Português: Cartune
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domingo, 15 de junho de 2025

Regime iraniano sob ataque


                O cartune, da autoria de Christian Adams, aborda o ataque de Israel à República Islâmica do Irão, representando simbolicamente a destruição dos alicerces do regime teocrático. Através da imagem de uma estátua sendo atacada por mísseis, o cartunista critica a rigidez do poder religioso e aponta para a sua crescente instabilidade, diante de pressões externas e/ou internas. É uma representação política visual que sugere a fragilidade de um sistema que aparenta solidez, mas está sob ataque.

                Em primeiro plano, encontramos uma estátua imponente do líder iraniano Ali Khamenei. A figura está de pé, trajando vestes religiosas tradicionais — túnica longa e turbante — com expressão severa e uma das mãos levantadas em gesto de autoridade ou bênção, o que remete para o poder teocrático iraniano. A escultura é feita em pedra acinzentada, reforçando a ideia de rigidez, conservadorismo e culto à personalidade. Na base da estátua, lê-se parcialmente a inscrição "ISLAMIC REPUBLIC" (República Islâmica), que está rachada e a ser atingida por explosões. Vários mísseis atingem ou dirigem-se para a sua base, vindos de diferentes direções. As explosões são intensas, com cores quentes como vermelho, laranja e amarelo, em forte contraste com os tons frios do restante da imagem. Esses elementos criam uma sensação de tensão, destruição iminente e conflito direto. O facto de os ataques se concentrarem na base da estátua é simbólico: indica que os fundamentos do regime estão a ser atingidos na tentativa de os destruir, mesmo que sua “fachada” ainda permaneça em pé, embora inclinada.

Num plano mais afastado, deparamos com a cidade de Teerão, capital do Irão, identificável pela sua paisagem urbana e pela presença da Milad Tower, um dos marcos mais reconhecíveis da urbe. Os edifícios são modernos, sugerindo uma sociedade urbana, dinâmica e conectada ao mundo contemporâneo. As cores utilizadas são predominantemente frias e claras (tons de azul, cinza e branco), criando um contraste com as explosões vibrantes do primeiro plano. Esse fundo urbano representa a população civil, a modernidade e a vida real que existe paralelamente à estrutura teocrática representada pela estátua. Pode também simbolizar o contraste entre o desejo de progresso da sociedade iraniana e o conservadorismo do regime vigente.

Ao fundo, estão representadas as montanhas nevadas, que representam a cordilheira de Alborz, que cerca Teerão. Elas estão pintadas em tons de branco e azul claro, transmitindo uma sensação de solidez, permanência e tranquilidade natural. Esse elemento pode ter um duplo simbolismo: por um lado, reforça a geografia iraniana, situando o cenário de forma inequívoca; por outro, pode simbolizar a resistência do povo iraniano, ou até a ideia de que o país (a terra, o território) permanece, independentemente das estruturas de poder que nele se ergam ou desmoronem. A paz das montanhas contrasta diretamente com o caos e destruição do primeiro plano.

                Em suma, este cartune utiliza metáforas visuais potentes para retratar os ataques que Israel está a desferir sobre o regime da República Islâmica do Irão, a pretexto de destruir a ameaça que constitui o seu programa nuclear. A estátua representa o poder teocrático, rígido e autoritário, enquanto os mísseis e explosões indicam que esse poder está sendo desafiado e corroído, especialmente nas suas fundações. A cidade moderna ao fundo aponta para uma sociedade que deseja avançar, enquanto as montanhas evocam permanência e resiliência. A obra transmite uma mensagem clara: apesar da aparência imponente do regime, as suas bases estão sob ataque — e talvez prestes a ruir.


sexta-feira, 6 de junho de 2025

Trump e Putin e o Bastardistão

Bastardistão

 1. Introdução
 
    A caricatura política tem uma longa tradição como forma de crítica social e política, servindo de espelho — por vezes distorcido, por vezes intensamente preciso — da realidade contemporânea. Num único quadro, é possível condensar ideias, emoções, ideologias e posicionamentos com uma força simbólica raramente encontrada em discursos extensos ou análises formais. Este cartune, do artista Kamensky, retrata o mundo dividido entre “Trumpistão” e “Putinistão” e constitui um exemplo notável dessa capacidade de síntese e provocação, oferecendo-nos uma leitura alegórica e crítica do panorama internacional atual, nomeadamente da forma como Rússia e Estados Unidos «negociam» o conflito que resultou da Invasão da Ucrânia por parte dos russos.

