1. CAPA
1.1. Autor: José Saramago, escritor português e Prémio Nobel da Literatura em 1998.
1.2. Título: Memorial do Convento
. Memorial: relato de memórias; obra em que se relatam factos memoráveis, que
se pretendem guardar na memória. Remete para um recuo no tempo
e para um resgate de lembranças, documentos, etc., relacionados
com um acontecimento histórico.
. do Convento: Convento de Mafra, edifício português construído no reinado e por
ordem de D. João V entre 1717 e 1744, cujos custos avultados fo-
ram suportados pelas remessas de ouro provenientes do Brasil e
no qual trabalharam milhares de homens. É uma obra da autoria
do arquitecto João Ludovice.
1.3. Género literário: romance.
1.4. Editora: Editorial Caminho.
1.5. Colecção: O Campo da Palavra.
1.6. Horizonte de expectativas: após a observação da capa, pode "concluir-se" que esta-
mos na presença de um hipotético romance histórico,
que decorrerá num espaço e num tempo precisos.
2. CONTRACAPA - Texto
2.1. Fórmula inicial "Era uma vez":
. remete para o mundo da infância, dos contos populares, do maravilhoso;
. destaca a importância da imaginação e do ficcional em cada uma das "histórias"
narradas - isto significa que o romance anunciado na capa não cabe nos limites
do romance histórico tradicional, ou seja, o narrador não se limitará a reconsti-
tuir factos históricos passados;
. assim, no texto vamos encontrar factos verdadeiros e personagens históricas lado
a lado com acontecimentos "trabalhados" pelo narrador e personagens ficcionais;
. remete para um tempo indefinido, conferindo ao texto um carácter atemporal.
2.2. "Era uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento, em Mafra.":
. Rei: D. João V (1689 - 1750), filho de D. Pedro II e de D. Maria Sofia de Neu-
burg, proclamado rei em 1 de Janeiro de 1707, pai de seis filhos, resultantes
do seu casamento com D. Maria de Áustria.
. Promessa: preocupado com a inexistência de descendentes legítimos (filhos
bastardos eram vários) que assegurassem a sucessão ao trono, D. João
V promete edificar um convento em Mafra se, no prazo de um ano, a
rainha lhe der um herdeiro. A promessa será cumprida após o nasci-
mento da princesa Maria Bárbara.
2.3. "Era uma vez a gente que construiu esse convento.":
. povo anónimo → personagem colectiva, cuja perspectiva de relato dos aconteci-
mentos é privilegiada, ou seja, a perspectiva dos que construí-
ram o convento;
→ é tratado pelo narrador, que o tira do anonimato e o individua-
liza, como o verdadeiro herói da obra.
2.4. "Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes.":
. Soldado maneta:
» Baltasar Mateus;
» mutilado de guerra (Guerra da Sucessão Espanhola);
» expulso do exército por ter perdido a mão esquerda.
. Mulher:
» Blimunda;
» possui poderes mágicos: é vidente, tem a capacidade de, em jejum, olhar
para dentro das pessoas e das coisas;
» ajuda na construção da passarola, recolhendo as "vontades" necessárias.
2.5. "Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido.":
. Bartolomeu de Gusmão:
» tinha o sonho de voar;
» por isso, construiu a passarola;
» é amigo e protegido de D. João V;
» morre, louco, em Toledo.
2.6. "Era uma vez.": significa que há, no romance, outras histórias para além das sugeri-
das no texto.
2.7. Relação entre a capa e a contracapa: o texto desta precisa o espaço (Mafra) e o
tempo histórico do romance. Em contrapartida, sugere uma nova perspec-
tiva de relato dos acontecimentos: a do povo que construiu o convento.
3. EPÍGRAFES
. Epígrafe do Padre Manuel Velho: remete para uma concepção determinista da His-
tória, isto é, há forças e leis (sociais, políticas...) que ultrapassam e ver-
gam a vontade individual de cada homem.
. Epígrafe de Marguerite Yourcenar: traduz uma concepção da existência de uma rea-
lidade social que não pode ser conhecida com rigor e exactidão.
sexta-feira, 13 de maio de 2011
Paratextos de Memorial do Convento
Génese de Memorial do Convento
«Lá pelos finais de 80 ou princípios de 81, estando de passagem por Mafra e contemplando uma vez mais estas arquitecturas, achei-me, sem saber porquê, a dizer: "Um dia, gostava de poder meter isto num romance." Foi assim que o Memorial nasceu.»
Contexto de Memorial do Convento
Contextualização histórico-cultural - Século XVIII
O reinado de D. João V, um dos mais longos da História da monarquia portuguesa, é visto como uma continuação da política absolutista, tendo o monarca concentrado em si todo o poder de decisão e execução. Exemplos disto são a suspensão da convocação de cortes e a dispensa de funções dos Ministérios e dos Conselheiros. Tal política é inteiramente sustentada pelas remessas de ouro do Brasil, que proporcionavam uma situação de desafogo económico e político.
desde muito cedo viu-se envolvido nos problemas internos e políticos da Europa, nomeadamente na Guerra se Sucessão espanhola, o que lhe permitiu aperceber-se das manobras políticas, algumas de bastidores, que decidiam o poder no continente europeu. este rei procurou sempre manter uma posição neutral nesses jogos de poder, tendo, numa primeira fase, no que concerne à política externa, mantido ligações estreitas com a Áustria - como o prova o seu casamento com D. Maria de Áustria - e depois com a Inglaterra.
Em termos íntimos, ficaram registadas as várias ligações extra-matrimoniais do rei, algumas verdadeiramente famosas, como é o caso com a madre Paula, freira do Convento de Odivelas.
Esta é também a época do Iluminismo, que se faz sentir em vários domínios da vida e da cultura nacionais, sobretudo no ensino. Este movimento pretendia uma iluminação ou uma modernização de conceitos, de técnicas e normas com o objectivo de melhorar a sociedade e a vida das pessoas. Daqui advém a crítica a certos princípios e instituições até então tidos como intocáveis, desde a intolerância religiosa ao regime absolutista e à supremacia da fé e da tradição sobre a razão.
O século XVIII é visto pelos «iluminados» como o momento oportuno para a difusão das "luzes" da razão, através do exercício constante do espírito crítico que vem pôr em causa todo um conjunto de ideias e de teorias do passado, principalmente a escolástica e os seus métodos tradicionais de ensino. Os grandes responsáveis por este movimento são os chamados "estrangeirados", um conjunto de portugueses que viveu e viajou pela Europa, como diplomatas ou exilados da Inquisição, tendo aí tomado contacto com as novas ideias iluministas (Alexandre de Gusmão, irmão de Bartolomeu de Gusmão - personagem do Memorial -, Luís António Verney, Ribeiro Sanches, etc). A fundação de academias, como a de História, ajudou à difusão destas ideias.
Em terceiro lugar, a força e o poder da Inquisição em Portugal marcaram decisivamente esta época. O Inquisidor-Geral, em termos de poder, vinha imediatamente a seguir ao Rei, tinha poderes vitalícios e total liberdade de nomear todos os inquisidores seus subordinados. O processo inquisitorial era instaurado com base em testemunhas denunciantes que o acusado desconhecia e, para obter incriminações, recorria-se até a testemunhos anónimos e a qualquer tipo de tortura física e psicológica. As sentenças iam até à morte, pelo garrote ou pelo fogo. O Tribunal do Santo Ofício julgava vários tipos de crime, desde a heresia à feitiçaria, passando ainda pelo crime de mau uso do confessionário e por casos de aberrações sexuais. O maior número de processos,
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