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sábado, 21 de outubro de 2023

Apresentação do poema "O Sentimento dum Ocidental"

 
Objetivo da escrita do poema: homenagear e Camões a propósito da celebração do tricentenário do seu falecimento.
 
Contexto / Motivação para a escrita do poema: necessidade de denunciar a decadência histórica vivida por Portugal e pelos portugueses – “À exaltação formal a que oficialmente se aderiu [em resultado das celebrações em torno do tricentenário do falecimento de Camões], Cesário Verde contrapõe a denúncia da triste realidade em que o país se encontrava.” (Lino Silva, in Encontro Leituras em Português).
 
Data de publicação: 10 de junho de 1880.
 
Atitude do poeta: demarcação do ambiente festivo e do tom elogioso dominantes apresentação de uma visão de um Portugal decadente e em crise.
 
Em 1887, um ano após a morte do poeta, os seus poemas são publicados sob o título O Livro de Cesário Verde, por ação do seu amigo Silva Pinto, no entanto Cesário teria em mente o título Cânticos do Realismo, cuja primeira menção surgiu em 1873, que foi efetivamente adotado a partir de 2006 para designar a sua obra na edição de Teresa Sobral Cunha. Assim, adota-se como título para o livro do poeta Cânticos do Realismo e O Livro de Cesário Verde o seu subtítulo.
 
Os poemas que Cesário Verde foi publicado ao longo da sua curta vida foram sendo publicados em jornais e revistas de Lisboa e do Porto, mas não em livro. Foi apenas após a sua morte que, em 1887, Silva Pinto, amigo do poeta e crítico literário, reuniu em volume os poemas publicados de forma dispersa e os que estavam inéditos.
 
O meio literário português, nomeadamente a lisboeta, não compreende o alcance e a novidade da poesia de Cesário Verde, o que se traduz também no facto de vários jornais e revistas recusarem publicar poemas seus.
 
O poema “O Sentimento dum Ocidental” foi publicado pela primeira vez em 1880, no suplemento “Portugal a Camões” do jornal do Porto Jornal de Viagens, por ocasião das celebrações em torno de Camões, tendo sido recebido com enorme silêncio.
 
O último poema de Cesário Verde foi publicado em 1884 e intitula-se “Nós”, refletindo os sinais do agravamento do seu estado de saúde.
 
Inicia ainda a escrita do poema “Provincianas”, que deixa, porém, incompleto. O poema procurava evocar o poeta épico através da expressão das mudanças ocorridas na cidade de Lisboa, desde a época do vate português. Como já foi referido, Cesário demarcou-se do ambiente festivo e do tom elogioso dominantes e apresentou a visão de um Portugal em crise, que contrasta com a imagem gloriosa e grandiosa presente na epopeia camoniana.
 

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Fases poéticas de Cesário Verde


 
1.ª fase (1873 - 74): a "Crise Romanesca" ‑ o idealismo romântico temperado pelas tendências literárias e estéticas da época.

    Nesta fase, verifica-se a idealização romântica da mulher, que o poeta coloca num plano superior, como objeto de adoração, inacessível ao sujeito, que se limita a formular vagos desejos impossíveis (ex.: Responso). Estão presentes elementos como os cabelos louros, o luto, a tristeza, um grande sofrimento, o ambiente macabro do cemitério, o noturno, os castelos, os palácios e mosteiros silenciosos e abandonados, as «florestas tenebrosas», as «Velhas almas» errantes, o «locus horrendus» romântico em que se projeta um estado de alma, recordando alguns sonetos de Bocage.
    Noutros poemas (Esplêndida, Deslumbramentos), Cesário descreve a mulher fatal, artificial, citadina, que humilha, esmaga e fascina o sujeito poético, transportando consigo a artificialidade e a violência da vida da cidade, que pode levar à alienação e à perda da identidade do cidadão. A mulher é portadora da morte, não uma morte ambicionada, antes receada. A mulher é uma «vamp», produto do luxo, da moda, da despesa inútil e ostentatória. Ela é o agressor e dominador que é necessário vencer.


 
2.ª fase (1875 - 76): "Naturais" ‑ o antirromantismo e o naturalismo.

    Nesta fase, no poema Humilhações, surge o contraste entre o sujeito, «ignorado e só», e a mulher superior, distante e altiva que o atrai, sendo a distância entre homem e mulher sobretudo económica e social. Ela é uma burguesa rica que o atrai e fascina e ele é de baixa condição social; entre os dois instala-se, portanto, uma relação de opressão/humilhação, que impede qualquer hipótese de aproximação. Resta ao sujeito lírico a vingança, concretizada com o recurso ao retrato da velhinha «suja», «fanhosa, infecta, rota, má», que o poeta contrapõe como sucedâneo irreversível da mulher altiva e opressora.
    Cesário, por outro lado, em Contrariedades, critica a sociedade alienada e desumana através da denúncia de atitudes que ferem a sensibilidade do eu: o abandono a que são votados os doentes (ex.: a engomadeira tuberculosa) e os poetas (ex.: os jornais recusaram publicar os seus versos).

 
 
3.ª fase (1877 - 86): a maturidade ‑ "O real e a análise"  -  o campo e a cidade.

    Em Num Bairro Moderno, Cristalizações e O Sentimento dum Ocidental, Cesário é o pintor de Lisboa, que nos descreve quadros e tipos citadinos, sem deixar de exprimir as atitudes subjetivas provocadas pela vida exterior.
    O poeta é um burguês que se move na cidade e tudo encontra «alegremente exato», até que a tomada de consciência da dureza da vida dos trabalhadores o surpreende e fere, facto que o leva a denunciar a injustiça de que são vítimas.
    Nesta fase, desenvolve Cesário a dicotomia campo/cidade, sucedendo frequentemente a invasão simbólica da cidade pelo campo (ex.: a vendedeira). A cidade é simbolizada, por exemplo, pela atriz, pelos significados de luxo, artificialismo, teatralidade, mundanismo.
    Em O Sentimento dum Ocidental, nota-se uma revolta do sujeito perante as desigualdades sociais da sua época e um desencanto para com a cidade (vista como prisão, de que o sujeito procura fugir), onde há dor em busca de «amplos horizontes» ‑ o campo, espaço de liberdade.
    No poema Nós, Cesário retoma o elogio da vida campestre; a cidade surge identificada como «lívido flagelo, a moléstia horrenda», e oposta à salubridade do campo, à salvação da família. É provável que esta repulsa pela cidade e o entusiasmo pelo campo resultem da doença que desde cedo apoquentou Cesário, e da esperança de encontrar alívio na vida rústica, natural.


