Não há certezas sobre a origem do
termo sátira, no entanto
grande parte dos estudiosos liga-a ao nome dos sátiros, divindades gregas
secundárias associadas a zombarias e farsas. Outros consideram que deriva do vocábulo
«satur», um adjetivo que era aplicado a pessoas embriagadas.
Para Jules Humbert e Henri Berguin,
a etimologia de sátira radica no latim «satura», cujo primeiro
significado, presente na expressão «satura lanx», é “prato de oferendas
diversas, oferecidas aos deuses nas celebrações que envolviam sacrifícios. Além
disso, «satura» designa uma pasta feita de diferentes carnes. Por outro lado,
a linguagem parlamentar usava a expressão «per saturam» na aceção de “em bloco”,
aludindo ao processo rápido pelo qual se regulamentavam vários negócios de uma
só vez.
O gramático latino Diomedes (século
IV d.C.) apresenta quatro hipóteses relativamente à etimologia do termo,
entendido pelos romanos como composição em versos pertencente a uma miscelânea
de poesias. Deste modo, a primeira hipótese relacioná-la-ia com os sátiros, que,
tal como sucede na sátira, dizem e fazem coisas ridículas e vergonhosas. A
segunda leva-nos até «satura», um prato cheio de muitas e variadas
primícias, que os antigos camponeses ofereciam aos deuses em festividades
religiosas. Esse prato era assim chamado por causa da abundância e fartura de
componentes. A terceira associa-o a «satura», um determinado tipo de
recheio com muitos ingredientes. Por último, a quarta remete para uma lei
chamada «satura», em que, numa única petição, se incluíam,
simultaneamente, muitas coisas, “como acontece na composição versificada do
mesmo nome, que reúne diferentes poemas.”
Salvatore D’Onofrio opta pela derivação
de «satura lanx», que significava “prato cheio” de oferendas aos deuses,
em ação de graças, um ritual que se incluía num ambiente de festa, a que
estavam associados a música, ao canto, à dança e a troca de desafios onde se misturavam
o sagrado e o profano, atingindo por vezes o obscuro.
Outros autores associam o termo a
diferentes significados. Assim, Énio remete para a ideia de mistura, tendo em
conta os diversos sentidos que «satura» adquire no título Saturae,
que deu a alguns dos seus poemas de metros heterogéneos. Em Lucílio, «satura»
traduz a variedade de tom e assunto e designa um género original.
Aparentemente, o género satírico
parece ser de origem romana e surge associado a dois traços distintivos: o
gosto pela troça e o da observação moral. O já citado Lucílio parece ter
definido o domínio característico da sátira – a crítica à sociedade – e a sua
forma poética – o hexâmetro –, pelo que é considerado por muitos o verdadeiro
criador da sátira como género literário.
Na Idade Média, a produção satírica
foi abundante, sobretudo no século XII, em França. Os principais temas eram os
abusos da Igreja, as inovações educativas, o governo secular, a moral e os
costumes dos cortesãos. A inspiração desses autores medievais centrava-se em
autores latinos, como Horácio e Juvenal, bem como noutros que não eram
inteiramente satíricos, como Ovídeo (Ars amatória), Marcial (Epigramas),
Séneca (Apocolocyntosis) e Petrónio (Cena Trimalchionis).
Recorriam também às Sagradas Escrituras e à liturgia cristã, visando a sátira
dos clérigos e das ordens religiosas. São exemplo deste tipo de literatura os Carmina
Burana, uma coletânea de poemas e textos dramáticos manuscritos do século
XIII, maioritariamente picantes, irreverentes e satíricos, escritos em latim
medieval e línguas vernáculas. Além dos já mencionados, são ainda tratados
temas como os vícios da corte, misoginia e misogamia. Existia ainda a chamada «satira
communis», que focava as diversas classes sociais: o rei, o Papa, os nobres
e todas as profissões e ofícios da época, exemplificada por obras como o De contempto
mundi, de Bernardo Morval, e o Speculum Stultorum, de Nigel de
Canterbury.
A partir dos múltiplos estudos sobre
a sátira, é possível identificar duas categorias: a formal (ou direta) e a
indireta. Aquela surge na primeira pessoa e compreende duas formas: a primeira
evoca ironicamente as loucuras e os absurdos dos seres humanos, enquanto a segunda
possui um caráter moralista, sério, visando a repreensão forte dos vícios
humanos. Já a sátira indireta é redigida na terceira pessoa e surge sob a forma
de uma narrativa, cujos protagonistas se revelam ridículos através das suas
opiniões, das suas ações, das suas falas ou pensamentos.
Outro tipo de sátira é a chamada menipeia,
que deve a designação ao seu criador, o filósofo grego Menipo. Esta forma
satírica é igualmente conhecida por varrónica, dado que foi cultivada também
por Varrão, discípulo de Menipo, e intercala momentos em prosa com outros em
verso. A sátira menipeia é originária da Grécia.