Português: 05/11/22

sábado, 5 de novembro de 2022

Quantas línguas há no mundo?


             A resposta a esta pergunta não é simples. Por exemplo, há quem olhe para o português e para o galego e considere que constituem uma só língua e há quem conte duas línguas.

            Por outro lado, os critérios para a contagem das línguas diferem. Além disso, ninguém as conhece a todas.

            Seja como for, de acordo com o catálogo Ethnologue (https:www.ethnologue.com), existem 7 151 línguas no mundo, mas a conceção geral passa por estimar um número situado entre as 6 000 e as 7 500. O mesmo catálogo conta 142 famílias de línguas.


A língua e o território


             Atualmente, associamos a ideia de uma língua a um determinado território, mas nem sempre foi assim. De facto, há muitos séculos, as populações viviam em constante mudança; as línguas estavam ligadas às tribos, mas estas não tinham um território definido, pois estavam em permanente migração.
            Contudo, há cerca de 12 mil anos, foi inventada a agricultura, o que permitiu que parte da humanidade se tornasse sedentária e, assim, estivesse ligada a um território mais ou menos fixo. Esse território podia ser vizinho de outro, onde vivia outra tribo há mais tempo e que, por isso, tinha uma língua diferente. Seguem-se invasões, conquistas, línguas que são substituídas pelas dos invasores, etc. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o latim, os substratos e superstratos. O latim, aquando da Romanização, impôs-se às línguas pré-existentes nos territórios conquistados, que acabaram por desaparecer, deixando, porém, vestígios linguísticos na língua invasora.
            Além disso, mesmo num território onde se fala uma mesma língua a distância entre os povoados e as pessoas cria diferenças. Os habitantes de uma localidade compreendem bem os da localidade vizinha, que compreendem bem os da seguinte e assim sucessivamente. No entanto, se juntarmos os habitantes de duas localidades bem distantes, é possível que tenham dificuldades em se entender linguisticamente. Nestes casos, é difícil saber onde começa uma língua e começa outra. É aquilo que se chama continuum dialectal. Não existem fronteiras marcadas, mas há uma grande diversidade no território.
            Por outro lado, convém ter presente que a variação linguística não é uma questão meramente geográfica. Por exemplo, a forma de falar da classe social dominante de um território, pelo prestígio que possui, pode expandir-se e ir apagando formas de falar de outros locais ou regiões.
            Sucede também que os centros de poder atraem muitas pessoas, de muitos outros locais, fazendo com que o seu dialeto particular incorpore características de outros locais. A forma de prestígio atrai outras formas, roubando-lhes elementos e/ou apagando aqueles que não são escolhidos para fazerem parte da língua de prestígio.

Por que razão não falamos todos a mesma língua?


             A resposta a esta pergunta é muito semelhante, nalguns aspetos, à questão sofre diferenciação que ocorreu entre as línguas românicas.
            Todos os seres humanos têm uma língua, que é constituída por um conjunto limitado de sons, os quais nada significam entre si, mas se conjugam para dar origem a palavras com significado, e por regras que possibilitam a sua organização e o seu uso. Deste modo, poder-se-ia considerar a possibilidade de existir uma língua universal, isto é, comum e falada por todos os humanos. Não é isso, no entanto, o que sucede. Porquê?

1. A criação de novas palavras
 
            Observemos o que escreve o professor Marco Neves na sua obra História do Português desde o Big-Bang (p. 62): “Imaginemos um mundo onde a humanidade fala uma só língua. Nesse mundo monolingue, alguém descobre um animal novo. O nosso descobridor dá um nome arbitrário (como todos os nomes) à sua descoberta: dali em diante, o animal chamar-se-á «elom». Dias depois, a nossa tribo encontra uma outra tribo. Contam, entusiasmados, a descoberta do elom. A outra tribo fica baralhada e diz-lhes que aquele animal se chama ganim! […]
            E agora? Elom ou ganim? […] Cada tribo vai continuar a chamar ao animal o nome que inventou: elom ou ganim. […] Como a humanidade nunca viveu como uma só tribo, nunca poderia ter uma só língua, a não ser que essa língua fosse muito limitada e inflexível. Ora, a linguagem humana é flexível e, para isso, tem de aceitar novas palavras e permitir a dispersão, porque é impossível uma reunião de toda a humanidade para discutir que palavra usar para cada situação nova que encontramos. Multipliquemos este processo pelas descobertas e invenções de cada tribo e temos palavras diferentes. Multipliquemos pelo número de tribos do mundo e percebemos uma das razões por que se multiplicam as línguas. […]
            Além desse facto óbvio de vivermos em grupos diferentes, que podem ter de dar um nome diferente a algo novo, há outro facto inescapável da língua: a língua muda naturalmente, num processo raramente consciente. Se quisermos pensar um pouco melhor na questão, imaginemos que a tribo original em três. Anos depois, uns dirão elom, outros dirão alom, outros dirão alomi… Em breve, teremos três línguas. Mesmo quando começamos com uma só língua, rapidamente encontramos divergência linguística se houver separação entre os falantes. Podemos até imaginar que as três línguas ganham maneiras diferentes de expressar o plural:

