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terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Características românticas de Frei Luís de Sousa


            * O patriotismo e o nacionalismo: o assunto é nacional, eivado de messianismo, que constituía uma força de reacção contra a dominação dos espanhóis; uma reacção do povo português ao domínio filipino.

            * O mito do escritor romântico: martirizado, sofredor, solitário, marcado pelo Destino, refugia-se no convento, que lhe proporciona o isolamento indispensável à escrita.

            * A crença no sebastianismo: logo no início (I, 2), Madalena afirma a Telmo: "... mas as tuas palavras misteriosas, as tuas alusões frequentes a esse desgraçado rei D. Sebastião, que o seu mais desgraçado povo ainda não quis acreditar que morresse, por quem ainda espera em sua leal incredulidade!".
            O sebastianismo, representado por Telmo e Maria, reside na crença no regresso do rei D. Sebastião que conduzirá a uma época de brilho para Portugal e ao início de uma nova era mundial do direito e da grandeza, que será a última no plano da salvação dos homens.

            * A religiosidade: além das constantes referências ao cristianismo e ao culto, a religião surge como refúgio e consolação para o sofrimento trágico, para as almas atormentadas pelo pecado (tomada de hábito de D. Madalena e de Manuel Coutinho). O próprio conflito tem origem, em grande parte, na ética cristã.

            * A obra não tem unidade de tempo nem unidade de lugar, embora o lugar continue a ser sempre o mesmo: um palácio.

            * A obra não possui cinco actos, como era de regra na tragédia clássica, mas somente três.

            * O tema da morte: a morte é um tema típico do Romantismo por ser a melhor solução para os conflitos (Maria morre fisicamente e os pais morrem espiritualmente, para o mundo). Por outro lado, a morte de uma personagem em cena (Maria) admite-se no Romantismo, mas não no Classicismo.

            * A apresentação formal da obra em prosa, porque "repugnava-lhe pôr na boca de Frei Luís de Sousa outro ritmo que não fosse o da elegante prosa portuguesa que ele, mais do que ninguém, deduziu com tanta harmonia e suavidade" (Memória ao Conservatório Real).

            * Algumas personagens, sobretudo Madalena e Maria, embora aristocráticas, são verdadeiras heroínas românticas pelo seu comportamento emocional (por exemplo, Maria é uma personagem romântica pela sua sensibilidade doentia e de imaginação aguçada pela tuberculose – sonhos, visões).

            * As crenças: agouros, superstições, visões e sonhos, bem evidentes em Madalena, Telmo e Maria.

            * O individualismo: acentuado pelo confronto entre o indivíduo e a sociedade, entre o código moral estabelecido e o desejo de ser feliz à margem desse mesmo código, entre a fidelidade a um passado que esmaga e o abandono a um presente que abre um sentido para a vida.

            * A linguagem e o estilo: a linguagem é adequada às circunstâncias e às personagens:
- linguagem carregada de remorso e amor, inquietação e angústia (reticências) em D. Madalena;
- digna, respeitosa sem deixar de ser familiar em Telmo, e ainda paternalista, confessional, agoirenta;
- carinhosa, familiar e respeitosa entre D. Madalena e Telmo;
- nobre e elegante, por vezes de tom didáctico, em Manuel Coutinho;
- agoirenta, fantasista e amorosa em Maria;
- confidencial, de tom religioso e moralizador, em Frei Jorge;
- fria e espectral, cheia de arrependimento em D. João;
- a linguagem é digna e culta, como convém a uma obra com características de tragédia.

Características do drama romântico em Frei Luís de Sousa

     Frei Luís de Sousa apresenta algumas características do drama romântico, género literário desenvolvido pelos escritor Victor Hugo. Dentre elas, destacam-se as seguintes:
- a crítica a uma sociedade governada por preconceitos hirtos que vitimam inocentes (Maria é vítima da sua ilegitimidade);
- a ruptura com a forma clássica:
. a obra está escrita em prosa, que substitui o verso da tragédia antiga, um tipo de discurso considerado por Garrett adequado a “assuntos tão modernos”;
. a peça é constituída por três actos, contrariamente à tragédia grega, composta por cinco;
. a diminuição da importância do coro (ainda que ecoe em Frei Jorge e em Telmo);
. a lei das três unidades não é cumprida cabalmente;
. os agouros e superstições populares substituem as crenças e rituais pagãos e dão expressão à manifestação da cultura portuguesa;
. os valores patrióticos e nacionais são exaltados, sobretudo, através de Manuel de Sousa;
. a religião cristã surge como um consolo, aligeirando a força inexorável e irremediável do Destino que controlava os homens a seu bel prazer;
. o realismo psicológico sustentado na personagem Telmo, que assiste à transformação dos seus próprios sentimentos, num processo de autoconhecimento dinâmico, no momento em que percebe que, após ter acalentado, durante tanto tempo, a ideia de que D. João estaria vivo, desejaria poupar Maria, renegando o primeiro amo;
. a experiência pessoal do autor: Almeida Garrett possuía uma filha ilegítima, filha de Adelaide pastor Deville, por quem se apaixonara, ainda casado com Luísa Midosi; Adelaide Deville morreu antes que o escritor tivesse podido legitimar a situação da filha que tanto estimava – assim, a acção da peça traduz a sua angústia mais profunda, reflectindo a sua própria realidade;
. a morte de Maria em palco é também um episódio característico do drama romântico;
. as personagens são vítimas do Destino, mas, à maneira do drama romântico, são também vítimas das suas decisões e das suas paixões (por exemplo, Maria é condenada não apenas pelo Destino, mas pela sociedade);
- a linguagem coloquial, próxima das realidades vividas pelas personagens e dos seus estados de espírito;
- o assunto da peça é um assunto nacional e histórico.

