Português: 11/12/22

domingo, 11 de dezembro de 2022

Análise do poema "Mãos esculturais", de Agostinho Neto


             O poema é constituído por 29 versos brancos ou soltos, distribuídos por seis estrofes, cujo título sintetiza a ideia da beleza da africanidade, adjetivando as mãos como esculturais, isto é, como mãos que são como obras de arte. Por outro lado, a mão simboliza o trabalho e a manifestação, pelo que o título indicia a força, o valor do trabalho e a força da união dos africanos.
            As três primeiras estrofes compõem a imagem de uma África aparente, a que é retratada pelos estrangeiros, pelo que se trata de uma visão parcial do que é a identidade africana. O poema começa por apresentar o olhar vencido e cansado que carrega a memória dolorosa da época da exploração, bem como a imagem do mar em simbiose com o ser africano: “mares negreiros”. Esta expressão traduz o sentimento de aprisionamento e o medo vivido nos lares e o cansaço dos que foram para outros países africanos e que, porque não sabiam se regressariam, se sentiam como estrangeiros, como estando noutro continente. Pode também entender-se que estes versos sugerem que o homem negro sai do seu continente para trabalhar e prosperar fora, mas, ainda assim, carrega a África consigo. O mar é o elemento responsável pela separação e distanciamento, pelo que guarda vivências dolorosas.
            A segunda estrofe desnuda a miséria de África (“Além desta África / de mosquitos”), os contrastes, quando se refere às “almas negras” enfeitadas de “sorrisos brancos” e a caridades e medicinas que matam, e as práticas de feitiçaria (“e feitiços sentinelas”). O dístico seguinte prossegue a descrição das ideias negativas associadas ao continente africano: “África de atrasos seculares e corações tristes”.
            A quarta e a quinta estrofes retratam a verdadeira África segundo os olhos do sujeito poético: possui beleza, força, amor, trabalho e, portanto, produtividade. O «eu» afirma que vê além, ou seja, vê o futuro e o que há de bom no continente explorado. Além disso, fala do amor que nasce da boca virgem, indicando que vem da fala pura, das lianas, que designam os laços com a natureza, com as origens, os quais podem ser compreendidos como o amor que cresce e se difunde e floresce como uma planta trepadeira.
            De seguida, descrevem-se as mãos esculturais, que estão ligadas contra “as catadupas demolidoras do antigo”. As mãos são a metáfora do trabalho e as catadupas (a saída ou corrente impetuosa) a metáfora da violência do passado. Deste modo, o trabalho coletivo constitui a forma de extirpar o mal do passado e de fazer algo novo.
            Na última estrofe, o sujeito poético conclui a sua visão sobre África: além do cansaço vivido, ela está viva e o sujeito poético sente-a nas mãos dos que resistiram (dos fortes) e fundem-se com amor (rosa) e alimento (pão), sendo, portanto, o futuro.
            Em suma, o poema trata o tema da identidade africana e apresenta-se o passado de sofrimento como forma de estabelecer povos fortalecidos, atribuindo-lhes a responsabilidade de construir um futuro independente.