duplicação: «elom-elom»;

partícula: «xi alom»;

terminação: «alomis».

            […] As palavras e a gramática de cada língua vão surgindo através da interação entre os falantes. Neste aprender constante das línguas e no seu uso coletivo pelas várias gerações – e se as línguas tiverem sido inventadas pelo Homo erectus, já vamos em mais de 60 000 gerações a usar a linguagem humana –, há processos em que ninguém repara, mas que vão também garantindo uma mudança gradual e inaceitável de todas as línguas, mesmo que sejam faladas por um grupo isolado (e raramente o são).”

2. A economia de esforço

            Outra razão para a diferenciação das línguas prende-se com a economia de esforço, que passa pela simplificação ou queda de sons ao longo dos séculos, ou seja, o falante deseja dizer o mais possível, com o menor esforço possível. Quem nunca deparou com o verbo «tar» («estar») por aí? Quem nunca ouviu o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a soltar um «paspanha» («para Espanha»)?

3. A herança linguística

            Cada nova geração aprende os hábitos linguísticos da geração anterior. O cérebro de uma criança refaz o sistema linguístico que recebeu dos pais sem que ninguém lhe ensine as regras. Essa aprendizagem baseia-se na analogia, limpando irregularidades e visando regras gerais, tendência que é contrariada pelos pais, que assim garantem a sobrevivência das irregularidades. Por exemplo, é comum uma criança, quando começa a falar, dizer «fazido» em vez de «feito».
            Com a passagem dos séculos, uma língua torna-se mais complexa. As línguas que ficam isoladas parecem ter tendência a serem gramaticalmente mais complexas. Por exemplo, o archi, falado no Cáucaso russo, é composta por 1 502 829 formas para cada verbo.
            No entanto, também existem exceções a esta complexificação. Por exemplo, aquando da evolução do latim para o português, simplificaram-se os casos, o que se justifica pelo facto de uma língua, quando se expande por um território muito grande ou quando é aprendida por um grande número de falantes, sofrer um desbaste gramatical muito grande.

4. A diferença entre os falantes

            A aprendizagem das línguas opera-se de forma diferente de pessoa para pessoa (não há cérebros nem corpos iguais). Por outro lado, a língua que “recebemos” dos nossos pais é diferente de pessoa para pessoa. Deste modo, “cada falante tem a sua história e aprende uma língua muito pessoal: é o chamado idioleto. Além disso, os falantes pronunciam cada som de forma ligeiramente diferente. Se pedirmos a cem pessoas que pronunciem um determinado som («a», por exemplo), observamos que haverá diferenças sensíveis entre o que sai da boca de cada um desses indivíduos. Ora, os sons vão mudando ao longo do tempo e no espaço.
            Ou seja, a mudança de uma língua ao longo do tempo acontece porque os falantes são diferentes entre si: não há duas pessoas iguais, com corpos iguais e vidas iguais. Cada som é pronunciado de forma diferente, porque o aparelho fonador (boca, garganta, cordas vocais) de cada indivíduo é diferente, tal como a maneira como aprendemos o som é também sempre diferente, desde logo porque somos ensinados por pessoas diferentes.

5. A interferência das línguas

            As línguas influenciam-se umas às outras. Recuando, por exemplo, no tempo, as línguas das tribos divergiram, mas estas nunca viveram em isolamento absoluto e permanente. Pelo contrário, os contactos entre tribos diferentes e pessoas que falavam diferentes línguas sempre aconteceram, o que fez com que houvesse interferências, mortes de línguas, misturas, etc.
            Este fenómeno acentuou-se, por exemplo, na época das Descobertas e, atualmente, é inequívoco após a criação da Internet e, posteriormente, das redes sociais.

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