Características trágicas de Frei Luís de Sousa

1. Indícios/presságios de tragédia:

. a leitura que D. Madalena realiza do episódio de Inês de Castro, incluso n’Os Lusíadas, que motiva a sua reflexão (no início do acto I), o que alia o seu destino ao final trágico de Inês;

. os agouros de Telmo, que não acredita na morte de D. João de Portugal, colocando a hipótese do seu regresso, e que afirma que uma situação ocorrerá que deixaria claro quem nutria maior amor por Maria naquela casa;

. os pressentimentos de D. Madalena de que um acontecimento funesto irá atingir a sua família, o que não a deixa viver o seu amor por Manuel de Sousa de uma forma tranquila, motivando a sua insegurança, a sua angústia e impedindo a sua felicidade;

. o facto de Manuel de Sousa, antes de pegar fogo ao próprio palácio, por considerar a resolução dos governantes espanhóis uma afronta, evocar a morte de seu pai, que caíra “sobre a sua própria espada”, indicando o destino funesto da sua família: “Quem sabe se eu morrerei nas chamas ateadas por minhas mãos?” (I, 11); por outro lado, o seu acto irá motivar a aproximação da família de um espaço que pertencera a D. João de Portugal e que a ele está ligado metonimicamente;

. as folhas das flores que Maria traz consigo secam;

. os sonhos e as visões de Maria (motivadas pelo seu temperamento romântico, pela imaginação e aguçadas pela tuberculose), dado o seu carácter negativo e o facto de a impedirem de dormir, remetem, igualmente, para a ocorrência de um acontecimento funesto; às visões da personagem, acrescenta-se a sua intuição e a sua compreensão precoce das coisas;

. a simbologia da sexta-feira, considerada por D. Madalena como um dia aziago e fatal;

. o sebastianismo de Maria e de Telmo indica a hipótese de regresso de D. João de Portugal que, tal como D. Sebastião, desaparecera na batalha de Alcácer Quibir;

. os indícios de tuberculose de Maria: a febre, as mãos que queimam, as rosetas nas faces e o ouvido apuradíssimo;

. a leitura que Maria faz da Menina e Moça (obra de Bernardim Ribeiro – “Menina e moça me levaram de casa de meu pai”) indicia a sua separação da família (acto II, cena 2);

. a visita que Maria e Manuel fazem a Soror Joana (acto II), que fora casada com D. Luís de Portugal – o casal decidira, em determinado momento da sua vida, abandonar o mundo e recolher-se num convento;

. as alterações da decoração dos espaços físicos: no acto I; encontramos um ambiente alegre e aberto ao exterior, que será substituído nos segundo e terceiro actos por uma decoração melancólica e soturna;

. a localização dos acontecimentos da peça ao início da noite ou de noite (acto I: “É no fim da tarde”; acto II: “É alta noite”);

. os elementos simbólicos ao nível do espaço físico:
- os retratos de Manuel de Sousa, Camões e D. João;
- a substituição do retrato de Manuel pelo de D. João, aliada à substituição de espaço, é um sinal que D. Madalena interpreta como fatal;
- o facto de o retrato de Manuel de Sousa ser consumido pelo fogo durante o incêndio por si ateado;
- a mudança do palácio de Manuel de Sousa para o de D. João de Portugal.

2. A existência de poucas personagens em cena, todas de estrato social elevado e de carácter nobre.

3. A acção sintética – convergência progressiva de um número pouco significativo de acções para a acção trágica.

4. A condensação/concentração do tempo em que decorre a acção.

5. A concentração dos espaços (em número reduzido).

6. Cumprimento (ainda que incompleto) da lei das três unidades: unidade de acção, unidade de espaço (incompleta, porque na peça existem três espaços distintos) e unidade de tempo.

