Português: Camilo Castelo Branco
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quinta-feira, 13 de abril de 2023

Análise da Conclusão de Amor de Perdição


  Contextualização
 
            A Conclusão constitui o desfecho da novela, pelo que esclarece junto do leitor o destino de Simão e Mariana, visto que a morte de Teresa ocorreu no capítulo anterior. Não obstante, a sua presença materializa-se na Conclusão através da última carta que escreve ao seu amado.

            A 17 de março de 1807, ao deixar o Porto a caminho do desterro, Simão vê, pela última vez, Teresa, que lhe acena do mirante do convento de Monchique. Desesperado, Simão corresponde ao gesto de Teresa, ficando a saber mais tarde da sua morte pelo comandante da nau. Pouco antes, tinha recebido o embrulho das cartas que escrevera a Teresa, que ela, à beira da morte, lhe fizera chegar através de uma mendiga.


 
Funções da Conclusão
 
            Quando um texto narrativo termina com uma Conclusão, esta desempenha, normalmente, funções muito específicas:

1.ª) Explicitar os grandes sentidos morais, ideológicos ou sociais que a ação e o destino das personagens envolvem.

2.ª) Clarificar a situação em que se encontram as personagens, após o final da ação, completando o relato feito ao longo da novela. É por isso que as personagens que constituem o triângulo amoroso (Simão, Teresa e Mariana) estão presentes na Conclusão (Simão e Mariana em carne e osso e Teresa presentificada através da sua carta).

 
 
Estrutura da Conclusão
 
1.º) A última carta de Teresa

            Simão vela no camarote do comandante do navio. À meia-noite, uma localização temporal do agrado dos românticos, o fidalgo pega no maço de cartas que Teresa lhe enviara e decide ler a última que a jovem lhe escrevera.

Tal como sucedeu em vários capítulos da novela, o género epistolar está presente na Conclusão, constituindo um elemento fundamental para o conhecimento da história e doestado de alma das personagens.

O género epistolar está presente na Conclusão de duas formas:

1.º) Como discurso: a última carta de Teresa para Simão, que este lê em estado de agonia e a caminho da morte.

2.º) Como objeto material com valor simbólico: o maço de cartas trocadas entre Simão e Teresa, que Mariana conserva.

Esta carta de Teresa, a última, é a mais expressiva de todas as do Amor de Perdição, constituindo um documento impressionante.

Teresa coloca-se numa posição especial, como se estivesse situada em vários tempos:

- No presente em que escreve a carta: “É já o meu espírito que te fala, Simão”.

- No passado que ela já será (morta), quando Simão ler a carta: “A tua amiga morreu”.

- No futuro da leitura de Simão e da própria personagem, após a morte de Teresa: “Tu nunca hás de amar, não, meu esposo?”.

Esta questão do tempo permite que passado, presente e futuro convirjam naquela carta, como se Teresa possuísse um poder que se situa além da sua condição humana.

As funções da carta são óbvias: 1.ª) uma despedida de Teresa, visto que nela antecipa a sua morte e estamos perante as últimas palavras que dirige a Simão; 2.ª) a rememoração do amor entre ambos e os seus planos; 3.ª) a formulação de uma mensagem de esperança relativamente à realização do amor de ambos num plano espiritual.

A carta constitui, pois, uma despedida de Teresa relativamente a Simão, um texto profundo, intenso e emotivo. Recorde-se que a fidalga já tinha morrido no mirante do convento de Monchique.

Teresa inicia a carta referindo-se à sua própria morte: “É já o meu espírito que te fala, Simão.” Deste modo, ela parece situar-se numa dimensão não terrena, transcendente. A missiva constitui, portanto, uma confirmação da sua morte e da inevitabilidade da mesma: “… era inevitável fechar os olhos quando se rompesse o último fio, este último que se está partindo, e eu mesma o ouço partir.”

Essa ideia acentua-se quando, no parágrafo seguinte, Teresa se apelida de “esposa do céu”, o que significa que acredita no amor eterno, antevê a possibilidade de realização do amor numa outra dimensão, numa outra vida. Outras passagens da carta confirmam-no: “A infeliz espera-te noutro mundo, e pede ao Senhor que te resgate.”; “À luz da eternidade parece-me que já te vejo, Simão!”. Ou seja, como é impossível a concretização do amor de ambos na terra, Teresa espera o reencontro com o amado e a união espiritual dos dois numa existência supraterrena.

Na epístola, Teresa recorda os projetos de vida que ambos tinham delineado, evocando um passado feliz, porque era cheio de sonhos e esperança numa vida futura em comum: “A vida era bela, era, Simão, se a tivéssemos como tu ma pintavas nas tuas cartas que li há pouco!” Essa felicidade idílica, numa vivência plena do amor, é acentuada por referências a elementos da Natureza: “Estou vendo a casinha [atente-se no diminutivo carregado de afetividade] que tu descrevias defronte de Coimbra, cercada de árvores, flores e aves.” Esta recordação do passado, da felicidade futura entrevista, confere maior dramatismo à missiva e à situação atual dos dois jovens amantes, visto que essa felicidade idílica e idealizada contrasta profundamente com o presente de ambos: “Oh! Simão, de que céu tão lindo caímos!”

No final da carta, Teresa pede a Simão que não ame mais ninguém: “Tu não hás de amar, não, meu esposo?” Deste modo, se Simão acatasse o pedido da fidalga, o amor entre ambos seria eterno e concretizar-se-ia no Céu, onde se encontrariam e poderiam viver o seu amor e ser felizes.

Por outro lado, o tom com que a epístola termina é profundamente de desgraça e perdição, apresentando Teresa a morte como a única saída para os dois apaixonados: “Que importa morrer, se não podemos jamais ter nesta vida a nossa esperança de há três anos? […] a morte é mais do que uma necessidade, é uma misericórdia divina, uma bem-aventurança para mim.” Para Teresa, a morte é a única solução para um amor impossível, e os dois apaixonados encontrar-se-ão na eternidade: “a infeliz espera-te noutro mundo”.

O discurso de Teresa na missiva é marcado por diversos recursos expressivos, como a metáfora e vocabulário associado à dor, ao sofrimento e à morte (“martírio”, “desgraça”, “malfadada”).

 
2.º) Últimos dias de Simão
 
Antes de mais, é preciso referir que a morte de Teresa, ocorrida no capítulo anterior, repita-se, pressupõe a morte de Simão, dado que um não vive sem o outro.

Após a leitura da carta de Teresa, Simão sobe ao convés, cambaleando, e contempla o mirante de Monchique, “que avultava negro no sopé da serra penhascosa em que atualmente vai a Rua da Restauração.” O mirante vazio e negro enfatiza a sua perda, isto é, a morte de Teresa.

A partir deste momento, Simão é acometido de uma febre maligna, de ânsias e delírios, e entra numa lenta agonia que o conduz à morte: “saiu cambaleando”, “segurou entre as mãos a testa, que se lhe abria abrasada pela febre. […] cair o meio corpo.”, “Seguiu-se a febre, o estorcimento, e as ânsias, com intervalo de delírio.”, “era febre maligna a doença, e bem podia ser que ele achasse a sepultura no caminho da Índia.”, “A febre aumentava. Os sintomas da morte eram visíveis aos olhos do capitão.” Sentindo a aproximação da morte, pede a Mariana que, quando fechar os olhos, lance ao mar as cartas que trocou com Teresa.