 
  
    Já segundo Joel Serrão, a produção poética de Cesário distribui-se por quatro fases:

 
1.ª fase (1873-74) – A Crise Romanesca: o idealismo romântico temperado pela ironia: o campo como “metáfora antinómica” da cidade.

 
    É a fase de iniciação literária de Cesário, caracterizada pela influência de João Penha, sendo marcado por um idealismo romântico (temas do amor e da mulher) que é atenuado pela ironia dos versos finais, e pelo rigor formal do Parnasianismo. São exemplos desta fase os poemas “A Forca” (1873), “Num tripudio de corte rigoroso” (1873), “Ó áridas Messalinas” (1873), “Cinismos” (1874), “Responso” (1874), “Esplêndida” (1874), “Setentrional” (1874), “Arrojos” (1874), “Vaidosa” (1874).

 
 
2.ª fase (1875-76) – O Naturalismo e a influência de Baudelaire.

 
    Cesário é agora influenciado pelo poeta francês Baudelaire, mostrando-se interessado pelo quotidiano citadino (os contrastes desse quotidiano são o seu alvo preferencial), do qual nos oferece belos quadros, bem ao jeito impressionista, repletos de plasticidade.
    Vários são os poemas em que isto sucede: “Deslumbramentos” (1875), “Frígida” (1875),”A Débil” (1875), “Contrariedades” (1876), “Humilhações” (1876).

 
 
3.ª fase (1877-80) – A maturidade poética – “o real e a análise”: o aprofundamento da oposição cidade/campo, sendo este ainda um “contraste idealizado” daquela.

 
    Esta é, provavelmente, a fase mais importante da sua produção poética, contemplando um conjunto de poemas que constituem uma busca febril das cores, das luzes, das sombras, dos ruídos, dos odores, das dores e dos fantasmas que pulsam na cidade de Lisboa.
    Exemplificam esta fase poemas como “Num Bairro Moderno” (1877), “Cristalizações” (1878), “Em Petiz” (1878), “O Sentimento dum Ocidental” (1889).

 
 
4.ª fase (1881-86) – O pictórico e a visão impressionista da realidade. A amplificação do contraste cidade/campo, tornando-se este uma alternativa àquela.

 
    A vida citadina aborrece-o e provoca-lhe mal-estar e o campo (o gosto das “coisas primitivas, sinceras, e a (…) boa paz regular”) substitui a cidade. A sua condição de agricultor proporciona-lhe não só a descoberta de novos temas e motivos de uma visão impressionista da realidade, mas também a evasão possível da cidade turbulenta. Ao “desejo de sofrer” e ao clima sombrio de “O Sentimento dum Ocidental” sucedem a claridade fecunda, o vigor, e a pureza dos ares do campo, que parecem antecipar uma ânsia de preservar a débil saúde do poeta.
    Exemplos deste derradeiro período são os textos “De Tarde” (?), “De Verão” (?), “Nós” (1884), “Provincianas” (derradeiro poema, incompleto).

segunda-feira, 29 de maio de 2023

Amor de Perdição e Camilo como autor, narrador e sobrinho


Análise do capítulo II de Os Maias


1. Casamento de Pedro e Maria Monforte
 
1.1. Descrição da lua-de-mel:
- a “felicidade de novela”;
- a viagem por Itália;
- o fastio e medo da “velha Itália clássica”;
- a viagem a Paris:
. o suspirar por uma “boa loja de modas, sob as chamas do gás, ao rumor do Boulevard”;
. a cidade de Paris agitada, revolucionária, conflituosa, ao som da “Marselhesa”, triste; o medo dos “operários, corja insaciável”;
. a vida luxuosa e faustosa;
. o ciúme de Pedro por causa da “admiração absurda de Maria pelos novos uniformes da Garde Mobile”;
. a gravidez de Maria e...
- o regresso a Arroios:
. Maria     - exige que Pedro escreva ao pai;
- odiou Afonso por a rejeitar,  por isso apressou o casamento e a partida para Itália como forma de vingança e de lhe demonstrar que valia mais o seu poder de sedução do que as tradições familiares e os graus de parentesco;
- com o regresso a Lisboa deseja a reconciliação para se poder mostrar à sociedade “pelo braço desse sogro tão nobre e tão ornamental”;
- perante nova afronta, injuria-o, chamando-lhe “D. Fuas” e “Barbatanas”;
- recusa-se a amamentar a filha, embora a adore e acarinhe em êxtase de idolatria;
- detém grande poder sobre Pedro e usa-o astutamente;
. Pedro     - demonstra não ter vontade própria, pois a carta que escreve ao pai “Fora um conselho, quase uma exigência de Maria”;
- demonstra grande ternura e amor pelo pai, mas a partida do pai para Santa Olávia deixa-o indignado e enfurecido, não lhe comunicando o nascimento da filha e declarando a Vilaça que já não tinha pai;
- deixa-se seduzir e influenciar/manipular facilmente por Maria;
. a filha de Pedro e Maria:
- o narrador omite o seu nome para que não seja explícito antes do momento escolhido que Carlos e Maria Eduarda são irmãos;
- em termos de caracterização ficamos a saber que se trata de “uma linda bebé, muito gorda, loura e cor-de-rosa, com os belos olhos negros dos Maias”.
 
