Português: 04/02/24

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Análise das 8.ª e 9.ª partes da crónica 1 de Assassinos da Lua das Flores


    Tom White, a figura mais heroica do livro, é o protagonista da sua seção intermediária. O seu talento como detetive e o sentido de moral conduzem a investigação e permitem compreender como é que o Departamento de Justiça dos EUA ficou conhecido como o Departamento da Virtude Fácil. De acordo com White, uma cultura de corrupção compromete até os bons espíritos: qualidades pessoais admiráveis, levadas ao extremo, podem transformar-se em falhas, uma mutação que a corrupção acelera. Por outro lado, a escolha de William Burns, um detetive privado conhecido por ignorar a lei, para diretor do Bureau em 1921 levou a que o Departamento de Justiça ficasse intimamente conectado com a injustiça e um ethos que dava prioridade aos fins em detrimento dos meios.

    Tal como sucede no romance policial tradicional, os agentes da lei sabem que há um criminoso (ou criminosos), mas desconhecem a sua identidade e a sua tarefa consiste precisamente na descoberta da mesma, uma tarefa extremamente complexa, visto que que os crimes não seguem um padrão inequívoco, além de terem como alvos membros da tribo osage ou homens brancos que procuram ajudá-los. A preocupação de White passa por distinguir os factos das suposições, mesmo que o processo se revele demorado, em detrimento da obtenção de resultados rápidos. A finalidade primeira e última é chegar à verdade e fazer justiça. Nada mais importa. Mesmo que White esteja disposto a violar uma norma do Bureau – a proibição de os seus agentes portarem armas –, incute neles a noção de quão importante é manter os mais elevados padrões de investigação possíveis. Num contexto marcado pela ilegalidade e pelo crime, a hesitação de White em recorrer à violência, ainda que queira que os seus agentes sejam capazes de se proteger, é uma parte vital da sua estratégia de criar condições para resolver o caso.

    É curioso notar que a equipa reunida por White não corresponde àquilo que J. Edgar Hoover visionou como fundamental para a modernização do Bureau of Investigation e recuperação da sua reputação. De facto, o recém-nomeado diretor preferia ter a trabalhar para si investigadores profissionais com formação universitária, mas White opta por homens experientes nos assuntos da antiga fronteira e que, por isso mesmo, poderão operar disfarçados tanto junto das comunidades brancas como das nativas americanas, além de outros que o ajudarão publicamente. É uma espécie de conspiração para expor a conspiração criminosa. Sucede, porém, que este modo de agir não é isento de problemas. De facto, White corre o risco de levar os homens bons da sua equipa a deixar-se seduzir pela face do crime. De facto, é o que sucede com um dos informantes recrutados, que acaba por fornecer informações à conspiração criminosa. Não obstante, nenhum dos agentes incorporados por White se deixa corromper no condado, mas existe sempre a possibilidade de tal suceder a qualquer momento.

Resumo da 9.ª parte - 2.ª crónica: Os cowboys disfarçados

    White assume, pois, a direção do escritório do Bureau de Oklahoma City em julho de 1925 e começa por analisar todos os ficheiros e arquivos relativos aos assassinatos ocorridos em Osage. O seu choque é enorme quando descobre que os agentes que anteriormente investigaram o caso numa entrevistaram Mollie. Por outro lado, apercebe-se de que os assassínios não seguem um único padrão, o que o leva a pôr a hipótese de o cabecilha ter a trabalhar para si pessoas que executavam os crimes. O seu esforço princial centra-se, antes de mais, em separar os factos da boataria e das suposições. De seguida, organiza a sua equipa de agentes, selecionando, em exclusivo, homens com experiência nas questões do Oeste americano, incluindo um ex-xerife e guarda florestal, um agente secreto, John Burger, Frank Smith e John Wren. Dentre estes, alguns trabalham disfarçados, enquanto outros, como, por exemplo, Burger e Smith, fazem parte da equipa que trabalha diretamente consigo.

Resumo da 8.ª parte - 2.ª crónica: Departamento de virtude fácil


    A segunda crónica leva-nos até o verão de 1925, quando o agente especial Tom White é convocado por J. Edgar Hoover para ir ao seu encontro em Washington DC. O agente, antes de fazer parte dos quadros do Bureau of Investigation, tinha estado ao serviço dos caminhos de ferro como detetive e ranger do Texas, pelo que o seu comportamento e postura diferiam daquilo que Hoover desejava para os agentes sob o seu comando. Além disso, White desobedecia com alguma frequência a outra das regras a que os agentes do Bureau estavam sujeitos: a proibição de transportar armas de fogo consigo.

