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segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Questionário sobre a cena 3 do Ato V

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Why does Paris fight Romeo

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What is the last thing Romeo does before he dies

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Why does Friar Lawrence leave Juliet alone in the tomb

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How does Juliet first try to kill herself

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How do Capulet and Montague react to the deaths of their children

domingo, 26 de janeiro de 2020

Kobe Bryant


O que significa o final de Romeu e Julieta

No final de Romeu e Julieta, Romeu retorna a Verona porque acredita que Julieta está morta. Quando chega ao túmulo, ela parece sem vida e, dominado pela dor, ele mata-se bebendo veneno. Momentos depois, Julieta acorda e, encontrando o esposo morto, mergulha a espada no seu peito. Este final repete em miniatura a estrutura da peça como um todo. Ao longo da sua história, os amantes foram atraídos pelo amor um pelo outro e, no entanto, foram separados pelo ódio e pela violência que alastram entre suas famílias. No final da peça, o amor que compartilham e a violência que os separa tornam-se um e o mesmo. Embora eles sejam enterrados juntos, deitados para sempre nos braços um do outro, os amantes também permanecerão para sempre separados, separados pela morte. O príncipe Della-Scalla ressalta essa unidade entre o amor e a morte quando castiga Capuleto e Montecchio. Ele dá-lhes nota que mataram os seus próprios filhos, e o instrumento do assassinato foi o amor de Romeu e Julieta um pelo outro.
Além de unificar os temas do amor e da violência da peça, o final também põe fim à luta de longa data entre as famílias Capuleto e Montecchio. No entanto, a paz entre as famílias pode tornar-se apenas temporária. Depois de o príncipe culpar Capuleto e Montecchio pela morte dos seus filhos, os dois homens comprometem-se a resolver o seu conflito. Capuleto dirige-se ao velho inimigo como seu "irmão", depois pede a sua mão em amizade. Montecchio responde-lhe, afirmando que encomendará uma estátua de Julieta para ser erigida em ouro puro, e conclui com jactância: “Enquanto Verona com esse nome é conhecido, / Não deve ser estabelecida uma figura a esse ritmo / Como a verdadeira e fiel Julieta” (V, III). Capuleto retorque imediatamente: "Tão rico será Romeu pela mentira de sua dama / pobres sacrifícios de nossa inimizade" (V, III). A reconciliação é rapidamente corrompida por uma disputa de riqueza, indicando que a tragédia de Romeu e Julieta não trará reconciliação total tanto quanto o que o príncipe chama "Uma paz sombria" (V, III).

Como é que Romeu convence o relutante farmacêutico a vender-lhe veneno?

Quando Romeu bate à sua porta e exige “Uma dose de veneno” (V, I), o Boticário resiste, explicando que pode ser morto por vender substâncias mortais. “Tais drogas mortais eu tenho”, diz o farmacêutico a Romeu, “mas a lei de Mântua / é a morte para quem os profere” (V, I). Romeu responde, comentando a aparência magra e desesperada do farmacêutico, e pergunta por que razão o homem deve temer a morte ou defender a lei quando parece tão infeliz:
Tu és tão nu e cheio de miséria,
E tens medo de morrer? A fome está nas tuas bochechas;
Necessidade e opressão morrem de fome nos teus olhos;
Desprezo e mendicância pairam sobre as tuas costas.
O mundo não é teu amigo, nem a lei do mundo.
O mundo não tem lei para enriquecer. (V, I)
Romeu argumenta que a lei contra a venda de veneno impede o Boticário de ganhar a vida. Assim, para sobreviver, ele deve infringir a lei. O jogo de palavras que Romeu usa para transmitir essa sugestão gira em trono da palavra “afford”, que significa “capaz de pagar” e “capaz de oferecer”. Assim como o farmacêutico não se pode dar ao luxo (afford) de viver bem, a lei não lhe permite (afford) que viva bem. Para romper esse duplo vínculo, o farmacêutico tem de rejeitar a lei. O raciocínio de Romeu apela ao estômago do Boticário, e ele concorda ressentidamente em receber o dinheiro dele: "Minha pobreza, mas não minha vontade, consente" (V, I).

Por que razão Mercúcio luta contra Tebaldo?

No Ato III, cena I, Tebaldo está a tentar espoletar uma luta e chama a Romeu "vilão". Mas este, que se casou secretamente com Julieta e agora considera Tebaldo um parente, dá a outra face. Assim, ignora o insulto e responde ao insulto de Tebaldo com calma e, embora enigmáticas, palavras de afeto:
Eu protesto que nunca te magoei,
Mas te amo melhor do que tu podes imaginar
Até que saibas a razão do meu amor. (III, I)
Para Mercúcio, a recusa de Romeu em lutar com Tebaldo, juntamente com essa expressão de bondade, representa "submissão desonrosa e vil" (III, I). Inflamado pela aparente falta de respeito pelo seu amigo, Mercúcio intervém para preservar a reputação de Romeu. É importante notar que, na Inglaterra de Shakespeare, o duelo era comum, apesar de ilegal. Jovens rapazes, e particularmente os da classe aristocrática, sentiram a necessidade de se proteger contra todos os ataques à sua honra, bem como à honra dos seus amigos e parentes. Essa preocupação com a honra facilitou que meros insultos se transformassem rapidamente em duelos fatais. Como comenta Lawrence Stone, um historiador importante do início da Inglaterra moderna: "Os temperamentos eram curtos e as armas fáceis de manusear".

