Português: 11/01/11

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Poema XXXVI ("O Guardador de Rebanhos")

          Neste poema, Caeiro contrapõe duas concepções de poesia: a primeira é a dos poetas que designa, ironicamente, artistas, que valorizam o lado artificial ou mecânico do acto de criação: "trabalham nos seus versos / Como um carpinteiro nas tábuas" (comparação), "pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro / E ver se está bem, e tirar se não está!" (comparação e exclamação); a segunda afirma-se quando o sujeito se declara um fruidor incondicional da Natureza, que "está sempre bem e é sempre a mesma". Aparentemente, não há absolutamente nada a mudar nela. Deste modo, a criação artística deve resultar espontaneamente da identificação do sujeito com a Natureza.
          Deste modo, Caeiro retoma a noção de poeta ao compará-lo com um carpinteiro, procurando sugerir a ideia de precisão na construção dos versos, pensando muito a experiência. De seguida, surge o lamento do sujeito poético relativamente a esses poetas: "Que triste não saber florir!", ou seja, que triste não comungar da naturalidade e espontaneidade da Natureza.
          Por outro lado, há, de facto, uma relação íntima do sujeito poético com a Natureza: "a única casa artística é a Terra toda". Caeiro é o poeta da Natureza que privilegia o olhar, daí que tenha apenas que estar atento e ver o que ela «diz». E mesmo reconhecendo a impossibilidade de compreensão entre ele e as flores, o sujeito poético sabe que em ambos mora a verdade e que há uma «comum divindade» que lhes permite usufruir do encanto dos encantos da Terra, das «Estações contentes» e dos cânticos do vento (personificação). Para que isto suceda, deve evitar-se a abstracção do pensamento e privilegiar uma relação natural, espontânea («como quem respira» com a «única casa artística» que é a «Terra toda»).
          A verdade reside, precisamente, nele e nas flores, que não procuram compreender-se mutuamente.

          Por outro lado, são visíveis alguns dos traços que aproximam Caeiro dos outros heterónimos e do ortónimo:

. Caeiro e Pessoa:
  • a linguagem simples;
  • a musicalidade espontânea e natural do discurso, que leva por vezes a quebrar a regularidade métrica;
  • a tendência de Caeiro para o refúgio na Natureza, uma tentativa de evasão, uma certa recusa do pensamento ("Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira"), que denunciam a inquietação constante e a intelectualização do sentir (marcas de Pessoa);
  • divergem pelo facto de Pessoa fazer uso da regularidade estrófica e rimática, ao contrário de Caeiro.
. Caeiro e Reis:
  • a aceitação natural das coisas ("... a única casa artística é a Terra toda / Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma");
  • o elogio da vida campestre, a fazer lembrar a áurea mediania clássica: "nos deixarmos ir e viver pela Terra / E levar ao colo pelas Estações contentes / E deixar que o vento cante para adormecermos / E não termos sonhos no nosso sono".
. Caeiro e Campos:
  • são espontâneos;
  • voltam-se para o exterior;
  • cultivam o verso livre;
  • são sensacionistas: privilegiam as sensações em detrimento do pensar (a segunda fase de Campos).
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