sexta-feira, 23 de agosto de 2019
Capítulo X de A Sibila
1. Naturalidade
da morte
Maria da
Encarnação morre aos noventa e quatro anos, mantendo o seu espírito de humor. A
sua morte é aceite com naturalidade: "Não se ouviam prantos, não havia
rostos desfeitos pela dor, nem alardes de desespero." (p. 108).
2. A descrição
do ambiente que rodeia o velório de Maria vem conferir verosimilhança à obra,
verosimilhança suportada pelas crenças populares, em que Germa não acredita:
"- Foi um
arejo que passou por ela, ao toque das trindades, quando era menina - dizia,
condoída.
Germa protestava
com aquilo, mas, notava, era ela a mais ridícula, tentando fazer a troca
daquelas crenças que partiam do âmago do espiritual, pelas suas convicções
modeladas apenas por diferentes princípios." (p. 110).
3. À procura do
mistério de Quina: " «Que acontece aqui»? - pensou Germa. «Há em volta
desta mulher um círculo que não posso transpor e que me torna invisível para
ela. Parece, não só que ela contempla alguma coisa que não vejo, mas que essa
espécie de visão lhe é muito familiar. Não estava surpreendida, mas até um
pouco desatenta, não com o exterior do círculo, isso é evidente»." (p.
114).
Capítulo IX de A Sibila
1. Nascimento
de Germa
Germa nasce, na
cidade, e a notícia do seu nascimento chega ao conhecimento da tia e da avó
através de um postal. O desagrado de Quina perante tal notícia é tão grande que
embebeda o carteiro que trouxe o postal, por vingança ou castigo (para não ler
mais nenhum postal), mas sobretudo porque lhe desagradavam a entrada de mais
uma mulher na família e a sua proveniência burguesa citadina:
"- É uma
riqueza - disse Quina. Aquilo era todo um fino tratado de reprovação, com tudo
o que a reprovação pode ter de irónico, ferino, despeitado e, apesar disso, não
de todo sério ou combativo. Ela aborrecia que lhe escrevessem postais, fosse
até a mais banal das recomendações. Achava horrivelmente indelicado aquilo, e
era, sob esse aspeto, mais suscetível que uma inglesa com os seus schokings.
A comunicação sujeita à apreciação e à curiosidade ociosa do intermediário
parecia-lhe tão detestável como se esses pequenos segredos familiares que estão
apenas numa ternura, numa palavra de gíria íntima que ninguém mais entende,
fossem intercetados por um estranho. Pegou no postal, e guardou-o na algibeira
sem o olhar." (p. 96)
Esta não é,
todavia, a primeira vez que Quina manifesta contrariedade e se sente ameaçada
pela entrada de novas mulheres na família.
Esta não
aceitação de Germa deve-se a dois fatores. Em primeiro lugar, Quina e Maria
viam em Germa uma "fidalga", oriunda da cidade, e, por outro lado,
desprezam-na por ser mulher: "O nascimento de Germa não lhe causava
entusiasmo de maior, pois ela seria uma pequena fidalga educada e crescida em
ambiente diverso, e sem muitas probabilidades de que a identificassem com o
próprio sangue." (p. 98). Quina despreza as mulheres porque se submetem
aos maridos, o que a fazia sentir-se frustrada como mulher: "Amadas,
servindo os seus senhores, (...) tornadas abjetas à custa de lhes ser negada a
responsabilidade, usando o amor com instinto de ganância, parasitas do homem e
não companheiras. Quina sentia por elas um desdém um tanto despeitado e mesmo
tímido, pois havia nessa condição de escravas regaladas alguma coisa que a
fazia sentir-se frustrada como mulher." (p. 98).
Relativamente
aos homens, Quina "na generalidade, amava o homem como chefe de tribo e
pelo secular prestígio dos seus direitos" (p. 98). Sentia-se, contudo,
superior porque os conseguira "vencer (...) por impulso de carácter"
(p. 98).