Quem é Rosalina?

Quando vemos Romeu pela primeira vez, ele age apaixonadamente e explica a Benvólio que está apaixonado por uma mulher que não retribui o seu "favor". Romeu não identifica a mulher aqui, mas algures entre essa cena e a próximo Benvólio fica a conhecer o nome dela, pois, na cena posterior, afirma que a amada está na lista de convidados para o baile dos Capuleto: Rosalina. A partir dessa referência, fica claro que Romeu está apaixonado por uma mulher chamada Rosalina, e que, como Julieta, é uma Capuleto. Benvólio sugere então que o amigo tente superar a paixão por Rosalina indo ao baile e olhando para "todas as belezas admiradas de Verona". Romeu segue o conselho de Benvólio à risca. E embora Rosalina nunca apareça em palco, desempenha um papel importante, pois a sua rejeição de Romeu leva-o ao seu primeiro e fatídico encontro com Julieta.
Frei Lourenço dá-nos uma perspetiva adicional sobre Rosalina no Ato 2, cena 3, quando Romeu explica que mudou seu amor de Julieta para Rosalina. Embora Romeu tivesse dito a Benvólio que Rosalina o havia rejeitado porque ela jurara permanecer “casta” para sempre, Frei Lourenço sugere que Rosalina não acreditava que o amor de Romeu fosse autêntico. Ela sabia que Romeu estava apenas a agir da maneira que ele pensava que alguém apaixonado agiria, e não porque realmente se sentia assim. O comentário de Frei Lourenço enfraquece a imagem idealizada de Rosalina que Romeu pintou para Benvólio, criando a impressão (por um breve momento) de que a jovem pode ser uma pessoa real com sentimentos e atitudes realistas, em vez de apenas o nome de alguém por quem Romeu está apaixonado.

Julieta é demasiado jovem para se casar?

No Ato I, cena III, ficamos a saber que Julieta completará catorze anos daí a pouco mais de duas semanas, o que significa que ela tem treze durante os acontecimentos que compõem a peça. Legalmente, as jovens na Inglaterra elisabetana podiam casar-se com apenas 12 anos, com o consentimento dos pais. O casamento numa idade tão jovem era, no entanto, incomum, como indicado pelo desacordo dos Capuletos sobre se Julieta tem idade suficiente para se casar. Lady Capuleto afirma claramente a sua crença de que a filha alcançou uma idade de casar quando diz à enfermeira: "minha filha é muito bonita" (I, III), significando com isso que está numa idade agradável e numa idade em que pode ser considerada adulta. Lorde Capuleto, no entanto, parece menos certo. Ao discutir a proposta com Páris, o pai de Julieta insiste: "A minha filha ainda é uma estranha no mundo". Expressa ainda a preocupação de que "muito cedo são prejudicadas as que são feitas tão cedo", o que significa que o casamento precoce pode arruinar uma jovem. Embora Lorde Capuleto mude de ideia mais tarde, a sua hesitação sobre o assunto indica a falta de uma resposta clara sobre se Julieta tem ou não idade suficiente para se casar.

Romeu e Julieta têm relações sexuais?

No início do Ato III, cena V, Romeu e Julieta estão juntos na cama de Julieta pouco antes do amanhecer, tendo passado a noite um com o outro e sentindo-se relutantes em se separar. Podemos inferir que eles acabaram de fazer sexo, e essa pode ser a maneira como a cena é mais comummente entendida. No entanto, não temos como saber especificamente o que eles fizeram, apenas que gostaram. Uma razão pela qual pode importar se eles tiveram relações sexuais ou não é que, de acordo com a doutrina católica, um casamento não é totalmente válido até que seja consumado, e a consumação refere-se especificamente a fazer sexo de tal maneira que conceber filhos seja possível. Se o casamento não for consumado, ainda poderá ser anulado pelos pais. Romeu e Julieta não falam sobre a sua experiência em termos de casamento ou permanência, mas na intensidade dos seus sentimentos naquele momento: Julieta deseja que Romeu fique apenas por mais alguns momentos, negando o facto de que o amanhecer está a chegar, e ele diz que prefere ficar e ser morto a sair. Assim como o diálogo de Romeu e Julieta, quando se conhecem, toma a forma de um soneto, o seu diálogo aqui sobre a relutância em se separar toma a forma de um tipo de poema chamado «aubade», no qual os amantes lamentam a necessidade de se separar antes do amanhecer – embora numa «aubade» tradicional que os amantes têm de se separar, porque mantêm um relacionamento adúltero e não podem ser apanhados.

sábado, 25 de janeiro de 2020

Análise de "Quadrilha", de Carlos Drummond de Andrade

Este poema foi publicado pela primeira vez em 1930, integrado na sua obra inicial: Alguma Poesia. É constituído por uma única estrofe de sete versos (sétima) livres e não rimados, que aborda o tema das dificuldades e os desencontros amorosos. Tal noutras poesias de Carlos Drummond de Andrade, o que está em equação nesta é a solidão do sujeito no mundo e a sua dificuldade em estabelecer laços com aqueles que o rodeiam, ou seja, os amores desencontrados.