À medida que a febre vai aumentando, “… os sintomas da morte eram visíveis aos olhos do capitão.” De seguida, é referida uma tempestade que se abate sobre o navio, que traduz ao gosto romântico, a dor física e emocional de Simão (“O navio fez-se ao largo muitas milhas e, perdido o rumo de Lisboa, navegou desnorteado.”), constituindo a morte o apaziguamento, a paz.

Já moribundo, Simão delira e recorda passagens da última carta de Teresa, tendo sempre a seu lado Mariana, a quem se refere como “puro anjo” e a quem diz: “Tu virás ter connosco; ser-te-emos irmãos no Céu… O mais puto anjo serás tu… se és deste mundo, irmã…”. A presença de Mariana torna-se, à semelhança de Teresa, espiritual, não terrena. No seu delírio, Simão sente a presença das duas figuras femininas que o amavam.

A morte de Simão ocorre ao romper da manhã (sugerindo a manhã uma morte redentora), nove dias após a carta de Teresa, apertando a mão de Mariana. Essa morte, ocorrida por um ideal – o amor, contribui para confirmar o estatuto de Simão como herói romântico: Simão morre por amor, porque não pode viver sem Teresa. Por outro lado, o passamento dos dois protagonistas torna-se, assim, consequência da liberdade que desejavam e que a sociedade não lhes concedem. De facto, a morte de ambos pode ser lida como um grito de revolta contra a sociedade da época e um sinal de mudança social a que muitos aspiravam. O seu corpo é atirado ao mar.

 
3.º) Desenlace – as mortes de Simão e Mariana
 
Quando Simão morre a 28 de março, Mariana “curvou-se sobre o cadáver e beijou-lhe a face. Era o primeiro beijo.”, o que mostra que a morte proporcionou uma aproximação física e espiritual entre ambos.

No momento em que o corpo morto de Simão é lançado ao mar, Mariana atira-se à água e abraça o seu cadáver, que uma onda traz até si. Em vida e na morte, a filha do ferrador sempre esteve ao seu lado e nunca o abandonou.

Por que razão Mariana morre? A filha de João da Cruz jamais poderia sobreviver à morte de Simão, dado que o seu destino estava irremediavelmente ligado ao do fidalgo. A decisão de se suicidar no momento da morte de Simão representa uma concretização do seu amor, ou seja, é uma forma de estar (como sempre esteve) ao lado de quem ama. O amor prevalece sobre todos os sentimentos e não é vencido pela morte, à semelhança do que sucede com Teresa e Simão.

• Mariana salta para a água com as cartas trocadas entre Teresa e Simão, cumprindo o pedido que este lhe fizera (“[…] atire ao mar todos os meus papéis, todos; e estas cartas que estão debaixo do meu travesseiro também.”), que os marinheiros acabam por recuperar. Note-se que a apresentação da correspondência trocada entre ambos os protagonistas cria um efeito de verosimilhança no que diz respeito à novela. De facto, para que a ação da novela fosse verosímil, as cartas são poderiam desaparecer na água, antes tiveram de ser recolhidas. Se elas se tivessem perdido, a sua transcrição na obra não seria credível, pois o autor não teria sido acesso a elas. Por outro lado, nessa correspondência está representado um amor que levou à perdição.

• De acordo com o professor Carlos Reis, na Conclusão, o triângulo amoroso dá lugar ao triângulo da perdição, ideia comprovada por vários elementos:

1.º) A carta de Teresa e as expressões de perdição e morte que contém, como, por exemplo, “A tua amiga morreu”, “tua esposa do céu”, “a infeliz espera-te noutro mundo”, “e eu na sepultura”, entre muitas outras.

2.º) A situação de agonia e delírio em que cai Simão, seguida da sua morte.

3.º) O suicídio de Mariana, antecipado pela própria quando, respondendo a uma pergunta de Simão, lhe diz: “Morrerei, senhor Simão”.

Por outro lado, Teresa e Simão vivem um amor correspondido, mas os dois foram-se afastando fisicamente ao longo da obra. Já Mariana ama Simão, porém não é correspondida, mas as duas personagens estão cada vez mais próximos fisicamente. Essa aproximação física culmina com o beijo de Mariana a Simão e o desaparecimento de ambos nas águas do mar, com a filha de João da Cruz abraçada ao corpo do fidalgo.

Na Conclusão, o tempo surge concentrado. A categoria está bem demarcada e o narrador vai anunciando a sua passagem: “Às onze horas da noite…”, “à meia-noite”, “às três da manhã”. A morte de Simão ocorre a 28 de março, pelo que os 11 dias da partida e da viagem são narrados em cerca de cinco páginas.

No final da obra, o destino e o livre arbítrio cruzam-se. Por um lado, o comandante da nau refere que foi a má «estrela» de Simão que o conduziu à morte. Por outro e por oposição, Mariana suicida-se, concretizando uma opção individual premeditada e refletida.

 
 
Relação biográfica

            No último parágrafo da Conclusão, o narrador explicita as relações entre as personagens da novela e a família do autor, reforçando, assim, o caráter biográfico da mesma, anunciado na Introdução. Informa o leitor que Manuel Botelho, irmão de Simão, é o pai do autor da obra, Camilo Castelo Branco. Assim sendo, Simão é tio de Camilo,

            Da família do protagonista, no momento da escrita da novela, a única figura ainda vida era Rita, a irmã predileta do fidalgo e tia de Camilo, que faleceu em 1872.


 
Caracterização de Mariana
 

            Mariana ama Simão e, assim sendo, é-lhe de uma dedicação extrema, cuidando dele doente (“Mariana, que levantava a cabeça ao menor movimento dele.”) e sacrifica-se para o acompanhar (“– Se não o incomodo, deixe-me aqui estar, senhor Simão.”). Mas, para tal, tem de enfrentar várias provações que se refletem no seu aspeto físico: “Mariana tinha envelhecido”. Não obstante, abnegada como sempre, está ao seu lado sempre, incluindo no momento da morte, com a resiliência que o amor lhe proporciona: “Mariana ouviu o prognóstico e não chorou.”

            Além disso, Mariana mostra-se sempre solidária, humilde e submissa (“– Se não o incomodo, deixe-me aqui estar, senhor Simão”), abnegada e determinada na luta pelo seu amor e, à semelhança de Teresa, crença no amor eterno (“Viram-na, um momento, a bracejar, não para resistir à morte, mas para abraçar-se ao cadáver de Simão, que uma onda lhe atirou aos braços.”).

            Quando o filho de Domingos Botelho mergulha num estado de agonia e delírio, inicialmente, a filha do ferrador declara-se pronta para morrer (por amor) se o mesmo acontecer a Simão (“– Morrerei, senhor Simão.”). Depois, à medida que este fica mais debilitado, Mariana manifesta os efeitos físicos que essa debilidade lhe causa (“Mariana tinha envelhecido.”). Posteriormente, o facto de apertar o embrulho com as cartas de Teresa e Simão à sua cintura, indicia a decisão que tomou e que conheceremos pouco depois. O primeiro beijo que lhe dá acontece com ele já morto, assim de associando amor e morte. Por último, durante o funeral do fidalgo, a sua postura apática e quase indiferente compreende-se tendo presente a dita decisão de se lançar ao mar atrás do corpo do jovem (“[…] e parecia estupidamente encarar aqueles empuxões que o marujo dava ao cadáver…”).