7. Ambiente trágico e solenidade clássica.

8. As reminiscências do coro da tragédia clássica, através das personagens Frei Jorge e Telmo – o coro tinha a função de anunciar e comentar as acções.

9. Os momentos de retardamento.

10. A existência, desde o início, de um clima de fatalidade que o ominoso da recorrência de acontecimentos à sexta-feira e do espaço do palácio de D. João de Portugal adensa e asfixia. Tudo deixa prever a catástrofe; nada há de supérfluo.

11. A ananké (Destino): as personagens são vítimas do Destino inexorável que se “diverte” a “brincar” com as suas vidas, antes de sobre elas se abater irremediavelmente. Assim, é o destino que proporciona a ausência de D. João e que motiva a mudança da família para o palácio deste; é o Destino que faz com que os governadores espanhóis escolham o palácio de Manuel de Sousa para aí se instalarem, o que o leva a incendiar a sua própria casa; é o Destino que mantém D. João prisioneiro durante 21 anos e lhe permite regressar ao lar, após esse período, facto que dará origem à tragédia.

12. A hybris (o desafio):
. de D. Madalena:
-» contra as leis e os direitos da família:
- “pecado”/adultério no coração: amou Manuel de Sousa desde a primeira vez que o viu, ainda D. João era vivo;;
- consumação do “pecado” pelo casamento com Manuel de Sousa – ela não tem a certeza absoluta da morte do primeiro marido;
- profanação de um sacramento – o casamento;
- bigamia;
- impiedade;
. de Manuel de Sousa Coutinho:
-» revolta contra as autoridades de Lisboa, recusando-se a recebê-las no seu palácio (I, 8, 11 e 12; II, 1);
-» desafia o Destino ao incendiar o próprio palácio (I, 11 e 12);
-» recusa o perdão dos governadores, “se ele quisesse dizer que o fogo tinha pegado por acaso” (II, 1);
-» inconscientemente, participa da hybris de sua esposa:
- colabora na mentira;
- profana um sacramento;
- comete adultério;
- passa a viver em bigamia;
- usurpa o lugar que pertence, de direito, a D. João de Portugal;
. de D. João de Portugal:
-» abandona a esposa/família, ainda que o faça por ideais nobres (acompanhar o rei à guerra, em defesa do reino e da Fé);
-» o abandono da esposa é um crime contra as leis e os direitos da família, porque a destrói – é um crime de impiedade;
-» embora vivo, depois da batalha, fica prisioneiro, é levado cativo para Jerusalém. E, durante 21 anos, não dá notícias da sua existência, embora contra sua vontade;
-» aparece quando todos o julgavam morto, arrastando consigo a tragédia;
. de Maria de Noronha:
-» a interrupção inesperada e violenta das cerimónias religiosas constitui profanação (II, 11);
-» a insolência e a blasfémia contra Deus: “Que Deus é esse que está nesse altar, e quer roubar o pai e a mãe a sua filha?”;
-» a insolência contra os ministros sagrados nas suas funções: “Vós quem sois, espectros fatais?... quereis-mos tirar dos meus braços?”;
-» a revolta contra D. João de Portugal – contra os direitos deste à esposa, à família, à própria vida, direitos baseados na lei divina e nas leis humanas: “... que me importa a mim com o outro? Que morresse ou não, que esteja com os mortos ou com os vivos, que se fique na cova ou que ressuscite para me matar?”;
-» a invocação de morte violenta sobre si própria: “Mate-me, mate-me, se quer...”;
-» o desprezo pelas leis divinas e humanas – o amor e a ternura com que tinha sido criada não suprem a ilegitimidade do matrimónio dos pais;
-» a tentativa de renegar o seu estado de filha ilegítima;
-» a revolta contra a profissão religiosa dos pais;
-» a incitação dos pais a mentir: “Pobre mãe! Tu não podes... coitada!... não tens ânimo... Nunca mentiste? Pois mente agora para salvar a honra da tua filha, para que lhe não tirem o nome de seu pai.”;
. de Telmo Pais:
-» afeiçoa-se a Maria;
-» relativamente a D. João:
- perjúrio e repúdio do amigo e “filho”;
- desejo de que ele tivesse morrido, para não obstar à felicidade e à vida de Maria.

