Português: Gregório de Matos
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quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Análise do poema "Descreve com mais individuação a fidúcia..."

            Neste poema, Gregório de Matos satiriza as ações do homem estrangeiro que ia enriquecer na Baía à custa do trabalhador baiano. Assim sendo, nesta longa composição de 192 versos, o sujeito poético descreve situações que evidenciam a insatisfação resultante das ações de determinadas personagens que habitavam na Baía, no período colonial.

            O poema abre com uma invocação (apóstrofe) à Baía, humanizada e tratada de forma formal, evidenciando respeito por ela, como se estivéssemos perante um diálogo entre um «eu» e um «vós».

            Os primeiros quatro versos assentam na antítese madrasta/madre: a cidade de Baía constitui o centro do discurso poético e, desde já, o sujeito lírico expõe o tratamento dado àqueles que exploram os bens do lugar: “Haverá duzentos anos, / (nem tantos podem contar-se) / que éreis uma aldeia pobre, / e hoje sois rica cidade.” Estamos já perante o foco da composição: a crise que a cidade enfrentava. De facto, por causa das crescentes barreiras alfandegárias impostas à comercialização dos açúcares brasileiros nos mercados europeus pela Inglaterra, França e Holanda, que dominavam a produção nas Caraíbas e no Oriente, os estoques acumulavam-se em Lisboa, que era incapaz de escoar o produto pelas razões apontadas. Para tornar os preços competitivos, a partir de 1675, a Coroa portuguesa determinou a redução dos preços, o que afetou os rendimentos da burguesia e do clero, elevou o valor dos escravos e o do cobre, do ferro e do breu, fundamentais para o funcionamento dos engenhos. Deste modo, os senhores ficam descapitalizados, o que os leva a recorrer ao crédito, à incapacidade de saldar as dívidas, às execuções, falências e ao fogo morto. Em simultâneo, a moeda petropolitana de prata e ouro desvaloriza, cujo valor facial se torna inferior ao da moeda que circula no Brasil, o que motiva a evasão do metal para Portugal, acompanhada da alta dos géneros. Esta crise atinge o auge por volta de 1688, quando, após a desvalorização da pataca espanhola em 20%, a moeda portuguesa de prata e ouro se torna mais vulnerável ao contrabando e a outras práticas de desvio, como, por exemplo, o corte dos seus bordos e a fundição das aparas, transformadas em metal, prata ou ouro.

            É este contexto que encontramos neste poema-romance, não configurado em estrofes, mas aparentemente formado por quadras. De facto, após cada conjunto de quatro versos, encontramos um ponto final, que indica o final de um pensamento, ao qual se segue outro, iniciado no verso seguinte.

            Por outro lado, o texto descreve várias personagens, cuja finalidade passas por envergonhar a cidade da Baía: “A essas personagens vamos, / sobre elas será o debate, / e queira Deus, que o vencer-vos / para envergonhar-vos baste.” A partir daqui, o sujeito poético descreve as ações de três figuras específicas e de uma quarta com uma configuração grupal, talvez a junção de todos num só. A transição entre a descrição destas figuras é pontuada pelo estribilho “e eis aqui a personagem”.

            Uma dessas personagens é “um pobrete de Cristo” que sai de Portugal, despachado para conseguir sair da crise em que se encontrava. Normalmente, esses homens que iam para o Brasil, nessa época, eram, maioritariamente, pessoas pobres, miseráveis, bandidos, libertinos, em suma, a escoriada sociedade europeia. Por isso, os jesuítas contam que era mais difícil catequizar os índios, dado que os próprios cristãos, normal geral pessoas brancas, não cumpriam as regras estabelecidas. De facto, as normas obedecidas na Europa eram desrespeitadas no Brasil, como se fosse uma terra de bárbaros. Esta primeira personagem é, portanto, um pobre que enriquece enganando as outras pessoas: “Vendendo gato por lebre, / […] / já tem tantos mil cruzados, / segundo afirma Pasguates.” Estes são os idiotas, os que contam as vantagens do seu enriquecimento e que, posteriormente, comporão o quadro político da Baía: “Entra logo nos pilouros, / e sai do primeiro lance / Vereador da Bahia.”

