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domingo, 21 de novembro de 2021

Conceito de sátira

             Não há certezas sobre a origem do termo sátira, no entanto grande parte dos estudiosos liga-a ao nome dos sátiros, divindades gregas secundárias associadas a zombarias e farsas. Outros consideram que deriva do vocábulo «satur», um adjetivo que era aplicado a pessoas embriagadas.
            Para Jules Humbert e Henri Berguin, a etimologia de sátira radica no latim «satura», cujo primeiro significado, presente na expressão «satura lanx», é “prato de oferendas diversas, oferecidas aos deuses nas celebrações que envolviam sacrifícios. Além disso, «satura» designa uma pasta feita de diferentes carnes. Por outro lado, a linguagem parlamentar usava a expressão «per saturam» na aceção de “em bloco”, aludindo ao processo rápido pelo qual se regulamentavam vários negócios de uma só vez.
            O gramático latino Diomedes (século IV d.C.) apresenta quatro hipóteses relativamente à etimologia do termo, entendido pelos romanos como composição em versos pertencente a uma miscelânea de poesias. Deste modo, a primeira hipótese relacioná-la-ia com os sátiros, que, tal como sucede na sátira, dizem e fazem coisas ridículas e vergonhosas. A segunda leva-nos até «satura», um prato cheio de muitas e variadas primícias, que os antigos camponeses ofereciam aos deuses em festividades religiosas. Esse prato era assim chamado por causa da abundância e fartura de componentes. A terceira associa-o a «satura», um determinado tipo de recheio com muitos ingredientes. Por último, a quarta remete para uma lei chamada «satura», em que, numa única petição, se incluíam, simultaneamente, muitas coisas, “como acontece na composição versificada do mesmo nome, que reúne diferentes poemas.”
            Salvatore D’Onofrio opta pela derivação de «satura lanx», que significava “prato cheio” de oferendas aos deuses, em ação de graças, um ritual que se incluía num ambiente de festa, a que estavam associados a música, ao canto, à dança e a troca de desafios onde se misturavam o sagrado e o profano, atingindo por vezes o obscuro.
            Outros autores associam o termo a diferentes significados. Assim, Énio remete para a ideia de mistura, tendo em conta os diversos sentidos que «satura» adquire no título Saturae, que deu a alguns dos seus poemas de metros heterogéneos. Em Lucílio, «satura» traduz a variedade de tom e assunto e designa um género original.
            Aparentemente, o género satírico parece ser de origem romana e surge associado a dois traços distintivos: o gosto pela troça e o da observação moral. O já citado Lucílio parece ter definido o domínio característico da sátira – a crítica à sociedade – e a sua forma poética – o hexâmetro –, pelo que é considerado por muitos o verdadeiro criador da sátira como género literário.
            Na Idade Média, a produção satírica foi abundante, sobretudo no século XII, em França. Os principais temas eram os abusos da Igreja, as inovações educativas, o governo secular, a moral e os costumes dos cortesãos. A inspiração desses autores medievais centrava-se em autores latinos, como Horácio e Juvenal, bem como noutros que não eram inteiramente satíricos, como Ovídeo (Ars amatória), Marcial (Epigramas), Séneca (Apocolocyntosis) e Petrónio (Cena Trimalchionis). Recorriam também às Sagradas Escrituras e à liturgia cristã, visando a sátira dos clérigos e das ordens religiosas. São exemplo deste tipo de literatura os Carmina Burana, uma coletânea de poemas e textos dramáticos manuscritos do século XIII, maioritariamente picantes, irreverentes e satíricos, escritos em latim medieval e línguas vernáculas. Além dos já mencionados, são ainda tratados temas como os vícios da corte, misoginia e misogamia. Existia ainda a chamada «satira communis», que focava as diversas classes sociais: o rei, o Papa, os nobres e todas as profissões e ofícios da época, exemplificada por obras como o De contempto mundi, de Bernardo Morval, e o Speculum Stultorum, de Nigel de Canterbury.
            A partir dos múltiplos estudos sobre a sátira, é possível identificar duas categorias: a formal (ou direta) e a indireta. Aquela surge na primeira pessoa e compreende duas formas: a primeira evoca ironicamente as loucuras e os absurdos dos seres humanos, enquanto a segunda possui um caráter moralista, sério, visando a repreensão forte dos vícios humanos. Já a sátira indireta é redigida na terceira pessoa e surge sob a forma de uma narrativa, cujos protagonistas se revelam ridículos através das suas opiniões, das suas ações, das suas falas ou pensamentos.
            Outro tipo de sátira é a chamada menipeia, que deve a designação ao seu criador, o filósofo grego Menipo. Esta forma satírica é igualmente conhecida por varrónica, dado que foi cultivada também por Varrão, discípulo de Menipo, e intercala momentos em prosa com outros em verso. A sátira menipeia é originária da Grécia.

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