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segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Análise da Cena II do Ato I de Frei Luís de Sousa


Funcionalidade da cena: apresenta informações obre
. os antecedentes da ação
. as personagens, seus problemas e estado de espírito
. a situação em que se encontram
. a época em que decorre a ação


Assunto: apresentação das personagens principais, a qual resulta de um propósito de D. Madalena: pedir a Telmo que não incuta no espírito de Maria as suas crenças e agouros sobre uma desgraça iminente a cair sobre a sua família.


Antecedentes da peça

Datas
Acontecimentos
▪ Antes de 1578
▪ Casamento de D. Madalena com D. João de Portugal.
▪ 4 de agosto de 1578
▪ Batalha de Alcácer Quibir.
▪ Desaparecimento de D. Sebastião e de D. João de Portugal.
▪ Suposta viuvez de D. Madalena.
▪ 1578-1585
▪ Diligências de D. Madalena para encontrar D. João, mas sem sucesso.
▪ 1585
▪ Casamento de D. Madalena e Manuel de Sousa Coutinho.
▪ 1586
▪ Nascimento de Maria.
▪ 1589
▪ Ano em que decorre a ação da peça.


Caracterização das personagens

▪ D. Madalena:
. nobre: a designação dona só se dava na época às senhoras da aristocracia;
. receosa e hesitante no que quer dizer a Telmo;
. critica o ascendente do aio sobre si e, sobretudo, Maria, pedindo-lhe que não insista nesse ascendente;
. casou muito jovem com D. João de Portugal;
. enviuvou com 17 anos;
. procurou exaustivamente D. João, desaparecido na batalha de Alcácer Quibir, durante 7 anos;
. terá 38 anos: a batalha de Alcácer Quibir ocorreu há 21 anos, tinha ela 17; o seu segundo casamento teve lugar 7 anos depois, teria ela 24; casou pela segunda vez há 14; Maria tem 13;
. vive constantemente atormentada e aterrorizada pelo passado e pelos agouros de Telmo, que lhe mantém esse passado bem vivo, ou seja, a dúvida de que D. João não morreu e pode voltar a qualquer momento, o que destruiria o seu casamento e tornaria Maria uma filha ilegítima, por isso não consegue ser feliz, já que não se consegue libertar desse medo;
. não amou D. João, mas respeitou-o sempre;
. é profundamente apaixonada por Manuel de Sousa;
. sente-se vítima do destino;
. a contradição entre a felicidade aparente e a desgraça íntima que revela uma consciência moral atormentada pela imagem sempre obsessivamente presente de D. João de Portugal e pelo remorso proveniente da consciência de pecado – de facto, a personagem sente-se culpada por ter casado com Manuel de Sousa, sem ter a certeza acerca da morte do primeiro marido;
. revela, na última fala da cena, a tendência para o devaneio, o que já acontecera na primeira cena e está de acordo com a tendência romântica e a extrema sensibilidade da sua alma.