13. O agón (conflito):
. de D. Madalena:
. interior, de consciência (I, 1):
- personalidade aparente, feliz, ligada a Manuel de Sousa pelo amor-paixão;
- personalidade real ou oculta, infeliz ou “desgraçada”, ligada a D. João pela memória do passado, pelo remorso do presente;
. contínuo e crescente;
. com outras personagens:
- com Telmo (I, 2): D. Madalena não segue o conselho de esperar o regresso de D. João, anunciado n acarta profética, escrita na madrugada da batalha de Alcácer Quibir;
- com Maria (I, 3): os segredos, os mistérios, os cuidados e sobressaltos que os pais manifestam relativamente a si e cuja razão ela desconhece;
- com Manuel de Sousa (I, 7 e 8): a necessidade de mudança para o palácio de D. João após ele ter incendiado o seu próprio lar;
- com D. João de Portugal:
. a consciência atormentada e o remorso de D. Madalena (I, 1);
. as conversas com Telmo (I, 2);
. as reacções de aflição, sublinhadas pelas lágrimas, sempre que Maria se refere à crença da sobrevivência e possível regresso de D. Sebastião (I, 3);
. a relutância de voltar a viver no palácio de D. João (I, 7 e 8);
. a reacção tida ao chegar ao palácio de D. João (II, 1);
. a “confissão” a Frei Jorge (II, 10);
. de Manuel de Sousa Coutinho:
. não possui conflito de consciência;
. não entra em conflito com outras personagens, excepto com os governadores;
. a sua hybris desencadeia e agudiza os conflitos das outras personagens;
. de D. João de Portugal:
. alimenta os conflitos dos outros:
- com D. Madalena: a consciência atormentada pelos remorsos;
- com Telmo:
. a perda do aio por causa de Maria;
. a luta contra a resistência de Telmo à sua ordem de mentir para salvar D. Madalena;
- com Manuel de Sousa:
. pela felicidade de ter uma filha;
. por se sentir espoliado por ele e por D. Madalena: “Tiraram-me tudo”;
- com Maria:
. pelo simples facto de ter nascido;
. por o ter expulsado do coração de Telmo;
. agudiza todos os conflitos com o seu regresso;
. de Telmo Pais:
. conflito de consciência: a incompatibilidade entre o amor a D. João e o amor a Maria (III, 4);
. mantém um conflito com outras personagens:
- com D. Madalena (I, 2):
. desaprova o casamento com Manuel de Sousa, baseado nos dizeres da carta profética de D. João, escrita na madrugada da batalha, e na superstição de que, se ele voltasse e aparecesse a D. Madalena, não se iria embora sem lhe aparecer também;
. daí vieram os “ciúmes”, os agouros, os “futuros”;
. o conflito com D. Madalena fica sempre sem solução;
- com Maria (I, 2):
. a princípio, não a podia ver, por causa do seu nascimento em berço ilegítimo (“Digna de nascer em melhor estado”);
. o conflito com Maria termina, porque ela acabou por o cativar;
. novo conflito (II, 1), no entanto, se pode observar nas evasivas, nas meias-ver-dades, nas reticências, na relutância em revelar a identidade da personagem do retrato;
. é Manuel de Sousa quem identifica essa personagem (II, 2);
- com Manuel de Sousa (I, 2):
. apesar das qualidades que lhe reconhece, é, em sua opinião, inferior a D. João;
. por conta deste tem “ciúmes” e alguma aversão por o considerar um intruso;
. o conflito resolve-se quando Manuel de Sousa o cativa pelos actos de resistência aos governadores, que culminam com o incêndio do próprio palácio (I, 7, 8 e 12), chegando mesmo a admirá-lo;
- com D. João de Portugal (III, 4 e 5):
. o amor a D. Maria venceu o amor a D. João;
. por isso, chega a oferecer a sua vida em troca da vida “daquele anjo” e a desejar a morte de D. João;
. de Maria de Noronha:
. não tem conflito;
. conflito com outras personagens:
- com D. Madalena:
. a propósito da sobrevivência e do regresso de D. Sebastião (I, 3): D. Madalena não acredita nestes factos, enquanto Maria acredita;
. a desconfiança de que a mãe oculta alguma coisa muito importante (I, 4);
. não pode cumprir as esperanças nela postas (I, 4);
. por isso, desejaria ter um irmão (I, 4);
- com Manuel de Sousa:
. duvida do patriotismo do pai (I, 3), por causa das atitudes que ele toma ao ouvir falar de D. Sebastião;
. no entanto, a hipótese não tem fundamento;
- com os governantes de Lisboa (I, 5): a resistência à tirania, concretizada na ideia de lutar e organizar a defesa, para que os governadores não entrem no seu palácio;
- com Telmo (II, 1), a propósito da identidade da personagem do retrato:
. as meias-verdades, as evasivas de Telmo, que a todo o transe pretende ocultar-lhe o nome do cavaleiro retratado;
. os indícios observados por Maria, nos momentos que passou ali mesmo com a mãe, no dia da mudança para este palácio; e a intuição do segredo e a persistência em a manterem na ignorância daquele “mistério”;
- com D. João de Portugal:
-» antes da mudança de palácio (I, 4):
. pressente intuitivamente que alguém, fazendo sofrer a mãe, também não a deixa ser feliz;
. por isso, procura uma resposta, com os meios de que dispõe: a capacidade de “ler nas estrelas” e os sonhos e visões;
-» depois da mudança (II, 1 e 2):
. fica a saber, a partir da atitude da mãe, que a figura representada no retrato e de quem ignora a identidade, é esse alguém, causador de todos os sofrimentos;
. daí a curiosidade e a persistência das perguntas a Telmo até à revelação da identidade do retratado; no entanto, ela já o sabia “de um saber cá de dentro”;
-» por fim (III, 11 e 12):
. revela que sempre houve alguém a interpor-se, entre ela e a mãe, entre ela e o pai, por intermédio da figura simbólica de um anjo vingador: “Mãe, mãe, eu bem o sabia... nunca to disse, mas sabia-o; tinha-mo dito aquele anjo que descia com uma espada de chamas na mão, e a atravessava entre mim e ti, que me arrancava dos teus braços quando eu adormecia neles... que me fazia chorar quando meu pai ia beijar-me no teu colo”;
. identifica-o: “É aquela voz, é ele, é ele!”.