2. A infância
de Germa
O primeiro
encontro de Germa com Quina e a avó só ocorreu aos dois anos de idade, o que
revela a indiferença e desinteresse para com Germana. Contudo, porque era
bonita, conseguiu deixar uma impressão positiva nas duas mulheres: "Só
viram Germa passados dois anos. Apesar de estarem dispostas a considerá-la como
uma visita à qual se deve menos afeto do que cortesia, acharam que se parecia
muito às mulheres da casa da Vessada, simplesmente porque era bonita." (p.
99)
Desde logo,
demonstra ser uma criança dotada de excecional perspicácia e capacidades
mentais; no seu comportamento notam-se a riqueza interior, a sua noção de justiça
(apresenta sentimentos de revolta e vingança pela utilização abusiva do poder
dos adultos sobre os inocentes como ela), curiosidade, capacidade de observação
e habilidade no contacto com os adultos, características que a aproximam de
Quina e Maria: "Esse mundo misterioso e deslumbrante da gente grande, era
já motivo único da sua observação. Não vivia nesse estado de aceitação total em
que se verifica que as borboletas voam, não porque tenham asas, mas porque,
simplesmente, são borboletas; (...) Aprendera depressa que a obediência era a
sua melhor defesa contra a esmagadora autoridade, força e categoria dos
maiores; (...) Mas, um dia em que a mãe a esbofeteara apenas por uma
necessidade de violência, desafogando uma arrelia doméstica, a criança
refugiou-se num recanto do jardim, (...)
- Que um raio
venha do céu para a ferir, porque ela pecou contra mim! - disse, alto e
fervorosamente, Germa, apelando para a justiça bíblica". (p. 99)
O primeiro
sinal de aproximação vai ser dado pelo facto de Quina, que nunca tinha tido
bonecas, fabricar "uma extensa série de monas de trapo" para a
sobrinha (p. 100).
Germa é uma
criança criativa, detentora de um espírito de frieza, de individualismo e de
virilidade ("paciente, pouco meiga e que gostava de brincar sozinha"),
características comuns às três mulheres da casa da Vessada. A sua perspicácia
precoce leva-a a conceber a tia como um ser traiçoeiro, trocista e
individualista: "Suspeitava ela o feitiço traiçoeiro de Quina, a sua
diplomacia admirável e um tanto pegajosa, o jeito de troçar ferozmente e de
culpar em abstrato toda a gente, ainda que uma espécie de nobreza de carácter a
fizesse tão fraterna e abnegada diante duma miséria ou duma pena, que a
sentença dos seus juízos teria de ficar sempre suspensa". (p. 101)
Mas o tempo, os
contactos e a semelhança dos caracteres aproximá-las-ão: "Mas, aos sete
anos, Quina era já tão popular no seu coração como a própria casa da
Vessada...". (p. 101)
3.1. Germa e as
duas margens da sua alma → Germa, o duplo de Quina
Uma das
afinidades de Germa com Quina era o facto de ser detentora de um dualismo entre
a ternura perante a proximidade humana e a vileza perante a distância, numa
procura de sobrevivência espiritual (p. 101). Daí que "Germa e Quina
compreendiam--se bem demais, cada uma delas via na outra a sua própria
personalidade (...). Cada uma via na outra defeitos e virtudes, (...) isso
fazia com que mutuamente se detestassem...". (p. 101)
4. A educação
de Germa
Apesar de
oriunda da burguesia citadina e intelectual, a educação de Germa, o seu
espírito equilibrado, a sua profundidade humana e tolerância, a sua abertura
muito devem ao contacto com o campo e a Natureza e ao convívio com as mulheres
da casa da Vessada (2.º parágrafo da p. 102).
"Educada
por freiras e aprendendo, a respeito da moral, a ser limitada por prudência
mais do que por virtude" (p. 106), é Quina quem lhe revela o contraponto
vivido dos preceitos que lhe impõem no colégio e lhe ensina a relatividade dos
conceitos de mal e de bem, a importância da intenção e do contexto no
julgamento dos outros (p. 106).