Telmo Pais:
. não possui nobreza de sangue, mas está intimamente ligado à aristocracia pelo modesto título de escudeiro;
. manifesta ideias reformistas ao condenar o uso do latim na Bíblia (posição dos Protestantes);
. o seu verdadeiro senhor continuar a ser D. João, primeiro marido de D. Madalena, dado como morto na batalha de Alcácer Quibir (“… não sei latim como o meu senhor… quero dizer, como o sr. Manuel de Sousa Coutinho…”);
. possui grande ascendente sobre Maria e D. Madalena;
. é o confidente de D. Madalena, a quem reprova o segundo casamento;
. nas palavras de D. Madalena, é “… o aio fiel de meu senhor D. João de Portugal…”, digno “… da confiança, do respeito, do amor e do carinho…” de todos e “o escudeiro valido, o familiar quase parente, o amigo velho e provado de teus amos…”;
. era o aio de D. João, a quem queria como “filho”; é-o também de Maria, a quem “… ao princípio não podia ver”, mas ela acabou por o cativar: “quero-lhe mais que seu pai” – a sua não aceitação inicial era originada por ela ser fruto do casamento de Madalena e Manuel de Sousa, que Telmo via como uma traição a D. João, cuja morte não aceita; porém, com o passar dos anos, a formosura e bondade de Maria cativaram-no de tal modo que agora afirma ter-lhe mais amor do que os próprios pais;
. foi “carinho e proteção” e amparo de D. Madalena quando esta enviuvou;
. atormenta-a com os seus constantes agouros, presságios e acusações – é a lembrança viva e permanente do «remorso» oculto e recalcado na consciência de D. Madalena;
. ama profundamente Maria, como se constatará no ato III, pretendendo ter-lhe mais amor do que os próprios pais;
. não aprova o segundo casamento de D. Madalena e atormenta-a com insinuações, agouros, profecias (como, por exemplo, a da carta de D. João de Portugal, escrita na madrugada da batalha de Alcácer Quibir, onde afirmava: “vivo ou morto, Madalena, hei de ver-vos pelo menos ainda uma vez neste mundo” – se não voltou, é porque está vivo; além do mais, D. João nunca deixaria de cumprir a sua palavra;
. atormenta-a também com ciúmes póstumos, por conta de D. João: é isto que explica as prevenções de Telmo em relação a Manuel de Sousa e a sua aversão inicial por Maria;
. começa a ser visível a sua divisão entre o amor a D. João e o amor a Maria (fragmentação que será confirmada na cena V do ato III): sendo tão amigo dela e pretendendo ter-lhe tanto amor, sustenta uma crença que, a concretizar-se, significaria a morte da jovem;
. é sebastianista:
- crê que os eu antigo amo não morreu;
- acredita no regresso de D. Sebastião e, consequentemente, de D. João;
. funções ou papéis que desempenha:
- coro:
. alimenta o sebastianismo;
. anuncia desgraças próximas;
. profere contínuos agouros;
. comenta a ação dramática, predizendo o seu desfecho trágico, através dos seus presságios e agouros;
- alimenta a presença de um passado, um tempo que D. Madalena quereria enterrar mas não consegue, ou não a deixam;
- confidente de D. Madalena;
- leva à revelação dos pensamentos das outras personagens;
. os seus apartes revelam as dúvidas que possui relativamente à morte de D. João, bem como a sua intenção de salvar Maria de uma desgraça que considera iminente.


Maria:
. nobre:
- a designação de “dona”;
- o apelido “Noronha” indicia alta estirpe (“é sangue de Vilhenas e de Sousas”);
. o seu nome evoca o da Virgem Maria: é pura e angélica (Madalena e Telmo apelidam-ma de anjo) – configura a imagem da mulher-anjo dos românticos, contrastando com D. Madalena;
. tem 13 anos;
. é alta;
. é precoce, tanto física (“Tem treze anos feitos… está uma senhora…”) como psicologicamente: “… em tantas outras coisas tão altas, tão fora de sua idade, e muitas de seu sexo também…”; “Maria tem uma compreensão…”;
. é curiosa (“… aquela criança está sempre a querer saber, a perguntar”) e perspicaz (“tão perspicaz”);
. é bondosa (“um anjo como aquele… e então que coração!”);
. dotada de espírito vivo (“uma viveza, um espírito!”);
. é sonhadora;
. possui uma imaginação muito fértil;
. segundo D. Madalena, é dotada de “Formosura e engenho, dotes admiráveis daquele anjo”.


Manuel de Sousa Coutinho:
. nobre: “… o retrato daquele gentil cavaleiro de Malta que ali está” (o ingresso na Ordem de Malta era limitado aos membros da aristocracia, aos quais se exigia certificado de nobreza);
. o seu nome é bíblico: é um dos nomes do Messias (Emanuel) e significa “Deus connosco”, significado que se adequado à personagem, dado(a):
- a boa fé com que se casou com D. Madalena, viúva;
- a tranquilidade e a paz de espírito que daí lhe adivinha, revelada
. na resposta aos melindres de Madalena por ter de regressar ao lar onde vivera com D. João (I, 8);
. na vivência cristã da graça de Deus pela contrição do coração (II, 3);
. pelo contentamento de viver e conviver com os frades de S. Domingos como de portas a dentro, quase no início da mesma cena;
. no desapego dos bens materiais, “coisas tão vis e tão precárias”;
. no desamor pela própria vida (“vida miserável que um sopro pode apagar” – I, 11);
. nas palavras de Telmo:
- “fidalgo de tanto primor e de tão boa linhagem, como os que se têm por melhores neste reino em toda a Espanha”;
- “é um guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom português”.


