domingo, 10 de agosto de 2025
A expulsão contemporânea do Paraíso
sábado, 28 de junho de 2025
O trio tóxico
O cartune, assinado por Kusto, de seu verdadeiro nome Oleksiy Kustovsky, é uma sátira de cariz geopolítico que expõe as atuais tensões internacionais, envolvendo três nações associadas ao poder repressivo e à ameaça nuclear: Rússia, Irão e Coreia do Norte.
No centro da imagem, deparamos com três figuras humanas que representam três líderes políticos mundiais e que compartilham um míssil transformado em trenó, que desliza sobre um chão gelado. A figura da frente, um homem com um nariz muito comprido, capacete vermelho com listas brancas, um fato cinzento com uma braçadeira vermelha semelhante à suástica nazi (com o centro redondo e branco registando a letra Z, uma clara referência a Vladimir Zelenski, o líder ucraniano que combate o invasor russo há três anos), de olhos arregalados e olhar assustado, é Vladimir Putin, o atual dirigente da Rússia. A do meio é um homem idoso, de barba grisalha e comprida (símbolo do poder teocrático), usando um turbante preto (outro símbolo do poder teocrático) e óculos, olhar penetrante e astuto, olhando na direção do leitor / observador do cartune, e sorriso aberto, sugerindo frieza e maldade, concretamente o aiatola iraniano Ali Khamenei. Por último, a figura de trás é um homem de rosto redondo, sorriso largo e cabelo característico, com uma expressão relaxada e confiante, sugerindo despreocupação e até escárnio. Trata-se de Kim Jong-Un, líder da Coreia do Norte. A união das três personagens, reunidas no mesmo veículo, sugerem a aliança tácita entre os regimes que lideram e representam, norteados por interesses bélicos e postura desafiadora relativamente à ordem mundial.
O veículo em que se deslocam é um trenó em forma de míssil que desliza num solo gelado, relembranco a modalidade olímpica conhecida por Bobsled. Na parte da frente da viatura, encontra-se o tradicional símbolo nuclear, o que significa que o míssil é uma bomba atómica. Na lateral esquerda, estão inscritos os nomes, em inglês, das três capitais dos países que as figuras humanas representam pela ordem que elas ocupam no interrior do trenó / míssil: Moscow, Tehran e Pyongyang. Por baixo destas inscrições, encontram-se as bandeiras das três nações, sendo que de cada uma escorre um pouco de tinta vermelha, representando o sangue derramado pelos três regimes opressivos. Por outro lado, os nomes das capitais estão separados entre si por caveiras, reforçando a colagem aos três homens e respetivos países das ideias de perigo iminente, destruição, toxicidade e morte. Além disso, a escolha do míssil como veículo contrasta ironicamente com o formato de trenó, associado a um desporto (que indicia saúde, vida, entretenimento) ou a uma atividade lúdica. O efeito que se atinge com esta representação é profundamente perturbador e inquietante: os três líderes mundiais, possuidores de ogivas nucleares, são retratados como figuras que «brincam» com armas de destruição massiva, de forma irresponsável e insensível.
Prosseguindo a análise, outro elemento extremamente simbólico é o facto de a base do trenó ser composta por duas foices. Ora, a foice, juntamente com o martelo, é o principal símbolo do comunismo, pelo que a sua presença remete para a ideia de dois dos três países - Rússia e Coreia do Norte - serem os herdeiros do comunismo da antiga União Soviética, enquanto o Irão também se lhe associa, porquanto mantém estreitas relações privilegiadas com a Rússia, como o comprova, por exemplo, o fornecimento de material bélico aos russos durante o conflito com a Ucrânia. Por outro lado, a foice é um instrumento de ceifar e, por extensão, um objeto que pode tirar a vida, reforçando, assim, o tom ameaçador do engenho nuclear: o trenó em forma de míssil não é somente um veículo de destruição, mas uma m´quina de ceifar vidas em massa. Além disso, da parte da frente do trenó sai um fio de fumo negro, que se acumula no ar, formando uma nuvem de tons negros, azuis e amarelo-esverdeados, parecendo possuir ao centro um olho, constituindo, portanto, mais um elemento que representa a ameaça de destruição e morte.
