● Assunto
Nesta cena, apresentam-se as decisões tomadas após a
descoberta de que D. João de Portugal está vivo (e regressou, embora deste
último facto tenham conhecimento unicamente Frei Jorge, Manuel de Sousa e o
arcebispo).
● Caracterização
de Manuel de Sousa Coutinho
▪ Manuel de Sousa
sente-se extremamente infeliz e conturbado por causa da ilegitimidade da filha,
pela qual se sente responsável. Mais concretamente, a sua preocupação centra-se
nos efeitos que os novos desenvolvimentos terão na frágil saúde de Maria e com as
consequências sociais da sua ilegitimidade. Ele está convicto que a filha
acabará por morrer perante a «afronta» que lhe é feita: a doença vai-a minando
e debilitando, o que faz com que a sua resistência aos acontecimentos será
muito pouca.
▪ Manuel de Sousa
considera que o seu casamento com D. Madalena foi um erro e não um crime (faz
tal afirmação, pois casou-se sem uma prova inequívoca da morte de D. João de
Portugal, não obstante a esposa o ter procurado durante 7 anos por todo o
lado). Porém, não considera o seu casamento um crime, visto que as suas ações
foram praticadas sem que tivesse consciência de que estava a incorrer em adultério
e bigamia. Dito de outra forma, um crime deve ser punido, enquanto um erro,
ainda por cima involuntário, pode ser cometido sem se ter a consciência de que
se está a errar, pelo que merecerá uma sanção menos pesada.
▪ Pode ler-se aqui
uma crítica velada à sociedade da época, pois condena uma família à destruição,
por causa do desaparecimento de alguém ocorrido há mais de vinte anos.
▪ É um homem dominado
por um profundo sentimento de culpa: sente-se culpado pela ilegitimidade da
filha, pelo mal causado a D. João e pela vergonha com que cobriu o nome da família.
▪ Considera-se mais
infeliz do que o Romeiro, pois, além de tudo, carrega a certeza de ser o
verdadeiro culpado pela desgraça que recai sobre todos. De facto, Manuel de
Sousa considera ter sido ele (1) o causador da destruição de D. João; (2) o
causador da sua desonra, da da esposa e da filha; (3) o culpado de toda a
desgraça, mas ser a filha inocente a grande vítima da situação.
▪ A situação de
Maria leva-o a, por um lado, desejar que ela viva (“Peço-te vida, meu Deus,
peço-te vida, vida… vida para ela,”), pois é uma vítima inocente (é o amor de
pai a falar), e, por outro, a pedir a sua morte (“meu Deus! eu queria pedir-te
que a levasses já”), já que tem consciência das consequências que se irão
abater sobre a filha, que será marginalizada pela sociedade (“vai cair toda
essa desonra, toda a ignomínia, todo o opróbrio.”). É um pai a sangrar pela
desonra que se abateu sobre a filha.
▪ Considera D.
Madalena uma «infeliz» e «desgraçada» por ter sido arrastada por ele para a
vergonha e para a infâmia.
▪ As atitudes
corporais de Manuel de Sousa (os atos de se levantar e de apertar a mão do
irmão enquanto fala) demonstram o seu nervosismo e a sua aflição.
▪ O seu discurso
reflete a emotividade que o caracteriza ao longo da cena: frases curtas (“Oh,
minha filha, minha filha!”), alternando com frases longas de construção erudita
(terceira fala de Manuel de Sousa); apóstrofes (“Olha Jorge”); hipérboles (“bebeu
até às fezes o cálix das amarguras humanas”; “A lançar sangue?... Se ela deitou
o do coração”); metáforas (“para pôr tudo na testa branca e pura de um anjo”);
frases de tipo exclamativo e interrogativo. Todos estes recursos conferem ao discurso
uma grande intensidade dramática.
▪ Manuel de Sousa está
prestes a ingressar no convento e a tornar-se Frei Luís de Sousa.
