lutas, a monarquia absoluta baquearia em 1834.
            Efetivamente, Portugal, após a explosão revolucionária francesa, iniciaria, com alguma continuidade, a sua hesitante e sinuosa experiência liberal. Isolado do torvelinho europeu, não só pela geografia, mas sobretudo pelo seu atraso no tocante à evolução económica, técnica, social e mental, o País, empedernido em rotinas ancestrais, resistiu, naturalmente, à onda de inovação. 1808 é a data da primeira tentativa liberal de consciencialização política dos problemas nacionais. Mas será à guarnição militar do Porto que caberá a tarefa de, em 24 de agosto de 1820, desembainhar as suas espadas para proclamar extinto o regime absolutista e abrir as vias à regeneração da Pátria, humilhada e desmembrada.
            A situação portuguesa era, em 1820, de crise em todos os planos da vida nacional: crise política, causada pela ausência do rei e dos órgãos do Governo no Brasil; crise ideológica, nascida da progressiva difusão, nas cidades, de ideias políticas que consideravam a monarquia absoluta um regime opressivo e obsoleto; crise económica, resultante da emancipação económica do Brasil; crise militar, originada pela presença dos oficiais ingleses nos altos postos do exército e pela emulação dos oficiais portugueses, que se viam preteridos nas promoções.
            A estes factores internos de inquietação somava-se a situação política da Espanha. Durante o período das lutas napoleónicas, os resistentes espanhóis tinham aprovado uma Constituição (Constituição de Cádis, 1812) que estava em vigor quando, após a queda de Napoleão, o rei Fernando VII pôde regressar a Espanha; suspensa então a Constituição, Fernando VII governou como rei absoluto, mas em 1820 um pronunciamento militar em Cádis, rapidamente secundado por muitas províncias, obrigou o rei a voltar ao regime constitucional (março de 1820).
            Foi nesta conjuntura que surgiu a revolução de 1820. A iniciativa partiu de um pequeno grupo de burgueses portuenses, homens politicamente doutrinados, que haviam, em 1818, formado uma tertúlia política, o Sinédrio, cujo objetivo era manter o contacto e discutir a evolução da situação em Portugal e em Espanha.
            Os intelectuais do Sinédrio não tiveram dificuldade em obter a adesão de muitos militares das guarnições do Norte. Em 24 de agosto de 1820, um regimento de artilharia saiu do seu quartel, ouviu missa campal debaixo da formatura e, com uma salva de vinte e um tiros, anunciou que estava feita a revolução. Um dos coronéis leu uma proclamação onde se dizia: «Vamos com os nossos irmãos de armas organizar um Governo provisional que chame as Cortes a fazerem uma Constituição, cuja falta é a origem de todos os nossos males.»
            Iniciaram-se os preparativos para uma marcha sobre Lisboa, onde entretanto a regência reunia forças para se opor à revolução do Porto. Mas em 15 de setembro as tropas de Lisboa revoltaram-se também aderindo ao movimento.
            A revolução não encontrou qualquer resistência e despertou um enorme entusiasmo. Acreditava-se que se entrara numa era nova da história e via-se na futura Constituição a solução miraculosa de todos os problemas portugueses. Num dos numerosos folhetos que, em prosa e verso, saudaram a revolução, dizia-se que se estavam vivendo “dias cheios de sucesso tão gloriosos para a nação portuguesa que a sua narração será difícil de acreditar-se em épocas futuras, pois a nós mesmos, que os presenciamos, parecem mais sonhos que realidades. Dias que nos abrem a estrada de um porvir radioso, qual vem a ser o que nos prometem sábias leis.”