Esta educação
escolar e colegial (ela ostenta crueldade e cinismo) está desfasada da
realidade e a formação de Germa acabará por se regenerar na casa da Vessada em
contacto com a natureza, acabando por ser a aldeia a sua autêntica escola,
retomando-se, desta forma, um dos temas centrais da obra: a oposição
campo/cidade – "A verdade é que a educação de Germa recebeu um tributo
incalculável naquele convívio com os costumes do campo e da sua gente,
especialmente com as mulheres da Vessada. Todo o postiço que a sociedade lhe
incutia, o supérfluo de que a cultura lhe rodeava o espírito, sofriam ali um
contraste que lhe proporcionava um equilíbrio de valores." (p. 236).
Capítulo VIII de A Sibila
1. Resumo da 1.ª
parte do capítulo
Quina, quarentona,
nunca teve tantos pretendentes, mas a sua vaidade e o desinteresse pelo
casamento impedem os seus intentos.
A velha Narcisa
Soqueira continua a pretendê-la para o filho Augusto, de quem é traçado um
breve retrato ("bronco até ao anedótico"). É dotado de uma natureza
selvagem, o que o aproxima das ideias filosóficas de Rousseau.
Seguidamente,
faz-se referência a um brasileiro rico, sobrinho segundo do seu velho amigo
Adão, aproveitando a narradora para denunciar a emigração e as suas desastrosas
consequências.
A faceta
espiritual de Quina como conselheira é novamente realçada com a alusão a
Adriana, uma prima abandonada pelo marido que recorre aos seus conselhos, mas
que, deflagrada a guerra, regressa para junto do marido.
2. Prosperidade
da casa da Vessada – conquista do poder económico
Requestada por
um maior número de pretendentes do que em nova, Quina não pretende casar-se,
pois a sua preocupação vai no sentido de ser mais respeitada do que amada, o
que se deve também à sua ambição de posse e de aumento de património,
desiderato conseguido através da captação da herança aos irmãos: "João
(...) acabou por abdicar da sua parte da herança por uma quantia em dinheiro
que jubilosamente lhe foi entregue por Quina. (...) Adão louvou-a muito por
aquele discreto manejo que a fazia senhora de metade do património"; "Era,
no fim de contas, Quina que subia, que se emancipava, que, segundo o dizer
respeitoso dos do lugar, «fazia casa». Nas rendas dos irmãos, ela subtraía
habilmente a comissão devida às suas responsabilidades e fadigas na
administração delas." (p. 87).
Mas a ascensão
de Quina como proprietária hábil, abastada, é feita à custa da economia e do
governo da casa: "o seu equilíbrio uma forma de génio". E, por outro
lado, "a prosperidade trazia-lhe também (...) inimigos..." (p. 88).
Estes factos
levantam uma questão fundamental: porque não casou Quina?
As causas são
as seguintes:
-» Quina tinha uma imagem
negativa dos homens, tomando como exemplo o comportamento do pai;
-» gostava mais de ser admirada
do que de servir: "Ela adorava os respeitos, mais do que os amores. Sempre
assim fora, e, mesmo que agora alguns partidos consideráveis mandavam
espiar-lhe as disposições a respeito de consórcio, ela sentia mais prazer pelas
alusões feitas ao seu nome de proprietária, do que pela galanteria dedicada à
mulher" (p. 82);
-» sente um grande e intenso
amor pelo pai, mantém com ele uma aliança secreta (p. 23);
-» o casamento limitaria o seu
desígnio do aumento do património e da riqueza;
-» embora muito ligada ao clã
feminino da casa e da família, é como um homem que Quina sempre agiu,
recalcando a sua feminilidade.
3. A conquista
do poder espiritual
Quina não chega
a ser uma autêntica sibila. Tem de comum com as sibilas de Apolo o facto de ser
a guardiã da sua casa, ter por herói o pai, o seu Apolo, possuir um discurso
sentencioso e sibilino, um poder medianeiro, interferindo nas ações das pessoas
e captando os segredos da existência, entrando frequentes vezes em êxtase.
Porque é que
não foi uma autêntica sibila?