D. João de Portugal:
. nobre: nobreza de sangue que vinha do pai (“aquele nobre conde de Vimioso”), a designação dom, atribuído apenas a alguns membros da aristocracia; o nome de família do Conde de Vimioso;
. nas palavras de Telmo: “… espelho de cavalaria e gentileza, aquela flor dos bons…”;
. o nome de batismo:
- é bíblico: evoca o nome de um dos apóstolos;
- é também, desde a época em que decorrem os acontecimentos, o nome de um tipo literário (cf. um D. Juan).


Relação Telmo vs. D. Madalena

            Pelo que é dado ler nesta cena, a relação entre estas duas personagens supera em muito a tradicional ligação entre um criado e o seu senhor. De facto, o escudeiro apresenta-se mais como um elemento da família de D. Madalena do que enquanto mero aio, graças aos longos anos passados ao serviço da família (primeiro de D. João e depois de Manuel de Sousa). Quando ela enviuvou aos 17 anos, foi o seu amparo e quase um pai, daí a liberdade de que goza quando lida com D. Madalena. Esta respeita-o e reconhece-lhe alguma autoridade sobre si, seguindo também os seus conselhos como se fosse sua filha. De igual forma, ele respeita-a e aconselha-a, não obstante ter sido contrário ao segundo casamento.
            Assim sendo, é natural que a relação (que se foi estreitando ao longo dos anos) entre ambos seja de grande respeito, amizade, confiança e abertura, como se comprova ao longo de todo o diálogo, que é motivado pelo pedido que D. Madalena quer fazer ao seu velho aio: acabar com as conversas sobre o passado com Maria, ligadas à ideia de que de D. Sebastião está vivo e, por extensão, D. João, facto que, a ser verdade, acarretaria consequências trágicas para Maria, reduzida então à condição de filha ilegítima.
            E é a questão do passado e da forma como este é alimentado em Maria pelo escudeiro que perturba a relação. Note-se como Madalena sofre e chora quando Telmo afirma que a jovem deveria ter nascido “em melhor estado”, pois está claramente a sugerir que ela era merecedora de ter nascido no seio de uma família constituída por pais casados legitimamente, sem qualquer sombra a pairar sobre ela, o que não sucede na perspetiva do aio, dado acreditar que D. João ainda está vivo. A ser assim, a família seria destruída e Maria uma filha ilegítima, com todas as consequências ao nível da mentalidade e das convenções sociais da época.
            Por isso mesmo, no final da conversa, Telmo reconhece que D. Madalena tem razão: se continuar a estimular o interesse de Maria pelo passado, com as suas crenças e agouros, poderá levá-la a descobrir o passado da sua mãe. A ideia de que D. João de Portugal poderá estar vivo despertaria nela a possibilidade da ilegitimidade e o receio de tal situação poderia agravar seriamente o seu estado de saúde já tão debilitado.


Relação Telmo vs. Manuel de Sousa

            Telmo manifesta grande respeito e admiração por Manuel de Sousa, cujas qualidades elenca e elogia, mas não lhe dedica a mesma consideração e estima que nutria por D. João de Portugal, visto que considera que não é digno de ocupar o lugar do seu antigo amo.


Tempo

da ação: 28 de julho de 1599, fim da tarde de uma sexta-feira;

narração cronológica dos acontecimentos ocorridos antes do início da peça:
- casamento de D. Madalena com D. João de Portugal antes de 1578;
- desaparecimento deste em África, na batalha de Alcácer Quibir, a 4 de agosto de 1578 – sexta-feira – D. Madalena tinha 17 anos;
- D. Madalena procurou D. João durante 7 anos (de 1578 a 1585), não se poupando a esforços;
- casou com Manuel de Sousa há 14 anos – 1586;

histórico:
- a existência de peste em Lisboa e
- a discórdia entre portugueses e castelhanos, de acordo com as palavras de D. Madalena (última fala da cena), o que nos remete para o domínio filipino;
- as várias referências à batalha de Alcácer Quibir;
- a alusão de Telmo à Reforma protestante, quando menciona a tradução da Bíblia para as línguas dos países onde se implantou.