Podemos dividir o poema em duas partes. Na primeira, constituída pelos três versos iniciais, são apresentadas várias paixões não correspondidas: todos os indivíduos, exceto Lili, amavam sem serem correspondidos. A confusão de sentimentos e os desencontros sucessivos caracterizam a história que o sujeito poético está a narrar, o que nos permite concluir que o amor não é fácil de encontrar e ainda menos de concretizar.
Na segunda parte, composta pelos quatro versos seguintes, o sujeito lírico dá-nos a conhecer o destino das personagens que conhecemos anteriormente: o exílio de João nos Estados Unidos, o recolhimento de Teresa no convento, o desastre que matou Raimundo, o título de tia (imposto?) a Maria, o suicídio de Joaquim e o casamento de Lili (que não amava ninguém) com J. Pinto Fernandes (que até aí nada tinha a ver com a história). Todos parecem ter ficado sozinhos ou deixado escapar o amor, seguindo os seus destinos direções diferentes. Atente-se na forma como o sujeito se refere ao marido: impessoal, sem nome próprio, sendo apresentadas apenas a inicial. Por outro lado, J. Pinto Fernandes parece mais uma designação comercial, que identifica, portanto, uma empresa ou um negócio, do que o nome de uma pessoa. Assim sendo, talvez seja uma forma de insinuar que o relacionamento entre o casal é distante, ou então é uma relação de interesse. Seja como for, Drummond de Andrade parece sugerir no poema a imprevisibilidade da vida e do próprio sentimento amoroso.

O título da composição constitui uma referência a uma contradança de origem holandesa que granjeou enorme sucesso na França, durante o século XVIII, onde recebeu o nome de “Neitherse”. No século XIX, tornou-se muito popular nos salões aristocráticos e burgueses em todo o mundo ocidental. De facto, no poema está presente a quadrilha francesa, que se tornou tradição nas festas juninas brasileiras e que consiste na evolução diversa dos pares, sendo aberta pelo noivo e pela noiva, pois a quadrilha representa o grande baile do casamento que, supostamente, se realizou, onde os casais formam pares que se entre dançam. Na composição, homens e mulheres desencadeiam desencontros amorosos e somente quem não amava ninguém (Lili) consegue encontrar o seu par. Metaforizado pela quadrilha, o amor surge como uma dança onde os pares estão trocados e os sentimentos não são correspondidos. Quase todos os indivíduos estão apaixonados e são alvo do amor de alguém, mas as linhas parecem estar cruzadas e nenhum relacionamento se concretiza. Aparentemente, o sujeito poético retrata o amor como algo absurdo, uma espécie de jogo de sorte que apenas alguns têm a oportunidade de vencer.
Assim sendo, de forma simples e recorrendo a exemplos concretos e do quotidiano, o texto ilustra o desespero daqueles para quem o amor verdadeiro parece ser impossível. A construção do poema assemelha-se a um ciclo vicioso: um ama outro, que ama outro, que ama outro e assim sucessivamente. No entanto, ao contrário do ciclo vicioso, em que seria expectável que o último indivíduo mencionado amasse o primeiro, este termina na última personagem apresentada: Lili.

O recurso a nomes de pessoas comuns significa que qualquer indivíduo pode ser vítima das frustrações do amor: João, frustrado com o desamor de Teresa, parte para os Estados Unidos; Teresa, desapontada com a não correspondência de Raimundo, procurou a clausura no convento para nunca ser de nenhum homem, entregando a sua vida somente a Deus; Raimundo, que amava Maria e que também não foi correspondido, morreu de desastre, talvez numa tentativa de fugir da vida ou de si mesmo; Maria, descontente com o seu destino, não se voltou a envolver com mais nenhum homem, além de Joaquim, que decidiu suicidar-se por causa de Lili, que não o amava nem a mais ninguém. De facto, esta última figura está ligada à tragicidade dos outros indivíduos, mas é a única que não estabelece qualquer vínculo afetivo com nenhum dos pares.

Note-se, por outro lado, que as personagens não possuem sobrenome, à exceção de J. Pinto Fernandes. Sem origem definida, parece simbolizar a perda da individualidade, o sentimento humano que luta para sair do isolamento, da solidão. Assim, a vida constitui uma experiência angustiante, na qual o convencionalismo e as aparências valem mais do que a essência. Tudo isto é agravado pelos desencontros amorosos.

O amor é apresentado como uma extensa cadeia de afetos, os quais se inscrevem num quotidiano centrado nas necessidades imediatas, porém num contexto de superficialidade sentimental. O amor é um sentimento mundano, temporal: João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili.
O poema é constituído por uma única estrofe, determinada pela musicalidade que embala a situação de cada personagem, cujo ritmo dos versos é um retrato cómico dos desencontros amorosos em que a dança, isto é, a quadrilha, é a mais célebre representação da condição trágica da carência, da desilusão do amor. No meio dos jogos de desencontros, a dança da quadrilha determina o destino das personagens.

Os nomes são repetidos, facilitando a identificação e memorização das personagens, visto que estão dispostos numa certa ordem nos três primeiros versos, que é repetida nos três últimos. A redundância é um traço modernista.