            As personagens seguintes são descritas como falsas, embusteiras, ladras, hipócritas, usuárias, que enriquecem com a desgraça alheia: “Nunca paga, e sempre come”. O poema, à semelhança de outros, procura traçar um quadro da formação do povo brasileiro. Enquanto uns enriquecem ilicitamente, a maioria afundava-se na miséria e, para lhe escapar, estas pessoas vendiam os seus serviços a preços irrisórios ou deixavam-se escravizar para simplesmente terem o que comer.

            Outra personagem, imprescindível nas obras da época, é um membro do clero: um “Clérigo idiota”. À semelhança das demais, esta figura não possui nome próprio, ou seja, são todas personagens-tipo. Deste modo, este Clérigo simboliza uma classe social que tinha grande influência na época da colonização do Brasil e que foi decisiva na formação da identidade brasileira. Por isso, a poesia de Gregório denuncia a hipocrisia do clero, que frequentemente faziam o contrário do que pregavam. Neste caso, o Clérigo representa a usura, a cobiça, a corrupção e, metonimicamente, a Igreja católica: “Cresce em dinheiro, e respeito, / vai remetendo as fundagens, / Compra toda a sua terra, / com que fica homem grande…”.

            Na quadra seguinte, a sátira é ainda mais acutilante: os clérigos são adjetivados como “mariolas”, “lacaios”, de “missal” e “missa-cantante”, respetivamente.

            Nos últimos vinte versos da composição, o «eu» poético evoca de novo a Baía, agora com o objetivo de denunciar a passividade dos “Filhos da terra”, que, diante das ações lesivas dos estrangeiros que procuram fazer tortura na Baía, permanecem indiferentes à situação: “Veem isto os Filhos da terra, / e entre tanta iniquidade / são tais, que nem inda tomam / licença para queixar-se.”

            Nos últimos versos, o sujeito lírico usa a primeira pessoa do singular («eu»), para exprimir o desejo de purificação pelo fogo, como sucedeu em Sodoma e Gomorra, as duas cidades bíblicas que foram destruídas pelo fogo por causa da sua iniquidade. De acordo com o sujeito poético, esse deveria ser o mesmo destino a dar à Baía, que se equipara, em iniquidade, às referidas cidades bíblicas.

Análise de "Lizongea finalmente a convalecencia de sua esposa", Gregório de Matos


            Este soneto é dedicado à mulher do poeta, embora não se saiba exatamente qual, pois Gregório de Matos teve duas esposas oficiais. De acordo com alguns estudiosos, é provável que se trate de Maria de Povos.

            O «eu» poético dirige-se a uma flor, Rosa, qualificando-a como vaidosa. Aliás, na primeira quadra do soneto, são evocadas quatro flores: “Rosa”, “Clavel”, “Açucena” e “Jasmin”. Por outro lado, são referidas também cores, como o “branco”, o “enacarado” e “nevado”, com as quais as flores se envaidecem, porque cada cor é característica de cada flor.

            O tom de alegria e cor é substituído, nos dois últimos versos da segunda quadra, pela tristeza: “Se de la pompa el tiempo está acabado, / Vuestra pompa en retiros minorad”, os quais apontam para outro tema querido da época: a efemeridade da vida. O eufemismo “Se de la pompa das flores está acabado” sugere que a pompa das flores está a acabar, não esquecendo que cada uma delas representa a esposa do poeta. Ora, é nítida a ideia da perda de vitalidade por parte de “Açucena, Clavel, Jasmin y Rosas”, embora se trate de uma mera sugestão, dado que o que se pretende é exaltar a figura feminina, daí que o vocabulário seja positivo.

