Português: Camilo Pessanha
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quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Análise do poema "Caminho", de Camilo Pessanha


 Caminho
 

Tenho sonhos cruéis, n’alma doente

Sinto um vago receio prematuro.

Vou a medo na aresta do futuro,

Embebido em saudades do presente…

 

Saudades desta dor que em vão procuro

Do peito afugentar bem rudemente,

Devendo, ao desmaiar sobre o poente,

Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

 

Porque a dor, esta falta d’harmonia,

Toda a luz desgrenhada que alumia

As almas doidamente, o céu d’agora,

 

Sem ela o coração é quase nada:

Um sol onde expirasse a madrugada,

Porque é só madrugada quando chora.

 
            O título do soneto remete para o olhar em frente, para o que pode vir (por exemplo, uma rua, uma estrada). De forma específica, podemos dizer que esse caminho representa a própria vida, caracterizado por sensações e sentimentos vários, como veremos pela análise.

            Nas duas quadras, o sujeito poético descreve o seu drama existencial, o seu percurso de vida (passado, presente e futuro), enquanto nos dois tercetos amplia esse sentimento ao descrever a dor como uma falta de harmonia, embora necessária aos corações humanos, demonstrando que o seu sofrimento é recorrente no percurso de outras vidas.

            O sujeito poético é um ser sofrido, consumido por uma dor existencial, que não é motivada por nenhuma razão palpável, como o amor não correspondido, a perda ou a morte.

            Na primeira quadra, o «eu» descreve a sua angústia em relação ao caminho que deve percorrer e declara-se um sonhador, embora viva um momento de dor e medo, do qual, apesar de tudo, sente saudades. A rima entre o adjetivo «doente» e o nome «presente» contribui para a construção da ideia de que o presente do «eu», embora seja passível de saudade, é um momento de sofrimento, no qual a sua alma se encontra doente, assolada por essa dor. No que diz respeito à sua trajetória, o sujeito poético afirma que tem sonhos cruéis que mantém na sua alma. Por outro lado, sente um receio que o faz caminhar com medo pelo estreito caminho que o levará ao futuro. Ao mesmo tempo em que há o medo, sente saudades do presente, no sentido de que o caminho que o levará ao futuro o faz sentir saudades do presente, que logo se transformará em passado, assim que o caminho for percorrido. Por outro lado, a rima entre o adjetivo «prematuro» e o nome «futuro» mostram que a angústia do sujeito lírico existe em todos os momentos, que o medo é antecipado, incluindo o que se relaciona com o futuro, o incerto.

            Na segunda quadra, a rima entre a forma verbal «procuro» e o adjetivo «escuro» sugere que, embora o «eu» procure libertar-se da dor que sente, a escuridão e o sofrimento constituem a sua resposta. Mais uma vez afirma que sente saudades do presente e da dor que o caracteriza, da qual se procura afastar, porém em vão. Essa dor agrava-se com o anoitecer (“ao desmaiar sobre o poente” – v. 7). O mesmo véu que cobre a noite cobre o seu coração e torna-o sombrio, tomado pela dor, pelos medos e pelas incertezas. A metáfora “desmaiar sobre poente” representa o sono, o momento de adormecer. Além do caminho que é a vida, há outros caminhos: o que transforma dia em noite, sol em escuridão.

            No primeiro terceto, o sujeito poético compara a dor à falta de harmonia, a qual se pode entender como um desconcerto, uma inadaptação ao mundo, à sociedade e a si mesmo. Por outro lado, a dor é a luz desregrada que ilumina as almas, a luz que ora é forte, ora é fraca, mas sem a qual não é possível sobreviver, como se comprova no segundo terceto: “Sem ela o coração é quase nada: / Um sol onde expirasse a madrugada, / Porque é só madrugada quando chora.” (vv. 12-14). Estes versos significam que, sem essa luz e consequentemente a dor, que gera a luz, o coração é quase nada. A rima entre «agora» e «chora» evidenciam o sofrimento que caracteriza o «eu» no presente. A escuridão e a madrugada constituem símbolos de solidão e dor.

            Em suma, podemos concluir que a mensagem do soneto é que a passagem do tempo não altera a vida do sujeito poético e os seus sentimentos de dor, solidão e pessimismo, que são parte constituinte do caminho a percorrer e do próprio «eu».

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