À direita da imagem, é visível uma árvore antropomorfizada, isto é, os ramos maus pequenos e as folhas são o globo terrestre. Abraçada e escondida atrás da árvore, está a Morte, com a sua túnica negra e a sua foice, dois elementos tradicionais da sua representação icónica. Quer a túnica quer a foice apontam para a destruição e a morte e o facto de a figura da Morte estar escondida e agarrada à árvore sugere que constitui uma ameaça para o planeta e que espera pacientemente o desfecho, ou seja, está pronta para atuar assim que o míssil eclodir e ceifar vidas. Como já foi referido, a árvore contém o globo terrestre no seu topo, o que significa que a ameaça representada no cartune possui uma dimensão planetária.
As cores predominantes na imagem têm também uma dimensão significativa. Assim, o verde do trenó / míssil está tradicionalmente associado ao militarismo e ao armamento, representando, neste caso, a base da ameaça. Por sua vez, o vermelho, presente no capacete usado por Putin e nas bandeiras dos três países, é a cor do sangue (que escorre dos três estandartes), da guerra e do comunismo, enquanto o amarelo e o preto presentes no símbolo nuclear, situado na parte da frente do míssil, representam o perigo extremo que ameaça a Terra. Por último, o cinzento, o preo e os tons amarelos e verdes visíveis nas roupas e no fumo contribuem para a construção de um ambiente sombrio e ameaçador. Ou seja, as cores selecionadas contribuem para reforçar a atnosfera de tensão e ameaça que paira em toda a imagem.
Em suma, o cartune configura a crítica à ameaça representada pela colaboração entre regimes autoritários e belicistas, simbolizados pelos seus líderes, tendo como pano de fundo a guerra declarada pela Rússia à Ucrânia, na qual intervêm o Irão através do fornecimento de armas ao regime de Putin e a Coreia do Norte por meio do envio de soldados norte-coreanos para o campo da batalha, para combater a resistência ucraniana, bem como os recentes ataques desferidos por Israel contra o Irão, a pretexto de destruir ou atrasar o programa nuclear iraniano.
domingo, 15 de junho de 2025
Regime iraniano sob ataque
O cartune,
da autoria de Christian Adams, aborda o ataque de Israel à República
Islâmica do Irão, representando simbolicamente a destruição dos alicerces
do regime teocrático. Através da imagem de uma estátua sendo atacada por
mísseis, o cartunista critica a rigidez do poder religioso e aponta para a sua
crescente instabilidade, diante de pressões externas e/ou internas. É uma
representação política visual que sugere a fragilidade de um sistema que
aparenta solidez, mas está sob ataque.
Em
primeiro plano, encontramos uma estátua imponente do líder iraniano Ali Khamenei.
A figura está de pé, trajando vestes religiosas tradicionais — túnica longa e
turbante — com expressão severa e uma das mãos levantadas em gesto de
autoridade ou bênção, o que remete para o poder teocrático iraniano. A
escultura é feita em pedra acinzentada, reforçando a ideia de rigidez,
conservadorismo e culto à personalidade. Na base da estátua, lê-se parcialmente
a inscrição "ISLAMIC REPUBLIC" (República Islâmica), que está rachada
e a ser atingida por explosões. Vários mísseis atingem ou dirigem-se para a sua
base, vindos de diferentes direções. As explosões são intensas, com cores
quentes como vermelho, laranja e amarelo, em forte contraste com os tons frios
do restante da imagem. Esses elementos criam uma sensação de tensão, destruição
iminente e conflito direto. O facto de os ataques se concentrarem na base da
estátua é simbólico: indica que os fundamentos do regime estão a ser atingidos
na tentativa de os destruir, mesmo que sua “fachada” ainda permaneça em pé,
embora inclinada.
Num plano mais afastado, deparamos
com a cidade de Teerão, capital do Irão, identificável pela sua paisagem
urbana e pela presença da Milad Tower, um dos marcos mais reconhecíveis
da urbe. Os edifícios são modernos, sugerindo uma sociedade urbana, dinâmica e
conectada ao mundo contemporâneo. As cores utilizadas são predominantemente
frias e claras (tons de azul, cinza e branco), criando um contraste com as
explosões vibrantes do primeiro plano. Esse fundo urbano representa a população
civil, a modernidade e a vida real que existe paralelamente à
estrutura teocrática representada pela estátua. Pode também simbolizar o
contraste entre o desejo de progresso da sociedade iraniana e o conservadorismo
do regime vigente.
Ao fundo, estão representadas as montanhas
nevadas, que representam a cordilheira de Alborz, que cerca Teerão.