            De acordo com Samuel Lina (in Edifício de Palavras, p. 52), há no poema um certo traço carnavalizante, visto que, mesmo diante das agruras da vida, na festa (Carnaval) tudo se esvaía, dando lugar ao prazer, daí a existência das máscaras. Ora, no texto de Gregório de Matos, está igualmente presente esta noção de dualidade: na iminência da morte, a flor é exaltada, sendo destacadas as suas qualidades, as suas características positivas.
 

sábado, 10 de setembro de 2022

A fase arcádica de Gregório de Matos


    Se, por um lado, a poesia de Gregório de Matos se inseria nos cânones barrocos que tratavam assuntos não ligados à terra, por outro lado, a sua poesia chega a apresentar aspetos cronísticos. Esta é a vertente realista do Barroco. ou melhor, da sátira. A poesia satírica de Gregório está ligada à feição cronística.
    No entanto, vamos também encontrar essa vertente satírica de Gregório na fase seguinte, fase esta que convive com o Barroco, mas que o sucede. Ou seja, esta nova fase, embora surja quando o Barroco ainda manifesta um certo vigor, apresenta uma vitalidade diferente e própria. É o Arcadismo. O Barroco brasileiro estendeu-se por um longo período de tempo, daí ter convivido com o Arcadismo.
    Com este novo movimento, há uma mudança de eixo na poesia. Durante o período colonial, a cultura centra-se no Nordeste brasileiro (Baía e Recife); agora, com a descoberta do ouro, o eixo da produção poética, que vai estar em consonância com a economia, desloca-se para Minas Gerais. Há também uma produção que começa a surgir no Rio de Janeiro e em S. Paulo. Isto acontece também por causa da produção aurífera, pois são os portos destas cidades que escoam o ouro para Portugal. O deslocamento do interesse cultural não é originado apenas pela fundação de novas cidades em Minas Gerais, mas também porque as pessoas ricas se centram aí e mandam os seus filhos estudar na Europa, sobretudo em Coimbra. Vamos, assim, encontrar aqui mais brasileiros que no tempo de Gregório de Matos. Entre eles, encontramos Cláudio Manuel da Costa, um brasileiro que foi importante num movimento que eclodiu em Minas.
    Com a deslocação do eixo da economia, Portugal começou a viver, não da produção do Nordeste, mas sim da aurífera. Os exploradores brasileiros tinham de pagar impostos aos portugueses. No fim do século XVIII, o ouro começa a escassear, mas os impostos continuam. Assim, os brasileiros que estudaram em Portugal e os portugueses ligados à exploração aurífera colocaram-se contra a derrama, um imposto. Entre os revoltosos contam-se Cláudio Manuel da Costa e Tomaz António Gonzaga (português que estava no Brasil). Além destes, houve uma outra figura que não era portuguesa nem tinha estudado em Coimbra: Joaquim José da Silva Xavier (conhecido por Tiradentes). Acresce ainda o português José Joaquim dos Reis. Estes e outros revoltaram-se contra a referida derrama. Surgiram, então, uns versos satíricos chamados "As cartas chilenas", que comparavam a exploração do Chile à situação mineira. O seu autor parece ter sido Tomás A. Gonzaga.
    Mas além destes versos, este grupo fez coisas concretas: pensavam que, no dia da derrama, não só não pagariam, como proclamariam a independência. Tinham inclusive uma bandeira com um lema latino:

    Este movimento chamou-se Conjuração Mineira / Inconfidência Mineira e foi abortado por Joaquim dos Reis, que descobriu que conseguiria mais favores da coroa se denunciasse os companheiros e assim o fez. Foram todos presos em pleno reinado de D. Maria I (1789): Cláudio Manuel da Costa foi preso e suicidou-se na prisão; Tomaz Gonzaga foi deportado para Moçambique; mas quem assumiu toda a culpa foi Tiradentes, que foi enforcado e esquartejado (1792) e os seus restos foram jogados na estrada desde o Rio de Janeiro até Minas Gerais, para servir de exemplo. Os poetas que aderiram ao movimento ficaram conhecidos como os Intelectuais da Conjuração.
    A sátira não era o forte destes poetas, com exceção de "As Cartas Chilenas", por causa da censura e porque a sátira não era o forte dos árcades. A poesia arcádica, em geral, não retrata uma realidade vivida, mas uma realidade imaginada. Daí que eles até adotassem nomes arcádicos.
    No Brasil, as Academias barrocas que proliferaram na Baía e no Rio de Janeiro acabaram por conviver com outras Academias de tipo árcade: as Arcádias. Nelas participaram autores como Cláudio Manuel da Costa e Tomaz Gonzaga.

