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sábado, 9 de maio de 2020

Análise do poema "A sílaba", de Eugénio de Andrade

Assunto: o sujeito poético encara o ato de escrever poesia, por mais ínfimo que seja, como essencial à vida do poeta.

 

Título

O título sugere que a poesia está presente em tudo na nossa vida, desde a realidade mais simples e ínfima, como, por exemplo, a sílaba.

 

Análise

▪ O sujeito poético abre o poema, afirmando que passou toda a manhã à procura de uma sílaba. Esta referência sugere que o ato de escrever poesia é um processo demorado, paciente e pormenorizado: a procura ocupa uma manhã inteira, sendo feita, portanto, de forma lenta e cuidadosa. Em suma, a escrita poética é um processo lento/moroso, aturado e demorado. Repare-se, aliás, na relação que se pode estabelecer desde já desta composição com o título da obra de que faz parte: Ofício de Paciência.

▪ A criação poética é um ato de conquista de cada palavra e é exemplificado através da busca da sílaba perfeita ao longo de uma manhã. Essa sílaba é entendida como fundamental, crucial (“faz-me falta. Só eu sei / a falta que me faz.”).

▪ A conjunção coordenativa adversativa («mas») estabelece uma relação de contraste com os três primeiros versos: o sujeito poético mostra que tem consciência («é certo») da aparente «insignificância» da sílaba (“É pouca coisa”, “quase nada”), mas ela faz-lhe falta, é crucial para que o poema esteja depurado (“Mas faz-me falta.” – v. 4). Por outro lado, isto mostra a insatisfação do sujeito poético; além disso, o processo de criação poética, laborioso como é, está atento ao mais elementar constituinte da palavra: “uma vogal, / uma consoante”.

▪ O verso 6 reafirma, ou confirma, que o ato de escrever poesia é “um processo aturado de atenção, pormenor e rigor” (CAMEIRA, Célia et alii, Mensagens): “Por isso a procurei com obstinação.”.

▪ Essa procura obstinada da sílaba é mais facilmente entendida se a relacionarmos com as referências às estações do ano: a sílaba que irá formar a palavra que irá constituir o poema será o princípio do processo de criação de um produto artístico que permanecerá para além do “frio de janeiro” ou da “estiagem / do verão”, isto é, que permanecerá no tempo.

▪ De facto, o verso 7 apresenta a poesia como uma forma de defesa “do frio de janeiro, da estiagem / do verão”, ou seja, da passagem do tempo. Esta referência às estações do ano constitui então uma metáfora precisamente da passagem do tempo e da efemeridade da vida.

▪ Assim sendo, esta sílaba representa a «salvação» do sujeito poético face à voragem do tempo. Para se defender dela, ele necessita de encontra a sílaba certa (“Uma sílaba. / Uma única sílaba.” – vv. 9-10), ou seja, o poema (sinédoque). O poema / a poesia é a forma que o “eu” lírico encontrou para sobreviver à passagem do tempo.

▪ A sílaba representa a construção do poema, que implica uma busca constante da palavra exata, que conduzirá ao poema «perfeito». Não é uma palavra qualquer que serve para um determinado poema; as palavras combinam-se, nos versos, pelos seus sentidos, sons, etc. Como refere Alberto Caeiro no poema XXXVI, o poeta que é artista põe verso sobre verso, como quem constrói um muro, vê se está bem e tira se não está.

▪ O que está aqui em causa é a busca incessante do sujeito poético pela palavra, pelo verso, em suma, pela poesia que o salvará. A arte poética, um dos temas poéticos preferidos de Eugénio de Andrade, constitui, neste poema, uma reflexão sobre a própria composição poética (aquilo que se costuma designar metapoesia, ou seja, a poesia sobre a própria poesia), na qual o «eu» procura essa «sílaba» que lhe falta.

 

Conceção de arte poética

A poesia é encarada como uma salvação essencial à vida do poeta, uma defesa contra a passagem do tempo, bem como uma vida para a redenção, um instrumento na busca pela perfeição.

Por outro lado, o processo de criação poética é uma tarefa aturada, obstinada, laboriosa e de difícil execução.

 

Estrutura formal

Estrofe: uma décima.

Versilibrismo: o poema é constituído por um número diferente de sílabas métricas.

Rima: ausência de um esquema rimático definido.