14. O pathos (o sofrimento):
. D. Madalena de Vilhena:
- sofrimento por causa do adultério;
- sofrimento pela incerteza da sorte do primeiro marido;
- sofrimento violento pela volta do primeiro marido;
- sofrimento cruel após conhecimento da existência do primeiro marido:
. pela perda do marido;
. pela perda de Maria;

. Manuel de Sousa Coutinho:
- sofre a angústia pela situação presente e futura da filha (III, 1);
- sofre a angústia pela situação da sua mulher (III, 8);
. D. João de Portugal:
- sofre o esquecimento a que foi votado;
- sofre pelo casamento de sua mulher;
- sofre por não poder travar a marcha do destino (III, 2);
. Maria de Noronha:
- sofre fisicamente: tuberculose;
- sofre psicologicamente:
. não obtém resposta a muitos agouros;
. sofre a vergonha da ilegitimidade;
. Telmo Pais:
- sofre pela dúvida constante que o assalta acerca da morte de D. João de Portugal;
- sofre hesitando entre a fidelidade a D. João e a Manuel de Sousa;
- sofre a situação de Maria.

15. A anagnórise (o reconhecimento – II, 15): o reconhecimento do Romeiro como D. João de Portugal.

16. O clímax: a chegada do Romeiro e a sua identificação.

17. As peripécias:
- o incêndio do palácio de Manuel de Sousa;
- a mudança para o palácio de D. João;
- a chegada do Romeiro;
- a tomada de hábito de D. Madalena e Manuel de Sousa;
- a morte de Maria.

18. A catástrofe:
- D. Madalena:
. causada pelo regresso de D. João:
-» morte psicológica;
-» separação do marido;
-» profissão religiosa;
. salvação pela purificação: torna-se a irmã Sóror Madalena das Chagas;
- Manuel de Sousa:
. morte psicológica:
-» separação da esposa;
-» separação do mundo;
-» profissão religiosa;
. glória futura de escritor ® Frei Luís de Sousa: glória de santo;
- D. João de Portugal:
. morte psicológica:
-» separação da mulher;
-» a situação irremediável do anonimato;
- Maria de Noronha:
. morte física;
. vai para o céu;
- Telmo Pais: não poderá resistir a tantos desgostos e, tal como D. João, cairá no rio do esquecimento.

19. Tal como era lei na tragédia grega, tudo isto iria despertar nos espectadores o terror (fobos) e a piedade (éleos) purificantes – a catarse. A catarse (purificação) realiza-se através do castigo: o casal ingressa num convento, renunciando às paixões mundanas, Maria morre de vergonha por causa da sua ilegitimidade e ascende, pela sua inocência, ao espaço celeste.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Características do Romantismo


Público leitor

            O Liberalismo deu lugar à ascensão da burguesia e alargou o público leitor.
            O Romantismo é a expressão literária e plástica da ascensão da burguesia.
            O Romantismo democratiza a literatura, pois esta deixa de ser um privilégio de reis ou fidalgos e de se circunscrever a círculos fechados de eruditos, chegando ao POVO, embora este continue esmagadoramente analfabeto, e sobretudo à burguesia, a classe que lê e à qual o Romantismo se dirige. Por outro lado, é curioso notar que a literatura romântica, especialmente a ultrarromântica, invadiu as famílias burguesas, ficando profundamente ligada ao mundanismo, à vida cívica: escreviam-se versos em álbuns, acompanhavam-se poemas a canto e piano nos salões, havia recitais poéticos em festas de beneficência e patrióticas, promoviam-se saraus literários.
            Acresce ainda o facto de a obra literária não ser já um mundo fechado de valores para eleitos; é uma comunicação franca de ideias práticas e vitais a todo o leitor. Envereda até, uma vez ou outra, pelos caminhos da denúncia social e do empenhamento político

