Português: 22/11/22

terça-feira, 22 de novembro de 2022

A ação de Hamlet


             Hamlet retrata a indecisão e a incapacidade do protagonista escolher a forma adequada para vingar a morte do pai, pondo em jogo o contraste entre o destino e o livre arbítrio, entre agir de forma decidida ou deixar a natureza seguir o seu curso. Além disso, questiona se a ação do ser humano, no seu tempo de vida, têm algum impacto e fazem diferença. Assim que toma conhecimento que o tio matou o seu pai, o príncipe sente-se obrigado a tomar uma atitude, mas hesita acerca da sua situação e até sobre os seus próprios sentimentos, por isso não é capaz de decidir o que vai fazer. Deste modo, o conflito que faz mover a peça é de caráter interno: Hamlet luta contra a sua própria dúvida e incertezas em busca de algo que lhe dê força suficiente para agir. Os acontecimentos da peça são efeitos colaterais desse conflito interno. Por exemplo, as tentativas de Hamlet de reunir evidências da culpa de Cláudio alertam-no para as suspeitas do sobrinho e, à medida que a luta interna do protagonista se vai intensificando, ele vai agindo de forma impulsiva por frustração. Tudo isto culmina no homicídio de Polónia por engano, que mostra que este conflito nunca será resolvido, pois o protagonista não consegue, em última análise, decidir aquilo em que acreditar ou que ação desenvolver. Esta ausência de resolução torna o final da peça bastante horrível: quase todas as personagens estão mortas, mas nada de essencial foi resolvida.

            Por outro lado, a obra mostra-nos que Hamlet é percorrido por três crises: a sua não está debaixo de ataque, a sua família está a esfarelar-se e ele sente profundamente infeliz. O fantasma do antigo rei da Dinamarca faz a sua aparição nas ameias do castelo, e os soldados que o veem acreditam que constitui um presságio negativo para o reino. Eles discutem os preparativos para resistir à ameaça do príncipe norueguês Fortinbras. A cena seguinte aprofunda a sensação de que a Dinamarca vive uma crise política, enquanto Cláudio prepara uma estratégia diplomática para esbater a ameaça que Fortinbras constitui. Além disso, a família de Hamlet está também em crise: o pai está morto e a mãe casou-se com alguém que o príncipe desaprova. E o próprio Hamlet vive a sua própria crise.

            Estas três crises – no reino, na família de Hamlet e no espírito deste – estabelecem as bases para o incidente que está na génese da peça: a exigência do fantasma de que o filho vingue a morte de seu pai. Hamlet aceita imediatamente que é seu dever vingar a morte do pai, vingança essa que poderia ajudar a resolver as três crises da peça. Se matasse Cláudio, Hamlet poderia, com este gesto, remover um rei fraco e imoral, arrancara sua mãe do que ele acredita ser um mau casamento e tornar-se rei da Dinamarca. No entanto, desde cedo fica claro que a vingança de Hamlet será prejudicada pela sua luta interna.

            Durante o segundo ato, Hamlet retarda a sua vingança fingindo estar louco. De facto, Ofélia mostra que o protagonista se comporta como se estivesse louco de amor por ela. Porém, é só no final deste ato que ficamos a saber a razão da procrastinação de Hamlet: ele não consegue decifrar quais são os seus verdadeiros sentimentos sobre o dever de vingança. Inicialmente, afirma que não se sente tão zangado e vingativo quanto pensa que deveria. Depois, mostra-se preocupado que o fantasma não seja realmente um fantasma, mas um demónio que o tenta enganar. Por tudo isto, decide que necessita de mais evidências do crime e da culpabilidade de Cláudio.