 

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Origem e significado de OK

     A propósito do ensino à distância, vários alunos têm respondido às instrução que lhes são dadas com um sempre estimulante e delicado OK.
     Sucede, porém, que há sempre quem queira inovar e um ou outro surpreende-nos com variações, como, por exemplo, okk.
     Ora bem, de acordo com Allan Metcalf, professor de Inglês no MacMurray College, a expressão OK surgiu pela primeira vez no jornal The Boston Morning Post, entretanto extinto, em 1839. Sucede que o periódico tinha como característica o uso de abreviações (por exemplo, gt era usada para significar "gone to Texas"). Neste contexto, o OK surgiu como uma abreviatura da expressão "oll korrekt", que derivava de "all correct", com o significado de «tudo certo».
     A expressão ganhou popularidade por volta de 1840, quando os apoiantes de Martin Van Buren, candidato à presidência dos EUA e natural da cidade de Kinderhook, sustentaram que OK! se referia a "Old Kinderhook", isto é, a "Velha Kinderhook".
     Atualmente, esta abreviatura é usada a torto e a direito com o sentido de aprovação e de afirmação.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Análise do poema "Sísifo", de Miguel Torga

Mito de Sísifo

Sísifo era filho de Éolo e rei da Tessália. Além disso, era o fundador da cidade de Éfira, mais tarde chamada Corinto, bem como dos jogos de Ístmia, os designados jogos Ístmicos. Era considerado uma pessoa muito habilidosa e o mais esperto dos homens, razão por que se dizia que era pai de Ulisses.
Certo dia, Sísifo avistou Zeus a raptar Egina, filha de Asopo, deus dos rios. Quando este o interrogou sobre o paradeiro da jovem, Sísifo não hesitou e denunciou Zeus, em troca de uma fonte de água para a sua cidade.
Como castigo, o pai dos deuses ordenou a Tanatos, o deus da morte, que o levasse para o reino dos mortos. No entanto, Sísifo, graças à sua astúcia, enganou e prendeu Tanatos. A prisão da divindade impedia que os mortos pudessem alcançar o Reino das Trevas, por isso foi necessário que Ares o libertasse. Então Sísifo, para escapar de novo à morte, engendrou novo ardil: instruiu a mulher que não lhe prestasse exéquias fúnebres, que não o sepultasse.
Quando chegou ao mundo dos mortos, queixou-se a Hades, soberano do reino das sombras, da negligência da esposa e pediu-lhe que o deixasse regressar ao mundo dos vivos, apenas por um curto período de tempo, para a castigar.
Porém, assim que se viu novamente à superfície, Sísifo recusou regressar ao mundo dos mortos. Pela sua falta de respeito em relação aos deuses, Hermes, o deus mensageiro e condutor das almas para o Além, decidiu castigá-lo pessoalmente: Sísifo foi condenado, no reino dos mortos, a empurrar eternamente uma rocha até ao cimo de uma montanha. Uma vez atingido o cume do monte, a pedra caía invariavelmente e regressava ao ponto inicial. Este processo seria sempre repetido até à eternidade.


Tema

O tema do poema é a luta permanente e persistente do homem para alcançar os seus objetivos, não se contentando com menos que o todo, o absoluto: “De nenhum fruto queiras só metade” – v. 10).


Estrutura interna

1.ª parte (1.ª estrofe) – O sujeito poético aconselha ou incentiva o ser humano a não desistir e a ser ambicioso, dando como exemplo uma caminhada.

2.ª parte (2.ª estrofe) – O sujeito poético defende que o ser humano deve ser persistente na realização dos seus sonhos.

* * * * * * * * * *

1.ª parte

O sujeito poético aconselha o «tu» a recomeçar o percurso de vida a cada momento, de forma tranquila e persistente, ainda que o caminho seja difícil: “Nesse caminho duro”.

O «eu» usa o verbo «recomeçar» no modo imperativo (e não o verbo «começar»), visto que não se está a referir ao início de um percurso, mas a relembrar ao «tu» a necessidade de recomeçar em cada momento.

O modo imperativo tem um valor de exortação e incitamento do «eu», dirigido ao «tu».

As reticências traduzem uma ideia de continuidade, reforçando o valor do prefixo «re» da forma verbal «recomeçar»: a tarefa já foi executada anteriormente, ou seja, é necessário fazer um caminho que já se percorreu, tendo consciência de que tudo tem de se reconstruir e refazer. É necessário recomeçar repetidamente.