1.2. O ambiente romântico de Arroios – “festança, atravessada pelo sopro romântico da Regeneração”:















1.2.1. Maria:
- recebe e vive requintadamente;
- vive rodeada de luxo, fausto e ostentação;
- fuma e joga;
- “nunca fora tão formosa”;
- escolhe a túlipa, “opulenta e ardente”, para flor que a simbolize, flor que sugere a sua sensualidade;
- desperta paixões em todos os amigos do marido;
- apazigua os ciúmes de Pedro, sábia e sedutoramente, com carícias e beijos;
- muito sensual e sedutora;
- lê novelas românticas, deixando-se influenciar de tal forma por elas que o nome do segundo filho é escolhido a partir do nome de uma personagem duma dessas novelas;
- revela indícios de cultivar uma paixão por Tancredo:
. a excitação e a noite mal dormida perante a ideia de ter “um príncipe entusiasta, conspirador, condenado à morte, ferido agora, por cima do seu quarto”;
. os ciúmes que sente perante as idas constantes da arlesiana ao quarto de Tancredo;
. a pergunta a Pedro se “era necessária (...) constantemente a sua própria criada no quarto de Sua Alteza!”;
. a sua palidez e a sua cólera quando Pedro lhe responde que Tancredo achava “picante” a arlesiana;
. o choro da arlesiana após uma conversa com Maria;
. os suspiros sem razão (p. 43);
- em determinado momento opera-se nela uma grande mudança:
. troca o vestuário luxuoso por um vestuário preto;
. suspende as soirées mundanos por outras singelas onde faz crochet, estuda música clássica e falta de política com sisudez, apenas com alguns íntimos;
. é adepta da Regeneração;
. organiza uma associação de caridade, a Obra Pia dos Cobertores;
. visita os pobres;
. torna-se devota;
. a “deusa” transforma-se em terna Madona e vai adiando para o inverno a visita reconciliadora a Afonso.
 
1.2.2. Tancredo – o homem fatal do Romantismo:
- personagem enigmática, incompreendida, foragida, em oposição ao poder instituído, condenado à morte;
- possuidor de uma beleza extraordinária que provoca uma sedução irresistível;
- a figura pálida que atrai e provoca sofrimento;
- barba curta e frisada;
- longos cabelos castanhos, ondeados e “com reflexos de ouro”;
- taciturno;
- orgulhoso;
- misterioso;
- olhar sombrio;
- desenha flores para Maria bordar e tange-lhe canções populares napolitanas à guitarra, indícios de um romance oculto.
 
1.2.3. Alencar → o Ultrarromantismo:
- as frase ressoantes;
- as poses de melancolia;
- o poema “Flor de Martírio” e as referências à noite;
- a paixão platónica por Maria.
  
1.3. Presságios:
® a associação de Maria a Helena e Troia, ambas adúlteras e causadoras de “guerras trágicas”;
® a referência ao “luxo sombrio do luto oriental de Judite”;
® a escolha do nome do segundo filho, feita a partir de uma novela romântica “... de que era herói o último Stuart, o romanesco príncipe Carlos Eduardo; e, namorado dele, das suas aventuras e desgraças, queria dar esse nome a seu filho... Carlos Eduardo da Maia! Um tal nome parecia-lhe conter todo um destino de amores e façanhas.”:
. a influência perniciosa da literatura romântica em Maria Monforte;
. tal como a personagem da novela era “o último Stuart”, também Carlos será o último dos Maias;
. tal como o príncipe, Carlos irá levar uma vida de “aventuras e desgraças”;
. a presença do destino.
 
 
2. Desenlace trágico da intriga secundária
 
2.1. O adultério e a fuga de Maria( com a filha)
causas:
- a ociosidade de Maria: uma personagem dominada pelo luxo, pela ostentação, sem uma ocupação que lhe preencha utilmente a vida, entrega-se aos prazeres e cai no adultério;
- a literatura romântica, que é causa de desvarios no leitor: é uma literatura idealista e desvinculada da vida real que origina condutas anómalas ® a fuga de Maria com Tancredo tem o carácter de um episódio de novela romântica.


 
 
2.1.2. Estado de espírito de Afonso:
- a cólera inicial por ver naquela situação o escândalo, a desonra da família e “o seu nome pela lama”;
- a indignação pela incapacidade de o filho reagir “como homem” à situação, lançando-se “...para um sofá, chorando miseravelmente...”;
- a ternura imediata face à dor de Pedro;
- o carinho embevecido e a felicidade que sente ao pegar no neto;
- a preocupação em eliminar de Pedro uma ideia fixa: “– Sim, mais tarde, depois pensarás nisso, filho...”;
- depressão;
- não comeu quase nada: “... tomou uma colher de sopa...”;
- estado de melancolia: “... e ali ficou envolvido, pouco a pouco, naquele melancólico crepúsculo de Dezembro”;
- centra o pensamento na sua desgraça:  “... pensando em todas as coisas terríveis que assim invadiam num tropel patético a sua paz de velho...”;
- a antevisão de alegrias futuras na presença do neto: “... e toda a sua face sorria à chama alegre, revendo a bochechinha rosada, sob as rendas brancas da touca.”;
- após o suicídio do filho, Afonso parte para Santa Olávia mergulhado em pesado luto, o que leva Vilaça a afirma que “... o velho não durava um ano”.


 
2.3. Presságios:
® o estado psicológico de Pedro era tal que se pressente a eminência de um desfecho trágico, como as rosas de Inverno que se “esfolhavam num vaso de Japão”;
® “Pedro, no entanto, como sonâmbulo, voltara para a varanda, com a cabeça à chuva, atraído por aquela treva de quinta que se cavava em baixo com um rumor de mar bravo.” (p. 50);
® “Uma brasa morria no fogão.” (p. 50);
® “... nesse silêncio as goteiras punham um pranto lento.” (p. 50).
 