Análise do poema "Para além da poesia", de Agostinho Neto


            Ao contrário de outros textos de Agostinho Neto, este poema representa não apenas o sofrimento dos negros colonizados, mas também as particularidades da sua cultura.
            O sujeito poético abre o poema com uma imagem da natureza, associa as árvores características de continente africano (os embondeiros e as palmeiras) com seres humanos, humanizando-as, ao referir-se a “braços erguidos” para remeter para os galhos e a “silhuetas escuras”, isto é, a sombra das árvores. O sujeito poético realça nestes versos a relação dos africanos com a natureza, nomeadamente com as árvores, que, como já foi referido, são humanizadas, indiciando o seu valor sentimental. Por outro lado, a sinestesia “cheiro verde” e a alusão ao fogo trazem para o poema os cheiros e as cores africanos com estreita ligação à luta africana pela liberdade.
            A segunda estrofe introduz novos ambientes, como a estrada, um quarto e a cama, trazendo distintas visões do povo: os trabalhadores que sofrem (os carregadores bailundos, isto é, indivíduos que pertencem aos grupos étnicos dos Bailundos, de Angola); a mulata enquanto representante da miscigenação e da vaidade feminina da mulher africana (“a mulatinha de olhos meigos” – atentar na expressividade do diminutivo e do adjetivo «meigos»); o homem africano com ideias e desejos estrangeiros como o de “comprar garfos e facas para comer”. Além disso, é apontado um ambiente não retratado concretamente, que é o vestuário da figura feminina: “A mulher debaixo dos panos fartos remexe as ancas”, representando a musicalidade e a alegria do povo que dança, ou até a fertilidade.
            Na terceira estrofe, o sujeito poético promove um encontro entre o humano e a natureza (“No céu o reflexo do fogo”; “No ar a melodia quente das marimbas” – as marimbas são um instrumento musical formado por placas de madeira ou de metal, graduadas em escala sobre cabaças, que percutem com banquetas, ou seja, a música produzida pelos homens em contacto com o ar e o fogo também produzido por eles refletindo no céu. “As silhuetas dos homens negros batucando de braços erguidos” constitui a retoma ou a lembrança / semelhança dos baobás descritos na primeira estrofe, reforçando a ideia do encontro entre a espécie humana e a natureza.
            A quarta estrofe repete excertos da segunda, remetendo de novo para a musicalidade que perpassa todo o poema. Por sua vez, o título da composição indicia que a poesia africana não aborda apenas o sofrimento do africano, mas a cultura dos povos. 

Análise do poema "O caminho das estrelas", de Agostinho Neto


             Este poema faz parte da obra Sagrada Esperança, publicada em 1953, e apresenta-nos a imagem do africano cheio de esperança e à procura da construção da sua identidade nacional.

            A composição é construída, gráfica e formalmente, de modo a sugerir a visão de um caminho, aliás como o próprio título já sugere. De facto, o poema é constituído por oito estrofes com um número de versos diferente, o que significa que não há liberdade.

            Os cinco versos iniciais formam uma espécie de introdução, remetendo para o caminho que tem de ser percorrido. Deste modo, o sujeito poético compara o caminho das estrelas com a curva do pescoço de uma gazela, um animal característico de África, esboçando, pois, desde já a forte relação entre a identidade coletiva e a natureza, como se tentasse demonstrar onde está a origem, portanto, o elemento-chave para a compreensão do «eu» e para a reflexão acerca da memória.

            Logo no primeiro verso, a forma verbal “seguindo”, no gerúndio, sugere uma ação inacabada, ainda em realização, refletindo algo que está em andamento, que não foi concluído. Assim, o poema segue em ritmo de caminhada.

            São vários os elementos da natureza evocados na primeira estrofe: “onda” reflete a presença do mar e da água; “nuvem”; “asas primaveris” sugerem a suavidade e a beleza da natureza na estação da primavera, em que a vida renasce, brotando por todo o lado. A impressão com que se fica é que o «eu», a partir da observação da gazela, constrói o início de um percurso.

            A segunda estrofe mescla elementos musicais com outros que remetem mais uma vez para a natureza e para a origem das matérias, como é o caso do «átomo», da «partícula», do «germe» e da «cor». Este último nome começa a aferir as identidades africanas, mas não segregando, antes universalizando-as, ideia confirmada no verso 11: “combinação múltipla do ser humano”.

            A terceira estrofe, através da presença do enjambement, continua a descrição do caminho, cruzando tempos diferentes. O sujeito poético recupera a memória para refletir sobre o presente. O agora, o tempo presente é reflexo dos factos do passado, que foram inevitáveis, o que remete para a identidade africana. Ou seja, o «eu» apresenta-se como se lembrasse o passado dos povos africanos ao fazer o caminho das estrelas.

            A quarta estrofe, a última da primeira parte do poema sugere a ideia da ausência: faltam as formas, ideais com cor, isto é, com sentimento ou vida, sem ritmo, ou seja, sem música, ou ainda sem cadência, sem cheiro, sem sabor e, por fim, a não existência de raízes. O «eu» reforça a cada verso a ideia do anterior repetindo o tema, como se procurasse mostrar ao leitor a força da negação, privação ou da pobreza do caminho.