"Criou
asas, sem jamais poder voar. Havia nela uma admirável capacidade de entusiasmo
que podia arrastá-la ao sobre-humano. Mas o instinto prático pesava-lhe como
chumbo no coração, e ela subordinava aos interesses a chama que Prometeu furtou
e cujo valor ela nunca compreendeu. Todos os seus passos acabavam por deixar um
rasto de autossuficiência tão inocente quanto grotesca, e todas as suas ações
traziam consigo um selo de vaidade e ânsia de louvor que as tornavam desde logo
inúteis, ridículas e falsas." (p. 89)
O seu apelo ao
triunfo imediato, às coisas materiais, terrenas, a sua constante e insaciável
vaidade, as suas intrigas mesquinhas, tudo isto a condenou, pesou como chumbo,
não lhe permitindo voar.
Todavia, o seu
poder espiritual fica patente no auxílio espiritual de Quina aos sofredores e
desprotegidos, ilustrado na sua ação junto do marido de Lisa, no seu leito de
morte. Esta circunstância exemplifica a projeção social de Quina no espaço onde
vive, bem como o seu sentimento de vaidade, com exultação perante a idolatria:
"-
Deite-se para baixo, se Zé - murmurou ela. - Adormeça.";
"O velho
deixou-se recostar, ficou quieto, olhando à sua frente. Não parou de mover os
lábios, e, quando Quina tentava afastar-se, ele agitava-se, gemendo. Porém, não
a tinha ouvido.";
"Quina,
onde se interpunha à sua vaidade monstruosa e implacável" (p. 91).
A construção do
mito de Quina fica bem marcada neste episódio, finalizado com a oração.
4. A
fragmentação do tempo
. Analepse: o
episódio entre o pai de Augusto e Francisco Teixeira (p. 83).
. Sumário (p.
87, 1º parágrafo).
5. Crítica à
emigração, na pessoa do sobrinho de Adão, que, cruel e oportunista, se
aproveitava da ingenuidade dos emigrantes (p. 85).
6. Quina,
grande e pequena ou o Prometeu agrilhoado
A associação
que o narrador faz entre Quina e o deus Prometeu serve para demonstrar a
obsessiva e irrefletida sede de poder e de absoluto de Quina que, como o deus,
se torna vítima dela própria: "(...) e ela subordinava aos interesses a
chama que Prometeu furtou e cujo valor ela nunca compreendeu." (p. 89).
7.
Domingas: representa as mulheres que
amortalham os mortos, nas aldeias, e as carpideiras, e o seu retrato é-nos
apresentado depreciativamente: "(...) Havia alguns vizinhos em volta, e
uma mulher, amortalhadeira de profissão, veio desde a lareira, com a colher de
lata negra com que estivera a revolver um cozimento suspensa na mão."
; "(...) e tomando-os
alternadamente, com vagidos de comoção e consolo. (...) Ela era, de resto,
atreita a amores, e todos os homens lhe pareciam bem." (pp. 90-91).
Capítulo VII de A Sibila
1. A maior
parte deste capítulo dá-nos conta da progressiva ascensão espiritual de Quina,
bem expressa no prazer do triunfo rápido que a relação com a condessa lhe
causa.
Por outro lado,
deparamos, inicialmente, com uma Elisa Aida ociosa e, posteriormente,
romântica, com a caricata relação estabelecida com um misterioso homem. Desta
relação resulta a firmeza da sua decisão de não voltar a casar, por isso
rejeita a proposta de casamento de Abel, cedendo a um isolamento progressivo,
culminado na morte, em que só tem a companhia dos gatos.
2. Estina e
Inácio Lucas, o casal infeliz
A vida de
Estina é pautada pela infelicidade e pelo sofrimento a que só a sua forte
vontade e grande estoicismo permitirão resistir. É, afinal, o resultado de um
casamento sem amor, de acordo com a noção de casamento expressa na obra. As causas deste sofrimento são:
-» as difíceis relações com o
marido, que não ama, mas a quem sempre será fiel;
-» a morte de dois filhos,
vitimados pela brutalidade do pai;
-» a filha que sobreviveu mas
que sofre de alucinações;
-» a morte da mãe e da filha
(p. 121).