 
3. NOTAS
 
            1.ª) A intriga secundária – a história de Pedro da Maia e de Maria Monforte – é de índole naturalista. Com efeito, o percurso amoroso e biográfico de Pedro só é explicável à luz de fatores naturalistas: raça/hereditariedade, educação e meio social. Quanto  à hereditariedade, o texto salienta o paralelismo de identidade entre a mãe e o filho(cap. I, p. 20); quanto à educação, recebe a que a mãe escolhe, tendo o Padre Vasques por orientador, uma educação que impede o desenvolvimento físico, moral e intelectual, tornando-o “um fraco em tudo”; quanto ao meio, Pedro, após a morte da mãe, frequentou um ambiente moralmente baixo. Eis, pois, Pedro lançado no trilho que o levará inexoravelmente à destruição. Fica provada a tese de que o ser humano é um produto desses fatores naturalistas que o condicionam irrefreavelmente. Pedro torna-se um herói romântico, sem heroísmo, com uma solução romântica

            2.ª) A intriga secundária caracteriza-se por um grande ritmo rápido de novela e por um narrador omnisciente. As duas personagens centrais desta intriga têm como função maior (além da demonstração das teses atrás citadas) mostrar os paralelismos de comportamentos com os amores de Carlos e Maria Eduarda.
 
 
4. Linguagem
 
. Duplo advérbio de tempo + verbo no futuro: “– Sim, mais tarde, depois pensarás nisso, filho...” ® a preocupação de Afonso em eliminar de Pedro uma ideia fixa.
. Uso do discurso indireto livre, intercalado entre o discurso direto e o discurso indireto sugere a personagem a falar em voz alta, confundindo-se com o narrador, e a interpretar uma pergunta, não formulada, de Afonso: “Ainda lá tinha a sua cama, não é verdade? Não, não queria tomar nada...”.
. Advérbio expressivo: “O pai ouviu-lhe os passos por cima e o ruído de janelas desabridamente abertas.” ® revela a falta de autodomínio e o conflito emocional que marcam Pedro naquele instante.


quinta-feira, 13 de abril de 2023

Análise da Conclusão de Amor de Perdição


  Contextualização
 
            A Conclusão constitui o desfecho da novela, pelo que esclarece junto do leitor o destino de Simão e Mariana, visto que a morte de Teresa ocorreu no capítulo anterior. Não obstante, a sua presença materializa-se na Conclusão através da última carta que escreve ao seu amado.

            A 17 de março de 1807, ao deixar o Porto a caminho do desterro, Simão vê, pela última vez, Teresa, que lhe acena do mirante do convento de Monchique. Desesperado, Simão corresponde ao gesto de Teresa, ficando a saber mais tarde da sua morte pelo comandante da nau. Pouco antes, tinha recebido o embrulho das cartas que escrevera a Teresa, que ela, à beira da morte, lhe fizera chegar através de uma mendiga.


 
Funções da Conclusão
 
            Quando um texto narrativo termina com uma Conclusão, esta desempenha, normalmente, funções muito específicas:

1.ª) Explicitar os grandes sentidos morais, ideológicos ou sociais que a ação e o destino das personagens envolvem.

2.ª) Clarificar a situação em que se encontram as personagens, após o final da ação, completando o relato feito ao longo da novela. É por isso que as personagens que constituem o triângulo amoroso (Simão, Teresa e Mariana) estão presentes na Conclusão (Simão e Mariana em carne e osso e Teresa presentificada através da sua carta).

 
 
Estrutura da Conclusão
 
1.º) A última carta de Teresa

            Simão vela no camarote do comandante do navio. À meia-noite, uma localização temporal do agrado dos românticos, o fidalgo pega no maço de cartas que Teresa lhe enviara e decide ler a última que a jovem lhe escrevera.

Tal como sucedeu em vários capítulos da novela, o género epistolar está presente na Conclusão, constituindo um elemento fundamental para o conhecimento da história e doestado de alma das personagens.

O género epistolar está presente na Conclusão de duas formas:

1.º) Como discurso: a última carta de Teresa para Simão, que este lê em estado de agonia e a caminho da morte.

2.º) Como objeto material com valor simbólico: o maço de cartas trocadas entre Simão e Teresa, que Mariana conserva.

Esta carta de Teresa, a última, é a mais expressiva de todas as do Amor de Perdição, constituindo um documento impressionante.

Teresa coloca-se numa posição especial, como se estivesse situada em vários tempos:

- No presente em que escreve a carta: “É já o meu espírito que te fala, Simão”.

- No passado que ela já será (morta), quando Simão ler a carta: “A tua amiga morreu”.

- No futuro da leitura de Simão e da própria personagem, após a morte de Teresa: “Tu nunca hás de amar, não, meu esposo?”.

Esta questão do tempo permite que passado, presente e futuro convirjam naquela carta, como se Teresa possuísse um poder que se situa além da sua condição humana.

As funções da carta são óbvias: 1.ª) uma despedida de Teresa, visto que nela antecipa a sua morte e estamos perante as últimas palavras que dirige a Simão; 2.ª) a rememoração do amor entre ambos e os seus planos; 3.ª) a formulação de uma mensagem de esperança relativamente à realização do amor de ambos num plano espiritual.

A carta constitui, pois, uma despedida de Teresa relativamente a Simão, um texto profundo, intenso e emotivo. Recorde-se que a fidalga já tinha morrido no mirante do convento de Monchique.

Teresa inicia a carta referindo-se à sua própria morte: “É já o meu espírito que te fala, Simão.” Deste modo, ela parece situar-se numa dimensão não terrena, transcendente. A missiva constitui, portanto, uma confirmação da sua morte e da inevitabilidade da mesma: “… era inevitável fechar os olhos quando se rompesse o último fio, este último que se está partindo, e eu mesma o ouço partir.”

Essa ideia acentua-se quando, no parágrafo seguinte, Teresa se apelida de “esposa do céu”, o que significa que acredita no amor eterno, antevê a possibilidade de realização do amor numa outra dimensão, numa outra vida. Outras passagens da carta confirmam-no: “A infeliz espera-te noutro mundo, e pede ao Senhor que te resgate.”; “À luz da eternidade parece-me que já te vejo, Simão!”. Ou seja, como é impossível a concretização do amor de ambos na terra, Teresa espera o reencontro com o amado e a união espiritual dos dois numa existência supraterrena.