            Em suma, o suicídio de Mariana decorre do amor-paixão que sente por Simão, caracterizado por uma dedicação, um espírito de abnegação e intensidade sentimental tais que abdica da própria vida para se unir ao seu amor para sempre. Deste modo, a morte proporciona-lhe a concretização do amor pelo jovem fidalgo, abraçando o seu corpo para a eternidade, bem como a paz que o amor por ele nunca lhe trouxera. A imagem é bastante sugestiva: o destino atira-lhe para os braços o corpo do seu amado: “[…] que uma onda lhe atirou aos braços.”

            O final da novela é tipicamente romântico, ao apresentar a solução característica para cada um dos amantes infelizes: a morte.



Relação entre Simão e Teresa

            Como já vimos noutros capítulos, Simão olha para Mariana como uma amiga ou uma irmã, ao passo que ela o ama profundamente. Abnegadamente, sofre por ciúmes, por saber do amor de Simão por Teresa, mas, ainda assim, nunca o abandona, nem nos momentos mais difíceis.

            Por seu turno, o académico tem consciência da pureza e consistência dos sentimentos da filha de João da Cruz, bem como do seu espírito de sacrifício, procurando nela o amparo de que necessita nos seus últimos dias.


 
Função dos diálogos

Simão e Mariana, através dos diálogos, comunicam decisões (por exemplo, a jovem declara que morrerá se o fidalgo falecer).

As duas personagens exprimem emoções, sentimentos e preocupações.

Os diálogos servem ainda para apresentar informações e esclarecer factos (por exemplo, o destino da correspondência de Teresa e Simão).

 
 
Espaço físico
 
• A ação da Conclusão decorre a bordo do barco que transporta Simão e Mariana para o degredo, na Índia.

• O espaço referido logo no início da Conclusão é o camarote/o beliche que serve de aposento de Simão. Trata-se de um espaço muito pequeno, que oprime a personagem, levando-a a confessar ao comandante que aí sofre mais do que no convés.

• Como sucede noutros passos da obra, o narrador é muito económico no que toca à descrição do espaço físico. Desta forma, o leitor concentra a sua atenção nas personagens, nos seus dramas, sentimentos e emoções.

• A redução/concentração do espaço, à medida que a ação avança, contribui para adensar a atmosfera dramática/trágica.

 

quarta-feira, 12 de abril de 2023

Análise do capítulo XIX de Amor de Perdição


  Síntese dos capítulos anteriores
 
Capítulo XI
 
            Domingos Botelho toma conhecimento da prisão de Simão e determina que o filho seja tratado de acordo com a lei. O jovem aceita com indiferença esse tratamento e dá entrada na prisão. Mariana apresenta-se, para lhe dar apoio.
 
Capítulo XII
 
            O narrador transcreve parte de uma carta de uma irmã de Simão, recordando, 57 anos depois, a reação da família à prisão e à condenação à morte. Depois disso, relata-se o julgamento de Simão e os comentários que provoca. Mariana entra num estado próximo da loucura.

Capítulo XIII

 

            Após a prisão de Simão, Teresa é conduzida ao convento de Monchique e dá sinais de fraqueza e doença. As cartas trocadas entre os amantes evidenciam o desgosto de ambos pela separação e pela morte próxima de Teresa.

 

Capítulo XIV

 

            Tadeu de Albuquerque chega ao convento para levar Teresa para Viseu, mas a filha recusa. A madre apoia-a e Tadeu, não obstante as diligências que faz, não consegue o que deseja.

 

Capítulo XV

 

            Simão continua preso na Cadeia de Relação, no Porto, e passa ao papel os seus pensamentos e reflexões sobre o seu destino. João da Cruz visita-o e dá-lhe conta das melhoras de Mariana; depois leva uma carta do fidalgo para Teresa. Entretanto, Mariana ficará a cuidar de Simão.

 

Capítulo XVI

 

            Neste capítulo, narra-se a fuga de Manuel Botelho, irmão mais velho de Simão, com uma mulher casada. Trata-se de um incidente que não tem grande ligação com os amores de Teresa e Simão, mas que mostra o modo de ser de Domingos Botelho.

 

Capítulo XVII

 

            João da Cruz está em casa e dedica-se ao trabalho de ferrador. Entretanto, é visitado por um estranho que, após um breve diálogo, dispara sobre ele, matando-o, num ato de vingança. Mariana recebe a notícia na prisão, onde acompanha Simão, e ambos reagem com grande emoção.

 

Capítulo XVIII

 

            Mariana, agora sem pai, decide acompanhar Simão no degredo. As suas manifestações de dedicação ao fidalgo intensificam-se, ao ponto de anunciar que se suicidará, quando a sua companhia já não for necessária. Não há mais como esconder o seu amor por Simão.

 

 

Análise do capítulo

 

1. Reflexão sobre a verdade e a ficção

 

            Nesta parte final da novela, o sofrimento das personagens intensifica-se, e o narrador faz ouvir a sua voz com grande nitidez e aproxima-se do leitor.

            De acordo com o professor Carlos Reis (Educação Literária – Leituras Orientadas, Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco, Porto. Porto Editora,2016, p. 108), a “presença do narrador manifesta-se de três formas:

• Pelos comentários que tratam de temas como a verdade e a sua presença na ficção narrativa.

• Pela organização do tempo, orientada para o momento em que, no capítulo seguinte, Simão parte para o degredo.

• Pelas interpelações, quando, usando a segunda pessoa, o narrador se dirige à personagem (Simão) e ao leitor. Trata-se de um procedimento que cria uma certa intimidade com quem é interpelado e mostra um conhecimento amplo da condição humana, das suas motivações e das suas reações. Por exemplo: «Assim te sentias tu, infeliz, quando dezoito meses de cárcere […] te haviam matado o melhor da alma”; “De além, daquele convento onde outra existência agonizava, gementes queixas te vinham espremer fel na chaga».”

            O narrador inicia o capítulo com uma reflexão sobre a presença da verdade e da ficção num romance. Assim, de acordo com a sua dissertação:

• A verdade é difícil de enquadrar na ação: ela é “o escolho de um romance”.

• Um romance que assenta na verdade “é frio, é impertinente, é uma coisa que não sacode os nervos”.

• A verdade que faz sofrer não deve ser apresentada aos leitores do romance e da novela (os “painéis do público”).

• O narrador declara ter perdido o juízo a estudar a verdade. Por isso, decide “pintá-la como ela é, feia e repugnante”.

• Assim, o narrador vai apresentar a verdade como ela é: “a verdade do coração humano”, ou seja, a história narrada é de sofrimento.

            De seguida, o narrador dirige-se ao leitor, concretamente ao “leitor inteligente”, questionando-o se “a desgraça arvora ou aquebranta o amor”, isto é, se os obstáculos ao amor o tornam mais intenso ou se, pelo contrário, acalmam o ânimo de quem ama. Esta interrogação retórica (“A desgraça afervora ou quebranta o amor?”) permite criar cumplicidade com o leitor, despertando-o para o que vai acontecer em seguida. Além da interrogação, outros recursos expressivos contribuem também para esta finalidade, como a exclamação (“A verdade do coração humano!”) e a enumeração (“A Índia, a humilhação, a miséria, a indigência.”).

