sábado, 21 de outubro de 2023
Apresentação do poema "O Sentimento dum Ocidental"
quarta-feira, 18 de outubro de 2023
Fases poéticas de Cesário Verde
segunda-feira, 26 de junho de 2023
segunda-feira, 5 de junho de 2023
segunda-feira, 29 de maio de 2023
Análise do capítulo II de Os Maias
domingo, 21 de maio de 2023
domingo, 16 de abril de 2023
Árvore genealógica de Camilo Castelo Branco
quinta-feira, 13 de abril de 2023
Análise da Conclusão de Amor de Perdição
A 17 de março de 1807, ao
deixar o Porto a caminho do desterro, Simão vê, pela última vez, Teresa, que
lhe acena do mirante do convento de Monchique. Desesperado, Simão corresponde
ao gesto de Teresa, ficando a saber mais tarde da sua morte pelo comandante da
nau. Pouco antes, tinha recebido o embrulho das cartas que escrevera a Teresa,
que ela, à beira da morte, lhe fizera chegar através de uma mendiga.
1.ª) Explicitar os grandes sentidos
morais, ideológicos ou sociais que a ação e o destino das personagens envolvem.
2.ª) Clarificar a situação em que se
encontram as personagens, após o final da ação, completando o relato feito ao
longo da novela. É por isso que as personagens que constituem o triângulo
amoroso (Simão, Teresa e Mariana) estão presentes na Conclusão (Simão e Mariana
em carne e osso e Teresa presentificada através da sua carta).
• Tal como sucedeu em vários capítulos da novela, o género
epistolar está presente na Conclusão, constituindo um elemento fundamental para
o conhecimento da história e doestado de alma das personagens.
• O género epistolar está presente na Conclusão de duas
formas:
1.º) Como discurso: a última carta de
Teresa para Simão, que este lê em estado de agonia e a caminho da morte.
2.º) Como objeto material com valor
simbólico: o maço de cartas trocadas entre Simão e Teresa, que Mariana
conserva.
• Esta carta de Teresa, a última, é a mais expressiva de todas
as do Amor de Perdição, constituindo um documento impressionante.
• Teresa coloca-se numa posição especial, como se estivesse
situada em vários tempos:
- No presente em que escreve a carta:
“É já o meu espírito que te fala, Simão”.
- No passado que ela já será (morta),
quando Simão ler a carta: “A tua amiga morreu”.
- No futuro da leitura de Simão e da
própria personagem, após a morte de Teresa: “Tu nunca hás de amar, não, meu
esposo?”.
• Esta questão do tempo permite que passado, presente e futuro
convirjam naquela carta, como se Teresa possuísse um poder que se situa além da
sua condição humana.
• As funções da carta são óbvias: 1.ª) uma despedida de
Teresa, visto que nela antecipa a sua morte e estamos perante as últimas palavras
que dirige a Simão; 2.ª) a rememoração do amor entre ambos e os seus planos;
3.ª) a formulação de uma mensagem de esperança relativamente à realização do
amor de ambos num plano espiritual.
• A carta constitui, pois, uma despedida de Teresa relativamente
a Simão, um texto profundo, intenso e emotivo. Recorde-se que a fidalga já
tinha morrido no mirante do convento de Monchique.
• Teresa inicia a carta referindo-se à sua própria morte: “É
já o meu espírito que te fala, Simão.” Deste modo, ela parece situar-se numa
dimensão não terrena, transcendente. A missiva constitui, portanto, uma
confirmação da sua morte e da inevitabilidade da mesma: “… era inevitável
fechar os olhos quando se rompesse o último fio, este último que se está
partindo, e eu mesma o ouço partir.”
• Essa ideia acentua-se quando, no parágrafo seguinte, Teresa
se apelida de “esposa do céu”, o que significa que acredita no amor eterno,
antevê a possibilidade de realização do amor numa outra dimensão, numa outra
vida. Outras passagens da carta confirmam-no: “A infeliz espera-te noutro
mundo, e pede ao Senhor que te resgate.”; “À luz da eternidade parece-me que já
te vejo, Simão!”. Ou seja, como é impossível a concretização do amor de ambos
na terra, Teresa espera o reencontro com o amado e a união espiritual dos dois
numa existência supraterrena.