Características da tragédia clássica da cena

▪ A presença do Destino, por quem D. Madalena se sente perseguida/vítima.

Hybris de D. Madalena: nunca amou D. João.

Pathos: os terrores de D. Madalena.

▪ Os agouros e presságios de Telmo.

▪ A presença do coro nos agouros, comentários e prenúncios de desgraças próximas de Telmo.

Agon:
- de D. Madalena:
. interior, de consciência;
. contínuo;
. crescente;
. com Telmo: apesar de, durante os 7 anos de «viuvez», lhe ter obedecido como a um pai, D. Madalena não segue o conselho de esperar o regresso de D. João, anunciado na carta profética, escrita na madrugada da batalha de Alcácer Quibir;
. com D. João, presente nas conversas com Telmo, testemunha da «desobediência» de D. Madalena, conversas essas cheias de reticências, de subentendidos, de duplos sentidos, de alusões, de agouros, de «futuros», de pressentimentos de desgraças iminentes;
- de Telmo:
. de consciência: começa a ser evidente o conflito de consciência entre o desejo do regresso de D. João de Portugal e o amor a Maria;
. com D. Madalena:
- desaprova o seu casamento com Manuel de Sousa, baseado nos dizeres da carta profética de D. João, escrita na madrugada da batalha;
- e na superstição (maravilhoso popular) de que, se ele voltasse e aparecesse a D. Madalena, não se iria embora sem lhe aparecer também (o que não se tinha verificado);
- daí os “ciúmes”, as alusões, os agouros, os “futuros”;
- o conflito de Telmo com D. Madalena fica sempre sem solução;
. com Maria:
- a princípio, não a podia ver, por causa do seu nascimento em berço ilegítimo (“Digna de nascer em melhor estado”);
- o conflito com Maria termina, porque ela acabou por o cativar e ele lhe quer como um pai;
. com Manuel de Sousa:
- apesar das qualidades que lhe reconhece, é, em sua opinião, inferior a D. João de Portugal;
- por conta deste tem “ciúmes”
- e uma certa aversão, por o considerar um intruso.

▪ O caráter ominoso, carregado de mistério e de fatalismo, conferido ao tempo pela repetição de determinados números (3, 7, 14, 21, 13) e pela sexta-feira:
. D. Madalena procurou D. João durante 7 anos;
. D. Madalena e D. Manuel de Sousa estão casados há 14 anos (2X7);
. a batalha (e o consequente desaparecimento de D. Sebastião e D. João) ocorreu há 21 anos (3X7);
- 3:
. perfeição;
. 3 fases da existência;
- 7:
. tragédia;
. conclusão de um ciclo:
- 21:
. completa a tríade do 7, indicando o fechar de um ciclo e o iniciar de outro ainda desconhecido, mais concretamente de três (7: o ciclo da busca de novas sobre D. João; 14: o tempo de vida em comum de Madalena e Manuel; 21: o encerrar de todos os ciclos e o início de um novo).

Acentuação das palavras terminadas em -inho ou -inha

     As palavras graves terminadas em -inho ou -inha (como rainha, campainha, ladainha, tainha, ventoinha, moinho) não têm acento gráfico.
     Tal sucede, porque a quebra do ditongo nem sempre se faz através do acento gráfico. De facto, ela pode ocorrer naturalmente, por força das letras que se encontram junto a um potencial ditongo, fazendo com que os seus elementos façam parte de sílabas diferentes.
     Nos exemplos apontados, a semivogal i vem seguida do dígrafo nh, que a anasala, levando-a a forma, por si só, uma sílaba.
     Quando o ditongo é seguido das consoantes r, l ou z, ele é quebrado e também não há lugar a acento gráfico: juiz, raiz, Raul, paul, cair, cairdes.
     O mesmo sucede quando vem seguido de m, n ou ns: ainda, Caim, ruim, ruins.