Romantismo na Europa

            Teve origem na Escócia e na Inglaterra, países pouco permeáveis ao Classicismo, devido às suas arraigadas tradições.
            Na Alemanha, o individualismo, exacerbado na luta contra a hegemonia napoleónica, favoreceu o clima romântico.
            Em França, foi tardio porque o Classicismo estava muito implantado; os filósofos da Enciclopédia e sobretudo Rousseau, criador de uma literatura confessional, prepararam o terreno. Foram as influências vindas da Alemanha que aceleraram a sua implementação.
            Em Portugal, o Romantismo está ligado às guerras liberais; os primeiros grandes mestres – Garrett e Herculano – foram soldados liberais.

Génio criador

            O Romantismo privilegia a emoção, o sentimento em detrimento da razão e do espírito ordenador dos clássicos; isto é, vai sobrepor-se o culto do «eu» e dos direitos do coração às imposições orientadoras da inteligência (reacção contra o racionalismo clássico).




ESTÉTICA ROMÂNTICA


CONTEÚDO / TEMAS

O individualismo / o egotismo

            O homem romântico, contra a estética neoclássica, contra a imitação dos modelos, defende a independência, a afirmação do indivíduo em si mesmo, o culto da personalidade, do “eu”. O “eu” é o pólo centralizador e o valor máximo. O mundo exterior serve para que o “eu” projete nele os seus sentimentos ou de pretexto para a evasão para mundos imaginários. É a apologia da imaginação e do devaneio poético sem limites.

A aspiração ao infinito

            O escritor romântico afirma a sua rebeldia e insatisfação. Ele tende para o infinito, aspira a romper os limites que o constringem, numa busca incessante do absoluto, mas este permanece sempre como um alvo inatingível. Procura quebrar os seus limites; limitado como é, nunca conseguirá os seus intentos, considerando-se vítima e perseguido do e pelo destino.

A sacralização do amor

            O amor, sentimento absolutizado, exagerado, coloca o amante em permanente insatisfação e contradição, porque nada no mundo pode preencher os seus desejos incontroláveis. A mulher ou é um ser angelical bom (anjo) ou um ser angelical mau (diabo), exercendo uma atração irresistível sobre o homem. Idealizada, é fonte de contradições e conflitos, nunca permitindo harmonia entre os amantes.

A ânsia de liberdade

            Do acentuado individualismo brota naturalmente o desejo de quebrar todas as cadeias que coarctam a liberdade do “eu”, quer sejam políticas, morais ou sentimentais. Por isso, o escritor gritará contra os tiranos, sejam reis ou imperadores, aproximará a literatura do povo, a quem considera a essência da Nação, interessa-se pelos temas populares como manifestação espontânea da alma popular. O romântico deixar-se-á conduzir pelo instinto, pela paixão, pelo sentimento, pelo idealismo religioso, procurando pela natureza a visão da perfeição absoluta, da verdade absoluta e de Deus. A liberdade é um valor absoluto: “Abaixo a razão! Viva a Liberdade!” é o grito que se repete.
            O herói romântico comporta-se como um rebelde, altivo e desdenhoso, desafia a sociedade e o próprio Deus. Prometeu, o deus rebelde, é, assim, a figura mítica exaltada como símbolo e paradigma da condição do homem.
            A aventura do “eu” romântico apresenta uma feição de declarado titanismo, configurando-se o herói romântico como um herói rebelde que se ergue, altivo e desdenhoso, contra as leis e os limites que o oprimem, que desafia a sociedade e o próprio Deus. Prometeu é a figura mítica que os românticos frequentemente exaltam como símbolo e paradigma da condição titânica do homem, pois que, tal como Prometeu, é o homem um ser em parte divino, «um turvo rio nascido de uma fonte pura», cujo destino é urdido de miséria, solidão e rebeldia, mas que triunfa deste destino pela revolta e transformando em vitória a própria morte.

O “mal du siècle”

            Da impossibilidade de alcançar o absoluto a que o romântico aspira, nascem o pessimismo, a melancolia, o cansaço, o desespero, a volúpia do sentimento, a busca da solidão. O mal du siècle, a indefinível doença que alanceia os românticos, que lhes enlanguesce a vontade, entedia a vida e faz desejar a morte, exprime o cansaço e a frustração resultantes da impossibilidade de realizar o absoluto, das paixões sem objeto, consumidas num coração solitário, roído pela angústia de viver.