Vítima de um
casamento sem amor, do mau carácter do marido ("Inácio Lucas torturara-a
sempre, tentara aniquilá-la, sem, no fundo, o desejar; e a fama das suas
sevícias, da sua crueldade mórbida, de carrasco, correra a freguesia inteira,
onde era conceituado como espécime diabólico."), bem como da sua cólera,
nem por isso Estina deixa de ser uma pessoa boa e generosa: "Contudo, o
seu coração era generoso e grande..." (p. 81). Todavia, "continuava a
mesma mulher bela, austera, fria...", não obstante a brutalidade do marido,
culpado da morte de dois filhos, nem a opinião da mãe a fazem abandonar a casa:
"Os dois filhos de Estina..." até "- Não deixo a minha casa.
Isso não faço nunca." (p. 81)
São grandes as
semelhanças de Estina com Maria e Quina, já anteriormente apontadas na página
54: "(...) E o «beiral», construção quase lacustre, (...). E o pomar onde
cresciam as melancias em que cada criança todos os anos ia escrever o seu nome
na casca tenra (...) E as bermas (...) Aquela terra negra, (...) onde a mesma
árvore foi fiel e deu durante tanto tempo o seu fruto, onde tantas mulheres
gritaram a sua hora de parto - deixar que se despedace, que se reduza a
informes restos, que fique sujeita apenas a um significado de imóvel que se
negoceia, que muda de mãos, que se avilta! Estina resolveu casar.
Foi viver em
Morouços (...) evitando falar do marido, que ela não amava." (p. 54)
Estina tem um
profundo sentimento de conservação dos bens da família, como se, do
desaparecimento de algum deles, resultasse um desmanchar da tradição e da
família. A terra e o património são valores inalienáveis que justificam todos
os sacrifícios, inclusivamente o casamento sem amor que, consuetudinariamente,
se reveste de uma necessidade de aumentar o património e a segurança da família
e da conservação do espírito de clã.
3. Sublimação
dos laços de sangue
Capítulo VI de A Sibila
1. Quina –
caracterização
- vidente, tem momentos de desorbitação
- conselheira
- idolatrada
- carente de ternura
- vaidosa
O "génio
conselheiro" de Quina permite-lhe introduzir-se em ambientes fidalguios,
onde testemunha a natureza das mulheres de sociedade e penetra nas suas intimidades
(3.º parágrafo, p. 62; 1.º e 2.º parágrafos, p. 63).
Por vaidade,
experimenta um regozijo insaciável pelos elogios e pela necessidade da sua
presença reclamada pelas senhoras fidalgas: "Até à morte não deixou de ser
sensível aos elogios, e corava de prazer sempre que ela fosse a beleza dos seus
cabelos brancos. Aquele convívio com fidalgas enervava-a. (...) quando elas a
chamavam e lhe faziam lugar para poisar os pés no estrado da braseira (...)
quando lhe pediam conselhos (...) Quina exultava.". (p. 64)
De facto, não
foi difícil a Quina, numa aldeia simples, destacar-se e rapidamente alcançar o
estatuto espiritual de vidente, conselheira e sibila. A sua vaidade insaciável
sentia-se satisfeita ao ser convidada para a casa dos ricos ou recebendo em sua
casa pessoas que lhe pediam conselhos.
A oração de
Quina transporta-a para um domínio insólito de pensamentos não codificáveis,
que lhe toma o comando completo dos sentidos, como um esquecimento da
existência destes. É a desorbitação de Quina, uma das suas "imagens de
marca" como sibila. Desta ascensão espiritual para uma dimensão
desconhecida, resultaria um mal-estar físico e de medo, seguido de um
sentimento de terror pelos horizontes vastos que teria vislumbrado. Retoma o
controlo das suas capacidades físicas e procura consolo na mãe, como um refúgio
ao movimento ascético do seu espírito, dotado de virtualidades ocultas para
aspirar a aproximar-se do transcendental. Pela sensação de medo e pela fraqueza
demonstrada, em consequência do movimento ascético e com rumo ao
transcendental, Quina envergonhar-se-ia e sentir-se-ia vulnerável e com
sentimentos de inferioridade. Não desculpa a ela própria tal sinal de fraqueza.