▪ Note-se o
contraste entre o Manuel de Sousa Coutinho que encontramos nos atos I e II e
aquele que nos é dado a conhecer nesta cena. De facto, nos atos anteriores, a
personagem surgiu em palco como um homem sensato, racional, determinado, pragmático
e corajoso, porém, agora, após a chegada do Romeiro e o agravamento do estado
da filha, revela-se uma figura dilacerada, profundamente infeliz, desesperado,
quer pela doença da filha, quer pela desgraça que está a abater-se sobre a família,
quer por se sentir o maior culpado pela infelicidade dos outros.
▪ Nesta mesma cena,
é possível observar que a personagem oscila entre a emotividade e a
racionalidade. A primeira, bem ao gosto romântico, manifesta-se essencialmente
sempre que se refere a Maria, enquanto a racionalidade que o caracterizava
anteriormente aflora quando, após analisar a situação em conjunto com Frei
Jorge, assume a tomada de hábito como a solução mais adequada para o problema.
● Caracterização
de Frei Jorge
▪ A principal função
de Frei Jorge é ser o confidente e conselheiro do irmão, informando-o (sobre o
destino da mulher e da filha), orientando-o e consolando-o, após as terríveis
notícias.
▪ Quando Manuel de
Sousa se diz o homem mais infeliz na Terra, Frei Jorge recorda-lhe a situação
de D. João de Portugal, que perdeu tudo quanto tinha.
▪ Procura consolar
o irmão, dizendo-lhe que encontrará a paz e a redenção na religião, mas não
deixa de o chamar à razão de forma inflexível, impedindo-se de se deixar cegar
pelo seu sofrimento e desespero.
▪ A sua fé e a sua
lucidez orientam as ações de Manuel de Sousa, que está incapaz de decidir
racionalmente.
▪ Procura manter-se
tranquilo e sensato, não se deixando dominar pelos acontecimentos funestos. Ele
aceita-os como resultado da vontade divina, que não pode ser contestada.
▪ É um homem prático
perante as circunstâncias, por isso prepara a entrada de Manuel de Sousa e de
D. Madalena no convento, que considera ser a única possibilidade para o casal
remediar a situação.
● Informações
sobre o passado recente
O
diálogo que ocorre nesta cena entre os dois irmãos veicula um conjunto de
informações sobre o que se passou no curto espaço de tempo que mediou entre o
final do ato anterior e o início deste:
- D. Madalena e Manuel de Sousa decidiram
entrar na vida religiosa como solução para o problema;
- o estado de saúde agravou-se desde a chegada
a Lisboa;
- somente o arcebispo, Manuel de Sousa e Frei
Jorge conhecem a identidade do Romeiro, que chegará ao conhecimento das outras
personagens por fases (“Demais, o segredo de seu nome verdadeiro está entre mim
e ti, além do arcebispo.”);
- Maria não sabe dos últimos acontecimentos
em torno de D. João de Portugal;
- Telmo irá encontrar-se com o Romeiro, a
pedido deste.
● Linguagem
e recursos estilísticos
▪ Metáforas e hipérboles: de caráter
religioso, traduzem o sofrimento das personagens e apontam para a ideia de
morte:
. “bebeu até às fezes o cálix
das amarguras humanas”;
. “cobri-lhas de um véu de infâmia
que nem a morte há de levantar, porque lhe fica perpétuo e para sempre lançado
sobre o túmulo a cobrir-lhe a memória de sombras… de manchas que se não lavam!”;
. “Já que te não pode apartar
o cálix dos beiços”;
. “cubra-me o escárnio do
mundo, desonre-me o opróbrio dos homens, tape-me a sepultura uma loisa de ignomínia,
um epitáfio que fique a bradar por essas eras desonra e infâmia sobre mim”.
● Características
românticas:
.
forma do texto: escrito em prosa;
. religiosidade: referências
ao cristianismo e ao culto religioso – preparação da tomada de hábito;
. o tema da morte, encarada como
a melhor solução para os conflitos;
. o individualismo: o confronto
entre o indivíduo e a sociedade.
● Características
trágicas
▪ A hybris de Manuel de Sousa, que
chega a desejar a morte da filha face à sua ilegitimidade.
▪ Os indícios de tragédia: quando
Manuel de Sousa a designa por «anjo» , prenuncia a sua morte, o seu abandono do
mundo terreno, visto que os anjos não pertencem ao mundo físico terreno.