Na epístola, Teresa recorda os projetos de vida que ambos tinham delineado, evocando um passado feliz, porque era cheio de sonhos e esperança numa vida futura em comum: “A vida era bela, era, Simão, se a tivéssemos como tu ma pintavas nas tuas cartas que li há pouco!” Essa felicidade idílica, numa vivência plena do amor, é acentuada por referências a elementos da Natureza: “Estou vendo a casinha [atente-se no diminutivo carregado de afetividade] que tu descrevias defronte de Coimbra, cercada de árvores, flores e aves.” Esta recordação do passado, da felicidade futura entrevista, confere maior dramatismo à missiva e à situação atual dos dois jovens amantes, visto que essa felicidade idílica e idealizada contrasta profundamente com o presente de ambos: “Oh! Simão, de que céu tão lindo caímos!”

No final da carta, Teresa pede a Simão que não ame mais ninguém: “Tu não hás de amar, não, meu esposo?” Deste modo, se Simão acatasse o pedido da fidalga, o amor entre ambos seria eterno e concretizar-se-ia no Céu, onde se encontrariam e poderiam viver o seu amor e ser felizes.

Por outro lado, o tom com que a epístola termina é profundamente de desgraça e perdição, apresentando Teresa a morte como a única saída para os dois apaixonados: “Que importa morrer, se não podemos jamais ter nesta vida a nossa esperança de há três anos? […] a morte é mais do que uma necessidade, é uma misericórdia divina, uma bem-aventurança para mim.” Para Teresa, a morte é a única solução para um amor impossível, e os dois apaixonados encontrar-se-ão na eternidade: “a infeliz espera-te noutro mundo”.

O discurso de Teresa na missiva é marcado por diversos recursos expressivos, como a metáfora e vocabulário associado à dor, ao sofrimento e à morte (“martírio”, “desgraça”, “malfadada”).

 
2.º) Últimos dias de Simão
 
Antes de mais, é preciso referir que a morte de Teresa, ocorrida no capítulo anterior, repita-se, pressupõe a morte de Simão, dado que um não vive sem o outro.

Após a leitura da carta de Teresa, Simão sobe ao convés, cambaleando, e contempla o mirante de Monchique, “que avultava negro no sopé da serra penhascosa em que atualmente vai a Rua da Restauração.” O mirante vazio e negro enfatiza a sua perda, isto é, a morte de Teresa.

A partir deste momento, Simão é acometido de uma febre maligna, de ânsias e delírios, e entra numa lenta agonia que o conduz à morte: “saiu cambaleando”, “segurou entre as mãos a testa, que se lhe abria abrasada pela febre. […] cair o meio corpo.”, “Seguiu-se a febre, o estorcimento, e as ânsias, com intervalo de delírio.”, “era febre maligna a doença, e bem podia ser que ele achasse a sepultura no caminho da Índia.”, “A febre aumentava. Os sintomas da morte eram visíveis aos olhos do capitão.” Sentindo a aproximação da morte, pede a Mariana que, quando fechar os olhos, lance ao mar as cartas que trocou com Teresa.

À medida que a febre vai aumentando, “… os sintomas da morte eram visíveis aos olhos do capitão.” De seguida, é referida uma tempestade que se abate sobre o navio, que traduz ao gosto romântico, a dor física e emocional de Simão (“O navio fez-se ao largo muitas milhas e, perdido o rumo de Lisboa, navegou desnorteado.”), constituindo a morte o apaziguamento, a paz.

Já moribundo, Simão delira e recorda passagens da última carta de Teresa, tendo sempre a seu lado Mariana, a quem se refere como “puro anjo” e a quem diz: “Tu virás ter connosco; ser-te-emos irmãos no Céu… O mais puto anjo serás tu… se és deste mundo, irmã…”. A presença de Mariana torna-se, à semelhança de Teresa, espiritual, não terrena. No seu delírio, Simão sente a presença das duas figuras femininas que o amavam.

A morte de Simão ocorre ao romper da manhã (sugerindo a manhã uma morte redentora), nove dias após a carta de Teresa, apertando a mão de Mariana. Essa morte, ocorrida por um ideal – o amor, contribui para confirmar o estatuto de Simão como herói romântico: Simão morre por amor, porque não pode viver sem Teresa. Por outro lado, o passamento dos dois protagonistas torna-se, assim, consequência da liberdade que desejavam e que a sociedade não lhes concedem. De facto, a morte de ambos pode ser lida como um grito de revolta contra a sociedade da época e um sinal de mudança social a que muitos aspiravam. O seu corpo é atirado ao mar.

 
3.º) Desenlace – as mortes de Simão e Mariana
 
Quando Simão morre a 28 de março, Mariana “curvou-se sobre o cadáver e beijou-lhe a face. Era o primeiro beijo.”, o que mostra que a morte proporcionou uma aproximação física e espiritual entre ambos.

No momento em que o corpo morto de Simão é lançado ao mar, Mariana atira-se à água e abraça o seu cadáver, que uma onda traz até si. Em vida e na morte, a filha do ferrador sempre esteve ao seu lado e nunca o abandonou.

Por que razão Mariana morre? A filha de João da Cruz jamais poderia sobreviver à morte de Simão, dado que o seu destino estava irremediavelmente ligado ao do fidalgo. A decisão de se suicidar no momento da morte de Simão representa uma concretização do seu amor, ou seja, é uma forma de estar (como sempre esteve) ao lado de quem ama. O amor prevalece sobre todos os sentimentos e não é vencido pela morte, à semelhança do que sucede com Teresa e Simão.

• Mariana salta para a água com as cartas trocadas entre Teresa e Simão, cumprindo o pedido que este lhe fizera (“[…] atire ao mar todos os meus papéis, todos; e estas cartas que estão debaixo do meu travesseiro também.”), que os marinheiros acabam por recuperar. Note-se que a apresentação da correspondência trocada entre ambos os protagonistas cria um efeito de verosimilhança no que diz respeito à novela. De facto, para que a ação da novela fosse verosímil, as cartas são poderiam desaparecer na água, antes tiveram de ser recolhidas. Se elas se tivessem perdido, a sua transcrição na obra não seria credível, pois o autor não teria sido acesso a elas. Por outro lado, nessa correspondência está representado um amor que levou à perdição.