O «eu» lírico aconselha que a tarefa seja encarada com tranquilidade e vagar: “Se puderes, / Sem angústia e sem pressa.” – vv. 2-3.

Ele alerta o «tu» para a dificuldade do caminho (“Nesse caminho duro”), mas procura suavizar a ideia através de uma atitude mais otimista, que valoriza o esforço empreendido: a pessoa a quem o «eu» se dirige é incentivada a assumir-se como senhor(a) do seu destino e a usufruir das sucessivas oportunidades que a vida lhe oferece na busca de realização, trilhando o seu caminho de forma autónoma: “os passos que deres / […] Dá-os em liberdade”. O recomeço deve ser feito sempre em liberdade, isto é, de forma autónoma, por livre escolha.

O «tu» deve ser também perseverante (“Enquanto não alcances / Não descanses” – vv. 8-9), inconformado e exigente (“De nenhum fruto queiras só metade” – v. 10). A metáfora presente neste último verso realça a importância de lutar até ao fim pela concretização dos seus sonhos, não os deixando pela metade.

As formas verbais no presente do conjuntivo («alcances», «descanses», «queiras») traduzem os conselhos do sujeito poético relativos ao valor da persistência e do esforço na construção do projeto futuro.

As consoantes sibilantes e os veros curtos do início do poema conferem-lhe um ritmo lento, o qual se adequa à serenidade que o sujeito poético defende (v. 3).

2.ª parte

O pomar está cheio de frutos que, mesmo depois de alcançados e degustados na totalidade, deixarão na boca do Homem um sabor a falsidade.

O sonho é aquilo que fez a humanidade avançar, pois obriga o ser humano a lutar pela sua concretização: “Sempre a sonhar.” (v. 14),

É possível associar estes versos a outra figura da mitologia: Tântalo. O seu castigo consistia na perpétua tentativa frustrada de alcançar os frutos que saciariam a sua fome. Assim se justifica que o sujeito poético aconselhe a ir “colhendo / Ilusões sucessivas no pomar”. São os frutos que, se não são proibidos, pelo menos são apetecíveis. Porém, não são totalmente satisfatórios: por mais que desfrutemos deles, nenhum «fruto» se exime da sua falsidade. Daí que o sujeito poético / ser humano “nunca [fique] saciado”.

A realidade (“Acordado” – v. 16) é conotada tanto com a concretização, como com o malogro dos sonhos, ideia sustentada na presença do nome «logro», que tanto pode significar «concretização de algo» como «engano».

No verso 18, o sujeito lírico dirige novo apelo ao «tu»: que se recorde de que a sua condição de ser humano lhe confere a responsabilidade de ter uma existência digna, isto é, uma vida na qual não se resigne à mediocridade e em que lute pelos seus ideais.

Os versos 19 e 20 concretizam a oposição entre o sonho e a realidade. A loucura associa-se ao sonho, na medida em que este se relaciona com a capacidade de perseguir algo que parece irreal. No entanto, é a aptidão de assumir esta loucura com «lucidez», isto é, com noção concreta da realidade, que permite ao Homem realizar um percurso em direção à concretização dos sonhos, em virtude do qual lhe será possível construir-se a si próprio e, portanto, “reconhe[cer-se]. (adaptado de Entre Nós e as Palavras 12, Alexandre Pinto e Patrícia Nunes, Santillana).

O Homem é um ser lúcido («Acordado», «lucidez») e a sua condição enquanto tal obriga-o a cair e a levantar-se, a ser derrotado e a lutar de novo, sempre consciente dos seus atos.

Em suma, nos três versos finais, ressalta a ideia de que o ser humano não pode esquecer a sua condição humana e que a loucura – isto é, o sonho – só é verdadeiramente seu quando é ele próprio a controlá-lo.


Título

▪ No mito grego, Sísifo é condenado a realizar eternamente uma tarefa absurda, pois os seus esforços são inglórios e a tarefa tem de ser continuamente reiniciada.

▪ No poema, o mito de Sísifo associa-se à condição humana, pois, tal como ele, o Homem é obrigado a reiniciar constantemente as suas lutas, que redundam frequentemente em fracasso. Contudo, o Homem mostra-se digno pela sua capacidade de recomeçar continuamente o percurso e continuar a sonhar a concretização desses sonhos.