Elas estão pintadas em tons de branco e azul claro, transmitindo uma sensação
de solidez, permanência e tranquilidade natural. Esse elemento pode ter um
duplo simbolismo: por um lado, reforça a geografia iraniana, situando o
cenário de forma inequívoca; por outro, pode simbolizar a resistência do
povo iraniano, ou até a ideia de que o país (a terra, o território)
permanece, independentemente das estruturas de poder que nele se ergam ou
desmoronem. A paz das montanhas contrasta diretamente com o caos e destruição
do primeiro plano.
Em
suma, este cartune utiliza metáforas visuais potentes para retratar os ataques
que Israel está a desferir sobre o regime da República Islâmica do Irão, a
pretexto de destruir a ameaça que constitui o seu programa nuclear. A estátua
representa o poder teocrático, rígido e autoritário, enquanto os mísseis e
explosões indicam que esse poder está sendo desafiado e corroído, especialmente
nas suas fundações. A cidade moderna ao fundo aponta para uma sociedade que
deseja avançar, enquanto as montanhas evocam permanência e resiliência. A obra
transmite uma mensagem clara: apesar da aparência imponente do regime, as suas
bases estão sob ataque — e talvez prestes a ruir.
sexta-feira, 6 de junho de 2025
Trump e Putin e o Bastardistão
1. Introdução
sábado, 31 de maio de 2025
Trump e Putin a brincar com o fogo da guerra
Este cartune, de forte teor crítico e simbólico, retrata os
líderes Donald Trump e Vladimir Putin, respetivamente dos Estados Unidos e da Rússia, em trajes primitivos, agachados ao redor
de uma fogueira onde arde uma espécie de rolo de madeira das cores da Ucrânia com a palavra “Ukraine”, numa cena que evoca
o homem pré-histórico, fazendo uso do fogo no interior de uma caverna (sugerida
pelo fundo da imagem escuro) para cozer alimentos. A cena é carregada de ironia
e simbolismo político, aludindo diretamente ao conflito entre a Rússia e a
Ucrânia, mas também à postura ambígua dos Estados Unidos em relação ao mesmo.
Donald Trump aparece a segurar um pau com um pombo branco (símbolo da paz) preso na ponta, que está a assar diretamente sobre
o fogo. O pombo transporta no bico um ramo de oliveira verde (símbolo da esperança e da vida), reforçando a imagem da
paz ameaçada. Ao mesmo tempo, Trump dirige-se a Putin com a frase: “Vlad, don’t
play with fire!” (“Vlad, não brinques com o fogo!”). Esta fala metafórica
comporta uma pesada carga de ironia, pois ele próprio está a contribuir
ativamente para o agravamento do conflito, demonstrando uma hipocrisia
implícita — alerta o outro para o perigo enquanto pratica uma ação igualmente
incendiária.
Putin, por sua vez, é representado com uma expressão feroz e
uma postura agressiva, lançando mísseis em direção ao lume. A sua atitude deixa
claro o papel ativo da Rússia no conflito (o iniciador e instigador), reforçando a ideia de que está a
alimentar intencionalmente as chamas da guerra.
A imagem do fogo, símbolo universal de destruição, violência
e descontrolo, representa aqui a guerra na Ucrânia. Recordemos que o seu domínio foi uma das maiores conquistas da humanidade, símbolo de poder e
sobrevivência. Neste cartune, o fogo é usado para “cozinhar” a paz,
representada pelo pombo, o que sugere que esses líderes ainda lidam com os
conflitos de forma bárbara, destrutiva e impulsiva, como se estivessem
presos a uma mentalidade arcaica. Por sua vez, o toro com a inscrição “UKRAINE”
funciona como base da fogueira, indicando que é este território o foco da
destruição e da disputa de poder entre as grandes potências.
Ambos os líderes estão infantilizados e caricaturados, com
corpos desproporcionais e em trajes ridículos, o que pode ser interpretado como
uma crítica à sua falta de maturidade e responsabilidade, bem como à ausência
de racionalidade que os caracteriza. Esta escolha estética sugere que, apesar
do poder que detêm, comportam-se como crianças inconscientes das consequências
das suas ações.
Em suma, o cartune utiliza o humor negro e a caricatura para expor a incoerência e a irresponsabilidade dos líderes mundiais perante um conflito de grande escala. Ao apresentar Trump como alguém que parece apelar à paz enquanto participa na sua destruição e Putin como o instigador ativo da violência, a imagem comporta uma crítica contundente: a paz está a ser sacrificada por egos políticos, jogos de poder e atitudes que, embora envoltas em discursos oficiais, são profundamente destrutivas. É uma representação visual poderosa da complexidade e da tragédia geopolítica contemporânea.