A fantasia

            A fantasia desempenha um papel desmesurado para o romântico: o sonho e a evasão são constantes, resultando da insatisfação do presente.

A angústia metafísica

            A vida é, para o romântico, um problema constante; o seu egotismo fê-lo perder a confiança nas suas potencialidades. A sociedade não o compreende e daí ele voltar-se para o infinito e, como não o alcança, vive num permanente estado de angústia.

O sentimento religioso – panteísta

            A aspiração dos românticos por um ideal encontra, por vezes, eco na tendência religiosa: Deus responde ao enigma da vida, à paz e esperança. A sua religiosidade é sobretudo de natureza sentimental e intuitiva; o seu diálogo com a divindade tende a dispensar a mediação do sacerdote e o formalismo dos ritos, desenrolando-se na intimidade da consciência.
            Os românticos afirmam também sentir Deus na natureza; a sua sensibilidade leva-os a amar o Cristianismo dulcificante, salvador, em detrimento de uma mitologia cruel e distante. De facto, na senda da Profession de foi du vicaire savoyard, de Jean-Jacques Rousseau, os românticos descobriram e cultuaram Deus nos astros e nas águas do mar, nas montanhas e nos prados, no vento, nas árvores e nos animais. Por isso, o panteísmo representa a forma de religiosidade mais frequente entre os românticos.
            Renasce, por outro lado, o mito de Satanás (satanismo), co-símbolo do mal e da desgraça.

A Natureza

            Os clássicos tinham idealizado a natureza como o locus amoenus, cenário cristalino e primaveril, bucólico, harmonioso, equilibrado e proporcionador de sensações agradáveis, bucolicamente matizado de flores e de águas puras, paisagem doce e agradável, despertadora de sensações aprazíveis; era uma natureza simétrica, equilibrada, como simétricas e equilibradas eram as suas formas poéticas.
            Os românticos criam um outro modelo de natureza – o locus horrendus –, natureza em tumulto, de imagens sombrias, noturnas, capaz de provocar sensações violentas: é constituída por realidades como a sombra, a noite, as trevas, a lua, o cemitério, as ruínas, a tempestade, o vento agreste, o pôr do Sol, o abismo, o mocho, o sapo, realidades essas capazes de provocar violentas sensações em escritores dominados pelo sentimento. Entre a natureza e o “eu” estabelecem-se relações afectivas; as coisas, os objectos associam-se aos seus estados de alma. O escritor projecta sobre todas as coisas os seus estados emotivos, os seus sonhos e devaneios. A natureza é amiga e confidente e funciona como ser afetivo e animado.
            O locus horrendus provoca sentimentos exagerados, às vezes mórbidos, de acordo com o estado de espírito do “eu”, o desejo de evasão para outros mundos e até o desejo da morte.

O exotismo

            Desgostado com a realidade que o rodeia – encarnação do finito, do efémero e do imperfeito –, em conflito com a sociedade ou dilacerado pelos seus conflitos interiores, o romântico procura ansiosamente a evasão: no sonho e no fantástico, na dissipação, no espaço e no tempo.
            A evasão no espaço conduz ao exotismo e o romântico parte à procura de lugares exóticos, palco para a sua imaginação ilimitada; busca a evasão em países estrangeiros com as suas personagens, habitantes e costumes novos; por vezes, conduz ao gosto pelo bárbaro e primitivo.
            Entre os países europeus, a Itália e a Espanha, países de paisagens e costumes característicos, de contrastes violentos e de paixões arrebatadas, representam as grandes fontes europeias do exotismo romântico; fora da Europa, é o Oriente, com o seu mistério, o fascínio dos seus costumes, das suas tradições, o objecto do exotismo romântico.
            A evasão no tempo conduziu à reabilitação e à glorificação da Idade Média, época histórica particularmente denegrida pelo racionalismo iluminista.