domingo, 4 de setembro de 2022

Análise do poema "Descrição da Vila do Recife"


     Este poema reflete sobre a sociedade de Pernambuco. O poeta fora deportado para Moçambique, mas agora regressa e vai viver para o Recife.
    A imagem da cidade que nos é mostrada é diferente da que nos é dada por Bento Teixeira, embora este já tenha criticado o elemento indígena (a língua dos índios), mas Gregório de Matos fala da sociedade propriamente dita.
    Além disso, o «eu» poético refere a invasão neerlandesa (Mauricestaad), que ocorreu entre 1624 e 1636. Apresenta uma visão portuguesa das «coisas», por exemplo quando chama ao neerlandês «ímpio», visto que professa outra fé, e «tirano», porque está a roubar o Brasil aos Portugueses.
    Outro aspeto tratado na composição é o aspeto da cidade e da população, que come pouco. Dentre a população, foca as mulheres e, a propósito, refere-se à prostituição. Por outro lado, critica o clero, porque são os padres que usam as mulheres e vivem de aparências. É curioso que Gil Vicente, o dramaturgo lusitano, aborda igualmente na sua obra estes aspetos relativos à sociedade portuguesa do século XVI.
    Em síntese, podemos afirmar que Gregório de Matos critica a sociedade da sua época em formação, fruto da Expansão.

Análise do poema "Ao padre Lourenço Ribeiro, homem pardo que foi vigário da freguesia de Passé"


     Este poema mostra bem a má vontade de Gregório de Matos para com os mulatos. O padre Lourenço era um mestiço que teve a ousadia de desdenhar publicamente de versos do próprio Gregório, que lhe responde nesta sátira.

        1. Mostra que a sociedade baiana é uma sociedade totalmente ocupada por mulatos, sem haver quase lugar para os brancos. Chega a usar expressões baixas para satirizar a sociedade baiana como «canaz», isto é, «cão grande».
    Ao gosto barroco, usa o sistema de oposições branco/mulato, coitado/atrevido, encolhido/ousado, etc. Termina com uma síntese. Este é o esquema seguido nas estrofes seguintes.

        2. Temos o mesmo esquema do anterior.
    Outra vertente crítica de Gregório dirige-se contra o clero: além de ser mulato, é padre. O nível de linguagem usado continua a ser de baixo calibre.

        3. Lembra a ascendência mestiça do padre: se da parte do pai poderia parecer branco, a mãe é claramente negra. O que importa a aparência, se o que está por baixo é negro? Mas ele é aceite, porque no Brasil a mestiçagem é bem aceite.
    Na primeira estrofe, generalizou; na segunda, começou a especificar e, na terceira, descreveu as origens do padre.

        4. Fala da família do padre e da sua atividade religiosa. Denigre o público que ouve o padre, dizendo que são negros e da sua família.

        5. Fala da ignorância do padre: nada sabe das Escrituras e o seu sermão é muito monótono.

        6. O cão é o símbolo maior de uma ordem de pregações, mas ele nunca faz sermões. O facto de ser padre resultou de um favor do Senhor, graças aos serviços da mãe.

        7/8. Fala não propriamente das prédicas do padre, mas sim da não vocação poética dele, que gostava de fazer veros.