            Foi também com entusiasmo que a revolução foi recebida no Brasil, mas aí por outros motivos. Os naturais viam na gente da corte uma presença incómoda e forasteira. Muitos comerciantes eram portugueses e viam na revolução a oportunidade de restabelecer os antigos privilégios do comércio português, sem os quais aguentavam mal a concorrência das firmas estrangeiras, instaladas a partir de 1808 em grande número. Brasileiros e portugueses acharam-se assim reunidos no apoio à revolução liberal. Eclodiram revoltas liberais no Pará, na Baía e no Rio de Janeiro. Esta última partiu da guarnição militar portuguesa. O príncipe herdeiro D. Pedro serviu de interlocutor entre o rei e as tropas revoltadas e o rei acabou por jurar que aceitaria a Constituição que as Cortes de Lisboa viessem a decretar, qualquer que ela fosse (24 de fevereiro de 1821). A partir de então, o príncipe D. Pedro passou a ter papel de grande relevo nos movimentos políticos brasileiros, já todos orientados para a independência política. O rei iniciou preparativos para regressar a Portugal, acatando as exigências das cortes de Lisboa e as insistentes recomendações dois ingleses, que viam no vácuo deixado pela saída da corte um factor favorável à expansão dos seus próprios interesses.
            A maior parte dos homens que formavam o Sinédrio tinha ligações com o comércio. Isto levou muitos escritores a classificar a revolução de 1820 como uma revolução burguesa. É uma afirmação só verdadeira em certo sentido. Sabe-se que foi a força ascendente das burguesias que provocou os grandes movimentos liberais europeus: tendo nas mãos o poder económico, os burgueses lançaram-se à conquista do poder político. Nada de semelhante ocorreu em Portugal em 1820: a burguesia estava em declínio; a classe média era formada principalmente por proprietários rurais, uns nobres e outros que aspiravam a viver como se o fossem e não estavam interessados numa revolução que de qualquer modo pudesse lembrar a Revolução Francesa. De facto, se alguns membros do Sinédrio eram comerciantes, outros eram proprietários e outros ainda militares nobres; o que havia de comum entre todos era serem pessoas cultas. O seu liberalismo tinha na base não uma situação económica, mas a leitura de livros estrangeiros, as ideias bebidas no convívio universitário e nas lojas maçónicas. É nesse sentido que se pode dizer que a revolução de 1820 foi burguesa: foi a revolução da ilustração, numa época em que a ilustração era característica quase exclusiva da gente burguesa.
            Esse carácter doutrinário veio a ter consequências importantes. Foi uma revolução nascida de teorias, não de factos; a política foi desde então muitas vezes uma polémica teórica, uma política de argumentos e não de procura de soluções directas. Isso viria a fazer surgir a oposição entre dois tipos de acção política: a que pensa mas não resolve, a que se justifica de não pensar como resolver. O cabralismo foi a primeira fase de triunfo desta segunda linha. Outro resultado do doutrinarismo foi o adiamento da adesão das camadas populares, sobretudo da província, ao estado liberal. Este explicava-se não em propostas concretas de solução de problemas, mas em apologias de novos valores de cultura política, que o povo não tinha sido preparado para entender. O povo rural era, na sua quase totalidade, analfabeto e estava impregnado de uma cultura de tipo tradicional e religioso. A única organização que enquadrava a totalidade da população e mantinha com ela permanente contacto era o clero. Ora o doutrinarismo dos liberais de 1820 era anticlerical e isso desencadeou desde o princípio uma situação de conflito, que levou o clero a declarar a revolução «inimiga do trono e do altar».

