Esta ode de Ricardo Reis é composta por três quadras de versos decassilábicos (os três iniciais) e hexassilábicos (o quarto), com rima irregular: toante na primeira quadra (“durando” / “obramos”), consoante interpolada na segunda entre o primeiro e o quarto versos e cruzada entre o terceiro e o primeiro da seguinte (“presente” / “somente”); versos brancos ou soltos (vv. 1, 3, 4, 6, 10, 11 e 12).
O tema
da composição poética é a transitoriedade e a precariedade da vida, bem como o
valor dos atos que nela são praticados. Tudo passa, nada dura, ou, se dura, é
breve, e o valor do presente, que é hipotecado ao futuro, é igualmente
precário. Será que o próprio instante, dado que pode ser o derradeiro daquilo
que julgamos ser, é apenas nosso?
A composição
poética pode ser dividida em três momentos: a primeira quadra compreende a justificação
daquilo que se afirma no segundo momento; na segunda quadra e na primeira frase
da terceira, o sujeito poético defende a superioridade do momento presente em relação
ao futuro, visto que este (“amanhã”) não existe, pelo que a procura (“cura”) do
futuro é absurdo, já que priva o ser humano do bem presente; o terceiro momento
(de “Meu somente…” até ao final) é constituído por uma interrogação retórica,
por meio da qual se questiona se o instante presente será apenas seu, o que
indicia que o ser humano não controla o seu destino.
A
mensagem do poema é clara: nada que o ser humano faz no mundo é duradouro, ou,
sendo-o, não tem valor, e até as coisas que lhe são úteis rapidamente ele
perde, por isso deve preferir o prazer do momento presente à procura insensata
do futuro, pois este exige o mal do presente em troca do seu bem. Mas surge a
dúvida: será esse momento apenas do ser humano? Será o indivíduo apenas quem
existe nesse instante que pode ser o último daquele que finge ser? Atente-se na
referência ao fingimento, uma temática tão do agrado de Pessoa ortónimo, por
exemplo, em “Autopsicografia” e “Isto”.
A
musicalidade do poema assenta na aliteração (em /t/: “existe / Neste instante”
e /d/: “pode o derradeiro”) e no jogo das homónimas «ser» (“… que pode o
derradeiro / Ser de quem finjo ser?”). Além disso, o encavalgamento ou
transporte percorre, praticamente, todo o poema.
No que
diz respeito às formas verbais, predominam as que se encontram no presente do
indicativo, sugerindo a ideia de continuidade, e no presente do conjuntivo,
remetendo para o campo da possibilidade (“Pois que nada dure ou que
durando / Valha…”) ou exprimindo um desejo (“O prazer do momento anteponhamos”).
Por outro lado, nas duas primeiras quadras, é usada a primeira pessoa do
plural, enquanto na última ocorre a primeira do singular, o que confere à
interrogação final um acentuado grau de subjetividade, com a focalização no
«eu» daquilo que, anteriormente, tinha sido enunciado como próprio do coletivo,
do ser humano em geral. Por seu turno, a reiteração do vocábulo «cedo» (verso
4) realça a ideia de efemeridade da vida.
É
curioso notar que, na prática, o poema é constituído somente por três frases: uma
inicial de tipo declarativo, que abrange as duas primeiras quadras; uma
segunda, igualmente declarativa, mas bastante mais curta (“Amanhã não existe”),
e uma terceira, de tipo interrogativo, que finaliza o poema.