Interesse pela Idade Média

            Abandonando os modelos greco-latinos e consequentemente a mitologia, os românticos apaixonaram-se pela Idade Média porque fora essa época o momento da afirmação das nacionalidades em que o povo ajudava os reis a criar as nações, porque fora o tempo cheio de peripécias e de prodigiosas aventuras. A evasão no tempo conduziu à reabilitação da Idade Média, denegrida pelo racionalismo iluminista. Os castelos antigos, os monges, os cavaleiros, os momos despertavam a imaginação exacerbada dos românticos. A Idade Média era um manancial inesgotável de lendas, poesia, canções de gesta, feitiçaria, tradições, folclore, etc.
            A evasão no tempo conduziu à reabilitação e glorificação da Idade Média, épica histórica particularmente denegrida pelo racionalismo iluminista. A Idade Média atraía a sensibilidade e a imaginação românticas pelo pitoresco dos seus usos e costumes, pelo mistério das suas lendas e tradições, pela beleza nostálgica dos seus castelos, pelo idealismo dos seus tipos humanos mais relevantes – o cavaleiro, o monge, o cruzado... –, mas solicitava também o espírito dos românticos por outras razões mais ponderosas.
            Ora, a Idade Média, época de gestação das nacionalidades europeias, aparecia como a primavera do «espírito do povo» característico de cada nação, como o período histórico em que tal espírito se revelara na sua pureza originária, sem ter sido ainda maculado por qualquer influência alheia (a Renascença, portadora de vastas influências greco-latinas, alheias ao espírito das nações medievais, será duramente criticada pelos românticos).

O nacionalismo e o popular

            A cultura francesa do século XVIII tinha unificado espiritualmente a Europa e Napoleão tentara a sua unificação política. Como reação a este desejo imperial, os escritores românticos procuram exaltar tudo o que é nacional e popular: o folclore, os costumes, as tradições, as figuras nacionais, a história pátria; a literatura popular e as grandes obras da literatura nacional. E creem que a alma dos nacionalismos europeus incarna no povo da Idade Média, daí o prestígio do popular e do folclórico. Foi por isso que a literatura romântica cedo adquiriu um caráter cívico e patriótico e enveredou gradualmente pelo historicismo, tratando com muito carinho figuras nacionais.

A emoção

            O romântico expressa espontaneamente as suas emoções: liberto de convenções, ele dá vazão ao que lhe vai na alma, transporta o seu estado de espírito para a Natureza e para a escrita.

A mulher

            A mulher, para o romântico, apresenta uma dupla faceta: pode surgir como mulher-anjo que veio do céu para purificar o coração do amante, enobrecer e animá-lo na sua missão poética, ou como mulher-demónio, que seduz e encandeia o homem, o perde e desgraça.

Herói romântico

. Aparece carregado de aleijões, indisciplinado, doente, irrequieto e egocentrista, sem grandes preocupações morais e pessimista.
. É um ser revoltado contra a sociedade, individualista e solitário.
. Surge rodeado de incertezas e carregado de insatisfação e angústia.
. É um D. Juan (D. Juanismo), um diletante que se apaixona por todas as mulheres, infligindo nas que por ele se apaixonam um destino terrível, espalhando à sua volta o sofrimento e a destruição.
. É um ser fragmentado interiormente.

A realidade humana total

            Se para o escritor clássico a beleza residia na imitação da natureza (no universal e não no particular), idealizando seres com todas as perfeições e sem quaisquer defeitos, o autor romântico, pelo contrário, semeia nas suas obras todos os tipos humanos. Deste modo, ao lado dos heróis, coloca os marginais, os fora da lei, os aleijões (físicos e morais): o ladrão, o assassino, o traidor, o perjuro, a prostituta, o corcunda, o cego, o adúltero, etc. Ocasionalmente, alia a elevação de sentimentos à hediondez física (como acontece, por exemplo, nas personagens o sineiro Quasimodo de Nossa Senhora de Paris, de Vítor Hugo, e o jardineiro Belchior de A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães).




FORMA

Independência criativa

            O génio romântico não pode estar sujeito a regras, como o génio clássico, pois ele voa no imaginário, nos seus sentimentos, nos seus instintos. Daí a abolição do rigor rítmico, rimático e estrófico, o verso livre e branco, a variedade estrófica.
            O Romantismo libertou a criação literária das coações advindas das regras, condenou a teoria neoclássica dos géneros literários, reagiu violentamente contra a conceção dos escritores gregos e latinos como autores paradigmáticos, fonte e medida de todos os valores artísticos.

Linguagem

            É acessível, mesmo coloquial e oralizante, nada convencional. O vocabulário é corrente e familiar. O poeta usa as reticências, a pontuação em abundância, o verso cortado, pois ele não atende a convenções, mas põe no papel os sentimentos que lhe brotam da alma sem correntes nem previsões. A frase é sensorial, musical, imitando a voz; os adjetivos são novos; o tom retórico e declamatório, com repetições, apóstrofes e exclamações.

Hibridismo de géneros

            Com os românticos aboliu-se a separação dos géneros; valorizam-se novas formas literárias e aliam-se o sublime e o grotesco.
            Muitas formas literárias características do Neoclassicismo, como a tragédia, as odes pindáricas e sáficas, a écloga, etc., entraram em decadência no período romântico, ao passo que se desenvolveram novas formas literárias como o drama romântico, o romance histórico, o romance psicológico e de costumes, a poesia intimista e a poesia filosófica, o poema em prosa, etc.



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