     São acentuadas, porém, as palavras que dele necessitam para que não se forma ditongo com a vogal anterior:  (diferente de ai), país (diferente de pais), caía (diferente de caia), caíra, saía (diferente de saia), juíza, juízo, Luís, Luísa, raízes, ruína, etc.

     Por regra, são acentuados graficamente o i e o u tónicos que não forma ditongo com a vogal anterior, desde que não formem sílaba com r, l, m, n ou z ou não sejam seguidos do dígrafo nh: cafeína, construído, distribuído, egoísta, faísca, heroína, juízo, peúga, proíbe, reúne, saúde, etc.

sábado, 23 de novembro de 2019

Paciência de Jó/Job

     Paciência de Jó significa revelar uma paciência, uma tolerância ou resignação acima dos limites razoáveis.
     Jó foi uma personagem do Antigo Testamento que viveu na terra de Uz, atual Iraque. Por causa de uma aposta entre Deus e o Diabo, foi vítima de muito sofrimento: perdeu a sua fortuna, a sua saúde e quase todos os seus parentes, para ver se ele mantinha a sua fé, a despeito de todas as adversidades.
     A sua esposa e os amigos incitaram-no a amaldiçoar Deus, porém Jó sofreu todas as provações a que foi sujeito, por isso, no final, Deus recompensou-o, devolvendo-lhe em dobro tudo o que perdera.

Bode expiatório

     Ser o bode expiatório de algo significa pagar pela culpa dos outros.
     De acordo com a tradição hebraica da época do Templo de Jerusalém, o bode expiatório era um animal separado do rebanho e deixado só no deserto, depois de os sacerdotes o terem carregado com as maldições que queriam desviar de cima do povo.
     Este costume fazia parte dos rituais do Yom Kippur, o Dia da Expiação, e é descrito com detalhes no livro do Levítico, no Velho Testamento.
     Em sentido figurado, um "bode expiatório" é uma pessoa, grupo de pessoas ou mesmo todo um povo, escolhido arbitrariamente para assumir sozinho a culpa de uma calamidade, crime ou qualquer evento negativo.

As Misteriosas Cidades de Ouro - Episódio 13 "O Mistério dos Pais"

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Análise da Cena I do Ato I de Frei Luís de Sousa

Monólogo lírico-dramático de D. Madalena

Assunto: monólogo de D. Madalena, em que esta estabelece um paralelo/uma comparação entre a sua vida (desditosa) e a relação amorosa infeliz e trágica de Inês de Castro e D. Pedro.


Estrutura do monólogo

. 1.ª parte (do início da fala até “… pode-se morrer.”): D. Madalena abandona a leitura d’Os Lusíadas e mostra-se enleada na ideia de felicidade que bebeu no texto.

. 2.ª parte (de “Mas eu…” até ao final do monólogo): D. Madalena reflete sobre a sua situação e revela o seu estado de espírito, marcado pela angústia, pelo medo e “contínuos terrores”. O que marca a divisão entre os dois momentos da cena é a conjunção coordenativa adversativa «mas», que possui o valor de oposição, contraste.


Estado de espírito de D. Madalena:
. melancólica (“um livro aberto no regaço, e as mãos cruzadas sobre ele”; “repetindo maquinalmente e devagar”), solitária (“só”), infeliz;
. sonhadora: anseia experimentar a felicidade, nem que seja por pouco tempo;
. sofredora e infeliz ao constatar a ausência de felicidade na sua vida, devido ao medo e aos constantes terrores que a atormentam;
. insegura, preocupada e angustiada, sente-se destinada à morte;
. frágil, sensível e sentimental, bem ao gosto romântico;
. emocionalmente instável
. o seu nome evoca a figura bíblica da “pecadora” (prostituta) que depois foi Santa Maria Madalena. As duas figuras – a imaginada e a real – ficam ligadas, sobrepostas, e o caminho ascensional da personagem bíblica, do pecado à redenção, através da penitência, traça a linha a percorrer por D. Madalena: pecado → remorso → penitência → ascese → redenção.
            Além destes traços psicológicos, trata-se de uma mulher culta e letrada (está a ler, neste caso Os Lusíadas), pertencente à aristocracia.