Na construção humorística e divertida da composição poética, a troca de pares e desencontros amorosos entre as personagens vai sendo apresentada em duplas ao leitor, como é característica das quadrilhas, onde os pares se situam frente a frente. No entanto, há uma alternância entre os pares, visível na presença do conectivo “que”, o qual separa e une os pares, ou seja, os casais mostram o “porquê” dos problemas que impede a união entre eles, isto é, da não conexão. Somente no último verso, que é marcado pela única união (entre Lili e J. Pinto Fernandes), esta é estabelecida através da conjunção coordenativa “e”, que evidencia a afinidade e a oposição estabelecida entre os dois pares, pois um, só com o apelido, Lili, e o outro, só com o sobrenome, J. Pinto Fernandes, atraíram-se, entrelaçando-se em matrimónio.

Um outro aspeto interessante reside no facto de apenas Lili, que não possui nome próprio, apenas apelido, e é a única personagem com essa característica, se ter casado. Ela representa o anonimato de qualquer um que poderia ter entrado na dança e ter-se dado bem, pois, além de se ter casado, foi a única a envolver-se com um homem possuidor de sobrenome, dando a ideia de ser um nobre, originário de uma classe alta, exatamente onde a quadrilha teve origem.

Todos os nomes das personagens, exceto o de Lili e do seu par, são nomes simples, comuns, do povo, ou seja, da plebe, que foi para onde a festa folclórica da nobreza se estendeu após ter descido as escadarias dos palácios franceses. O J. Pinto Gonçalves, que ainda não tinha entrado na história, e muito menos no baile, é uma representação da nobreza, da alta sociedade, expressas no seu sobrenome. O seu primeiro nome não é citado como o das demais personagens, está abreviado. Apenas o seu sobrenome importa, dado que o que é marcante no seio da alta sociedade não é o nome, mas o sobrenome. Ele representa a marca originária da família nobre à qual pertence. É curioso que não se sabe se Lili amava ou não J. Pinto Fernandes, ou se passou a amar ou pelo menos apaixonar pelo seu companheiro depois do enlace. Assim sendo, não se pode dizer que foi uma união perfeita, muito menos feliz.
Se ela não amava ninguém, nem mesmo J. Pinto Fernandes, podemos dizer que se pode ter casado simplesmente para não ter o mesmo destino das demais mulheres do poema, ou ainda, com ambições mais elevadas, pelo facto de querer sair do seu anonimato, por meio da aquisição de um sobrenome de nobreza. A composição poética, que seguia uma sequência de desencontros, foi alterada com a introdução de J. Pinto Fernandes, que «não tinha entrado na história», isto é, alguém que ignora tudo o que tinha havido anteriormente na vida dos outros pares e, principalmente, de Lili, a quem recebe como companheira independente dos seus sentimentos para com ele. Finalmente, quando o casal desconhecido se enlaça, ou se «enrola», não são somente a música ou a dança, mas a própria vida que para quando os caminhos de Lili e J. Pinto Fernandes se cruzaram. Podemos relacionar o poema com a dança da quadrilha, pois as modificações e evoluções acabaram por alterar os compassos da dança, da música e do amor.

Bibliografia:
. ANDRADE, Carlos Drummond. Alguma Poesia. 8.ª ed.- Rio de Janeiro: Record, 2007.
. CANDIDO, Antonio. “Literatura e cultura de 1900 a 1945: panorama para estrangeiros”. In: Literatura e sociedade. 8.ª ed., São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 2000. pp. 109-138
. Elenco de cronistas modernos por Carlos Drummond de Andrade [e outros] – 21.ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005.
. VILLAÇA, Alcides. Drummond: primeira poesia. USP.São Paulo: Editora 34, 2002.


sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Fernando Pessoa: o fingimento poético / artístico

O fingimento artístico:

. Fingimento artístico ≠ sinceridade humana.

. Intelectualização das emoções e das sensações experienciadas.

. A imaginação sobrepõe-se ao coração.

. Recusa da espontaneidade e emotividade literárias: a poesia é um produto intelectual.

 . Fernando Pessoa nega a ideia romântica do poema como um confessor, filtrando tudo pela inteligência, sendo o texto fruto da imaginação.

. Nos poemas “Autopsicografia” e “Isto”, Fernando Pessoa apresenta a sua visão sobre o processo de criação poética/artística, ou seja, sobre como se escreve um texto lírico / poesia.

. Nesses poemas, o sujeito poético defende que o poeta não visa representar diretamente os seus sentimentos e as suas experiências interiores tal qual os viveu. Pessoa afirma que o poeta parte das emoções que experienciou (“a dor que deveras sente”) e representa-as poeticamente, através de palavras, transformando essas emoções em arte, ao compor o poema.

. Assim, a escrita poética resulta de um processo de racionalização dos sentimentos e da imaginação artística (trabalho poético) para escrever o poema: as emoções e os sentimentos, mesmo os verdadeiros, são fingidos, ou seja, são artisticamente trabalhados. Através do fingimento artístico, o poeta transforma as suas emoções e experiências em matéria poética.

. Fernando Pessoa chama a esse processo fingimento artístico: “O poeta é um fingidor”, escreve ele em “Autopsicografia”. Porém, o fingimento, aqui, não significa falta de autenticidade ou de sinceridade (isto é, o poeta não mente); ele distancia-se dos seus sentimentos para os poder representar esteticamente, através das palavras. Assim, o texto é produto da imaginação. Note-se que a noção de fingimento poético se relaciona com a de heterónimo.

. Pessoa chega a afirmar que a sensibilidade é inimiga do poeta. Em textos em prosa, estabelece a distinção entre dois tipos de poesia: a que é explicada em “Autopsicografia”, em que o poeta é crítico, reflexivo e trabalha cuidadosamente a palavra e a forma no processo de criação; e, por outro lado, a poesia em que o poeta se diz “sincero” e espontâneo ao escrever uma composição poética.