    Na época em que os acontecimentos descritos na obra tiveram lugar, a reputação do Bureau estava em cacos face às acusações de clientelismo e corrupção que recaíam sobre ele. O caos tinha-se acentuado após a designação de William Burns, em 1921, para seu diretor, cujas práticas tinham fomentado a corrupção no departamento. Um comité do Congresso norte-americano tinha exposto a podridão reinante no departamento de Justiça a partir de um inquérito ao escândalo conhecido do Teapot Dome. A história conta-se brevemente: no dia 14 de abril de 1922, o Wall Street Journal noticiara um acordo secreto sem precedentes em que o Secretário do Interior tinha arrendado, sem concurso, a reserva naval de petróleo dos EUA no Teapot Dome, no Wyoming, a uma empresa petrolífera privada. No dia seguinte à notícia, o senador democrata do Wyoming, John Kendrick, apresentou uma resolução que deu início a uma investigação do caso. Em simultâneo, o seu congénere republicano Robert La Follette providenciou no sentido de o Comité de Terras Públicas do Senado investigar igualmente o assunto. As suas suspeitas acentuaram-se a partir do momento em que alguém saqueou os seus aposentos privados no edifício do Senado. No final, a investigação revelou que o Secretário do Interior, Albert Fall, tinha enriquecido rapidamente de forma ilícita, graças às negociatas em que se tinha envolvido e que o levaram à prisão. Na sequência do escândalo, no verão de 1924, foi designado um novo Procurador-Geral, de seu nome Harlan Fiske Stone, que contratou J. Edgar Hoover para diretor interino. Hoover reformou o Bureau e, em dezembro desse mesmo ano, foi promovido a diretor. O seu mandato estender-se-ia por quase cinco décadas.

    Anteriormente, Hoover já havia confiado a White uma missão importante, uma missão secreta numa penitenciária federal em Atlanta, pelo que não hesita em o destacar para Osage. Por outro lado, convém ter presente que esta não era a primeira vez que o Bureau estava envolvida nos crimes ocorridos no condado. De facto, em 1923, William Burns tinha enviado agentes para Oklahoma, uma investigação financiada parcialmente por Osage, mas a investigação redundou num rotundo fracasso que implicou inclusive a perda de um informante, Blackie Thompson, que tinha sido libertado da prisão especificamente para os auxiliar. Deste modo, Hoover deixa claro para White que é imperativo que a sua investigação tenha sucesso, caso contrário o departamento ficará definitivamente manchado pelo insucesso das duas passagens por Osage.

Análise das 6.ª e 7.ª partes da crónica 1 de Assassinos da Lua das Flores


    Este capítulo contrapõe a riqueza e o poder dos homens brancos ao terror instalado entre a tribo osage, tudo derivado da descoberta de petróleo na região, que se transformou numa autêntica certidão de morte para os seus membros. Os jornais da época retratam-nos como indivíduos perdulários e inconsciente que não merecem a riqueza que lhes caiu no colo, sendo evidente os traços de racismo e discriminação que pautam esses relatos, não obstante também estar em causa o valor que a sociedade americana atribuía ao trabalho e ao seu papel na obtenção de riqueza. Fica claro que o objetivo passa por pintar os Osage como uma tribo que teve apenas a sorte em se mudar para terras prenhes de petróleo, pelo que a riqueza não foi fruto do seu trabalho denodado, antes de um mero golpe de fortuna, logo a tribo não é digna dessa mesma riqueza. Os media pareceram esquecer, no entanto, o facto de os Osage terem chegado àquele território somente por terem sido expulsos pelos colonos brancos da vasta região onde viviam anteriormente. Assim sendo, estamos perante mais um caso em que os mitos culturais optam frequentemente por escolher o lado da ficção aos factos puros e duros (quem não se lembra, noutro contexto, de O Homem que Matou Liberty Valance?). Por outro lado, a correlação entre o mérito de obter algo e o trabalho e esforço necessários para atingir tal desiderato constituem uma trave-mestra do princípio do self-made man, representado por William Hale. Por contraste, os Osage eram retratados como selvagens preguiçosos e afortunados que não mereciam a riqueza de que dispunham, mas, em simultâneo, também como aristocratas perdulários que não pertenciam aos Estados Unidos. Deste modo, fosse qual fosse o ângulo de análise da situação, os nativos jamais poderiam triunfar.

    Ao socorrer-se da expressão Reinado do Terror para designar o período que é analisado na obra, David Graan baseia-se na Revolução Francesa, nomeadamente no período entre 1793 e 1794, em que mais de dezasseis mil pessoas foram executadas, sem julgamento ou prisão, ocorrendo cerca de duas mil seiscentas e trinta e nove apenas em Paris, embora os investigadores desta época admitam que o número de vítimas terá sido superior. Ora, essa fase ficou exatamente conhecida como Reinado de Terror, uma expressão que pretende traduzir a violência brutal e aparentemente arbitrária a que os Osage foram sujeitos.

    Com a morte do seu último irmão na explosão da casa, Mollie vê-se sozinha e, sabendo que também ela é um alvo a abater, questiona-se quanto tempo de vida lhe restará. A única relação de proximidade que lhe resta é a sua família nuclear, Ernest e os seus três filhos. Acossada pelo medo do que lhe possa suceder e aos familiares, envia a filha mais nova, Anna, embora, para a proteger do perigo e da dor que se instalou. Quando era mais nova, foi casada durante um breve período de tempo com Henry Roan e, presentemente, após a morte deste, receia que o atual marido fique a saber desse anterior relacionamento e matrimónio, que sempre escondeu dele. Por outro lado, o assassinato de Roan reveste-se de especial importância por trazer a figura de William Hale para a ribalta: os dois eram tão próximos que este último carrega o caixão daquele durante o funeral. Os crimes podem ocorrer em qualquer lugar e a qualquer momento, contudo os laços que unem os diversos protagonistas constituem uma teia tão intrincada que parece tê-las capturado por completo.

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