• De acordo com o professor Carlos Reis, na Conclusão, o triângulo amoroso dá lugar ao triângulo da perdição, ideia comprovada por vários elementos:

1.º) A carta de Teresa e as expressões de perdição e morte que contém, como, por exemplo, “A tua amiga morreu”, “tua esposa do céu”, “a infeliz espera-te noutro mundo”, “e eu na sepultura”, entre muitas outras.

2.º) A situação de agonia e delírio em que cai Simão, seguida da sua morte.

3.º) O suicídio de Mariana, antecipado pela própria quando, respondendo a uma pergunta de Simão, lhe diz: “Morrerei, senhor Simão”.

Por outro lado, Teresa e Simão vivem um amor correspondido, mas os dois foram-se afastando fisicamente ao longo da obra. Já Mariana ama Simão, porém não é correspondida, mas as duas personagens estão cada vez mais próximos fisicamente. Essa aproximação física culmina com o beijo de Mariana a Simão e o desaparecimento de ambos nas águas do mar, com a filha de João da Cruz abraçada ao corpo do fidalgo.

Na Conclusão, o tempo surge concentrado. A categoria está bem demarcada e o narrador vai anunciando a sua passagem: “Às onze horas da noite…”, “à meia-noite”, “às três da manhã”. A morte de Simão ocorre a 28 de março, pelo que os 11 dias da partida e da viagem são narrados em cerca de cinco páginas.

No final da obra, o destino e o livre arbítrio cruzam-se. Por um lado, o comandante da nau refere que foi a má «estrela» de Simão que o conduziu à morte. Por outro e por oposição, Mariana suicida-se, concretizando uma opção individual premeditada e refletida.

 
 
Relação biográfica

            No último parágrafo da Conclusão, o narrador explicita as relações entre as personagens da novela e a família do autor, reforçando, assim, o caráter biográfico da mesma, anunciado na Introdução. Informa o leitor que Manuel Botelho, irmão de Simão, é o pai do autor da obra, Camilo Castelo Branco. Assim sendo, Simão é tio de Camilo,

            Da família do protagonista, no momento da escrita da novela, a única figura ainda vida era Rita, a irmã predileta do fidalgo e tia de Camilo, que faleceu em 1872.


 
Caracterização de Mariana
 

            Mariana ama Simão e, assim sendo, é-lhe de uma dedicação extrema, cuidando dele doente (“Mariana, que levantava a cabeça ao menor movimento dele.”) e sacrifica-se para o acompanhar (“– Se não o incomodo, deixe-me aqui estar, senhor Simão.”). Mas, para tal, tem de enfrentar várias provações que se refletem no seu aspeto físico: “Mariana tinha envelhecido”. Não obstante, abnegada como sempre, está ao seu lado sempre, incluindo no momento da morte, com a resiliência que o amor lhe proporciona: “Mariana ouviu o prognóstico e não chorou.”

            Além disso, Mariana mostra-se sempre solidária, humilde e submissa (“– Se não o incomodo, deixe-me aqui estar, senhor Simão”), abnegada e determinada na luta pelo seu amor e, à semelhança de Teresa, crença no amor eterno (“Viram-na, um momento, a bracejar, não para resistir à morte, mas para abraçar-se ao cadáver de Simão, que uma onda lhe atirou aos braços.”).

            Quando o filho de Domingos Botelho mergulha num estado de agonia e delírio, inicialmente, a filha do ferrador declara-se pronta para morrer (por amor) se o mesmo acontecer a Simão (“– Morrerei, senhor Simão.”). Depois, à medida que este fica mais debilitado, Mariana manifesta os efeitos físicos que essa debilidade lhe causa (“Mariana tinha envelhecido.”). Posteriormente, o facto de apertar o embrulho com as cartas de Teresa e Simão à sua cintura, indicia a decisão que tomou e que conheceremos pouco depois. O primeiro beijo que lhe dá acontece com ele já morto, assim de associando amor e morte. Por último, durante o funeral do fidalgo, a sua postura apática e quase indiferente compreende-se tendo presente a dita decisão de se lançar ao mar atrás do corpo do jovem (“[…] e parecia estupidamente encarar aqueles empuxões que o marujo dava ao cadáver…”).

            Em suma, o suicídio de Mariana decorre do amor-paixão que sente por Simão, caracterizado por uma dedicação, um espírito de abnegação e intensidade sentimental tais que abdica da própria vida para se unir ao seu amor para sempre. Deste modo, a morte proporciona-lhe a concretização do amor pelo jovem fidalgo, abraçando o seu corpo para a eternidade, bem como a paz que o amor por ele nunca lhe trouxera. A imagem é bastante sugestiva: o destino atira-lhe para os braços o corpo do seu amado: “[…] que uma onda lhe atirou aos braços.”

            O final da novela é tipicamente romântico, ao apresentar a solução característica para cada um dos amantes infelizes: a morte.



Relação entre Simão e Teresa

            Como já vimos noutros capítulos, Simão olha para Mariana como uma amiga ou uma irmã, ao passo que ela o ama profundamente. Abnegadamente, sofre por ciúmes, por saber do amor de Simão por Teresa, mas, ainda assim, nunca o abandona, nem nos momentos mais difíceis.

            Por seu turno, o académico tem consciência da pureza e consistência dos sentimentos da filha de João da Cruz, bem como do seu espírito de sacrifício, procurando nela o amparo de que necessita nos seus últimos dias.


 
Função dos diálogos

Simão e Mariana, através dos diálogos, comunicam decisões (por exemplo, a jovem declara que morrerá se o fidalgo falecer).

As duas personagens exprimem emoções, sentimentos e preocupações.

Os diálogos servem ainda para apresentar informações e esclarecer factos (por exemplo, o destino da correspondência de Teresa e Simão).