2. Os Arquétipos Autoritários: Trump e Putin como Representações de Regimes
 
2.1. Donald Trump
 
    Trump surge de pé, com uma postura hirta, uma expressão facial de resolução fria, com traços rígidos e fechados – sem empatia, sem sorriso. Os olhos parecem cerrados. Por cima do lábio superior, é visível um bigode que recorda o característico de Hitler. No que diz respeito ao vestuário, usa o seu icónico traje de campanha: um fato escuro (azul-marinho ou preto), gravata vermelha comprida (uma das suas peças de vestuário mais típicas) e camisa branca. No braço esquerdo, exibe uma braçadeira vermelha com um círculo branco, que contém ao centro a letra T (de Trump, traduzindo um exercício do poder político autocrático e de culto da personalidade), que evoca a estética autoritária ou paramilitar (semelhante às usadas em regimes totalitários por figuras como Adolf Hitler ou Mussolini). O cabelo apresenta tonalidades amarelas-claras / douradas, penteado numa espécie de topete volumoso inclinado para trás, como é característico da figura real. O rosto é redondo, apresenta bochechas volumosas e lábios comprimidos, traços enfatizados pela caricatura para transmitir a sensação de rigidez e arrogância. Por outro lado, o tom de pele alaranjado, outro traço característico das caricaturas de Donald Trump, remete para a maquilhagem que, normalmente, usa em público. Na mão direita, segura uma motosserra que pinga sangue e emite fumo negro, pormenores que simbolizam a convivência com os atos violentos de Putin por motivos taticistas e economicistas
    A representação de Donald Trump no cartune vai muito além da caricatura física. Ele surge como símbolo de um estilo político marcado pelo populismo, pela confrontação com instituições democráticas e pelo culto à personalidade. A gravata vermelha, o fato escuro e a expressão determinada são reforçados por uma motosserra ensanguentada, um objeto que dispensa explicações sobre a natureza destrutiva da liderança que representa.
    A presença de uma braçadeira com a letra “T” no braço de Trump (a inicial do seu próprio nome) é uma clara alusão aos símbolos totalitários do século XX. Embora não haja referência direta ao nazismo, o uso da braçadeira evoca associações com regimes que apostaram na identificação simbólica total com o líder. Tal iconografia insinua que o “Trumpistão” é mais do que uma extensão dos EUA — é uma entidade ideológica alternativa, autoritária e violenta.

2.2. Vladimir Putin
 
    Do lado oposto da imagem, Putin surge como guerreiro arquetípico. De tronco nu e com o símbolo “Z” — associado às tropas russas na guerra contra a Ucrânia — o presidente russo carrega um machado ensanguentado. A escolha da arma é significativa: o machado evoca brutalidade, execução sumária, punição corporal. Por outro lado, convém ter presente que a letra “Z” começou a aparecer pintada em veículos militares russos nos primeiros dias da invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022. Originalmente, servia como uma marcação tática, usada pelas forças russas para distinguir os seus veículos dos ucranianos no campo de batalha — especialmente porque ambos os lados utilizavam modelos semelhantes de armamento soviético. Porém, acabou por ser interpretada como uma alusão ao presidente ucraniano, Zelensky, e ao objetivo russo de o eliminar.
    Ele encontra-se também de pé, de frente para Trump, numa posição espelhada que sugere igualdade (ideológica? de ação? de propósito?). A sua expressão é impassível e fria, típica das caricaturas que o representam como um homem calculista, frio e insensível. Por seu turno, os olhos estão cerrados, enquanto, por cima do lábio superior, ostenta um bigode similar ao de Estaline, um antigo dirigente soviético sanguinário. No que diz respeito ao vestuário, encontra-se, de facto, de tronco nu, realçando a musculatura magra e o peito, uma imagem que procura reproduzir fotografias em que Putin se deixou fotografar desse modo, procurando transmitir uma representação sua como homem viril, guerreiro. Usa umas calças militares verde-escuras com um cinto largo, no qual está preso um machado grande, de lâmina larga, completamente coberto de sangue, simbolizando as vítimas que faz com a invasão da Ucrânia, no que constitui uma alusão ao célebre machado de guerra, cuja origem remonta às culturas indígenas da América do Norte e que, hoje em dia, é usada como metáfora para conflito, hostilidade ou confrontação aberta. O machado de guerra era uma arma real utilizada por várias tribos indígenas, como os Apaches, por exemplo, a qual possuía igualmente um valor cerimonial e simbólico. Quando duas tribos em guerra faziam a paz, era tradição enterrar o machado de guerra, um gesto que simbolizava o fim das hostilidades. Daí surgiu a expressão «enterrar o machado de guerra», que conserva o significado de pôr fim a um conflito. Prosseguindo a descrição de Putin, calça umas botas militares de cano alto, reforçando o papel de comandante em tempo de guerra. No braço esquerdo, que está caído ao longo do corpo, enverga uma braçadeira similar à de Trump, sendo a única diferença o facto de conter a letra Z, uma alusão, como já foi referido, ao líder ucraniano, Zelensky, o alvo prioritário das forças russas. O cabelo, de tons acinzentados, é muito curto, acentuando o seu aspeto militarista e austero. O rosto é anguloso, salientando-se o queixo pontiagudo, as bochechas rosadas e a pele entre o pálido e o rosado mais suave. As rugas na testa e entre os olhos sugerem tensão, experiência e um certo desgaste físico.
    Regressando aos bigodes das duas figuras – Trump possui um semelhante ao de Hitler e Putin ao de Estaline, podemos estar perante uma alusão ao acordo assinado, por altura da II Guerra Mundial, entre o então líder alemão e o soviético – o célebre Pacto Molotov-Ribbentrop (datado de 23 de agosto de 1939) –, que dividia a Europa Oriental em duas esferas de influência e que tinha como objetivo evitar uma guerra entre a Alemanha e a União Soviética.
    Em suma, a representação de Putin assenta num imaginário de força bruta e sobrevivência, características muitas vezes exaltadas na propaganda oficial russa. O “Putinistão” torna-se assim a imagem de um regime baseado na violência estatal, no expansionismo territorial e na supressão da dissidência interna.