. Quanto ao leitor, cujo papel na interpretação da poesia é estabelecido na segunda estrofe de “Autopsicografia”, a dor que ele não tem são os sentimentos que experiencia na interpretação do poema e que não é a sua – não viveu essas emoções, elas desencadeiam-se na leitura do poema.

. De acordo com esse poema, podemos esquematizar da seguinte forma o conceito pessoano de criação e de interpretação poéticas:



. O poeta escreve uma emoção fingida, pensada, fruto da razão e da imaginação; não escreve a emoção sentida pelo coração, porque ela chega ao poema transfigurada, trabalhada poeticamente; não há espontaneidade no processo de criação artística. Com efeito, o poeta recusa a espontaneidade e emotividade literárias: a poesia é um produto intelectual.

. Por sua vez, o leitor não sente nem a emoção vivida pelo poeta, nem a emoção imaginada por este no poema; sente a que nele é suscitada pela leitura do texto.

. Em síntese:

▪ a arte nasce da realidade, mas consiste no fingimento dessa realidade, o que significa que não há arte/poesia sem imaginação;

▪ a intelectualização (o fingimento) das emoções é concretizada no texto;

▪ o leitor não tem acesso à emoção real nem à emoção fingida pelo poeta; ele apenas sente o que o poema / o objeto artístico lhe desperta e que corresponde à sua interpretação do texto.

 

domingo, 19 de janeiro de 2020

Análise da Cena 12 do Ato III de Frei Luís de Sousa

Assunto: o Romeiro entra em cena, Maria morre e os pais tomam o hábito.


Acontecimentos da cena

▪ O Romeiro, numa derradeira tentativa de reparar a situação que criou e por que se sente responsável, manda Telmo intervir e dizer aos presentes que é um impostor.

▪ Maria ouve a sua voz e reconhece-o imediatamente. Sendo tuberculosa, tem uma acuidade auditiva mais desenvolvida. Cumpre-se, assim, a última etapa da anagnórise: o reconhecimento da identidade do Romeiro por Maria e pelos circunstantes.

▪ Para Maria, o Romeiro/D. João é o “homem do outro mundo”, morto e ressuscitado para trazer a desgraça e confirmar a sua ilegitimidade. Ela não aguenta a “vergonha” de ser filha ilegítima e morre. De facto, é possível considerar que o trauma psicológico que sofreu tenha agravado o seu estado de saúde debilitado (pela tuberculose), contribuindo para a sua morte.

▪ A tomada de hábito configura um duplo suicídio: Manuel de Sousa e D. Madalena abandonam voluntariamente o mundo profano (morte para o mundo), para se entregarem à religião.

▪ D. Madalena e Manuel de Sousa tudo deixam para trás: bens materiais, lugar de relevo na sociedade, amigos, parentes e até o nome. Como diz o Prior, despiram “o homem velho”, para se sepultarem vivos, embrulhados naquelas “mortalhas”, um na solidão do convento de S. Domingos de Benfica e a outra no convento do Sacramento.

▪ Na cena 2 do ato II, Telmo deixa escapar o seguinte presságio: “… tenho cá uma coisa que me diz que, antes de muito, se há de ver quem é que quer mais à nossa menina nesta casa.”. O terceiro ato vem confirmar esse presságio, visto que acaba por ser a única personagem que se mostra disposta a abdicar de um princípio que o norteava – o de nunca mentir – em nome do seu amor por Maria. É por este motivo que tenta levar a cabo a missão de que foi encarregado pelo Romeiro, passando a mensagem de que é um impostor.

▪A derradeira fala da peça, saída da boca do Prior (“Meus irmãos, Deus aflige neste mundo aqueles que ama. A coroa de glória não se dá senão no céu.”), aponta para a possibilidade de uma felicidade futura (a “coroa de glória… no céu”), embora à custa de sofrimento redentor, neste mundo, pela contrição, pela penitência, pela ascese. Estas palavras de conforto apontam para a esperança, só possível na mundividência cristã.
Por outro lado, desta fala pode concluir-se que o desenlace da tragédia se projeta em dois planos. No plano humano, as personagens não têm saída, não podem voltar atrás, tal como na tragédia grega, que reflete o mundo clássico-pagão, mundo sem esperança, nem redenção, em que o Destino, entidade cega e cruel, parece ter ciúmes da grandeza das personagens e só se satisfaz com a sua destruição e o aniquilamento das vítimas, sejam elas culpadas ou não. No plano da mundividência cristã, as personagens, embora destruídas como tal, infelizes no plano humano, desgraçadas no relacionamento familiar ou social, podem mesmo assim suportar todas as dores, todos os sofrimentos, porque lhes será sempre possível, mesmo neste mundo, atingir a paz de consciência, e, com os esforços próprios de uma vida de penitência, aspirar, com a ajuda da graça de Deus, a uma suprema felicidade futura.
Por outro lado, no mundo antigo clássico, a morte era vista como o aniquilamento total, o fim de tudo: nada mais se poderia esperar para além dela. A lei da morte era o esquecimento, do qual só se salvavam, como escreveu Camões, “… aqueles que por obras valerosas / se vão da lei da morte libertando”. As obras valorosas eram os feitos guerreiros dos heróis, os feitos intelectuais dos poetas, os feitos atléticos dos jogos. Só esses eleitos tinham direito à imortalidade, sublinhada pela ereção de uma estátua (ou retrato), duplo da personagem. A imortalidade, ou glória, era, portanto, a memória do herói, do poeta, do atleta nas gerações vindouras.
Na mundividência cristã, a alma humana é imortal; o homem morre, mas a alma não é destruída, antes tem um destino feliz ou infeliz, para além da morte. Os santos são os heróis da Fé, só eles atingem a bem-aventurança, simbolizada na estátua, ou imagem, com honras e culto nos altares. É neste sentido que apontam as palavras do Prior.