        9. Apesar de tudo, haverá sempre alguém que defenda o mulato.

        10. Aqui fala da aparência do padre.
    Esta sátira é dirigida especificamente a uma pessoa, mas generalizando.

Análise do poema "Ao mesmo assunto"


     Este poema retrata alguém que, sendo descendente de índios, ostenta uma aparência de oriental, pela semelhança entre ambos. Como não consegue esconder a sua origem, quer radicá-lo no oriente - mascaramento da origem. Porém, a personagem é mais baiana do que oriental, apesar de ter um avô nascido «lá».
    Não obstante não se dizer claramente, pensa-se que o poema é dirigido a alguém da terra, provavelmente mestiço, que costuma criticar os portugueses.
    Gregório de Matos tem uma visão europeia do índio e do mestiço e, por isso, a sua poesia não é totalmente brasileira, embora se debruce em aspetos típicos do Brasil.

Análise do poema "Aos principais da Bahia chamados Caramurus"


     O nome «caramurus» foi atribuído a Diogo Álvares Correia, fidalgo português que naufragou na costa da Baía. Ao encontrar os índios, ficou assustado e puxou de uma arma, mas apenas matou uma ave, que os indígenas chamavam caramuru, deus do fogo. O português foi levado para a tribo índia e acabou por casar com Paraguaçu, filha do chefe. Esta história vai ser explorada no poema "Caramuru", de Santa Rita Durão.
    Começa aqui por especificar a genealogia dos caramurus: a linha materna ou feminina é indígena (uso da metonímia), enquanto a linha paterna ou masculina é obra do acaso: descende de uma índia com um branco reles. Isto mostra que os caramurus, apesar das suas pretensões de que são brancos, têm muito sangue índio. Isto é a síntese do poema.
    Um dos aspetos do ludismo barroco é a sonoridade das palavras indígenas.

Análise do poema "Ilha de Itaparica, Alvas areias", de Gregório de Matos


     Nesta composição poética, Gregório descreve um lugar já descrito por Manuel Botelho: a ilha de Itaparica. No entanto, a forma de concretizar a descrição é diferente, porque usa o grotesco a par de outros estilos. Esta mistura de estilos vem já da origem das artes, pois a própria pintura das cavernas misturava elementos da mitologia com elementos da Natureza (ex.: elementos da primavera com cara de deuses).
    Por outro, neste soneto sobressaem três aspetos:
        👉 louvor da paisagem;
        👉 crítica social em tom satírico;
        👉 tom encomiástico, porque louva a casa do capitão.
    A natureza do poema é, ao mesmo tempo, laudatória da ilha, satírica e encomiástica. Através da sátira, mostra a existência dessas «gentis moças» na Bahia. Se compararmos os textos literários com os documentos históricos, ambos atestam a existência da prostituição feminina. Já os jesuítas evidenciam a preocupação com este problema: as índias, tiradas do seu habitat, eram exploradas pelos brancos, mas também as negras eram aproveitadas como objeto sexual pelos «donos». Existia ainda a prostituição da mulher branca, muitas vezes originada pelo facto de os maridos terem ido morar com outra. Esta situação é mais frequente nos meios pobres e nas grandes cidades e está ligada à miscigenação racial, talvez por sele satirizada. Gregório, ocasionalmente, louva a figura feminina negra, mas isto é apenas o reflexo do petrarquismo no Barroco: louvor da mulher, que, no caso do Brasil, é a negra. Ele critica a miscigenação, sobretudo quando os negros se querem comparar aos brancos.

Análise do poema "Descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia", de Gregório de Matos


     Este poema é, no fundo, uma crónica, porque dentro da técnica da dispersão e recolha, ele descreve as pessoas que adoram meter-se na vida alheia, das pessoas metediças, dos bisbilhoteiros e boateiros.
    No primeiro terceto, sai da esfera social para falar do espírito de pequenez na cidade. É o provincianismo da Bahia; fala da quantidade populacional, salientando os mulatos, vistos por Gregório com olhos de europeu.
    O poema termina com a habitual síntese do poema barroco: "E eis aqui a cidade da Bahia". É uma crónica, porque se refere ao espírito de mesquinhez, do provincialismo, da inversão do mundo e da economia. Mas tudo isto é tratado em tom irónico. A sátira pode ser feita em tom elevado ou, por vezes, em tom vulgar.

sábado, 3 de setembro de 2022

Análise do poema "Buscando a Cristo", de Gregório de Matos


     Manuel Botelho é o poeta representativo do Barroco no Brasil, diferente dos que vimos até aqui e cuja produção é muito pequena e não ficou muito conhecida no Brasil, ao contrário da de Gregório de Matos, que foi muito popular.