• Na epístola, Teresa recorda os projetos de vida que ambos
tinham delineado, evocando um passado feliz, porque era cheio de sonhos e esperança
numa vida futura em comum: “A vida era bela, era, Simão, se a tivéssemos como tu
ma pintavas nas tuas cartas que li há pouco!” Essa felicidade idílica, numa
vivência plena do amor, é acentuada por referências a elementos da Natureza: “Estou
vendo a casinha [atente-se no diminutivo carregado de afetividade] que
tu descrevias defronte de Coimbra, cercada de árvores, flores e aves.” Esta
recordação do passado, da felicidade futura entrevista, confere maior
dramatismo à missiva e à situação atual dos dois jovens amantes, visto que essa
felicidade idílica e idealizada contrasta profundamente com o presente de
ambos: “Oh! Simão, de que céu tão lindo caímos!”
• No final da carta, Teresa pede a Simão que não ame mais
ninguém: “Tu não hás de amar, não, meu esposo?” Deste modo, se Simão acatasse o
pedido da fidalga, o amor entre ambos seria eterno e concretizar-se-ia no Céu,
onde se encontrariam e poderiam viver o seu amor e ser felizes.
• Por outro lado, o tom com que a epístola termina é
profundamente de desgraça e perdição, apresentando Teresa a morte como a única
saída para os dois apaixonados: “Que importa morrer, se não podemos jamais ter
nesta vida a nossa esperança de há três anos? […] a morte é mais do que
uma necessidade, é uma misericórdia divina, uma bem-aventurança para mim.” Para
Teresa, a morte é a única solução para um amor impossível, e os dois
apaixonados encontrar-se-ão na eternidade: “a infeliz espera-te noutro mundo”.
• O
discurso de Teresa na missiva é marcado por diversos recursos expressivos, como
a metáfora e vocabulário associado à dor, ao sofrimento e à morte
(“martírio”, “desgraça”, “malfadada”).
• Após a leitura da carta de Teresa, Simão sobe ao convés,
cambaleando, e contempla o mirante de Monchique, “que avultava negro no sopé da
serra penhascosa em que atualmente vai a Rua da Restauração.” O mirante vazio e
negro enfatiza a sua perda, isto é, a morte de Teresa.
• A partir deste momento, Simão é acometido de uma febre maligna,
de ânsias e delírios, e entra numa lenta agonia que o conduz à morte: “saiu
cambaleando”, “segurou entre as mãos a testa, que se lhe abria abrasada pela
febre. […] cair o meio corpo.”, “Seguiu-se a febre, o estorcimento, e as
ânsias, com intervalo de delírio.”, “era febre maligna a doença, e bem podia
ser que ele achasse a sepultura no caminho da Índia.”, “A febre aumentava. Os
sintomas da morte eram visíveis aos olhos do capitão.” Sentindo a aproximação
da morte, pede a Mariana que, quando fechar os olhos, lance ao mar as cartas
que trocou com Teresa.
• À medida que a febre vai aumentando, “… os sintomas da morte
eram visíveis aos olhos do capitão.” De seguida, é referida uma tempestade que
se abate sobre o navio, que traduz ao gosto romântico, a dor física e emocional
de Simão (“O navio fez-se ao largo muitas milhas e, perdido o rumo de Lisboa,
navegou desnorteado.”), constituindo a morte o apaziguamento, a paz.
• Já moribundo, Simão delira e recorda passagens da última
carta de Teresa, tendo sempre a seu lado Mariana, a quem se refere como “puro
anjo” e a quem diz: “Tu virás ter connosco; ser-te-emos irmãos no Céu… O mais
puto anjo serás tu… se és deste mundo, irmã…”. A presença de Mariana torna-se,
à semelhança de Teresa, espiritual, não terrena. No seu delírio, Simão sente a
presença das duas figuras femininas que o amavam.
• A morte de Simão ocorre ao romper da manhã (sugerindo a
manhã uma morte redentora), nove dias após a carta de Teresa, apertando a mão
de Mariana. Essa morte, ocorrida por um ideal – o amor, contribui para
confirmar o estatuto de Simão como herói romântico: Simão morre por amor,
porque não pode viver sem Teresa. Por outro lado, o passamento dos dois
protagonistas torna-se, assim, consequência da liberdade que desejavam e que a
sociedade não lhes concedem. De facto, a morte de ambos pode ser lida como um
grito de revolta contra a sociedade da época e um sinal de mudança social a que
muitos aspiravam. O seu corpo é atirado ao mar.
• No momento em que o corpo morto de Simão é lançado ao mar,
Mariana atira-se à água e abraça o seu cadáver, que uma onda traz até si. Em
vida e na morte, a filha do ferrador sempre esteve ao seu lado e nunca o
abandonou.