 
 
Espaço físico
 
• A ação da Conclusão decorre a bordo do barco que transporta Simão e Mariana para o degredo, na Índia.

• O espaço referido logo no início da Conclusão é o camarote/o beliche que serve de aposento de Simão. Trata-se de um espaço muito pequeno, que oprime a personagem, levando-a a confessar ao comandante que aí sofre mais do que no convés.

• Como sucede noutros passos da obra, o narrador é muito económico no que toca à descrição do espaço físico. Desta forma, o leitor concentra a sua atenção nas personagens, nos seus dramas, sentimentos e emoções.

• A redução/concentração do espaço, à medida que a ação avança, contribui para adensar a atmosfera dramática/trágica.

 

quarta-feira, 12 de abril de 2023

Análise do capítulo XIX de Amor de Perdição


  Síntese dos capítulos anteriores
 
Capítulo XI
 
            Domingos Botelho toma conhecimento da prisão de Simão e determina que o filho seja tratado de acordo com a lei. O jovem aceita com indiferença esse tratamento e dá entrada na prisão. Mariana apresenta-se, para lhe dar apoio.
 
Capítulo XII
 
            O narrador transcreve parte de uma carta de uma irmã de Simão, recordando, 57 anos depois, a reação da família à prisão e à condenação à morte. Depois disso, relata-se o julgamento de Simão e os comentários que provoca. Mariana entra num estado próximo da loucura.

Capítulo XIII

 

            Após a prisão de Simão, Teresa é conduzida ao convento de Monchique e dá sinais de fraqueza e doença. As cartas trocadas entre os amantes evidenciam o desgosto de ambos pela separação e pela morte próxima de Teresa.

 

Capítulo XIV

 

            Tadeu de Albuquerque chega ao convento para levar Teresa para Viseu, mas a filha recusa. A madre apoia-a e Tadeu, não obstante as diligências que faz, não consegue o que deseja.

 

Capítulo XV

 

            Simão continua preso na Cadeia de Relação, no Porto, e passa ao papel os seus pensamentos e reflexões sobre o seu destino. João da Cruz visita-o e dá-lhe conta das melhoras de Mariana; depois leva uma carta do fidalgo para Teresa. Entretanto, Mariana ficará a cuidar de Simão.

 

Capítulo XVI

 

            Neste capítulo, narra-se a fuga de Manuel Botelho, irmão mais velho de Simão, com uma mulher casada. Trata-se de um incidente que não tem grande ligação com os amores de Teresa e Simão, mas que mostra o modo de ser de Domingos Botelho.

 

Capítulo XVII

 

            João da Cruz está em casa e dedica-se ao trabalho de ferrador. Entretanto, é visitado por um estranho que, após um breve diálogo, dispara sobre ele, matando-o, num ato de vingança. Mariana recebe a notícia na prisão, onde acompanha Simão, e ambos reagem com grande emoção.

 

Capítulo XVIII

 

            Mariana, agora sem pai, decide acompanhar Simão no degredo. As suas manifestações de dedicação ao fidalgo intensificam-se, ao ponto de anunciar que se suicidará, quando a sua companhia já não for necessária. Não há mais como esconder o seu amor por Simão.

 

 

Análise do capítulo

 

1. Reflexão sobre a verdade e a ficção

 

            Nesta parte final da novela, o sofrimento das personagens intensifica-se, e o narrador faz ouvir a sua voz com grande nitidez e aproxima-se do leitor.

            De acordo com o professor Carlos Reis (Educação Literária – Leituras Orientadas, Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco, Porto. Porto Editora,2016, p. 108), a “presença do narrador manifesta-se de três formas:

• Pelos comentários que tratam de temas como a verdade e a sua presença na ficção narrativa.

• Pela organização do tempo, orientada para o momento em que, no capítulo seguinte, Simão parte para o degredo.

• Pelas interpelações, quando, usando a segunda pessoa, o narrador se dirige à personagem (Simão) e ao leitor. Trata-se de um procedimento que cria uma certa intimidade com quem é interpelado e mostra um conhecimento amplo da condição humana, das suas motivações e das suas reações. Por exemplo: «Assim te sentias tu, infeliz, quando dezoito meses de cárcere […] te haviam matado o melhor da alma”; “De além, daquele convento onde outra existência agonizava, gementes queixas te vinham espremer fel na chaga».”

            O narrador inicia o capítulo com uma reflexão sobre a presença da verdade e da ficção num romance. Assim, de acordo com a sua dissertação:

• A verdade é difícil de enquadrar na ação: ela é “o escolho de um romance”.

• Um romance que assenta na verdade “é frio, é impertinente, é uma coisa que não sacode os nervos”.

• A verdade que faz sofrer não deve ser apresentada aos leitores do romance e da novela (os “painéis do público”).

• O narrador declara ter perdido o juízo a estudar a verdade. Por isso, decide “pintá-la como ela é, feia e repugnante”.

• Assim, o narrador vai apresentar a verdade como ela é: “a verdade do coração humano”, ou seja, a história narrada é de sofrimento.

            De seguida, o narrador dirige-se ao leitor, concretamente ao “leitor inteligente”, questionando-o se “a desgraça arvora ou aquebranta o amor”, isto é, se os obstáculos ao amor o tornam mais intenso ou se, pelo contrário, acalmam o ânimo de quem ama. Esta interrogação retórica (“A desgraça afervora ou quebranta o amor?”) permite criar cumplicidade com o leitor, despertando-o para o que vai acontecer em seguida. Além da interrogação, outros recursos expressivos contribuem também para esta finalidade, como a exclamação (“A verdade do coração humano!”) e a enumeração (“A Índia, a humilhação, a miséria, a indigência.”).