Observe-se o
episódio da página 69, que confirma o seu poder como sibila, de que se apresenta
a frase chave: "- É por via da condessa? Não te amofines - disse - que ela
não volta a casar."
2. Elisa Aida,
a inadaptada
Afilhada de
Maria da Encarnação e "parenta não muito próxima", Elisa Aida casou
aos catorze anos com um tio rico regressado do Tucumán, onde enriquecera como
plantador de açúcar. O marido fez-se conde de Monteros, de apelido Fattoni, daí
vindo o nome Elisa Aida Fattoni, Condessa de Monteros. O dinheiro do esposo vai
fazer dela uma fidalga: viaja (Itália e Constantinopla), aprende piano, veste
bem, torna-se bonita, de tal forma que Estina, que foi sua companheira de
escola, a não reconhece. E tudo por exigência da sua condição de aristocrata.
(pp. 25-26)
Apesar do luto
e artificialismo de que o marido a rodeia e que o título requer, Elisa manterá
sempre grande simpatia pelas coisas e pessoas do campo (pp. 26, 65). É
novamente a dicotomia campo/cidade (pp. 66-67).
Depois da morte
do cônjuge, leva uma vida muito recatada, passando muito tempo em casa,
abandonados o brilho e o luxo de outrora, e tornando-se muito mais humana e
natural. Gosta de falar com Quina e recebe-a frequentemente. É ela que lhe dá o
nome de "sibila".
Haverá sempre em
si um desequilíbrio resultante provavelmente do facto de ser uma pessoa do
campo que, repentina e precocemente, é projetada para uma vida de aristocracia
rica. (p. 26)
Um dos sinais
desse desequilíbrio é o facto de insistir muito com Quina para que a visite,
para ouvir o seu conselho de sibila, apesar de nunca a considerar sua igual,
sabendo sempre marcar as distâncias. Curioso também o facto de Quina aceitar
esses convites e esse diálogo equívoco com uma representante do artificialismo
burguês, ou melhor, uma espécie de ser híbrido porque oriunda do campo, com
ligações na cidade, convivendo com pessoas da aristocracia e da
intelectualidade que Quina odiava. Era o preço que tinha de pagar pelo acesso à
sociedade e pelo prestígio que tanto a envaideciam. (pp. 77-78 e 79)
É provavelmente
porque quer preservar a sua individualidade e a sua independência que não volta
a casar. Desagrada-lhe a vida da cidade e vai acabar os seus dias rodeada de
servidores e de gatos. (pp. 66, 71-72, 73 e 127).
Capítulo V de A Sibila
1. Relações
homem-mulher (pp. 52-53)
A mulher de A
Sibila é um ser realista, intuitivo, responsável e profundamente enraizado
na terra, enquanto o homem é um ser volúvel e irresponsável, que procura o
prazer incessantemente (ex.: Francisco Teixeira). Vive fora de casa e deixa à
mulher o encargo das responsabilidades económicas e administrativas e das
tarefas domésticas; por isso, os homens dissipam os bens enquanto que as
mulheres os conservam, ampliam e transmitem. As mulheres, escravas do lar,
parasitas dos homens, aceitando, resignada e estoicamente, a sua condição de
procriar e conservar, são hostis às inovações (p. 63), escapam às mudanças do
tempo, mantêm as suas tradições ancestrais e são felizes à sua maneira. Os
homens, vivendo fora de casa, em contacto com as alterações sociais, são
marcados pela noção do tempo.
Veja-se, a
título exemplificativo, a relação marital entre Maria da Encarnação e Francisco
Teixeira.
Daqui resulta
que as mulheres apresentam traços de virilidade e aversão pelo homem, "ser
inútil e despótico, egoísta, cedendo aos vícios e à corrupção com uma
facilidade fatalista, desenvolveu-se nelas cada vez com mais intensidade, não
sem que o seu orgulho, porém, se abstivesse de julgar com muito rigor os
exemplos masculinos da casa, nos quais encontravam sempre uma atenuante, um
encanto, mesmo feito de fraquezas, e que os fazia tão queridos."