• Por que razão Mariana morre? A filha de João da Cruz jamais
poderia sobreviver à morte de Simão, dado que o seu destino estava
irremediavelmente ligado ao do fidalgo. A decisão de se suicidar no momento da
morte de Simão representa uma concretização do seu amor, ou seja, é uma forma
de estar (como sempre esteve) ao lado de quem ama. O amor prevalece sobre todos
os sentimentos e não é vencido pela morte, à semelhança do que sucede com
Teresa e Simão.
• Mariana salta para a água com as cartas
trocadas entre Teresa e Simão, cumprindo o pedido que este lhe fizera (“[…]
atire ao mar todos os meus papéis, todos; e estas cartas que estão debaixo do meu
travesseiro também.”), que os marinheiros acabam por recuperar. Note-se que a
apresentação da correspondência trocada entre ambos os protagonistas cria um
efeito de verosimilhança no que diz respeito à novela. De facto, para que a
ação da novela fosse verosímil, as cartas são poderiam desaparecer na água,
antes tiveram de ser recolhidas. Se elas se tivessem perdido, a sua transcrição
na obra não seria credível, pois o autor não teria sido acesso a elas. Por outro
lado, nessa correspondência está representado um amor que levou à perdição.
• De acordo com o professor Carlos Reis, na
Conclusão, o triângulo amoroso dá lugar ao triângulo da perdição, ideia
comprovada por vários elementos:
1.º) A
carta de Teresa e as expressões de perdição e morte que contém, como, por
exemplo, “A tua amiga morreu”, “tua esposa do céu”, “a infeliz espera-te noutro
mundo”, “e eu na sepultura”, entre muitas outras.
2.º) A
situação de agonia e delírio em que cai Simão, seguida da sua morte.
3.º)
O suicídio de Mariana, antecipado pela própria quando, respondendo a uma
pergunta de Simão, lhe diz: “Morrerei, senhor Simão”.
• Por outro lado, Teresa e Simão vivem um amor correspondido, mas os dois foram-se afastando fisicamente ao longo da obra. Já Mariana ama Simão, porém não é correspondida, mas as duas personagens estão cada vez mais próximos fisicamente. Essa aproximação física culmina com o beijo de Mariana a Simão e o desaparecimento de ambos nas águas do mar, com a filha de João da Cruz abraçada ao corpo do fidalgo.
• Na Conclusão, o tempo surge concentrado. A
categoria está bem demarcada e o narrador vai anunciando a sua passagem: “Às
onze horas da noite…”, “à meia-noite”, “às três da manhã”. A morte de Simão
ocorre a 28 de março, pelo que os 11 dias da partida e da viagem são narrados
em cerca de cinco páginas.
• No final da obra, o destino e o livre arbítrio cruzam-se. Por
um lado, o comandante da nau refere que foi a má «estrela» de Simão que o
conduziu à morte. Por outro e por oposição, Mariana suicida-se, concretizando
uma opção individual premeditada e refletida.
Da família do protagonista, no
momento da escrita da novela, a única figura ainda vida era Rita, a irmã
predileta do fidalgo e tia de Camilo, que faleceu em 1872.
Mariana ama Simão e, assim sendo,
é-lhe de uma dedicação extrema, cuidando dele doente (“Mariana, que levantava a
cabeça ao menor movimento dele.”) e sacrifica-se para o acompanhar (“– Se não o
incomodo, deixe-me aqui estar, senhor Simão.”). Mas, para tal, tem de enfrentar
várias provações que se refletem no seu aspeto físico: “Mariana tinha
envelhecido”. Não obstante, abnegada como sempre, está ao seu lado sempre,
incluindo no momento da morte, com a resiliência que o amor lhe proporciona: “Mariana
ouviu o prognóstico e não chorou.”
Além disso, Mariana mostra-se sempre
solidária, humilde e submissa (“– Se não o incomodo, deixe-me aqui estar,
senhor Simão”), abnegada e determinada na luta pelo seu amor e, à semelhança de
Teresa, crença no amor eterno (“Viram-na, um momento, a bracejar, não para
resistir à morte, mas para abraçar-se ao cadáver de Simão, que uma onda lhe
atirou aos braços.”).