▪ Sísifo é, afinal, uma metáfora do caminho do Homem em direção à concretização do sonho. É o símbolo do esforço incessante e persistente, presente no gesto sacrificial de rolar continuamente a pedra até ao cimo da montanha, bem como do inconformismo e do incentivo à procura de liberdade e de luta pela concretização dos sonhos. E é isto que dá sentido à vida do ser humano.

▪ Por outro lado, o mito assemelha-se ao trabalho do poeta: a criação poética. De facto, Sísifo, perante a tarefa que repete quotidianamente (rolar a pedra até ao cimo da montanha, sabendo que cairá quando chegar ao cume e que terá de a fazer subir novamente), recupera e recomeça o seu trabalho sem fim.

▪ De modo semelhante, o trabalho de criação poética, para o poeta, nunca estará completo, daí que o seu trabalho não tenha também fim com as suas palavras, os seus poemas. É uma tarefa infindável, tal como a de Sísifo.


O poema enquanto hino à condição humana

Óscar Lopes afirma que este poema é um hino à condição humana, como parece sugerir o verso 18: “És homem, não te esqueças!”.
De facto, a composição valoriza o sonho e a liberdade como valores que devem estar na base da ação humana.
Por outro lado, defende o espírito de resistência e de insubmissão do ser humano, espírito esse que é simbolizado pelo esforço de superação sugerido pela retoma sucessiva da tarefa, por Sísifo.
Além disso, o poema apresenta o Homem como um ser condenado a carregar a sua cruz até ao fim da sua vida, «sem angústia e sem pressa», «em liberdade» (isto é, por livre escolha), até alcançar o «fruto desejado».

As Conferências Democráticas do Casino

segunda-feira, 4 de maio de 2020

A Questão Coimbrã

A Geração de 70



Fim do Romantismo:
» Almeida Garrett morre em 1854.
» Alexandre Herculano afasta-se da vida pública e literária.
» António Feliciano de Castilho congrega os defensores do Ultrarromantismo.

A geração ultrarromântica liga-se ao período da Regeneração, fase de estabilização aparente da vida social e política, conseguida através da:
. eliminação da ala esquerda do Liberalismo;
. criação duma oligarquia que deturpou as reformas sociais de Mouzinho da Silveira, degradou os ideais do Liberalismo e deu lugar a uma nova classe dominante.
Os membros da chamada Geração de 70, cujas primeiras manifestações literárias datam de meados da década anterior, acabaram de se formar numa fase posterior à consolidação do liberalismo em Portugal, marcada pelo funcionamento regular das instituições parlamentares, pela noção de progresso (identificado com os melhoramentos materiais) e uma maior comunicação com o exterior, quer técnica, quer económica, quer cultural, bem como pela consolidação de uma cultura laica, burguesa e dirigida a um já numeroso público alfabetizado.
No entanto, novos problemas surgem: a sociedade tinha estagnado sob o ponto de vista tecnológico, económico e social; as condições da massa campesina não se alteraram; a enorme emigração para o Brasil é sinónimo de dificuldades; a população industrial viu-se confrontada com a produção mecanizada; o grupo político dirigente dependia cada vez mais do capital bancário interno ou externo.
Por outro lado, esta geração romântica, despojada da pureza dos ideais que tinha caracterizado a primeira geração, vivia num compromisso assumido e proveitoso com o governo, ocupava cargos privilegiados, dominava a administração pública, a imprensa, a política e a literatura. Tudo parecia querer traduzir a vontade e os princípios orientadores do governo. A Literatura é mais do que nunca um fenómeno oficial, marcado pelo conservadorismo ideológico e pela deterioração duma estética cada vez mais estereotipada.
O paternalismo/autoritarismo destes valores tem em Castilho o seu representante máximo. Este poeta ultrarromântico, com uma formação neoclássica e conservadora, é a figura venerada, o patriarca dos ultrarromânticos a cuja apreciação sujeitam toda a produção literária com o objetivo de obterem a sua adesão, a sua avaliação favorável, condição suficiente para os impor junto dos editores e do público em geral. Castilho alimentou este clima, este estado de espírito medíocre que nada tinha de promissor e de fecundo, tornando-se um dos grandes responsáveis pela decadência do Romantismo português e pela rutura polémica que lhe pôs fim.
Esta situação literária, que tem como suporte o enfeudamento ao poder, o elogio mútuo, o protecionismo e a consequente falta de qualidade e de criatividade, dá azo a que um grupo de jovens intelectuais, ligados à Universidade de Coimbra assuma a coragem da "rebelião" contra os literatos de Lisboa e o seu mestre e protetor. Este grupo ficou a ser conhecido por Geração de 70.
A Geração de 70 é, basicamente, um grupo de jovens intelectuais estudantes na Universidade de Coimbra, do qual fazem parte Antero de Quental, Eça de Queirós, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro e outros, que surge a contestar os excessos do Ultrarromantismo, representados por uma plêiade de escritores sob a égide de António Feliciano de Castilho.