            No entanto, o narrador não apresenta uma resposta para essa pergunta, antes afirma que “Factos e não teses é o que eu trago para aqui”. Que factos são esses? Após dezanove meses na prisão, Simão deseja ardentemente a liberdade: “[…] almejava um raio de sol, uma lufada de ar não coada pelos ferros, o pavimento do céu…”. Por isso, em vez de aceitar a comutação da pena – dez anos de cárcere em Vila Real – prefere o degredo na Índia, porque “Ânsia de viver era a sua; não já era ânsia de amar” e porque “O que é o coração, o coração dos dezoito anos, o coração sem remorsos, o espírito anelante de glórias, ao cabo de dezoito meses de estagnação da vida?”

            De seguida, interpela diretamente Simão, usando a segunda pessoa, e mostra a sua cumplicidade, um conhecimento profundo dos seus sentimentos e motivações: “Assim te sentias tu, infeliz, quando dezoito meses de cárcere, com o patíbulo ou o degredo na linha do teu porvir, te haviam matado o melhor da tua alma.” Além disso, na sua omnisciência, emociona-se e compadece-se com o sofrimento do fidalgo, tal como tinha sucedido na Introdução, e intensifica-o através de vários recursos expressivos, como as exclamações, as interrogações retóricas e o vocabulário associado à desgraça e ao sofrimento (“abismo”, “fel”, “escuridão”, “chaga”, etc.).

 

2. As cartas trocadas entre Simão e Teresa

 

            O discurso epistolar reveste-se, mais uma vez, de grande importância no contexto da novela.

            Na primeira carta, Teresa, muito doente e caminhando para a morte (“As ânsias, a lividez, o deperecimento tinham voltado. O sangue, que criara novo, já lhe saía em golfadas com a tosse.”), pede a Simão que aceite os dez anos de prisão, mas o fidalgo perdeu toda a esperança.

            De facto, na missiva de resposta, Simão mostra que, tal como a amada, desistiu dos seus sonhos e perdeu a vontade de viver, optando pelo degredo. Neste momento das suas vidas, face à clausura que ambos vivem (ele na prisão, ela no convento), perderam toda a esperança de poder vir a ter um projeto amoroso: “Não esperes nada, mártir […] A luta com a desgraça é inútil, e eu não posso já lutar. Foi um atroz engano o nosso encontro. Não temos nada neste mundo. Caminhemos ao encontro da morte…”. O fidalgo renuncia ao amor e opta pela liberdade, mesmo que no exílio: “Ânsia de viver era a sua; não era já ânsia de amar”. Não foge, no entanto, ao seu destino trágico de “mártir de amor”.

            De seguida, como herói romântico que é, Simão demonstra o seu repúdio pela sua família e pela pátria, que representam uma sociedade estagnada, preconceituosa e corrompida pela honra e pelo dinheiro: “Abomino a pátria, abomino a minha família; todo este solo está aos meus olhos cobertos de forcas […] Em Portugal, nem a liberdade com a opulência; nem já agora a realização das esperanças que me dava o teu amor, Teresa!” Enquanto heróis românticos, o par amoroso opõe-se à sociedade, pelo que o amor de ambos simboliza, de alguma forma, o desejo de mudança da sociedade.

            Simão, em suma, desistiu de tudo – do amor e da própria vida: “Eu quero morrer, mas não aqui.” Graças à intervenção do seu pai, é-lhe dada a possibilidade de cumprir os dez anos de degredo a que fora condenado na prisão de Vila Real, todavia, mesmo após o pedido de Teresa para que aceitasse essa comutação da pena, o filho de Domingos Botelho recusa: “Não me peças que aceite dez anos de prisão.” O narrador já clarificara antes esta postura de Simão: “Os dez anos de ferros, em que lhe quiseram minorar a pena, eram-lhe mais horrorosos que o patíbulo.”

            Simão espera, pois, a morte e, num primeiro momento, aconselha Teresa a fazer o mesmo: “Caminhemos ao encontro da morte.” Depois pede-lhe que faça a vontade de seu pai (“Salva-te, se podes, Teresa. Renuncia ao prestígio dum grande desgraçado. Se teu pai te chama, vai.”) ou que morra (“E, senão, morre…”), pois “a felicidade é a morte”.

            Teresa responde-lhe com uma breve carta, na qual se pronuncia no mesmo tom do seu amado: “Morrerei, Simão, morrerei.”; “[…] e morro, porque não posso, nem poderei jamais resgatar-te.” De seguida, pede-lhe que viva para a chorar (“Se podes, vive; não te peço que morras, Simão; quero que vivas para me chorares.”) e declara estar tranquila (“Estou tranquila…”) perante a aproximação da morte e a paz que esta lhe trará (“Vejo a aurora da paz…”). E despede-se de forma que confirma a sua crença na realização do amor num outro plano, o espiritual: “Adeus até ao Céu, Simão.”

            Estas missivas trocadas entre ambos confirmam que, para ambos, ao gosto romântico, perante a impossibilidade de realização do seu amor, a única opção é a morte.

 

3. Final do capítulo

 

            Depois de receber a última carta de Teresa, Simão cai num estado de profunda melancolia e angústia, aniquilado, em silêncio absoluto: “Seguiram-se a esta carta muitos dias de terrível taciturnidade. Simão Botelho não respondia às perguntas de Mariana.”

            O ritmo narrativo é extremamente rápido, como o demonstra a elipse (“Decorreram seis meses ainda.”), até que chegamos ao dia 10 de março de 1807, data em que Simão recebe a intimação para a viagem rumo ao degredo na Índia, o que o deixa ora num estado de letargia, ora de loucura. Esse estado de alma é traduzido através de um estilo e de uma linguagem que procuram traduzir as emoções das personagens. Ao longo de todo o capítulo, nomeadamente nas cartas, podemos encontrar lirismo nas palavras dos dois apaixonados, mas, à medida que se caminha para o desenlace, nomeadamente nesta última parte, o discurso das personagens é contaminado pela sensibilidade romântica, daí um certo exagero, dramatismo e emotividade extremos: “– Que trevas, meu Deus! – exclamava ele, e arrancava a mãos-cheias os cabelos . – Dai-me lágrimas, Senhor! Deixai-me chorar ou matai-me, que este sofrimento é insuportável!”

 

terça-feira, 11 de abril de 2023

Análise do capítulo X de Amor de Perdição

  Síntese dos capítulos anteriores
 
Capítulo V
 
            Em casa de Teresa, celebra-se o seu aniversário; em simultâneo, a jovem prepara-se para se encontrar com Simão. Este e Baltasar encontram-se e enfrentam-se. O fidalgo regressa a casa de João da Cruz, que lhe explica a dívida que tem para com o seu pai, Domingos Botelho. É por esta razão que o ferrador, antes de acolher Simão, tinha recusado assassinar o jovem a pedido de Baltasar.
 
Capítulo VI
 
            Dá-se nova emboscada noturna de Baltasar e de dois criados seus a Simão, que está acompanhado por João da Cruz e pelo cunhado deste, quando se vai encontrar com Teresa. O confronto é violento: os criados de Baltasar são mortos e Simão é ferido.
 