Quando o filho de Domingos Botelho
mergulha num estado de agonia e delírio, inicialmente, a filha do ferrador
declara-se pronta para morrer (por amor) se o mesmo acontecer a Simão (“– Morrerei,
senhor Simão.”). Depois, à medida que este fica mais debilitado, Mariana
manifesta os efeitos físicos que essa debilidade lhe causa (“Mariana tinha
envelhecido.”). Posteriormente, o facto de apertar o embrulho com as cartas de
Teresa e Simão à sua cintura, indicia a decisão que tomou e que conheceremos
pouco depois. O primeiro beijo que lhe dá acontece com ele já morto, assim de
associando amor e morte. Por último, durante o funeral do fidalgo, a sua
postura apática e quase indiferente compreende-se tendo presente a dita decisão
de se lançar ao mar atrás do corpo do jovem (“[…] e parecia estupidamente
encarar aqueles empuxões que o marujo dava ao cadáver…”).
Em suma, o suicídio de Mariana
decorre do amor-paixão que sente por Simão, caracterizado por uma dedicação, um
espírito de abnegação e intensidade sentimental tais que abdica da própria vida
para se unir ao seu amor para sempre. Deste modo, a morte proporciona-lhe a
concretização do amor pelo jovem fidalgo, abraçando o seu corpo para a
eternidade, bem como a paz que o amor por ele nunca lhe trouxera. A imagem é
bastante sugestiva: o destino atira-lhe para os braços o corpo do seu amado: “[…]
que uma onda lhe atirou aos braços.”
O final da novela é tipicamente
romântico, ao apresentar a solução característica para cada um dos amantes
infelizes: a morte.
Por seu turno, o académico tem
consciência da pureza e consistência dos sentimentos da filha de João da Cruz,
bem como do seu espírito de sacrifício, procurando nela o amparo de que necessita
nos seus últimos dias.
▪ Simão e Mariana, através dos diálogos, comunicam decisões
(por exemplo, a jovem declara que morrerá se o fidalgo falecer).
▪ As duas personagens exprimem emoções, sentimentos e
preocupações.
▪ Os diálogos servem ainda para apresentar informações e
esclarecer factos (por exemplo, o destino da correspondência de Teresa e
Simão).
• O espaço referido logo no início da
Conclusão é o camarote/o beliche que serve de aposento de Simão. Trata-se de um
espaço muito pequeno, que oprime a personagem, levando-a a confessar ao
comandante que aí sofre mais do que no convés.
• Como sucede noutros passos da obra, o
narrador é muito económico no que toca à descrição do espaço físico. Desta
forma, o leitor concentra a sua atenção nas personagens, nos seus dramas,
sentimentos e emoções.
• A redução/concentração do espaço, à medida
que a ação avança, contribui para adensar a atmosfera dramática/trágica.
quarta-feira, 12 de abril de 2023
Análise do capítulo XIX de Amor de Perdição
Após a prisão de Simão, Teresa é
conduzida ao convento de Monchique e dá sinais de fraqueza e doença. As cartas
trocadas entre os amantes evidenciam o desgosto de ambos pela separação e pela
morte próxima de Teresa.
• Capítulo XIV
Tadeu de Albuquerque chega ao
convento para levar Teresa para Viseu, mas a filha recusa. A madre apoia-a e
Tadeu, não obstante as diligências que faz, não consegue o que deseja.
• Capítulo XV
Simão continua preso na Cadeia de
Relação, no Porto, e passa ao papel os seus pensamentos e reflexões sobre o seu
destino. João da Cruz visita-o e dá-lhe conta das melhoras de Mariana; depois
leva uma carta do fidalgo para Teresa. Entretanto, Mariana ficará a cuidar de
Simão.
• Capítulo XVI
Neste capítulo, narra-se a fuga de
Manuel Botelho, irmão mais velho de Simão, com uma mulher casada. Trata-se de
um incidente que não tem grande ligação com os amores de Teresa e Simão, mas
que mostra o modo de ser de Domingos Botelho.
• Capítulo XVII
João da Cruz está em casa e
dedica-se ao trabalho de ferrador. Entretanto, é visitado por um estranho que,
após um breve diálogo, dispara sobre ele, matando-o, num ato de vingança.
Mariana recebe a notícia na prisão, onde acompanha Simão, e ambos reagem com
grande emoção.
• Capítulo XVIII
Mariana, agora sem pai, decide
acompanhar Simão no degredo. As suas manifestações de dedicação ao fidalgo
intensificam-se, ao ponto de anunciar que se suicidará, quando a sua companhia
já não for necessária. Não há mais como esconder o seu amor por Simão.
● Análise do capítulo
1. Reflexão sobre a
verdade e a ficção
Nesta parte final da novela, o
sofrimento das personagens intensifica-se, e o narrador faz ouvir a sua voz com
grande nitidez e aproxima-se do leitor.