    Por causa dessa sua popularidade, teve um problema semelhante ao de Luís de Camões: como não publicou nada em vida, não se sabe exatamente o que é ou não de sua autoria. Os seus poemas foram, na sua maioria, reunidos por James Amado.

    Em comum com Manuel Botelho, Gregório possui o facto de terem estudado juntos em Coimbra. A diferença é que, enquanto o primeiro escreveu versos sobre o emblema de um Barroco sério, de que Música do Parnaso é exemplo, apesar de aí encontrarmos poemas de outro caráter; o segundo, além da vertente séria, tem uma vertente satírica, que o tornou popular. Ela é de tal ordem que ele ficou conhecido por "Boca do Inferno". A sátira está muito dentro do espírito barroco (ver Fénix Renascida e Postilhão de Apolo). Assim, ele não transgride o espírito barroco e escreve poesia satírica, séria e também sacra.

    Gregório estudou em Coimbra, mas vai ser o primeiro a dar pistas sobre a sociedade brasileira. Manuel Botelho e Itaparica só falaram da riqueza da terra de forma ufanista. Por seu turno, Gregório fala da sociedade brasileira, o que faz sobretudo na vertente satírica da sua poesia.

    O texto "Buscando a Cristo" é um soneto de tema sacro, comum ao Barroco ibérico, o que evidencia sua matriz religiosa e católica.

    Apresenta as fases do próprio Cristo independentes, mas subordinadas a um todo, que é o corpo. Enumera as partes e vai-se dirigindo a cada uma: braços, olhos, pés. Isto é típico do Barroco. Usa também jogos de oposições: "Que para receber-me, estais abertos / E, por não castigar-me, estais cravados.". Mas esta oposição é aparente, porque, na realidade, há uma reiteração. Também na referência aos olhos, temos um jogo de palavras/oposições, mas igualmente aparente, porque a ideia é sempre de perdão. Isto faz parte de um certo gosto que o Barroco tem pelo ludismo, visto que deste movimento faz parte o espírito de jogo, que tem a ver com a participação do leitor, que tem de pensar para compreender o jogo. É por isto que a poesia experimental do século XX vai buscar as suas bases ao Barroco, pela forma como este pressupõe a participação do leitor. Claro que esta participação não é intencional como o é na poesia do século XX. No Barroco, a participação do leitor dá-se pelo gosto do próprio poeta em ser hermético e camuflar as suas ideias. Não parte do conceito de que o leitor é um criador, mas que o poeta é que tem recursos para dizer ou não dizer, de acordo com a ocasião.

    Outra característica barroca é o uso da gradação (ex.: "Para ficar unido, atado e firme"), que ao mesmo tempo é uma forma de recolher de elementos que ficaram mais ou menos dispersos.

    Camões escreveu o soneto "Alma minha gentil que te partiste", enquanto Gregório "Alma gentil, espírito generoso". O primeiro insere-se na sua linha temática do neoplatonismo e todo o poema gira em torno disso. Isto não aparece no poema de Gregório, que opõe mais as ideias de vida e de morte, ao passo que Luís Vaz fala de um amor que permanece mesmo depois da morte.

    A forma de tratar a figura feminina é diferente: Camões usa formas mais suaves e equilibradas; Gregório de Matos socorre-se de uma forma mais retorcida, usando oposições ("Senão por dar-te a mágoa de perder-te") e a ideia de um prazer quase erótico na vida e na morte; o amor de Camões é mais espiritual.

    Encontramos ainda em Gregório de Matos como característica barroca o espírito de imitação, próprio do Classicismo.

    Uma última nota para o facto de a oposição vida/morte se manifestar de modos diversos: em Camões, valoriza-se o amor que continua, mesmo depois da morte; em Gregório, valoriza-se a moral. 

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