▪ É, pelo exposto no ponto anterior, que para Sóror Madalena das Chagas, no Convento do Sacramento, se abre uma possibilidade de reabilitação e redenção, pela contrição, pela oração, pela penitência, que a poderá levar, com a ajuda da graça de Deus, à felicidade e à bem-aventurança no Céu.
É, por isso, que, para Frei Luís de Sousa, no Convento de Benfica, as perspetivas são mais largas ainda, se juntar à penitência e à oração, a ascese que o levará à glória do escritor (o mito romântico do escritor/poeta) e a uma quase santificação, promissora da suprema glória no Céu.
Por fim, Maria, a vítima inocente das paixões dos pais (sobretudo da mãe), a morte que a destrói leva-a imediatamente à glória do Céu (“este anjo que Deus levou para si” – III, 12), nimbada pelas virtudes que a exornam, pelos sofrimentos e provações a que foi sujeita, pela inocência e pela beleza. Do ponto de vista transcendente, é a personagem mais feliz de todas.


Funções das didascálias

As indicações cénicas salientam o estado de espírito de Maria, nomeadamente a sua dor, o seu desespero e a sua revolta. Elas indicam os movimentos e os gestos feitos por Maria para se juntar aos pais, procurando neles um refúgio: ela agarra-os, abraça-nos, procura proteção no hábito do pai e no rosto da mãe, dirige-se aos presentes, aponta para o Romeiro, em sinal de reconhecimento, acabando por cair no chão, morta.


Características românticas:
▪ a exacerbação dos sentimentos;
▪ o domínio da emoção e da sensibilidade;
▪ a morte como solução para os problemas;
▪ a intenção pedagógica: a problemática dos filhos ilegítimos.


Características trágicas

Catástrofe:
- O Romeiro sofre uma morte psicológica: o anonimato. Ele é atingido pela dor que causou nos outros, pela morte de Maria, uma inocente, e por não ter remediado o mal que involuntariamente causou. Consigo transporta as memórias da breve felicidade passada e dos infortúnios com que o Destino o sobrecarregou. Nunca quis desonrar a sua viúva, mas também não deseja a honra para si. Bastar-lhe-á um nome honrado e uma memória sem mancha.
- Telmo morre psicologicamente também. Conseguirá ele sobreviver a tantos desgostos e a tão grande sofrimento?
- Manuel de Sousa e D. Madalena morrem para o mundo com a tomada de hábito, para suportar a sua dor. No lugar de Manuel de Sousa, surge um novo ser: Frei Luís de Sousa. No de D. Madalena, igualmente outro ser: Sóror Madalena das Chagas.
- Maria é a vítima inocente de um destino trágico e morre fisicamente, revoltada, de vergonha. Como era usual na tragédia grega, a catástrofe faz-se sentir na vítima (mais) inocente.

Peripécias:
- a tomada de hábito;
- a morte de Maria.

Pathos (sofrimento) das personagens.

Éleos (piedade) e phobos (medo): Garrett pretendia levar os espectadores a sofrer os terrores (phóbos) perante os castigos do Destino (neste caso, da Justiça de Deus) e sentir a piedade (éleos) pelas vítimas.

Catarse: a purgação das paixões humanas. Os espectadores viveram (e vivem) as paixões, as angústias, os desesperos das personagens, com quem idealmente se identificaram. Sofreram os terrores de D. Madalena, choraram as lágrimas de Manuel de Sousa, morreram com Maria, antipatizaram com a dureza do Romeiro, sensibilizaram-se com a «traição» do Romeiro, de modo que, no final de contas, no momento do julgamento final, o prato da balança se inclina a favor das vítimas.
              Garrett quis combater os preconceitos e a condenação da chamada “moral social” contra os filhos ilegítimos (como era o caso de Maria Adelaide, sua filha), mas, mais ainda, atrair a simpatia, a desculpa, a absolvição para os amores românticos (os “direitos da paixão”), à margem das leis de Deus e das leis humanas (como era o seu próprio caso).

Bibliografia: MENDES, João. Introdução à Leitura do Frei Luís de Sousa. Livraria Almedina.

Análise da Cena 11 do Ato III de Frei Luís de Sousa

Assunto

Maria entra em cena e interrompe a cerimónia da tomada de hábito dos pais, produzindo um discurso prenhe de revolta contra tudo e todos os que responsabiliza pela tragédia que se abateu sobre si e a sua família.


Didascália inicial:
- entrada precipitada de Maria na igreja;
- estado de Maria (“de completa alienação” física e psicológica);
- reação dos presentes na cerimónia (“Espanto geral”);
- interrupção da cerimónia.