De acordo com o professor Carlos
Reis (Educação Literária – Leituras Orientadas, Amor de Perdição, Camilo
Castelo Branco, Porto. Porto Editora,2016, p. 108), a “presença do narrador
manifesta-se de três formas:
• Pelos comentários
que tratam de temas como a verdade e a sua presença na ficção narrativa.
• Pela organização do tempo, orientada para o momento em que, no
capítulo seguinte, Simão parte para o degredo.
• Pelas interpelações,
quando, usando a segunda pessoa, o narrador se dirige à personagem (Simão) e ao
leitor. Trata-se de um procedimento que cria uma certa intimidade com quem é interpelado e mostra um
conhecimento amplo da condição humana, das suas motivações e das suas reações.
Por exemplo: «Assim te sentias tu, infeliz, quando dezoito meses de cárcere […]
te haviam matado o melhor da alma”; “De além, daquele convento onde outra
existência agonizava, gementes queixas te vinham espremer fel na chaga».”
O
narrador inicia o capítulo com uma reflexão sobre a presença da verdade e da
ficção num romance. Assim, de acordo com a sua dissertação:
• A verdade é difícil de enquadrar na ação:
ela é “o escolho de um romance”.
• Um romance que assenta na verdade “é frio, é
impertinente, é uma coisa que não sacode os nervos”.
• A verdade que faz sofrer não deve ser
apresentada aos leitores do romance e da novela (os “painéis do público”).
• O narrador declara ter perdido o juízo a
estudar a verdade. Por isso, decide “pintá-la como ela é, feia e repugnante”.
• Assim, o narrador vai apresentar a verdade
como ela é: “a verdade do coração humano”, ou seja, a história narrada é de
sofrimento.
De
seguida, o narrador dirige-se ao leitor, concretamente ao “leitor inteligente”,
questionando-o se “a desgraça arvora ou aquebranta o amor”, isto é, se os
obstáculos ao amor o tornam mais intenso ou se, pelo contrário, acalmam o ânimo
de quem ama. Esta interrogação retórica (“A desgraça afervora ou quebranta o
amor?”) permite criar cumplicidade com o leitor, despertando-o para o que vai
acontecer em seguida. Além da interrogação, outros recursos expressivos
contribuem também para esta finalidade, como a exclamação (“A verdade do
coração humano!”) e a enumeração (“A Índia, a humilhação, a miséria, a
indigência.”).
No
entanto, o narrador não apresenta uma resposta para essa pergunta, antes afirma
que “Factos e não teses é o que eu trago para aqui”. Que factos são esses? Após
dezanove meses na prisão, Simão deseja ardentemente a liberdade: “[…] almejava
um raio de sol, uma lufada de ar não coada pelos ferros, o pavimento do céu…”.
Por isso, em vez de aceitar a comutação da pena – dez anos de cárcere em Vila
Real – prefere o degredo na Índia, porque “Ânsia de viver era a sua; não já era
ânsia de amar” e porque “O que é o coração, o coração dos dezoito anos, o
coração sem remorsos, o espírito anelante de glórias, ao cabo de dezoito meses
de estagnação da vida?”
De
seguida, interpela diretamente Simão, usando a segunda pessoa, e mostra a sua
cumplicidade, um conhecimento profundo dos seus sentimentos e motivações:
“Assim te sentias tu, infeliz, quando dezoito meses de cárcere, com o patíbulo
ou o degredo na linha do teu porvir, te haviam matado o melhor da tua alma.”
Além disso, na sua omnisciência, emociona-se e compadece-se com o sofrimento do
fidalgo, tal como tinha sucedido na Introdução, e intensifica-o através de
vários recursos expressivos, como as exclamações, as interrogações retóricas e
o vocabulário associado à desgraça e ao sofrimento (“abismo”, “fel”,
“escuridão”, “chaga”, etc.).
2. As cartas trocadas
entre Simão e Teresa
O discurso epistolar reveste-se,
mais uma vez, de grande importância no contexto da novela.
Na primeira carta, Teresa, muito
doente e caminhando para a morte (“As ânsias, a lividez, o deperecimento tinham
voltado. O sangue, que criara novo, já lhe saía em golfadas com a tosse.”),
pede a Simão que aceite os dez anos de prisão, mas o fidalgo perdeu toda a
esperança.