                                               José Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal

            O processo liberal assentou em dados económicos, sociais e mentais. Basta, para compreender este arrazoado, determo-nos um pouco no estudo das bases para a Constituição de 1822. «Eis tais bases pela ordem por que foram enunciadas: Secção 1, Dos Direitos Individuais do Cidadão: liberdade, segurança e direito de propriedade; liberdade individual, que consiste em “fazer tudo o que a lei não proíbe”, em não ser preso sem culpa formada nem julgado senão de acordo com as leis, na disposição da sua propriedade, na comunicação do pensamento, “sem dependência de censura prévia”; tribunal especial para “proteger a liberdade de imprensa e coibir os delitos resultantes do seu abuso”; quanto às “matérias religiosas, fica salva aos bispos a censura dos escritos publicados obre dogma e moral”; igualdade da lei para todos; abolição da “confiscação dos bens, da infâmia, dos açoutes, do baraço e pregão, da marca de ferro quente, da tortura”; direito geral de concorrer aos lugares públicos; direito de reclamação, queixa ou petição; inviolabilidade da correspondência. Secção II, Da Nação Portuguesa, Sua Religião, Governo e Dinastia: “a Nação portuguesa é a união de todos os portugueses de ambos os hemisférios”; “a sua religião é a católica apostólica romana”; o governo será a monarquia constitucional hereditária; “a soberania reside essencialmente em a Nação”, que “é livre e independente, e não pode ser património de ninguém”; só a Nação, representada pelas Cortes, pode fazer a Constituição; só passados quatro anos poderá esta ser alterada; divisão dos poderes – legislativo, executivo e judiciário; “a lei é a vontade dos cidadãos declarada pelos seus representantes juntos em Cortes”; só estas detêm a iniciativa das leis; as Cortes reunir-se-iam, anualmente, durante três meses, sem que o rei pudesse prorrogá-las ou dissolvê-las; a inviolabilidade e irresponsabilidade dos deputados pelas suas opiniões; às Cortes competiria nomear regências, aprovar os tratados, admitir tropas estrangeiras no território nacional, “determinar o valor, peso, lei e tipo das moedas”; a convocação extraordinária das Cortes seria feita por uma “junta de sete indivíduos”, que permaneceria na capital; a inviolabilidade do rei, responsabilidade dos ministros; as Cortes arbitrariam “uma dotação conveniente” ao rei e à família real; criação do Conselho de estado; caberia às Cortes a imposição e a distribuição de tributos, dos quais não seria isenta “pessoa ou corporação alguma”; reconhecimento da dívida pública e criação dos meios para o seu pagamento; força militar permanente de terra e mar; “as Cortes farão e dotarão estabelecimentos de caridade e instrução pública.”.


Romantismo: correntes que marcaram o pensamento europeu

Idealismo alemão (Hegel, Fichte, Schelling):
. Hegel ® o conhecimento humano baseia-se na IDEIA (fusão de natureza e espírito);
                                    ® a História é o desenvolvimento contínuo da ideia absoluta por meio de um                                                processo dialéctico (tese, antítese, síntese).
. Fichte é o filósofo da infinitude do EU, da sua absoluta actividade e espontaneidade e da sua liberdade. O EU é uma imagem de Deus.
            A forma política será o estado monárquico de direito.

Racionalismo: consequência da revolução liberal francesa que se espalha por toda a Europa ¾® identifica-se o indivíduo com a sua sociedade, exaltam-se os valores populares e procuram-se os elementos do espírito novo (língua, raças, costumes).

Liberalismo: o homem dotado de razão é um ser superior que necessita de liberdade. Para evitar abusos do poder, preconiza a divisão do poder legislativo, executivo e judicial.

Socialismo utópico: defende o proletariado, na sequência da miséria causada pelo desemprego provocado pelas máquinas e pela exploração do trabalho infantil.

Balizas histórico-culturais do Romantismo


            O Romantismo anunciava-se na Europa desde meados do século XVIII:
– 1742: Pensamentos Nocturnos, de Young;
– 1751: Elegia num cemitério de aldeia, de Gray;
– 1774: Werther, Goethe;
– 1776: Sturm und Drang (Alarme e Luta), de Von Klinger, peça cujo título alemão designa um movimento ligado ao aparecimento do Romantismo na Alemanha;
– 1810: publicação de De l’Allemagne, de Mme de Stäel, onde faz a distinção entre literaturas do Norte – nomeadamente a alemã – de valores já românticos, e meridionais.

Origem do Romantismo


. Inglaterra e Escócia, países pouco permeáveis ao Classicismo.

. Alemanha: reacção do espírito nacional à tentativa de hegemonia do poder napoleónico.

. França: foi tardio, porque o Classicismo estava muito implantado.

. Portugal: implantação tardia (1825, com a publicação de Camões, de Almeida Garrett).

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Origem e evolução do conceito de Romantismo

            A palavra romantismo, tal como o adjetivo «romântico», é usado habitualmente para designar um tipo de sensibilidade. Quando se afirma que determinada pessoa é «romântica», queremos dizer que é sentimental, idealista, propensa ao devaneio, revelando por vezes um sentido pouco prático da realidade. O mesmo se diz de um local ou de uma cena que leva ao despertar do sonho, do sentimento, da emoção.
            Neste caso concreto, estamos a falar de um período literário e artístico que se iniciou nos finais do século XVIII, em oposição ao Classicismo, e constitui uma viragem na conceção de arte de da própria vida.