3. A Estética da Violência: Motosserra, Machado e Sangue
 
3.1. Os Objetos como Metáforas do Poder
 
    O uso de armas primitivas e ensanguentadas — a motosserra de Trump e o machado de Putin — reforça a ideia de que o poder que exercem não é racional, civilizacional ou democrático. São instrumentos que destroem, mutilam e intimidam. O sangue que pinga dos mesmos, e que se acumula no chão, simboliza os custos humanos e éticos das suas políticas.
    No caso de Trump, a motosserra pode também ser lida como referência à devastação ambiental, especialmente face ao seu negacionismo climático e desregulação das proteções ecológicas nos EUA.

3.2. A Poética do Sangue
 
    O sangue é o símbolo mais explícito do cartune. Não há tentativa de disfarçar ou suavizar a violência — pelo contrário, ela é frontal, visível e omnipresente. O aperto de mão entre os dois líderes acontece com as mãos manchadas de sangue, uma poderosa metáfora da cumplicidade na destruição de direitos, vidas e democracias. Na prática, Trump, que prometeu acabar com a guerra rapidamente durante a campanha para a sua eleição, tem-se comportado quase como um aliado de Putin, mostrando-se disponível para sacrificar a independência da Ucrânia, desde que os seus interesses em solo ucraniano sejam atendidos. É também uma denúncia clara de que a aliança ideológica entre os dois não é apenas teórica ou retórica: ela tem consequências materiais e trágicas.

4. A Geografia da Ideologia: Trumpistão, Putinistão e Bastardistão

4.1. A Divisão do Mundo em Blocos Ideológicos
 
    Ao fundo, vemos o globo terrestre dividido. De um lado, o “Trumpistão”; do outro, o “Putinistão”. Esta bipartição não representa nações reais, mas sim zonas de influência ideológica, como se o mundo estivesse a ser repartido por duas potências autoritárias concorrentes, mas paradoxalmente aliadas. Trata-se de uma distorção do mapa-múndi que substitui fronteiras políticas por fronteiras simbólicas, representando a guerra ideológica em curso.
    Esta representação evoca, de forma distorcida, a lógica da Guerra Fria, mas sem o contraponto da democracia liberal. Aqui, não há um “mundo livre” (o bloco ocidental) — apenas dois modelos de autoritarismo que se fortalecem mutuamente.

4.2. Bastardistão: O Mundo Bastardo
 
    A inscrição “DIE WELT BASTARDISTAN” em letras vermelhas chama imediatamente a atenção. “Die Welt” significa “o mundo” em alemão; o termo inventado “Bastardistão” insinua que o mundo está a ser dominado por regimes violentos e sanguinários. Este conceito remete à ideia de que a política internacional foi sequestrada por figuras que destroem valores universais, deslegitimando qualquer noção de ordem global assente no direito, na ética ou nos direitos humanos.

5. Elementos Visuais Secundários e Simbologia Oculta
 
5.1. A Lata de Tinta
 
    Ao centro, no chão, encontra-se uma lata de tinta vermelha (sangue), em cima da qual está um pincel molhado. No solo, existem diversas manchas de tinta vermelha (novamente sangue), algumas das quais caem da motosserra de Trump e do machado de Putin. O pincel e a tinta foram usados para dividir o mapa-múndi ao meio, representando as duas metades do mundo, cada uma dominada pelas duas figuras do cartune.