Capítulo VII
 
            Simão recolhe a casa de João da Cruz e, enquanto é tratado ao ferimento, troca cartas com Teresa, cujo pai a encerra num convento. A fidalga fica isolada do mundo e, no convento, apercebe-se de intrigas que existem entre as religiosas.
 
Capítulo VIII
 
            Maria trata Simão e torna-se sua confidente. O jovem fica a saber que Teresa se encontra no convento e decide resgatá-la. Em simultâneo, apercebe-se de que a dedicação de Mariana é um verdadeiro sentimento amoroso.

Capítulo IX

            Simão continua a ser protegido por João da Cruz e por Mariana e vai recebendo cartas de Teresa. Enquanto isso, Tadeu de Albuquerque trata da mudança da filha para um convento do Porto. Simão é informado pela sua amada e envia-lhe uma carta por Mariana, que se prontifica para a entregar.


Contextualização do capítulo
 
            O capítulo X é um dos mais extensos do Amor de Perdição e ocupa um lugar destacado na ação, visto que encerra um primeiro momento da novela com o assassínio de Baltasar e a posterior prisão de Simão, determinando o sentido irreversível da ação, já que a condenação do fidalgo ao cárcere leva à separação definitiva dos amantes.
            A partir deste momento, inicia-se, no capítulo seguinte, uma segunda parte da novela: a perdição de Simão e de Teresa. De facto, ele é preso na Cadeia da Relação do Porto, de onde partirá para o degredo e para a morte, enquanto Teresa é encerrada no convento de Monchique, no Porto, e ali morre


Estrutura do capítulo
 
1.ª parte: Encontro de Mariana e Teresa no convento de Viseu (ll. 1-104).
 
2.ª parte: Acontecimentos vividos em casa de João da Cruz (ll. 105-218).
 
3.ª parte: Deslocação de Simão a Viseu e morte de Baltasar (ll. 219-343).
 
 
1.ª parte: Encontro de Mariana e Teresa no convento
 
1. A crónica de costumes – a crítica – Diálogo inicial
 
            No início do capítulo, a propósito da ida de Mariana ao convento para entregar a Teresa uma carta de Simão, o narrador retoma a crítica aos comportamentos dos padres e à vida conventual. Que aspetos são criticados?
 

a) O comportamento devasso e libidinoso do padre e o não cumprimento do voto de castidade / do celibato.

Quando Mariana chega ao mosteiro, o padre capelão tece comentários libidinosos para a madre prioresa sobre a figura da jovem: “Que boa moça! – tornou ele, com um olho nela e outro no raro…”; “… mas repare bem nos olhos, no feitio, naquele todo da rapariga.”

b) A mundaneidade das freiras.

i) as aspirações amorosas e o ciúme pela atenção que o padre dá a Mariana (que não se coadunam com a sua condição de religiosa): “… a ciumosa prioresa se estava remordendo.”; “E retirou-se com o coração mal ferido, e o queixo superior escorrendo lágrimas… de simonte.”;
ii) a vaidade;
iii) os vícios da bebida e do tabaco: “… disse o padre capelão […] praticando com a prioresa sobre a salvação das almas e de umas ancoretas de vinho do Pinhão, que ele recebera naquele dia e do qual tinha engarrafado um almude para tonizar o estômago da prelada.”; “… o queixo superior escorrendo lágrimas de simonte”.

c) Os roubos dentro do convento (diálogo entre Mariana e Teresa).

“Eu não posso escrever-lhe, que me roubaram o meu tinteiro…”.

 
            Neste passo, avulta a caracterização de Mariana, que será desenvolvida ao longo do capítulo, noutros momentos.
            Assim, a filha de João da Cruz revela-se discreta e resoluta, resistindo aos avanços do padre capelão, a quem responde com firmeza, segurança e indiferença, atitude que leva o religioso a aludir ao seu «mau génio».

2. Diálogo entre Mariana e Joaquina
 
            No diálogo com Joaquina e perante a curiosidade desta, Mariana conserva-se leal a Simão, não esclarecendo o assunto que a levou a visitar o convento e a desejar falar com Teresa.

3. Diálogo entre Mariana e Teresa
 
3.1. Caracterização de Mariana
 
            Mariana, uma mulher do povo, simples e bonita, constitui-se como uma intermediária discreta, o elo de ligação entre Simão e Teresa, daí ter ido ao encontro desta no convento de Viseu para lhe entregar uma carta do académico.
            O diálogo travado entre ambas evidencia a nobreza de caráter e os sentimentos da filha do ferrador: o amor por Simão e o sofrimento que suporta em silêncio por esse amor (dado que não é correspondido) (“Se eu fosse amada como ela…” – esta oração subordinada adverbial condicional demonstra, por outro lado, que a personagem tem consciência de que é impossível concretizar esse seu amor e mostra o seu ciúme); o respeito (as formas de tratamento: “Vossa excelência”, “minha senhora”); a dedicação, a abnegação, a generosidade, o orgulho e a dignidade, ao recusar a oferta de Teresa de um anel de ouro como pagamento pelo seu «ofício» (“A receber alguma paga há de ser de quem me cá mandou. Fique com Deus, minha senhora, e oxalá que seja feliz.”).
            Consequência do seu amor, Mariana sente ciúmes da beleza de Teresa: “Não lhe bastava ser fidalga e rica; é, além de tudo, linda como nunca vi outra!”
            Durante o caminho de regresso a casa, Mariana saltita entre a lealdade a Simão (a preocupação em não esquecer nenhuma palavra de Teresa) e o ciúme pela fidalga (era amada e bela). Os conselhos que dá a Simão e as suas intervenções no diálogo entre este e João da Cruz evidenciam o seu desejo de o proteger. Intuitiva, acredita nos maus pressentimentos do seu coração. Mais perspicaz do que o pai, ou mais atenta, não se deixa enganar por Simão e sabe que ele irá ao encontro de Teresa. Perante isto, resta-lhe o conforto da religião.
            Mariana revela abnegação ao auxiliar Simão a comunicar com Teresa, ainda que o amor que os une lhe cause sofrimento.
            Por outro lado, sente-se inferior a Teresa, tanto social como fisicamente, embora seja ela própria uma mulher atraente, como se comprova pela forma como se dirige a Teresa e pelos seus pensamentos.
            Ela revela-se também bastante perspicaz ao identificar imediatamente Teresa, sem a conhecer, e na forma como se relaciona com ela.

 
3.2. As recomendações de Teresa
 
            Teresa, conhecedora do caráter do amado, recomenda a Simão “que não se aflija” e, sobretudo, que não a procure, que não vá ao seu encontro. De facto, dado o caráter impulsivo do académico, a jovem receia que ele se exponha ao perigo e intui que possa cometer “uma loucura com resultados funestos”, o que, de facto, vem a suceder, comprovando-se, assim, que a fidalga o conhecia muito bem.

3.3. Relações entre as personagens
a) Simão e Teresa: amor correspondido, mas contrariado.
b) Simão e Mariana:
- Simão Mariana: amizade, estima;
- Mariana Simão: amor não correspondido.
c) Teresa e Mariana:
- Teresa Mariana: respeito e agradecimento;
- Marian Teresa: rivalidade e ciúme.
 