De facto, na missiva de resposta,
Simão mostra que, tal como a amada, desistiu dos seus sonhos e perdeu a vontade
de viver, optando pelo degredo. Neste momento das suas vidas, face à clausura
que ambos vivem (ele na prisão, ela no convento), perderam toda a esperança de
poder vir a ter um projeto amoroso: “Não esperes nada, mártir […] A luta com a
desgraça é inútil, e eu não posso já lutar. Foi um atroz engano o nosso
encontro. Não temos nada neste mundo. Caminhemos ao encontro da morte…”. O
fidalgo renuncia ao amor e opta pela liberdade, mesmo que no exílio: “Ânsia de
viver era a sua; não era já ânsia de amar”. Não foge, no entanto, ao seu
destino trágico de “mártir de amor”.
De seguida, como herói romântico que
é, Simão demonstra o seu repúdio pela sua família e pela pátria, que
representam uma sociedade estagnada, preconceituosa e corrompida pela honra e
pelo dinheiro: “Abomino a pátria, abomino a minha família; todo este solo está
aos meus olhos cobertos de forcas […] Em Portugal, nem a liberdade com a
opulência; nem já agora a realização das esperanças que me dava o teu amor,
Teresa!” Enquanto heróis românticos, o par amoroso opõe-se à sociedade, pelo
que o amor de ambos simboliza, de alguma forma, o desejo de mudança da
sociedade.
Simão, em suma, desistiu de tudo –
do amor e da própria vida: “Eu quero morrer, mas não aqui.” Graças à
intervenção do seu pai, é-lhe dada a possibilidade de cumprir os dez anos de
degredo a que fora condenado na prisão de Vila Real, todavia, mesmo após o
pedido de Teresa para que aceitasse essa comutação da pena, o filho de Domingos
Botelho recusa: “Não me peças que aceite dez anos de prisão.” O narrador já
clarificara antes esta postura de Simão: “Os dez anos de ferros, em que lhe
quiseram minorar a pena, eram-lhe mais horrorosos que o patíbulo.”
Simão espera, pois, a morte e, num
primeiro momento, aconselha Teresa a fazer o mesmo: “Caminhemos ao encontro da
morte.” Depois pede-lhe que faça a vontade de seu pai (“Salva-te, se podes,
Teresa. Renuncia ao prestígio dum grande desgraçado. Se teu pai te chama, vai.”)
ou que morra (“E, senão, morre…”), pois “a felicidade é a morte”.
Teresa responde-lhe com uma breve
carta, na qual se pronuncia no mesmo tom do seu amado: “Morrerei, Simão, morrerei.”;
“[…] e morro, porque não posso, nem poderei jamais resgatar-te.” De seguida,
pede-lhe que viva para a chorar (“Se podes, vive; não te peço que morras,
Simão; quero que vivas para me chorares.”) e declara estar tranquila (“Estou
tranquila…”) perante a aproximação da morte e a paz que esta lhe trará (“Vejo a
aurora da paz…”). E despede-se de forma que confirma a sua crença na realização
do amor num outro plano, o espiritual: “Adeus até ao Céu, Simão.”
Estas missivas trocadas entre ambos
confirmam que, para ambos, ao gosto romântico, perante a impossibilidade de
realização do seu amor, a única opção é a morte.
3. Final do capítulo
Depois de receber a última carta de
Teresa, Simão cai num estado de profunda melancolia e angústia, aniquilado, em
silêncio absoluto: “Seguiram-se a esta carta muitos dias de terrível
taciturnidade. Simão Botelho não respondia às perguntas de Mariana.”
O ritmo narrativo é extremamente
rápido, como o demonstra a elipse (“Decorreram seis meses ainda.”), até que chegamos
ao dia 10 de março de 1807, data em que Simão recebe a intimação para a
viagem rumo ao degredo na Índia, o que o deixa ora num estado de letargia, ora
de loucura. Esse estado de alma é traduzido através de um estilo e de uma
linguagem que procuram traduzir as emoções das personagens. Ao longo de todo o
capítulo, nomeadamente nas cartas, podemos encontrar lirismo nas palavras dos dois
apaixonados, mas, à medida que se caminha para o desenlace, nomeadamente nesta
última parte, o discurso das personagens é contaminado pela sensibilidade
romântica, daí um certo exagero, dramatismo e emotividade extremos: “– Que
trevas, meu Deus! – exclamava ele, e arrancava a mãos-cheias os cabelos . –
Dai-me lágrimas, Senhor! Deixai-me chorar ou matai-me, que este sofrimento é
insuportável!”