Em síntese:

A Geração de 70 era constituída por muitos intelectuais que, nas últimas décadas do século XIX, empreenderam uma verdadeira revolução no modo de pensar o país, a sociedade, a política e a literatura, e se afirmaram como elite intelectual entre 1865, data do texto de Antero com Castilho (Bom senso e bom gosto), e 1871, data das Conferências Democráticas do Casino.

Entre os seus membros destacaram-se:
» Antero de Quental;
» Eça de Queirós;
» Teófilo Braga;
» Ramalho Ortigão;
» Oliveira Martins;
» Guerra Junqueiro.

Apostados em modernizar o país, os membros da Geração de 70 foram influenciados pelas novas ideias culturais europeias e pelos novos modelos europeus (através de leituras de autores franceses e alemães e do conhecimento de movimentos insurrecionais, como a Comuna de Paris), mais precisamente:
» o Socialismo utópico de Proudhon e Saint-Simon;
» o Positivismo de Comte;
» o Idealismo de Hegel;
» o Realismo de Flaubert e Zola.

O primeiro passo para o nascimento da consciência da Geração de 70 foi a chamada Questão Coimbrã.

A Questão Coimbrã é o nome pelo qual ficou conhecida a polémica literária ocorrida em 1865, que opôs o então jovem Antero de Quental e António Feliciano de Castilho.

COVID-19: ponto de situação do dia 3 de maio


sábado, 2 de maio de 2020

Subtítulo Episódios da Vida Romântica

▪ O plural episódios remete para o estudo ou diagnóstico da sociedade portuguesa através de vários episódios, o que corresponde a uma características realista: primado do real + intuito reformista.

▪ Visão crítica de uma época:
» Crónica de costumes – Visão crítica da sociedade, denunciando os seus costumes, defeitos e virtudes através de personagens-tipo – personagens que tipificam um grupo, uma personagem, um vício.
» O mundo social e político da sociedade lisboeta de grande parte do século XIX.
» Caráter estático.
» Menos ficção, mais descrição.
» Menor interferência do narrador, embora adote frequentemente um tom irónico e pessimista.

▪ A representação dos espaços sociais e crónica de costumes – episódios:
» Jantar no Hotel Central (cap. VI) – temas e crítica:
. a literatura (Realismo vs. Romantismo e a crítica literária);
. a situação financeira de Portugal;
. a mentalidade retrógrada da elite lisboeta.
» Corridas no Hipódromo (cap. X) – crítica:
. a imitação do estrangeiro;
. a mentalidade provinciana portuguesa.
» Jantar dos Gouvarinhos (cap. XII) – temas e crítica:
. instrução e ensino;
. conceção da educação da mulher;
. mediocridade mental dos mais altos funcionários do estado.
» Jornais A Corneta do Diabo e A Tarde (cap. XV) – crítica:
. a parcialidade do jornalismo da época;
. clientelismo partidário;
. vingança política;
. dependência política.
» Sarau no Teatro da Trindade (cap. XVI) – crítica:
. superficialidade das conversas;
. falta de cultura;
. ausência de espírito crítico;
. sentimentalismo e gosto convencional ultrapassados;
. a oratória oca e sem originalidade.
» Passeio final por Lisboa (cap. XVIII) – crítica:
. a degradação do país.

▪ A expressão vida romântica remete-nos para uma sociedade ainda marcada pelo Romantismo:



▪ A crónica de costumes concretiza-se através da construção de ambientes e da atuação de personagens-tipo, revelando-se como uma ação aberta.

▪ A intriga principal é narrada em alternância com uma série de episódios centrados na vida da sociedade lisboeta da segunda metade do século XIX, ainda bastante marcada pelos efeitos do Romantismo, como o subtítulo sugere:


Título
Os Maias
Subtítulo
Episódios da vida romântica
Capítulo I
. Instalação de Afonso e de Carlos no Ramalhete.
. Juventude de Afonso.
. Infância de Pedro.
Intriga secundária:
. Pedro vê Maria Monforte.
. Pedro namora Maria Monforte.
. Pedro casa com Maria Monforte.