3.3.1. Simão – Teresa – Mariana
 
            Este diálogo põe em evidência um triângulo amoroso que pode ser representado da seguinte forma:
            Este esquema mostra que a relação entre Simão e Teresa é de reciprocidade, ou seja, de modo simples, o académico ama a filha de Tadeu Albuquerque e esta ama-o também, não obstante o facto de se tratar de um amor proibido por ódios familiares.
            No que diz respeito a Mariana, esta ama o filho de Domingos Botelho, mas não é correspondida. Apesar disso, e mesmo sabendo que iria conhecer Teresa, a sua «rival», o que a deixa apreensiva, desconfortável e até ciumenta, coloca o seu amor e a sua lealdade por Simão em primeiro lugar e a tudo se presta para o fazer feliz e para a ajudar, mesmo que isso signifique a sua felicidade ao lado de Teresa e, por consequência, a sua infelicidade.

3.3.2. Teresa e Mariana
 
            Este é o único passo da obra em que Teresa e Mariana se encontram e dialogam, de forma contida, emotiva e reservada. As duas possuem origens sociais diferentes, o que é visível no facto de Mariana tratar a fidalga com deferência e formalidade (“Sim, minha senhora.”), no entanto há algo em comum entre ambas e que as une: o amor a Simão e a preocupação de o proteger de si mesmo e dos outros. A postura das duas caracteriza-se pela determinação, pela honra e pela abnegação por amor, traços que as enquadram no campo das heroínas românticas.

 
2.ª parte: Acontecimentos vividos em casa de João da Cruz
 
1. Diálogo entre Simão, João da Cruz e Mariana
 
1.1. Caracterização de Mariana – discurso e atitudes
 
            O discurso de Mariana neste passo da obra está repleto de presságios negativos relativos ao destino de Simão: “– É a última vez que ponho a mesa ao senhor Simão em minha casa!”; “– Até ao Juízo Final…”).
            Por outro lado, as suas atitudes estão alinhadas com esse discurso prenhe de presságios, visto que, preocupada, fica atenta aos passos e movimentos de Simão, apercebendo-se da sua saída.
            Mais tarde, chora e reza por ele, antecipando uma desgraça, que se vem a confirmar posteriormente quando ele assassina Baltasar: “ajoelhou orando com o fervor das lágrimas”.

1.2. Caracterização de João da Cruz

            João da Cruz é um homem inculto, rude e “rústico”, com uma visão conservadora dos papéis sociais do homem e da mulher. Estes traços da personagem são confirmados pelo seu discurso, como se pode comprovar pela linguagem simples e popular que usa (“que o levem trinta milhões de diabos!”), pelos provérbios e sabedoria popular (“D’hora a hora Deus melhora.”), pelas imagens (“Mulheres há tantas como a praga, e são como as rãs do charco, que mergulha uma, e aparecem quatro à tona d’água”) e pelas metáforas (“quatro homens, que são quatro dragões”). Esta rudeza manifesta-se ainda na forma como se dirige à filha, mandando-a calar.
            Note-se que o discurso desta personagem corresponde ao modo como Camilo Castelo Branco abordou a questão da linguagem e do estilo na obra: diálogos espontâneos e vivos.
            Essa visão conservadora de João da Cruz é exemplificada pelo facto de considerar que o amor por uma mulher não justifica os riscos que Simão está disposto a correr por causa do sentimento por Teresa. No entanto, mostra-se solidário e bondoso com o filho de Domingos Botelho e coloca a sua coragem e valentia ao seu dispor, dispondo-se a tudo para o ajudar, colocando-se em perigo quando, por lealdade, tenta facilitar-lhe a fuga.
            A sua visão do amor e dos relacionamentos amorosos é igualmente conservadora, visto que considera que o amor de Simão por Teresa é exagerado e fá-lo perder a razão e o discernimento, visto que, na sua opinião, a um fidalgo rico como ele não faltarão mulheres belas e com dote. E acrescenta que, se o destino assim o quiser, Teresa será sua.

1.3. A carta de Simão
 
1.3.1. Funções da carta
 
            De acordo com o professor Carlos Reis (in Leituras Orientadas, Porto Editora), o aluno contemporâneo terá dificuldade em compreender o significado da carta numa história de amor, dado que atualmente trocamos mensagens de forma rápida e direta, nomeadamente através de telemóvel e das redes sociais. Todavia, na época em que Simão e Teresa viveram não existia sequer telefone e muito menos internet. Por outro lado, os dois amantes estavam proibidos de contactar entre si, pelo que a carta era a única forma de contacto entre ambos e, mesmo assim, com grande dificuldade. Por isso, na comunicação epistolar entre Simão e Teresa verifica-se o seguinte:

A carta é uma espécie de diálogo escrito à distância, em que a mensagem chega diferida, ou seja, muito depois de ter sido escrita. Repare-se no que escreve Simão no final da carta: “À hora em que leres esta carta…”.

As cartas entre Simão e Teresa são cartas de amor, existindo nelas uma subjetividade intensa e um confessionalismo muito forte; as personagens expressam os seus sentimentos e o estilo mostra o seu estado de espírito.

A carta é um objeto material. Escrever uma exigia papel, tinta e uma certa privacidade (por vezes, no convento, Teresa é impedida de escrever a Simão; chegam até a roubar-lhe o tinteiro).

A carta é um documento que atesta a relação entre duas pessoas. O narrador apoia-se nas cartas para contar a história, sublinhando assim a sua suposta veracidade.

As cartas trocadas entre o par amoroso revelam o seu mundo interior e a forma como vivem o amor que os une. Por outro lado, tornam mais presente o drama vivido por eles e, assim, desperta o leitor para a injustiça contra eles cometida.


1.3.2. Análise da carta
 
1.º) Através da carta, Simão confessa emoções intensas e autênticas, como se estivesse a fazer uma confissão final.
 
2.º) A carta, num tom de despedida, inicia-se com a frase “Considero-te perdida, Teresa.” De facto, a clausura no convento ditou a separação dos amantes.
 
3.º) A carta é dominada pelas ideias de perda e morte: “O sol de amanhã pode ser que eu o não veja. Tudo, em volta de mim, tem uma cor de morte. Parece que o frio da minha sepultura me está passando o sangue e os ossos.” Claramente, Simão parece antecipar a sua morte.
 
4.º) Inconformado com a possibilidade de viver sem Teresa, Simão deixa-se arrastar pelo sentido da honra e pelo desejo de vingança: “Poderia viver com a paixão infeliz; mas este rancor sem vingança é um inferno.”
 
5.º) Os ciúmes de Baltasar cegam-no e anuncia desde já a sua intenção de matar o primo de Teresa: “Ficarás sem mim, Teresa; mas não haverá aí um infame que te persiga depois da minha morte. Tenho ciúmes de todas as tuas horas.” É a consciência de que esse ato – o de assassinar Baltasar – o levará à perdição que faz com que a ideia de morte perpasse toda a missiva.
 
6.º) Por outro lado, a morte constitui a única possibilidade de realização do amor, dado que não é possível na terra: “Hás de pensar com muita saudade no teu esposo do Céu, e nunca tirarás de mim os olhos da tua alma…”. Assim sendo, para Simão, o amor supera os limites terrenos e pode realizar-se num plano espiritual. Deste modo, o sentimento amoroso é sacralizado, na esteira do Romantismo.
 