            À medida que a ação se aproxima do clímax, o conflito interior de Hamlet aprofunda-se, até começar a mostrar sinais de estar realmente a enlouquecer. Ao mesmo tempo, Cláudio começa a suspeitar de Hamlet, o que cria uma expressão sobre si mesmo para agir. Hamlet, no início do ato III, debate-se entre mantar ou não matar Cláudio(“Ser ou não ser, eis a questão”). Momentos depois, dispara insultos misóginos contra Ofélia. Ele mostra-se aborrecido com o papel das mulheres no casamento e no parto, o que remete para o desgosto que sentiu com a sua mãe e o seu segundo casamento. Este pronunciamento misógino pode significar que o desejo de Hamlet matar Cláudio pode ser alimentado pelo seu ressentimento pela necessidade de vingar a morte do pai e pelo tio lhe ter tirado a mãe. Cláudio ouve o discurso de Hamlet e suspeita que a loucura do sobrinho constitui um perigo, por isso decide mandá-lo para Inglaterra. Assim, o jovem príncipe fica sem tempo e espaço para executar a vingança.

            O clímax da peça é atingido quando Hamlet encena uma peça para mexer com a consciência do tio e obter evidências claras da culpa de Cláudio. Nesta fase, contudo, Hamlet parece ter realmente enlouquecido. Finda a representação, o príncipe tem mais uma oportunidade de liquidar o tio, mas decide não agir, desta vez por causa do risco de Cláudio ir para o céu se morrer enquanto reza. Posteriormente, acusa gertrudes de estar envolvida na morte de seu pai, mas age de forma tão errática que a mãe pensa que o filho é simplesmente louco. Agindo impulsiva ou loucamente, Hamlet confunde Polónio com Cláudio e mata-o.

            O desenlace da peça centra-se nas consequências da morte de Polónio. Hamlet é enviado para Inglaterra, Ofélia enlouquece e Laertes regressa de França para vingar a morte de seu pai. Quando o protagonista volta a Elsinore, aparenta já não estar preocupado com a vingança, que praticamente não volta a referir após esta fase da peça. Porém, o seu conflito interior ainda não terminou. Agora Hamlet contempla a morte, mas é incapaz de chegar a qualquer conclusão sobre o significado ou propósito da morte. Mostra-se, todavia, menos melindrado em matar pessoas inocentes e descreve a Horácio como assinou as sentenças de morte de Rosencrantz e Guildenstern para salvar a sua própria vida. Por seu turno, Cláudio e Laertes planeiam matar Hamlet, mas o plano não resulta e as consequências são terríveis: Gertrudes é envenenada por engano, Laertes e Hamlet são ambos envenenados pela lâmina da espada e, quando morre, o príncipe finalmente mata Cláudio. A vingança não encerra o conflito interior de Hamlet, pois ainda tem muito a dizer, pedindo a Horácio que divulgue a sua história. Fortinbras, no final da peça, concorda com o pedido, o que significa que a vida do jovem terminou, mas a luta para determinar a verdade sobre si e sobre a sua vida não.

"Havia" ou "haviam"; "houve" ou "houveram"?



O verbo «haver», enquanto verbo principal, é sinónimo do verbo «existir». Por isso, pode ser substituído pela forma verbal correspondente:

- O Eusébio disse que havia muitos computadores estragados.

- O Eusébio disse que existiam muitos computadores estragados.

 
Quando o verbo «haver» é o verbo principal da frase, é defetivo impessoal (isto é, não tem sujeito) e apenas se conjuga na terceira pessoa do singular (em qualquer tempo ou modo), independentemente de o complemento direto estar no singular ou no plural.

- No estádio, havia muitos espectadores com a careca ao sol.

- No estádio, havia muita gente com a careca ao sol.

- O professor afirmou que há muitos alunos que não estudam.

- Se houvesse mais competência no governo, não estaríamos a atravessar uma crise tão aguda.

 
A mesma regra aplica-se também quando o verbo «haver», enquanto verbo principal, está acompanhado por verbos auxiliares.
 
Estes verbos auxiliares flexionam-se também apenas na 3.ª pessoa do singular, mantendo-se o verbo principal («haver») no particípio ou no infinitivo.