Estamos, pois,
perante uma sociedade matriarcal no que diz respeito à conservação dos bens, ao
destino da casa. Os homens mantêm-se afastados das tarefas domésticas e
administrativas e têm uma imagem negativa: marialvas, aventureiros, desbaratadores
de fortunas: "Os rapazes cresciam e mostravam um gosto de mandria, de
frívolos costumes, de prazeres. (...) deitando sortes aos amores.",
"Os homens tinham sido sempre fatais para a casa da Vessada."; /
"Deixavam às mulheres os cuidados das lavouras...", "As mulheres
viam-se a braços com toda a responsabilidade..." (p. 52), "... ser
inútil e despótico, egoísta, cedendo aos vícios e à corrupção..." (p. 53).
2. Casamento de
Estina
2.1.
Noção de casamento: "Foi um enlace de conveniência...", associada à
noção de propriedade herança sagrada a
conservar, aumentar e transmitir ao herdeiro seguinte: "E a propriedade
dividida, desmantelada era como um corpo que se destroça. Casando, ela
aumentava as possibilidades de um dia licitar sobre os bens, manter ainda
aquele aconchego de campos ligados por carreiros brancos, a vessada
(...)". (p. 54)
Por outro lado,
o casamento de Estina proporciona uma maior aproximação entre a mãe e Quina:
"Eis Quina e Maria, lado a lado, e não frente a frente como outrora. Um
grande sentimento de colaboração, que era mais do que amor, as unia agora. O
afastamento de Estina servira para as revelar como complemento valioso,
urgente, uma da outra." (p. 55).
Dotada de
temperamento grave, ria, por vezes, por uma necessidade de equilíbrio, ou,
outras vezes, para exprimir o seu distanciamento em relação a certas atitudes,
gostos ou artificialismos burgueses (de suas primas, por exemplo).
3. Quina conquista o poder
económico, recuperando a casa da Vessada:
"Aos poucos, a casa da Vessada ficou entregue nas mãos de
Quina, e ela foi considerada senhora absoluta dentro daquele pequeno reino de
campos...". (p. 55)
Contrariamente
à irmã, Quina não casou, embora mantivesse uma relação de relativa proximidade
com Adão, ocupada agora em "engrandecer os bens e o seu prestígio",
agora "lado a lado, e não frente a frente como outrora" com a mãe.
Dado que nunca
sentiu "os prazeres femininos, o amor", "obcecou-se no fito de
engrandecer os seus bens e o seu prestígio, primeiro com o objetivo de
permanecer independente, saldar dívidas e corrigir as irresponsabilidades do
pai", não tendo qualquer rebuço em recorrer à intriga.
4. Crescimento
do prestígio de Quina: "... a sua atividade de lavradeira a obrigava a
correr pelos caminhos, conhecer gente grada, assistir a romarias, casamentos,
receber presentes de afilhados, ser considerada e começar a ser saudada no adro
pelas fidalgas. Contribuía para isso o prestígio de seu tio José, do
Folgozinho.". (p. 56)
5. Retrato de
Inácio Lucas
- "era de má cepa" (metáfora)
- cruel
- "tinha dinheiro oculto
(...) porque gostava de provar a fidelidade dos que o rodeavam, inspirando-lhes
tentações, curiosidades, malícias"
- diabólico, demoníaco, sádico:
"Acusava a mulher de o roubar, zurzia os filhos, para poder observar nela
o rosto descomposto, ver como Estina empalidecia e apertava as mãos até as
juntas ficarem mívidas e estalarem"
- todavia, amava Estina
- o desprezo dela enlouquecia-o
(p. 57)
Ele pretende
minimizar a sua dor, através do transporte que dela faz para as almas alheias.
6. Fragmentação
do tempo
* Prolepse: "Quando ela
morreu, ele disse..."; "Casou ainda depois, com uma mulherzinha
laboriosa...". (p. 57)
José Cid galardoado com o Grammy Latino de Excelência Musical
"Verdes trigais em flor", José Cid
Subscrever:
Mensagens
(
Atom
)