            O vocábulo "romântico", tal como "barroco" ou "clássico", apresenta uma história complexa. Do advérbio latino romanice, que significava «à maneira dos romanos», derivou em francês o vocábulo romanz, que evoluiu para a forma rommant depois do século XII e roman a partir do século XVII. A palavra rommant designou primeiramente a língua vulgar, por oposição ao latim, tendo vindo depois a designar também uma certa espécie de composição literária escrita em língua vulgar, em verso ou em prosa, cujos temas consistiam em complicadas aventuras heróicas ou corteses.
           No século XVII, surgiu o adjectivo inglês romantic a significar «como os antigos romances», podendo qualificar uma paisagem, uma cena ou um monumento, ou podendo oferecer um significado estético-literário.
           Não admira que na atmosfera racionalista que envolve a cultura europeia desde os finais do século XVII, o vocábulo romantic passe a significar quimérico, ridículo, absurdo – qualidades (ou defeitos) que se atribuíram precisamente aos romances e poemas romanescos, quer na literatura medieval, quer de Ariosto (poeta italiano – 1474-1533 –, autor de Orlando Furioso), de Boiardo (poeta italiano – 1441-1494), etc. Tal como "gótico", romântico designa, na época do Iluminismo, tudo o que é produzido pela imaginação desordenada, aquilo que é inacreditável e que reflecte um gosto artístico irregular e mal esclarecido.
           No entanto, a par deste significado pejorativo, a palavra oferece no século XVIII um outro sentido: à medida que a imaginação adquire importância e à medida que se desenvolvem formas novas de sensibilidade, romantic passa a designar o que agrada à imaginação, o que desperta o sonho e a comoção da alma, aplicando-se às montanhas, às florestas, aos castelos, etc. Nesta acepção – que, como foi dito acima, já remonta ao século XVII –, foi-se desvanecendo a afinidade do vocábulo com o género literário do romance, tendo vindo romantic a exprimir sobretudo os aspectos melancólicos e selvagens da natureza.
           O vocábulo inglês romantic era vertido para francês ora por romanesque, ora por pittoresque. Em 1776, porém, Letourneur, no prefácio da sua tradução da obra de Shakespeare, distingue romantique de romanesque e de pitoresque, analisando os respectivos matizes semânticos e expondo os motivos que levaram a preferir romantique, «palavra inglesa»: o vocábulo, segundo Letourneur, «encerra a ideia dos elementos associados de uma maneira nova e variada, própria para espantar os sentidos», evocando, além disso, o sentimento de terna emoção que se apodera da alma perante uma paisagem, um monumento, uma cena, etc. Em 1777, o marquês de Girardin, na sua obra De la composition des paysages, usa igualmente o adjectivo romantique, mas a palavra adquire definitivamente direito de cidadania na língua francesa, quando Rousseau, num passo famoso das suas Rêveries d'un promeneur solitaire, escreve que «as margens do lago de Bienne são mais selvagens e românticas do que as do lago de Genebra»; ou seja, estabelece a distinção entre “romantique” (romântico) e “romanesque” (romance). Através do francês, o vocábulo penetrou depois noutras línguas, como o espanhol e o português.
           Voltemos, todavia, ao significado literário da palavra romântico, que, como ficou acima exposto, está já documentado no século XVII. O vocábulo romantic reaparece, com um sentido similar ao que apresenta no texto já mencionado de Rymer, na History of english poetry (1774) de Thomas Warton, cuja introdução se intitula «The origin of romantic fiction in Europe». Para Warton, o termo romantic designa a literatura medieval e parte da literatura que se afasta da literatura renascentista (Ariosto, Tasso, Spenser), isto é, uma literatura que se afasta das normas e convenções vigentes na literatura greco-latina e no neoclassicismo.
            A par deste conceito, aparece também, no início do século XIX, um conceito tipológico de romantismo, corporizado principalmente na oposição clássico-romântico. Goethe reivindicou a paternidade desta famigerada distinção, mas foi indubitavelmente August Wilhelm Schlegel quem, inspirando-se em boa parte na oposição estabelecida por Schiller entre poesia ingénua e poesia sentimental, elaborou a mais sistemática e mais influente exposição sobre as diferenças existentes entre a arte clássica e a arte romântica. Na décima terceira lição do seu Curso de literatura dramática, Schlegel caracteriza a arte clássica como uma arte que exclui todas as antinomias, ao contrário da arte romântica, que se compraz na simbiose dos géneros e dos elementos heterogéneos: natureza e arte, poesia e prosa, ideias abstractas e sensações concretas, terrestre e divino, etc.; a arte antiga é uma espécie de «nomos rítmico, uma revelação harmoniosa e regular da legislação – fixada para sempre – de um mundo ideal em que se reflectem os arquétipos eternos das coisas», ao passo que a poesia romântica «é expressão de uma misteriosa e secreta aspiração pelo Caos incessantemente agitado a fim de gerar novas e maravilhosas coisas»; a inspiração da arte clássica era simples e clara, diferentemente do génio romântico que, «apesar do seu aspecto fragmentário e da sua desordem aparente, está contudo mais perto do mistério do universo, porque, se a inteligência jamais pode apreender em cada coisa isolada senão uma parte da verdade, o sentimento, em contrapartida, ao abranger todas as coisas, compreende tudo e em tudo penetra». De igual modo, ainda durante o séc. XIX, Mme de Stäel (autora alemã, casada com um cidadão francês) estabelece semelhante distinção entre “Romântico” e “Clássico”.