            Separando as duas partes está um verso solto composto por um vocábulo curto e simples: “Só”. Esta divisão comprova a sensação de ausência, enfatizando a sensação de solidão e falta/ausência/privação.

            A segunda parte aponta para a esperança. Inicia-se com a conjunção coordenativa adversativa «mas», sugerindo a ideia de contraste ou contrariedade, ou ainda retomando a imagem de esperança, insinuada pelas expressões “verde esperança”, “cheiro novo das florestas” e “chuva”. Esta última simboliza a renovação e a fortificação. A água é fonte de vida, meio de purificação, centro de regeneração. Por outro lado, a chuva é o símbolo universal das influências celestes recebidas pela terra; é o agente fecundador do solo, que obtém a sua fertilidade dela.

            A sexta estrofe alude à “seiva do raio do trovão”, seiva essa que simboliza o alimento e a essência da vida, enquanto o raio e o trovão se relacionam com o divino, pois o trovão seria a voz do deus que está no céu e o raio a sua arma. Estes elementos e fenómenos naturais aludem ao princípio da vida e à relação da esperança com o sagrado, o sublime e o natural. Essa relação com o sagrado e com a conceção de um futuro promissor são veiculados também pelos versos “as mãos amparando a germinação do riso / sobre os campos de esperança”.

            As duas primeiras estrofes da segunda parte descrevem a concretude do “caminho das estrelas” a ser percorrido: ainda que só, é constituído pela confiança e é santo. A esperança perpassa toda a segunda parte; se na primeira ela estava ausente, nesta predomina, destacando-se o ritmo, os sons e as cores, que retratam a vida existente para a luta e para a caminhada.

            A liberdade reside nos olhos, os ouvidos podem ouvir e as mãos são insaciáveis pelo toque do tambor, num “acelerado e clero ritmo / de Zaires Calaáris…”; todos estes elementos revelam o recomeço ou o caminhar com vitalidade. Note-se que Zaire, além de ser uma província de Angola, é também o nome do segundo maior rio da África, sendo que o território angolano inclui parte dos sistemas, hidrográficos do Zaire. Por seu turno, Calaári é um deserto localizado na zona sudeste de Angola, caracterizado por baixas temperaturas mesmo durante a estação quente. Assim sendo, pode concluir-se que existe a referência ao elemento areia (do deserto) e novamente de água (em rio).

            Ora, a presença do deserto e do rio reflete a ligação com a pátria, tal com o tambor simboliza a musicalidade, o ritmo do universo, a relação com a ancestralidade africana e constitui um anúncio da guerra. Os nomes próprios Zaire e Calaári estão no plural e designam as «montanhas», marcando a pertença das mesmas à região. A presença da cor vermelha remete para o sangue, para a violência e para a vida, para o momento de renascimento da coragem e da luta. O vermelho adjetiva aluz das fogueiras feitas dos capinzais que foram violentados, ou seja, os capinzais estão vermelhos porque foram violentados (assim se faz o cruzamento entre o humano e o natural) ou porque receberam sangue humano. A estrofe finaliza evocando de novo a musicalidade, através das “vozes tam-tam” e “ritmo claro de África”, oficializando o fortalecimento das culturas africanas e evidenciando a harmonia pelo encontro e reconhecimento da própria identidade.

            A última estrofe do poema, a última, de forma circular, retoma o início da primeira, clarificando a intenção musical e apontando para a universalidade do conhecimento das origens africanas: “para a harmonia do mundo”. Deste modo, o caminho foi sendo percorrido em busca do «eu» coletivo e, para isso, foram descritos os sentimentos e características desse caminho árduo em busca da libertação e da identidade. Assim sendo, o caminho das estrelas é o caminho da reflexão da nação, do conhecimento histórico e do reconhecimento da própria identidade coletiva.

Faleceu Angelo Badalamenti

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...