5.2. A Linha Vermelha
 
    A linha vermelha que divide o mundo ao meio (O Ocidente dominado por Trump e o Oriente por Putin), divisão essa marcada a sangue, evoca a Guerra Fria, durante a qual o mundo foi dividido em dois blocos – o ocidental (capitalista e democrático), liderado pela NATO e pelos Estados Unidos, e o Bloco de Leste (comunista), dominado pela União Soviética e pelo Pacto de Varsóvia. Essa linha imaginária evocava uma fronteira ideológica e não apenas territorial, enquanto a do cartune se refere a dois modelos de autoritarismo populista.

6. Significado Político e Cultural da Caricatura
 
6.1. O Papel da Sátira Política
 
    A caricatura de Kamensky insere-se na tradição da sátira como resistência. Ao exagerar, deformar e provocar, a sátira obriga-nos a confrontar realidades que muitas vezes preferimos ignorar. Como afirmou George Orwell, "toda a arte é política", e neste caso, a arte é também um grito de alerta. Não se trata de humor leve — trata-se de um comentário feroz sobre a realidade global, que apela à ação, à consciência crítica e à resistência cultural.

sábado, 31 de maio de 2025

Trump e Putin a brincar com o fogo da guerra


    Este cartune, de forte teor crítico e simbólico, retrata os líderes Donald Trump e Vladimir Putin, respetivamente dos Estados Unidos e da Rússia, em trajes primitivos, agachados ao redor de uma fogueira onde arde uma espécie de rolo de madeira das cores da Ucrânia com a palavra “Ukraine”, numa cena que evoca o homem pré-histórico, fazendo uso do fogo no interior de uma caverna (sugerida pelo fundo da imagem escuro) para cozer alimentos. A cena é carregada de ironia e simbolismo político, aludindo diretamente ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia, mas também à postura ambígua dos Estados Unidos em relação ao mesmo.

    Donald Trump aparece a segurar um pau com um pombo branco (símbolo da paz) preso na ponta, que está a assar diretamente sobre o fogo. O pombo transporta no bico um ramo de oliveira verde (símbolo da esperança e da vida), reforçando a imagem da paz ameaçada. Ao mesmo tempo, Trump dirige-se a Putin com a frase: “Vlad, don’t play with fire!” (“Vlad, não brinques com o fogo!”). Esta fala metafórica comporta uma pesada carga de ironia, pois ele próprio está a contribuir ativamente para o agravamento do conflito, demonstrando uma hipocrisia implícita — alerta o outro para o perigo enquanto pratica uma ação igualmente incendiária.

    Putin, por sua vez, é representado com uma expressão feroz e uma postura agressiva, lançando mísseis em direção ao lume. A sua atitude deixa claro o papel ativo da Rússia no conflito (o iniciador e instigador), reforçando a ideia de que está a alimentar intencionalmente as chamas da guerra.

    A imagem do fogo, símbolo universal de destruição, violência e descontrolo, representa aqui a guerra na Ucrânia. Recordemos que o seu domínio foi uma das maiores conquistas da humanidade, símbolo de poder e sobrevivência. Neste cartune, o fogo é usado para “cozinhar” a paz, representada pelo pombo, o que sugere que esses líderes ainda lidam com os conflitos de forma bárbara, destrutiva e impulsiva, como se estivessem presos a uma mentalidade arcaica. Por sua vez, o toro com a inscrição “UKRAINE” funciona como base da fogueira, indicando que é este território o foco da destruição e da disputa de poder entre as grandes potências.

    Ambos os líderes estão infantilizados e caricaturados, com corpos desproporcionais e em trajes ridículos, o que pode ser interpretado como uma crítica à sua falta de maturidade e responsabilidade, bem como à ausência de racionalidade que os caracteriza. Esta escolha estética sugere que, apesar do poder que detêm, comportam-se como crianças inconscientes das consequências das suas ações.

    Em suma, o cartune utiliza o humor negro e a caricatura para expor a incoerência e a irresponsabilidade dos líderes mundiais perante um conflito de grande escala. Ao apresentar Trump como alguém que parece apelar à paz enquanto participa na sua destruição e Putin como o instigador ativo da violência, a imagem comporta uma crítica contundente: a paz está a ser sacrificada por egos políticos, jogos de poder e atitudes que, embora envoltas em discursos oficiais, são profundamente destrutivas. É uma representação visual poderosa da complexidade e da tragédia geopolítica contemporânea.

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