Caracterização de Maria

▪ Maria surge em cena “em estado de completa alienação”, despenteada (“os cabelos soltos”), vestida de forma imprópria (“traz umas roupas brancas desalinhadas e caídas”), com o “rosto macerado mas inflamado com as rosetas hécticas, os olhos desvairados”, como se pode ler na didascália inicial. A sua entrada precipitada mostra o quão perturbada está.

▪ De seguida, doente (febril) e desesperada, profere um discurso violento, revoltado e desafiador das normas vigentes na época, acabando a desejar a morte.

▪ Esse discurso é extremamente emotivo, como se pode verificar pelo recurso aos modos imperativo e conjuntivo com valor exortativo (“Mate-me”, “deixe-me”), às apóstrofes, repetições e interrogações. Além disso, são várias as frases interrompidas por ela produzidas. Esta linguagem emotiva evidencia a sua lucidez e a violência crítica das suas palavras.

▪ Por outro lado, o seu discurso é transgressor e questionador das normais sociais e religiosas dominantes, motivado pela sua revolta, que tem vários alvos:
- aqueles que participam na cerimónia da tomada de hábito e que, portanto, comparticipam na dissolução do casamento dos pais e da sua família;
- a falta de humanidade de Deus que lhe reservou um destino tão cruel e lhe rouba os pais legítimos (“Que Deus é esse que […] quer roubar o pai e a mãe a sua filha?”);
- D. João de Portugal, que voltou para a condenar à morte (não é tolerável que alguém que desapareceu há 21 anos e do qual nada se soube durante esse período de tempo, tendo sido considerado morto, venha agora destruir o que de mais sagrado existe: uma família feliz e temente a Deus);
- um mundo hipócrita e desumano em que os inocentes são castigados;
- as convenções sociais e religiosas, que a obrigam a separar-se dos seus pais e condenam vítimas inocentes (estará aqui em causa a lei da indissolubilidade do casamento, que gera situações dramáticas).

▪ Em determinado momento, lança um apelo lancinante aos pais: “«Essa filha é a filha do crime e do pecado!...» Não sou; dize, meu pai, não sou… dize a essa gente toda, dize que não sou. […] Pobre mãe! Tu não podes… coitada!... Não tens ânimo… - nunca mentiste?... Pois mente agora para salvar a honra de tua filha, para que lhe não tirem o nome de seu pai. / […] Não queres? Tu também não, meu pai? – Não querem. […]”. Maria desafia as normas dominantes ao pedir aos pais que mintam e afirma não se importar com «o outro» (D. João de Portugal), que veio dizer que ela era “filha do crime e do pecado”, o que mostra que, para si, a família tem um valor superior aos valores sociais e religiosos.

▪ Maria não se considera “filha do crime e do pecado”, por isso não se conforma e não aceita a sua ilegitimidade, e acusa as pessoas de a julgarem e de a impedirem de ser feliz por causa da sua ilegitimidade.

▪ O objetivo final de Maria é demover os pais da resolução de tomar o hábito (“levantai-vos, vinde”).

▪ No seu discurso, Maria volta a referir-se aos sonhos e visões que a mantinham acordada e não deixavam dormir: o anjo que surgia com uma espada em chamas na mão e a atravessava entre ela e a mãe. Essa espada constituía um presságio que remetia para a separação da família (o atravessar a espada entre ambas) e a sua destruição (o facto de a espada estar em chamas).

▪ A sua fala final anuncia a sua morte (“E eu hei de morrer assim…”) e a entrada em cena do Romeiro (“e ele vem aí…”).

▪ Com este discurso, Almeida Garrett pretende suscitar a piedade (éleos) do leitor/espectador relativamente a Maria, uma vítima inocente das normas sociais e religiosas.

▪ Para Maria, o Romeiro-D. João de Portugal é o “homem do outro mundo”, isto é, alguém considerado morto e agora ressuscitado para atormentar e trazer a desgraça; por outro lado, é o homem do outro mundo, ou seja, de outra família, anterior à ilegal construção da sua, o qual tem direitos e os reivindica nesta hora fatal. Sucede que essas duas realidades nunca poderiam coocorrer: D. Madalena não poderia ser, face à lei de Deus e à dos homens, esposa legítima de dois lares em simultâneo.

Análise da Cena 10 do Ato III de Frei Luís de Sousa

Assunto

D. Madalena e Manuel de Sousa preparam-se para tomar o hábito. Por causa disso, o espaço da ação muda, passando esta a decorrer na igreja de S. Paulo.


Didascália inicial

▪ Espaço:
- igreja de S. Paulo, um espaço solene;
- é neste espaço que vai ocorrer a cerimónia da tomada de hábito, a qual implica o abandono dos bens terrenos por parte de Manuel de Sousa e D. Madalena, incluindo a própria filha, o que lhe confere um caráter trágico.

▪ Elementos do cenário – predominantemente religiosos:
- o coro
- o altar-mor
-dois escapulários dominicanos
- o órgão

▪ Personagens:
- os frades que constituem o coro
- o Prior de Benfica
- Manuel de Sousa
- o Arcebispo
- os clérigos
- Jorge
- Madalena

▪ Ambiente: as personagens estão envolvidas numa cerimónia religiosa; Manuel de Sousa e D. Madalena estão ajoelhados e de hábito vestido para professarem.