            No entanto, o narrador não apresenta uma resposta para essa pergunta, antes afirma que “Factos e não teses é o que eu trago para aqui”. Que factos são esses? Após dezanove meses na prisão, Simão deseja ardentemente a liberdade: “[…] almejava um raio de sol, uma lufada de ar não coada pelos ferros, o pavimento do céu…”. Por isso, em vez de aceitar a comutação da pena – dez anos de cárcere em Vila Real – prefere o degredo na Índia, porque “Ânsia de viver era a sua; não já era ânsia de amar” e porque “O que é o coração, o coração dos dezoito anos, o coração sem remorsos, o espírito anelante de glórias, ao cabo de dezoito meses de estagnação da vida?”

            De seguida, interpela diretamente Simão, usando a segunda pessoa, e mostra a sua cumplicidade, um conhecimento profundo dos seus sentimentos e motivações: “Assim te sentias tu, infeliz, quando dezoito meses de cárcere, com o patíbulo ou o degredo na linha do teu porvir, te haviam matado o melhor da tua alma.” Além disso, na sua omnisciência, emociona-se e compadece-se com o sofrimento do fidalgo, tal como tinha sucedido na Introdução, e intensifica-o através de vários recursos expressivos, como as exclamações, as interrogações retóricas e o vocabulário associado à desgraça e ao sofrimento (“abismo”, “fel”, “escuridão”, “chaga”, etc.).

 

2. As cartas trocadas entre Simão e Teresa

 

            O discurso epistolar reveste-se, mais uma vez, de grande importância no contexto da novela.

            Na primeira carta, Teresa, muito doente e caminhando para a morte (“As ânsias, a lividez, o deperecimento tinham voltado. O sangue, que criara novo, já lhe saía em golfadas com a tosse.”), pede a Simão que aceite os dez anos de prisão, mas o fidalgo perdeu toda a esperança.

            De facto, na missiva de resposta, Simão mostra que, tal como a amada, desistiu dos seus sonhos e perdeu a vontade de viver, optando pelo degredo. Neste momento das suas vidas, face à clausura que ambos vivem (ele na prisão, ela no convento), perderam toda a esperança de poder vir a ter um projeto amoroso: “Não esperes nada, mártir […] A luta com a desgraça é inútil, e eu não posso já lutar. Foi um atroz engano o nosso encontro. Não temos nada neste mundo. Caminhemos ao encontro da morte…”. O fidalgo renuncia ao amor e opta pela liberdade, mesmo que no exílio: “Ânsia de viver era a sua; não era já ânsia de amar”. Não foge, no entanto, ao seu destino trágico de “mártir de amor”.

            De seguida, como herói romântico que é, Simão demonstra o seu repúdio pela sua família e pela pátria, que representam uma sociedade estagnada, preconceituosa e corrompida pela honra e pelo dinheiro: “Abomino a pátria, abomino a minha família; todo este solo está aos meus olhos cobertos de forcas […] Em Portugal, nem a liberdade com a opulência; nem já agora a realização das esperanças que me dava o teu amor, Teresa!” Enquanto heróis românticos, o par amoroso opõe-se à sociedade, pelo que o amor de ambos simboliza, de alguma forma, o desejo de mudança da sociedade.

            Simão, em suma, desistiu de tudo – do amor e da própria vida: “Eu quero morrer, mas não aqui.” Graças à intervenção do seu pai, é-lhe dada a possibilidade de cumprir os dez anos de degredo a que fora condenado na prisão de Vila Real, todavia, mesmo após o pedido de Teresa para que aceitasse essa comutação da pena, o filho de Domingos Botelho recusa: “Não me peças que aceite dez anos de prisão.” O narrador já clarificara antes esta postura de Simão: “Os dez anos de ferros, em que lhe quiseram minorar a pena, eram-lhe mais horrorosos que o patíbulo.”

            Simão espera, pois, a morte e, num primeiro momento, aconselha Teresa a fazer o mesmo: “Caminhemos ao encontro da morte.” Depois pede-lhe que faça a vontade de seu pai (“Salva-te, se podes, Teresa. Renuncia ao prestígio dum grande desgraçado. Se teu pai te chama, vai.”) ou que morra (“E, senão, morre…”), pois “a felicidade é a morte”.

            Teresa responde-lhe com uma breve carta, na qual se pronuncia no mesmo tom do seu amado: “Morrerei, Simão, morrerei.”; “[…] e morro, porque não posso, nem poderei jamais resgatar-te.” De seguida, pede-lhe que viva para a chorar (“Se podes, vive; não te peço que morras, Simão; quero que vivas para me chorares.”) e declara estar tranquila (“Estou tranquila…”) perante a aproximação da morte e a paz que esta lhe trará (“Vejo a aurora da paz…”). E despede-se de forma que confirma a sua crença na realização do amor num outro plano, o espiritual: “Adeus até ao Céu, Simão.”

            Estas missivas trocadas entre ambos confirmam que, para ambos, ao gosto romântico, perante a impossibilidade de realização do seu amor, a única opção é a morte.

 

3. Final do capítulo

 

            Depois de receber a última carta de Teresa, Simão cai num estado de profunda melancolia e angústia, aniquilado, em silêncio absoluto: “Seguiram-se a esta carta muitos dias de terrível taciturnidade. Simão Botelho não respondia às perguntas de Mariana.”

            O ritmo narrativo é extremamente rápido, como o demonstra a elipse (“Decorreram seis meses ainda.”), até que chegamos ao dia 10 de março de 1807, data em que Simão recebe a intimação para a viagem rumo ao degredo na Índia, o que o deixa ora num estado de letargia, ora de loucura. Esse estado de alma é traduzido através de um estilo e de uma linguagem que procuram traduzir as emoções das personagens. Ao longo de todo o capítulo, nomeadamente nas cartas, podemos encontrar lirismo nas palavras dos dois apaixonados, mas, à medida que se caminha para o desenlace, nomeadamente nesta última parte, o discurso das personagens é contaminado pela sensibilidade romântica, daí um certo exagero, dramatismo e emotividade extremos: “– Que trevas, meu Deus! – exclamava ele, e arrancava a mãos-cheias os cabelos . – Dai-me lágrimas, Senhor! Deixai-me chorar ou matai-me, que este sofrimento é insuportável!”

 

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