7.º) Simão tem consciência dos efeitos diferidos da sua carta: ele pensa que Teresa só lerá a carta quando ele tiver morrido: “Tu verás esta carta quando eu já estiver num outro mundo…”.
 
8.º) O amor de Simão e Teresa é, pois, associado ao sofrimento, à dor, ao sacrifício, à desgraça, à perda e à morte. É uma espécie de religião – a religião do amor –, como se deduz das palavras do próprio filho de Domingos Botelho: “Tu deras-me com o amor a religião, Teresa”.
 
9.º) A linguagem da carta está cheia de imagens de tristeza, de dor e de morte, como se pode confirmar pelos seguintes exemplos:
. “Uma cor de morte”;
. “O frio da minha sepultura”;
. “A minha paixão não se conforma com a desgraça”;
. “Só o receio de perder-te me mata”.
 
10.º) A carta, em suma, é dominada por dois grandes temas: 1.º) a vivência do amor como proibição, por causa dos ódios entre as famílias de Teresa e Simão e da consequente separação a que os amantes são obrigados; 2.º) os efeitos da separação por causa da ausência da pessoa amada: a perdição – a morte que o fidalgo prevê ao longo de toda a missiva.
 
11.º) Importância da carta: esta missiva permite conhecer o estado emocional de Simão antes de se dirigir a Viseu e antecipa o desenlace trágico da relação amorosa entre o fidalgo e Teresa, repetindo a ideia de morte (atentar no campo lexical de morte).
 
1.4. Simão não consegue terminar a carta por causa da profunda emoção que a inunda (“Não o deixaram continuar as lágrimas…”) e da entrada de Mariana com a ceia, cujo discurso está prenhe de presságios negativos, que apontam para a ideia de morte: “– É a última vez que ponho a mesa ao senhor Simão em minha casa!”; “… parece que não o tornarei a ver…”; “– Até ao Juízo Final…”. As suas atitudes estão em consonância com esses presságios, visto que ela fica atenta aos passos de Simão, apercebendo-se da sua saída: “Saltou, e tinha dado alguns passos, quando a fresta, lateral à porta da varanda, se abriu, e a voz de Mariana lhe disse…”. Depois da partida do fidalgo, a filha do ferrador, que antes lhe tinha pedido que não fosse ao encontro de Teresa (“– Não saia esta noite, nem amanhã.”), chora e reza por ele (“ajoelhou orando com o fervor das lágrimas”), antecipando a desgraça que se aproxima.
         Anteriormente, desesperada por o não conseguir demover da sua intenção, Mariana vai contar ao pai as intenções do fidalgo. João da Cruz tenta também dissuadi-lo e oferece-se para o acompanhar quando não o consegue. Simão diz-lhe, então, que mudou de ideias e desistiu de se deslocar a Viseu de imediato. O ferrador acredita no jovem, mas o instinto de Mariana fá-la desconfiar e aconselha o pai a vigiá-lo. De facto, às onde da noite Simão é surpreendido por Mariana saltar a varanda do seu quarto.
 
1.5. No momento em que é surpreendido por Mariana, Simão reflete sobre a dedicação da filha do ferrador, que considera o seu “anjo da guarda” e é guiada pelo amor por si. Por outro lado, o fidalgo tem consciência de que deveria seguir os conselhos de prudência que antes ela lhe tinha dado.
 
1.6. Note-se que, no capítulo IV, Simão considerara Teresa como “o seu bom anjo”, o que mostra a faceta de herói romântico do jovem. De facto, perceciona tanto Teresa como Mariana como anjo(s), por causa da influência que ambas têm na sua maneira de ser e de viver. Assim, idealiza a amada por ela ser capaz de o fazer mudar a sua maneira de agir e a controlar a sua impulsividade e instinto violento e Mariana por zelar incondicionalmente pelo seu bem-estar.
 
 
3.ª parte: Deslocação de Simão a Viseu e Morte de Baltasar
 
1. Efeito das referências temporais: enquanto Simão espera, junto ao convento, o narrador dá-nos várias referências temporais – “Era uma hora”, “quatro horas”, “quatro horas e um quarto”, “quatro horas e meia”, “momentos depois”. Esta pormenorização e concentração do tempo sugerem o progressivo aumenta da angústia e da ansiedade de Simão e o aumento da tensão, até ao confronto com Baltasar.
 
2. Relação entre a alvorada e o estado de espírito de Simão: a relação entre estes dois aspetos é, simultaneamente, de semelhança e de contraste. Assim, inicialmente, a natureza apresenta cores associadas ao fogo (“O horizonte passara de escarlate…”; “A púrpura, da aurora, como lavareda enorme…”), que espelham o ódio de Simão por Baltasar e a violência latente em si. Mais tarde, o dia inicia-se “alvacento”, cheio de “partículas de luz”, exibindo “as maravilhas do repontar dum dia estivo”, traços que contrastam com o estado de alma do protagonista.
 
3. A chegada da comitiva e o encontro entre Teresa, o seu pai e o seu primo é-nos dada pela perspetiva de Simão.
 
4. Caracterização de Baltasar: Baltasar é um homem vaidoso e caprichoso (“… bem-composto de figura e caprichosamente vestido à castelhana…”); arrogante e prepotente pela forma como repreende o tio, culpando-o pela ousadia de Teresa, e como encara a figura da mulher, totalmente submissa ao homem (“Se meu tio a obrigasse, desde menina, a uma obediência cega, tê-la agora submissa, e ela não se julgaria autorizada a escolher marido.”).
 
5. Caracterização de Tadeu de Albuquerque: Tadeu surge em cena bastante emocionado (“Tadeu enxugou as lágrimas…”), frágil e debilitada, amparado por Baltasar (“… encostado ao braço de Baltasar Coutinho.”; “O velho denotava quebranto e desfalecimento a espaços.”). Visado pelo sobrinho no que diz respeito à educação de Teresa, procura convencê-la a reconsiderar a relação com Simão (“– Queres ir para tua casa, e esquecer o maldito que nos faz a todos desgraçados?”).
 
6. Caracterização de Teresa: Teresa, perante o último apelo do pai, mantém-se inabalável, digna e decidida a conservar e defender o seu amor por Simão (“– Não, meu pai. O meu destino é o convento. Esquecê-lo nem por morte. Serei filha desobediente, mas mentirosa é que nunca.”).
 
7. Confronto entre Simão e Baltasar
 
7.1. Diálogo entre Simão e Baltasar
Vivo, tenso, intenso, emotivo e violento e de poucas linhas, retrata os insultos e ofensas trocados entre ambos, que culminarão no assassinato deste (“infame”, “assassino”, “parvo”, “vilão”, “cobarde”, “sem dignidade”).
A linguagem usada pelas personagens traduz a tensão do momento:
. o campo lexical da área conceptual do insulto (“infame”, “assassino”, “parvo”, etc.);
. a alternância entre o tratamento por “vós” e “tu” (“sua senhoria”, “tu podes”), salientando a pretensa superioridade de Baltasar;
. as frases exclamativas e interrogativas.
Funcionalidade do diálogo: fazer avançar rapidamente a ação.
 