Causa do estado de espírito

            Os sentimentos e emoções evidenciados por D. Madalena ficam a dever-se (mesmo que só o confirmemos num momento posterior da peça) ao receio de que o seu primeiro marido ainda esteja vivo e regresso, cobrindo-se e à família de vergonha. A leitura do episódio de Inês de Castro insinua-lhe o drama de um segundo casamento, realizado sob a ameaça velada de que D. João não tivesse morrido.


Relação entre D. Madalena e Inês de Castro

. Madalena e Inês são duas personagens para quem a felicidade não foi total, visto esta ter, em ambos os casos, sofrido a intervenção do destino. A alegria e a felicidade de Inês de Castro foram breves, pois terminaram com a sua morte. A interrupção da leitura feita por D. Madalena, precisamente nos dois versos que sugerem a efemeridade desse sentimento, remete para uma relação de semelhança entre os dois casos:
- D. Madalena estabelece o confronto entre a situação de Inês, feliz “naquele ingano de alma ledo e cego / que a Fortuna não deixa durar muito”, felicidade essa que, em seu entender, não se mede pela duração, mas pela intensidade: “Viveu-se, pode-se morrer”, e a sua situação em busca da felicidade própria, pelos contínuos terrores, ou seja, pelos remorsos da consciência moral, recalcada e abafada, mas sempre viva, atuante e martirizante;
- as imagens das duas figuras femininas de pecadores por amor-paixão, embora diferentes, sobrepõem-se e ajustam-se admiravelmente;
- Inês de Castro é a heroína trágica no amor, na beleza, na desventura e na morte;
- D. Madalena é igualmente trágica no amor, na beleza, na desventura, no desfecho infeliz e trágico que a destrói: ambas são perseguidas pelo destino, inexorável e cruel, que as irmanou na paixão impossível; ambas são infelizes no meio da ventura, sendo que há uma diferença assinalável: Inês ainda teve um “ingano de alma”, isto é, um momento fugaz de felicidade, ao passo que Madalena, mais consciente talvez, nem esse breve “ingano” pôde ter.
. Porém, a reflexão posterior de D. Madalena permite deduzir um certo contraste: esta deseja a felicidade, ainda que seja de curta duração, após o que morreria feliz; constata que a sua vida tem sido assolada pela desgraça, o que é visível no recurso à conjunção coordenativa adversativa “mas” e à interjeição “Oh”.
. Esta analogia entre a vida de Inês e de Madalena constitui um presságio trágico, se tivermos em conta que os amores daquela e de D. Pedro terminaram tragicamente com a morte dela.


Traços românticos de D. Madalena:
. a sobreposição dos sentimentos à razão;
. o completo domínio da personagem pelas suas emoções;
. o sentimento de culpa e de medo que a impedem de viver plenamente a sua felicidade;
. o conflito interior que a sua fala deixa transparecer;
. a angústia, o medo e os terrores que marcam o seu quotidiano;
. a grande paixão por Manuel de Sousa;
. a sensibilidade a cultura que demonstra;
. o uso de uma linguagem adequada ao real, ao estado de espírito das personagens: o discurso de D. Madalena está repleto de hesitações, repetições, frases curtas, suspensas, elípticas, exclamações e reticências, o que reflete com precisão os estados de melancolia e introspeção da personagem, os quais são igualmente elementos românticos;
. a leitura como refúgio.


Recursos expressivos

. Pontuação (reticências, exclamações, interrogações): revela o estado emocional de D. Madalena, refletindo as suas hesitações e angústias.
. A enumeração, a gradação crescente, realçada pela anteposição dos adjetivos “contínuos” e “imensa”, as interrupções, as pausas e as repetições (“… o estado em que eu vivo… este medo, estes contínuos terrores, que ainda me não deixaram gozar um só momento de toda a imensa felicidade…”) contribuem para o adensar do estado de espírito da personagem, marcado pela melancolia, angústia, medo, etc.
. A construção anafórica [“que o não saiba ele ao menos, que não suspeite (…)”; “que amor, que felicidade… que desgraça (…)”], a repetição do determinante demonstrativo “este”/”estes” (“este medo, estes contínuos terrores”) traduzem igualmente o estado de espírito da personagem.
. A antítese “que felicidade… que desgraça…” marca o contraste entre o estado de felicidade que seria de esperar que vivesse e os contínuos terrores que a assolam.
. Na cena, predominam os nomes abstratos, que traduzem os sentimentos que marcam a personagem.
. A cena contém um caráter circular, dada a semelhança que existe entre o seu início, onde encontramos Madalena em meditação, o que remete para uma total prostração da personagem, e o seu final, em que volta a descair em profunda meditação. Estes dois momentos foram interrompidos pela reflexão, pela lamentação sobre a sua própria existência.