- Na minha escola, tem havido muitas atividades.

- Algum dia deixará de haver fome e guerra entre os homens.

 
Quando o verbo «haver» é usado como verbo auxiliar, conjuga-se em todas as pessoas, concordando com o sujeito:

- Quando o filme começou, os alunos já haviam acalmado. [Note-se que os verbos auxiliares dos tempos compostos são «haver» e «ter», pelo que a frase podia também ser Quando o filme começou, os alunos já tinham acalmado.].

- Quando a campainha tocou, o professor já tinha terminado a aula.

- Os vícios humanos hão de levar à sua extinção.

 
O verbo «haver», quando é auxiliar, acompanha o verbo principal no particípio passado ou no infinitivo.

- As minhas ex-namoradas ainda hão de descobrir que namorei com todas ao mesmo tempo.

 
 
Conclusão
 
É a subclasse do verbo «haver» que determina se se conjuga apenas na 3.ª pessoa do singular ou em todas as pessoas.
 
Assim, quando ocorre como verbo auxiliar, conjuga-se em todas as pessoas.
 
Porém, quando ocorre como verbo principal, como sinónimo de «existir», apenas se usa na 3.ª pessoa do singular.
 
            Resumindo, vamos deixar de ouvir dizer ou ler «Houveram muitos acidentes no verão passado.» e bacoradas semelhantes?

Análise da Cena 4 do Ato II de Frei Luís de Sousa


 
Frei Jorge abre a cena saudando efusivamente Maria: “Ora alvíssaras, minha dona sobrinha!” Esta expressão era usada quando alguém pretendia obter uma recompensa (“alvíssaras”) por trazer boas notícias. Neste caso, Frei Jorge usa-a metaforicamente, para anunciar à sobrinha que lhe traz uma boa notícia: os governadores perdoaram a seu pai o facto de ter incendiado o palácio.
 
Frei Jorge, de facto, traz a notícia do perdão dos governadores a Manuel de Sousa, pelo que este não terá mais de continuar escondido, dado que não corre o risco de retaliação. Poderá, assim, retomar a sua vida normal e movimentar-se livremente.
 
Frei Jorge aconselha o irmão a que o acompanhe a Lisboa, porque deseja que Manuel faça parte da comitiva que trará o arcebispo para Almada, como forma de lhe agradecer a intervenção no caso, persuadindo os demais governadores a perdoarem-lhe a afronta. Note-se como repetem a expressão «os outros», referindo-se aos que governam em nome do rei castelhano, mostrando que não os querem nomear. No fundo, é uma forma de mostrar desprezo por eles.
 
Manuel de Sousa concorda e anuncia que também tem necessidade de se deslocar a Lisboa para falar com a abadessa do convento das freiras no Sacramento. Maria decide acompanhá-lo para visitar a tia Joana de Castro, por quem nutre grande admiração. Tudo se prepara, pois, para que Madalena fique só, desprotegida e vulnerável, angustiada pelos seus terrores, para enfrentar a chegada do Romeiro. A atmosfera trágica adensa-se.
 
A referência à tia Joana de Castro constitui um presságio de desgraça (vide cena 8, Ato II), dado que, juntamente com o seu marido (D. Luís de Portugal, Conde de Vimioso), optou pela vida religiosa. De facto, este casara com D. Joana de Castro e Mendonça, depois de ter sido resgatado do cativeiro de África. O casal teve filhos. Subitamente, porém, foram tocados pelo tédio do mundo e da vida, e entrou cada um no seu convento.
 
Outra informação trazida por Frei Jorge diz respeito ao fim do surto de peste em Lisboa. Na realidade, ela começara em finais de agosto de 1599. Porém, só terminou de forma definitiva em fevereiro de 1602. Sabe-se hoje que Manuel de Sousa ajudou a debelar o mal, como guarda-mor da saúde, e por isso foi recompensado pelo rei castelhano, a quem servia com lealdade.
 
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