7.2. Caracterização de Baltasar
Baltasar é o anti-herói, movido pela mesquinhez, pela vaidade e pela prepotência.
É por isso que é dele, num discurso agressivo, que partem os insultos, as ameaças dirigidos a Simão, o seu rival.
Ao ser acusado de cobardia por Simão (“Reputo-o tão cobarde, tão sem dignidade…”), sente a sua honra posta em causa e, por isso, enfurece-se e ataca o fidalgo, que lhe desfere um tiro mortal na cabeça (“… Baltasar tinha o alto do crânio aberto por uma bala que lhe entrara na fronte.”).
Trata Simão por tu, ao contrário deste, que se mostra digno e superior ao tratá-lo por “Sua Senhoria”.
Em suma, Baltasar é uma figura arrogante, prepotente (“– Já fora da minha presença!”) e hipócrita; irónica (quando se dirige a Teresa, por exemplo. “– Fala comigo, prima Teresa? – disse Baltasar, risonho.”); insultuosa, agressiva e violenta (“– Infame, e infame assassino!”; “Baltasar Coutinho lançou-se de ímpeto a Simão. Chegou a apertar-lhe a garganta nas mãos…”).
 
7.3. Simão, o herói romântico
 
            A partir de uma figura real, Camilo Castelo Branco compõe uma personagem, Simão Botelho, o protagonista da novela, que preenche os requisitos do chamado herói romântico.
            Quais são os principais traços do herói romântico?

O herói romântico possui um caráter excecional – apresenta-se como um ser excecional, fora do comum, marcado pela individualidade.

Rejeita as normas e convenções sociais, sobretudo quando elas contrariam os seus valores e as suas crenças, colocando-se à margem e assumindo uma atitude de rebeldia.

Por isso, o herói romântico é rebelde e enérgico, lutando por ideais em que acredita, sejam eles de amor, pátria ou religião.

Defende os direitos do indivíduo associados ao Liberalismo e ao Romantismo: liberdade, igualdade, fraternidade, justiça, etc.

Frequentemente, o herói romântico possui uma personalidade instável, dividida entre forças opostas, como, por exemplo, as normas da sociedade e os impulsos que levam à sua revolta contra essas normas.

Assim sendo, o herói romântico é uma figura que tende para o conflito e a rebeldia, o que o conduz à perdição e à morte diversas vezes.

Vive numa crise interior e torna-se melancólico e introspetivo.

É atormentado por uma grande insatisfação, que resulta do facto de não concretizar as suas aspirações, e morre, física ou espiritualmente.

O herói romântico é vítima do destino e age motivado por um amor intenso: “o académico ponderou supersticiosamente os ditamos do coração da moça…”; “O destino há de cumprir-se… Seja o que o céu quiser.”

            Que características possui Simão que fazem dele um herói romântico?

            Os traços do herói romântico, no Amor de Perdição, estão, sobretudo, concentrados na figura de Simão Botelho. Convém ter presente, no entanto, que esses traços só fazem sentido quando observados no contexto da relação com Teresa e, em segundo plano, Mariana:

Nos capítulos I e II, Simão é caracterizado pela rebeldia e pelo caráter conflituoso e violento, como é exemplificado pelo episódio de pancadaria na fonte.

Por outro lado, nesse passo da obra revela também o seu conflito com a família, nomeadamente quando “zomba das genealogias”. Além disso, coloca-se à margem da sociedade, cujas regras não aceita, e revolta-se contra as injustiças sociais, as convenções de honra e as “falsas virtudes” dos pais.

O amor por Teresa fá-lo mudar o seu comportamento (“maravilhosa mudança nos costumes…”).

É um idealista apaixonado, com veia poética (cf. carta escrita a Teresa).

A busca de um amor ideal, mas contrariado pelas famílias de ambos, acentua o caráter conflituoso do herói romântico. É esse amor exacerbado e o caráter conflituoso que, em última análise, o levam à perdição.

Simão é movido por valores como a honra, o amor, a coragem e a retidão: “Eu hei de fazer o que a honra e o coração me aconselharem.”.

Simão é um ser de exceção, visto que é dotado de nobreza de caráter e dignidade e de qualidades morais incomuns (por exemplo, o sentido de justiça e honra). Estes traços são exemplificados pelo facto de se recusar a fugir após assassinar Baltasar. Em alternativa, assume o seu crime e é preso.

Rege a sua vida por princípios e ideais elevados, como a liberdade e a justiça (não aceita que outros determinem o curso da sua vida nem que contrariem o seu amor) e a igualdade (trata João da Cruz e Mariana como seus iguais).

Simão é marcado pela fatalidade e compreende que os seus objetivos de vida foram frustrados, caindo numa profunda melancolia e acabando por morrer.

Por outro lado, é um homem determinado que se move por amor, o qual se torna um sentimento absoluto, visto que se enamora por Teresa e a ama incondicionalmente, e impelido pela força do destino: “O destino há de cumprir-se… Seja o que o Céu quiser.”. O diálogo breve com João da Cruz (“– Está perdido! – tornou João da Cruz. / – Já o estava.”) mostra que Simão compreendeu que não foi o homicídio de Baltasar que determinou a sua perdição, mas que esta já estava traçada desde que se enamorou de Teresa, por causa dos ódios familiares. Este desenlace fatal havia sido antecipado pelo narrador logo no início da novela quando apresentou ao leitor a frase que sintetiza o percurso do nosso herói: “Amou, perdeu-se, e morreu amando”.

 
7.4. Teresa, a heroína romântica
 
            Teresa confirma, neste capítulo, que exemplifica a heroína romântica, desde logo por se tratar de uma personagem bonita e de estirpe social elevada (é fidalga), dotada de temperamento forte e determinado, bem como de uma maturidade invulgar para uma jovem de 15 anos então. Esses atributos fazem com que estejamos na presença de uma figura que foge ao modelo das jovens da sua idade e da sua condição social. Mais: ela desobedece repetidamente à vontade do pai, pondo, assim, em causa o pundonor de Tadeu de Albuquerque, isto é, o orgulho social que a obrigaria a rejeitar Simão e o seu amor, por causa do ódio entre as famílias de ambos. Deste modo, Teresa corresponde perfeitamente à coragem, à energia e à rebeldia da heroína romântica.
            À semelhança do que sucede com Mariana, Teresa é caracterizada pela impotência e pela fatalidade / pelo destino. A impotência decorre da sua condição de mulher numa sociedade em que o machismo impera e os homens se enfrentam e destroem por orgulho e egoísmo. Por outro lado, o destino e a fatalidade marcam a sua existência e conferem-lhes o estatuto de heroínas vítimas de um amor infeliz.
            Tanto Teresa como Simão dão corpo ao conflito com as normas sociais e familiares vigentes e à mudança social que ocorreu no século XIX.
 
8. Consequências do homicídio de Baltasar: a separação definitiva de Teresa e Simão e a perdição de ambos.
 
 
Simbologia dos espaços interiores

Mosteiro: simboliza a clausura, o aprisionamento (a janela com grades), causador(es) de sofrimento; de dentro pode ver-se o espaço exterior, simbolizando a liberdade de que não se pode usufruir.

Janela com grades: representa a separação de Teresa e Simão, causada pelo aprisionamento da fidalga num convento (cuja “libertação” só será conseguida com a morte).


 
Crítica social
 
            O episódio do homicídio de Baltasar configura uma crítica à Justiça, pois Simão, após a morte do rival, é convidado a fugir pelo meirinho-geral, por ser filho do corregedor (Domingos Botelho).

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