Elementos trágicos da cena

. Hybris: está presente indiretamente, já que o sofrimento (pathos) de D. Madalena advém da ousadia de ter casado segunda vez sem ter encontrado o corpo do primeiro marido.

. Pathos: é o causador do seu estado de melancolia e de medo, o qual faz adivinhar a presença de um destino firme e inflexível, ao qual a personagem não se poderá furtar, constituindo assim indícios de uma situação que se irá verificar no futuro.

. Presságio: a leitura do episódio de Inês de Castro.

. Agon de D. Madalena (de consciência): o monólogo-meditação mostra a profundidade da luta que lhe vai na consciência, carregada de culpa, e aponta para a dupla personalidade de Madalena:
- personalidade aparente, feliz, ligada a Manuel de Sousa pelo amor-paixão;
- personalidade real ou oculta, infeliz ou “desgraçada”, ligada a D. João de Portugal, pela memória do passado, pelo remorso do presente.
Esta consciência atormentada de D. Madalena, em que o remorso a não deixa repousar um só momento, remete para o seu conflito com o primeiro esposo.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Informação inicial de Frei Luís de Sousa

Informação inicial da obra:
. classificação da obra: drama;
. local e data da representação: Teatro da Quinta do Pinheiro, em 4 de julho de 1843;
. espaço geográfico: Almada;
. teor da obra: trágico.

            O texto desta primeira representação deu origem à primeira edição da obra, que foi publicada em 1944, e é conhecida por “Edição da Quinta do Pinheiro”.
            Nesse ano, foi publicada nova edição da peça, incluída numa edição das obras dramáticas de Almeida Garrett.

Didascália inicial do ato I de Frei Luís de Sousa


Funcionalidade da didascália: conjunto de informações fornecidas pelo dramaturgo (sobre as personagens, os efeitos de luz e som, o guarda-roupa, etc.) que complementam o texto principal.

Localização temporal da ação da peça:
. princípios do século XVII (ficaremos a saber, mais adiante, através das palavras de D. Madalena, que a ação se desenrola em 1599);
. fim da tarde (28 de julho de 1599, sexta-feira).

Localização espacial – espaço físico:
. Almada:
. sala de um edifício, de cujas janelas se vê o rio Tejo (a margem esquerda) e “toda Lisboa”.

Espaço social:
. aristocracia/nobreza abastada: sala (de um palacete ou solar) ampla e decorada de forma moderna, requintada, luxuosa e rica (um quadro, mobília elegante e moderna, porcelanas, etc.);
. família culta e instruída (a presença de livros)
. e religiosa (retrato de cariz religioso).

Espaço cénico:

Atmosfera sugerida:
. felicidade e harmonia:
- a luminosidade e a abertura ao exterior (as duas grandes janelas rasgadas);
- as sugestões cromáticas (o verde, o branco, o azul do rio, as flores, etc.);
- a liberdade de movimentação das personagens (as duas portas);
. esta sensação de felicidade poderá ser aparente e pouco duradoura, se atentarmos na incompletude das “obras de tapeçaria meias feitas”.

Recursos expressivos e sua expressividade:
- enumeração: “Porcelanas, xarões, sedas, flores”, etc.;
- adjetivação expressiva: “Câmara antiga, ornada com todo o luxo e caprichosa elegância portuguesa”;
- a enumeração e a adjetivação, por um lado, contribuem para que o leitor visualize o espaço cénico em pormenor e, por outro, possibilitam a reprodução do cenário com fidelidade (por exemplo, para quem quiser encenar a peça, para os atores que a representam…). 

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