           Nas literaturas espanhola e portuguesa, aparecem os primeiros grupos românticos durante a terceira década do século XIX (Garrett, Herculano, etc.), concomitantemente com a instauração de regimes liberais nos dois países da Península Ibérica e com o regresso de exilados que, na França e na Inglaterra, haviam conhecido as novas tendências estético-literárias.
Aguiar e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA DA LITERATURA, 4.ª edição, Coimbra, Livraria Almedina, 1982


segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Carta a Adolfo Casais Monteiro sobre a génese dos heterónimos


Carta a Adolfo Casais Monteiro

1. A partir da leitura da carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro, complete o esquema apresentado.

Heterónimos
Fernando Pessoa
Alberto Caeiro
Ricardo Reis
Álvaro de Campos
Nascimento
(local e data)
. 1888
. Lisboa
.
.
. morreu em
.
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Formação académica
. Durban High School
. Frequência do Curso Superior de Letras de Lisboa
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Profissão
. Tradutor
. Escritor
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Características físicas
. Estatura média
. Cabelo preto
. Bigode
. 1, 73 m (mede menos 2 cm do que Álvaro de Campos)
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Características da escrita
. Escreve bem o inglês e o português
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Obra
. Mensagem
. Escritos diversos
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Surgimento
. Poesia e escritos diversos
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2. Assinale as opções verdadeiras (V) ou falsas, de acordo com o texto.
a) Fernando Pessoa afirma na carta que a tendência para criar seres imaginários começou na infância. _____
b) O mundo ficcionado é radicalmente diferente do mundo real. _____
c) Com o passar do tempo, os amigos inventados desapareceram todos da memória do seu criador. _____
d) Pessoa não tem a certeza absoluta de que foi em 1912 que esboçou Ricardo Reis. _____
e) Na noite em que afirma ter criado os três heterónimos, Pessoa não conseguiu escrever em seu próprio nome. _____
f) Os heterónimos foram criados em relação uns com os outros. _____
g) Alberto Caeiro impôs-se naturalmente como Mestre do seu criador. _____
h) Álvaro de Campos foi uma criação inspirada em Ricardo Reis. _____
i) Segundo Fernando Pessoa, ainda prevalece a sensação de autonomização dos heterónimos que sentiu quando os criou. _____
j) Fernando Pessoa inventou uma fisionomia e uma biografia para cada um dos heterónimos. _____
k) Fernando Pessoa explica ser sempre racional a vontade que o leva a escrever em nome de um ou outro heterónimo. _____
l) Bernardo Soares é um semi-heterónimo que, segundo Pessoa, tem semelhanças com Alberto Caeiro e com o próprio Pessoa. _____
m) Pessoa afirma que lhe é mais fácil escrever poesia do que prosa, em nome dos heterónimos. _____

2.1. Corrija as afirmações falsas.

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