Capítulo II
. Pedro e Maria Monforte viajam por Itália e por Paris. Têm uma filha.
. Pedro e Maria Monforte regressam a Portugal. Têm um segundo filho.
. Maria Monforte trai Pedro com Tancredo.
. Maria Monforte foge com Tancredo e leva a filha.
. Pedro suicida-se e deixa o filho com Afonso.

Capítulo III
. Infância e educação de Carlos.

Capítulo IV
. Juventude e formação académica de Carlos.
. Viagem de Carlos pela Europa.

Capítulo V
. Vida social de Carlos e Ega em Lisboa.

Capítulo VI
Intriga principal:
. Carlos vê Maria Eduarda pela primeira vez no Hotel Centra.
Episódio do Jantar no Hotel Central
Capítulo VII
. A condessa de Gouvarinho vai procurar Carlos ao consultório.

Capítulo VIII
Intriga principal:
. Carlos faz um passeio a Sintra com Cruges com o intuito de encontrar Maria Eduarda.

Capítulo IX
. Carlos e a condessa de Gouvarinho beijam-se.
Baile de máscaras em casa dos Cohen.
Capítulo X
. Carlos mantém a relação adúltera com a condessa de Gouvarinho.
Episódio das corridas de cavalos.
Capítulo XI
Intriga principal:
. Carlos conhece Maria Eduarda, devido à doença de Miss Sara.

Capítulo XII
. Carlos declara o seu amor a Maria Eduarda.
. A relação incestuosa começa inconscientemente.
Jantar em casa do conde Gouvarinho
Capítulo XIII
. Carlos e Dâmaso entram em confronto.
. Carlos termina a relação com a condessa de Gouvarinho.

Capítulo XIV
Intriga principal:
. Afonso parte para Santa Olávia.
. Maria Eduarda muda-se para a Toca.
. Maria Eduarda visita o Ramalhete.
. Carlos Viaja para Santa Olávia.
. Castro Gomes revela a Carlos a verdade sobre a sua relação com Maria Eduarda.

Capítulo XV
. Maria Eduarda relata a Carlos a sua história.
. Afonso regressa ao Ramalhete.
Episódios dos jornais
Capítulo XVI
. Guimarães revela a Ega que tem um cofre que pertencia a Maria Monforte para entregar à família e que Maria Eduarda e Carlos são irmãos.
Episódio do Sarau da Trindade
Capítulo XVII
. Ega revela, com o apoio de Vilaça, o conteúdo do cofre a Carlos.
. Carlos revela o conteúdo do cofre a Afonso.
. Carlos comete incesto conscientemente.
. Carlos encontra o avô após uma noite com Maria Eduarda.
. Afonso morre.
. Ega revela o conteúdo do cofre a Maria Eduarda.
. Maria Eduarda parte para Paris.

Capítulo XVIII
Epílogo:
. Viagem de Carlos.
. Estada de Carlos e Ega em Lisboa, após 10 anos.



O título Os Maias

Os Maias narram a história de uma família lisboeta, representante da alta burguesia, num conjunto de três gerações sucessivas, reduzida, no presente, a duas personagens: Afonso da Maia e o seu neto, Carlos da Maia.


• No romance, narra-se a história de uma família constituída por várias gerações, focando-se duas intrigas:
» Intriga principal: vida e amores incestuosos de Carlos da Maia e Maria Eduarda.
» Intriga secundária: vida e amores de Pedro da Maia.

• Relação entre a intriga principal e a secundária: a intriga principal firma-se nos acontecimentos que marcam a intriga secundária (narrada em analepse), dado que, do casamento frustrado de Pedro e Maria Monforte, resulta a separação dos dois irmãos, que desconhecem a verdade. Afonso dissera a Carlos que a mãe e a irmã tinham morrido.

A história de uma família lisboeta, representante da alta burguesia, num conjunto de três gerações sucessivas – características:
. Possui um carácter dinâmico.
. A ficção confere um carácter mais literário.
. Há uma maior interferência do narrador.
. A geração de Carlos da Maia continua os ideais da primeira geração romântica, pela sua necessidade de renovação da sociedade portuguesa e pelo papel que é atribuído à arte enquanto elemento dinamizador dessa regeneração, após um período de estagnação.