Manuel de Sousa, ao adotar o hábito, muda o nome para Frei Luís de Sousa, o qual dá o título à obra. Esta mudança de nome constitui a morte simbólica da personagem: Manuel de Sousa morreu para o mundo e, em seu lugar, surge um novo ser: Frei Luís de Sousa.
A fala do Prior traduz, exatamente, estas ideias: “… pois em tudo quisestes despir o homem velho [0 deixar para trás tudo o que fostes], abandonando também ao mundo o nome que nele tínheis!”. Esta fala quer dizer que Manuel de Sousa Coutinho, ao professar, vai renunciar a mundo, como se morresse, e inicia um novo ciclo, uma nova vida, que passa também pela adoção de um novo nome. O mesmo se pode afirmar a propósito de D. Madalena: “– Sóror Madalena!”.


Função do coro

O coro dos frades testemunha a tomada de hábito de Manuel de Sousa e D. Madalena, uma ocasião de recolhimento e entrega a uma nova vida, transformando-o num momento de grandiosidade.
A recitação litúrgica confirma a decisão de “despir o homem velho” e “morrer” para o mundo.
Note-se que a função tradicional do coro da tragédia clássica de prever os acontecimentos é desempenhada por Telmo Pais.

Análise da Cena 9 do Ato III de Frei Luís de Sousa

Assunto

O assunto desta cena é a tentativa frustrada de D. Madalena de mudar o seu destino e o da sua família, seguida da resignação e aceitação do futuro.


Evolução do estado de espírito de D. Madalena

▪ Inicialmente, D. Madalena mostra-se inconformada com a decisão do marido.

▪ Posteriormente, como não vê saída para a situação, apela a Deus que a ampare, apelo esse que é traduzido pelas palavras do coro: “Fiant aures tuae intendentes; in vocem deprecationis meae” (Que os vossos ouvidos estejam atentos à voz da minha súplica).

▪ No final da cena, parece tomar consciência de que nada há a fazer, resigna-se e conforma-se com o seu destino.

▪ É de notar que a tomada de hábito por parte de D. Madalena não resulta da sua vontade ou de qualquer crença de que aquela é a solução adequada à situação. De facto, ela luta até ao fim pelo seu amor e, só quando se apercebe que Manuel de Sousa já partiu para a cerimónia da tomada de hábito, abdica da sua felicidade e aceita a decisão do segundo marido (“Ele foi?”; “E eu vou.”), colocando o seu destino nas mãos de Deus.

▪ Para D. Madalena, a religião constitui o derradeiro refúgio (“refúgio de infelizes”) para as adversidades da sua vida.

sábado, 18 de janeiro de 2020

"Os peixes grandes comem os pequenos", Bruegel

Tópicos de análise:
a) Descrição do quadro;
b) Simbologia;
c) Crítica;
d) Relação com o Sermão de Santo António.

Pieter Bruegel, o Velho, de origem holandesa, foi o maior pintor flamengo do século XVI, nascido provavelmente em 1525, na cidade de Breda, e falecido a 5 de setembro de 1569, em Bruxelas. Uma das suas obras, “Os peixes grandes comem os pequenos”, é uma pintura a tinta de 22 X 29 cm, datada de 1556, encerra uma alegoria profundamente crítica: note-se que os homens e os peixes se misturam, pelo que a alegoria é dirigida a ambos.
O quadro é dominado por um enorme peixe morto numa margem de um curso de água. O animal está a ser esventrado por dois homens, um deles com uma faca enorme, maior do que ele mesmo, e o outro, suspenso numa escada segurando um tridente. De dentro do grande peixe, saem muitos outros mais pequenos, que aquele engoliu. Pela boca, aberta, saem-lhe vários desses peixes, o que poderá indiciar uma espécie de “indigestão”, resultado do facto de ter comido tantos que teve de os vomitar. Da boca desses peixes engolidos pelo maior saem outros mais pequenos.
Na imagem, observamos diversos homens à pesca, barcos, uma ilhota em segundo plano e o que parece ser uma localidade piscatória bem em fundo, entre outros elementos. Na água, são visíveis também peixes que comem outros mais pequenos. No barco, encontram-se três homens, estando um deles, de faca na boca, com a qual esventrou um peixe grande, a retirar outro mais pequeno do seu interior. Em terra, vislumbramos outros homens, ocupados com diversas tarefas (pendurar peixes numa árvore, pesca, etc.), bem como figuras com pernas humanas e corpo de peixe, simbolizando que estes peixes e os seus vícios são também, ou afinal, praticados pelos seres humanos. No céu, é visível um peixe voador que se precipita, de boca aberta, sobre o grande, o que pode representar a voracidade exagerada destes animais (alegoricamente, dos homens), pelos mais diversos motivos: poder, bens materiais, etc.
A leitura simbólica da imagem sugere que, embora possamos ser predadores, isto é, explorar, dominar, etc.) dos mais fracos, podemos acabar por ser presas de outros mais agressivos ou poderosos.
Se relacionarmos o quadro com o Sermão de Santo António, é possível verificar que existe uma sintonia entre as duas obras, desde logo porque o texto é alegórico e, enquanto tal, representa características do ser humano nos peixes. Tal como estes se comem uns aos outros e os grandes comem os pequenos, também os homens o fazem (ou seja, também os indivíduos se exploram e os mais fortes, os mais fracos), podendo ser predadores dos seus semelhantes, e servir de presas para outros, uma espécie de cadeia alimentar simbólica.

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