• Não obstante, não estamos na presença de um típico romance de família, pois, apesar de se ficarem de forma clara três gerações dos Maias, as duas primeiras constituem «meros» meios para explicar as atitudes e o comportamento de Carlos.

• A intriga principal é uma ação fechada.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

A receção de Os Maias

Em 20 de julho de 1888, cerca de um mês após a publicação de Os Maias, o jornal Repórter deu à estampa uma crítica à obra, da autoria de Fialho de Almeida.
Fialho, em primeiro lugar, considera que as personagens-tipo fundamentais dos romances anteriores de Eça se repetem n’Os Maias, dando como exemplo Craft, que confirmaria a «deslumbrada anglomania» do romancista. Por outro lado, considera igualmente repetitiva a visão pessimista sobre a sociedade lisboeta: «a permanência do escritor do ponto de vista maldizente dos outros seus volumes». Fialho de Almeida divide as personagens da obra em dois grupos, «um que tem viajado, outro que não tem viajado», observando que «O primeiro como que paira ainda numa certa região superior de ideias e elegância», enquanto o outro «enchafurda todo num atascal de parvoíce e de ignorância.».
Os elogios de Fialho centram-se em duas cenas: a entrevista de Castro Gomes com Carlos da Maia e a reconciliação de Carlos com a amante. Além disso, enaltece ainda o romance, considerando-o «um dos mais surpreendentes trabalhos de humour de que possa orgulhar-se uma literatura» e exaltando «o fantasista prodigioso, que, pelo poder da observação e pelo poder da ironia, iguala Theckeray».
Eça responde em 8 de agosto a partir de Bristol, através de uma carta, na qual, ironicamente, estranha ser acusado de maldizente por um escritor realista. No que diz respeito à uniformização das personagens, afirma que «Em Portugal há só um homem – que é sempre o mesmo, ou sob a forma de dandy, ou de padre, ou de amanuense, ou de capitão: é um homem indeciso, débil, sentimental, bondoso, palrador, deixa-te ir, sem mola de caráter ou de inteligência que resista contra as circunstâncias. É o homem que eu pinto – sob os seus costumes diversos, casaca ou batina. E é o Português verdadeiro. É o Português que tem feito este Portugal que vemos…».
Uma segunda polémica é espoletada por Bulhão Pato, que, ainda em 1888, escreve uma crítica, intitulada «O Grande Maia», incluída na coletânea poética Hoje, através da qual se pretende vingar de Eça por considerar que Tomás de Alencar, o representante do Ultrarromantismo n’Os Maias, era uma caricatura da sua pessoa. A 13 de dezembro desse mesmo ano, sai no jornal O País, do Rio de Janeiro, o artigo «Bulhão Pato e Eça de Queirós», em que o seu autor, Pinheiro Chagas, traz a público a ofensa sofrida pelo poeta, aproveitando-a para ridicularizar o romancista. Como resposta, em 8 de fevereiro de 1889, Eça faz publicar uma carta no jornal O Tempo, sob o título «Os Maias – Tomás de Alencar – uma explicação». Aí, o escritor afirma que «’ser retratado’ num romance ou numa comédia constitui (…) a mais decisiva evidência da celebridade», considerando também que a Sátira de Bulhão Pato visou somente «criar um tumulto de curiosidade, obrigar todos os olhos a volverem-se para o motivo que a provocou». E conclui esclarecendo que a personagem Tomás de Alencar não era a personificação de Bulhão Pato, pelo que nada poderia justificar «a permanência do sr. Bulhão Pato no interior do sr. Tomás de Alencar, causando-lhe manifesto desconforto e empaturramento». O romancista conclui, declarando que o «intuito final» da carta era «apelar para a conhecida cortesia do autor da Sátira, e rogar-lhe o obséquio extremo de se retirar de dentro do (seu) personagem». E deixa sem comentários a segunda sátira de Bulhão Pato, Lázaro Cônsul, datada de 1889, mais contundente e ofensiva, pois procurava rebaixá-lo como escritor por falta de vernaculidade na expressão linguística («Flaubert, Daudet, Zola resplendem no francês: / Tu, raso imitador, babas o português») e acusava-o de «caluniador da mulher portuguesa».

Bibliografia:
FERREIRA, Maria E. T., Orientações para a Leitura d’Os Maias de Eça de Queirós. Verbo.

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