Português: 04/06/23

domingo, 4 de junho de 2023

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Análise do poema "Segredo", de Miguel Torga


                 Este poema, da autoria de Miguel Torga, é constituído por duas estrofes – uma quintilha e uma oitava –, de métrica irregular e com rima emparelhada, cruzada e interpolada, segundo o esquema ABAAB / CDDCEEDC.

                Começando a análise pelo título, o nome «segredo» remete para algo que não é divulgado, que é do conhecimento de apenas um ou poucos indivíduos. No caso do poema, o segredo em questão é aquilo que a personagem – presumivelmente uma criança – guarda só para si, que apenas ela conhece: a descoberta de um ninho com um ovo dentro, do qual nascerá um passarinho de quem pretende ser amigo.

                É exatamente isso que anuncia o primeiro verso: “Sei um ninho.” O menino «descobriu» um ninho, conhece (“Sei”) – atenta-se na diferença entre «sei um ninho» e «sei de um ninho» – a sua localização, e essa informação é exclusiva dele. Os versos seguintes expandem a informação relativa a esse segredo: o ninho contém um ovo, redondinho (o diminutivo sugere a sua beleza e a perfeição), que, por sua vez, encerra dentro de si um passarinho (de novo o recurso ao diminutivo afetivo).

                O que torna o ninho tão importante para o sujeito lírico é precisamente o facto de conter um ovo com uma ave no seu interior. É essa expectativa de uma nova vida que está prestes a nascer que o entusiasma e desperta em si sentimentos de carinho, de ternura, de afetividade, indiciados – repita-se – pelo uso do diminutivo («redondinho», «passarinho»).

                A segunda estrofe mostra-nos a determinação do «eu» em, «egoisticamente», guardar o segredo só para si, mesmo que alguém, aparentemente, insista com ele para o revelar: “Mas escusam de me atentar: / Nem o tiro, nem o ensino”. Assim sendo, vai resistir à pressão para desvendar aos outros o seu segredo e tirar o ninho, ou seja, resistindo à tentação de retirar o ninho do local onde se encontra e de revelar a sua localização. De seguida, esclarece os motivos que estão na base dessa sua decisão. De facto, afirma querer ser «um bom menino», isto é, deseja agir corretamente, não revelando o ninho e a sua localização, para o proteger, porque receia que os «outros» lhe façam mal, lhe mexam, o perturbem, e quer ser amigo do passarinho que vai nascer. É fácil imaginar que, se o «eu» revelasse o seu segredo, todos a quem o revelasse seriam picados pela curiosidade de acorrer ao local e «perturbar« o ninho e a avezinha quando esta nascesse. Por outro lado, o passarinho deixaria de ser o seu amigo em exclusivo.

                Os dois últimos versos remetem para a liberdade: a avezinha voará pelos céus, espaço amplo, infindável e sem portões, limites, barreiras, e aí poderá fazer o pino, exatamente porque será livre para fazer o que quiser, incluindo virar-se de pernas para o ar.

                Este poema relaciona-se com outro texto da autoria de Miguel Torga, concretamente o conto “Jesus”: o assunto é o mesmo, isto é, a revelação de uma descoberta por parte de um menino – um ninho – e a sua atitude de respeito para com o ovo que contém e a avezinha que irá nascer.

                O conto narra a história de um menino que subiu a um enorme cedro e descobriu nela um ninho que tinha um ovo. De seguida, deu um beijo no ovo, que, de imediato, estalou e do seu interior saiu um passarinho. Este texto viu a luz do dia em 1940. Quinze anos depois, em 1955, nasceu Clara Crabbé Rocha, filha de Miguel Torga, que escreveu o poema “Segredo”, lembrando-se do conto: o primeiro verso (“Sei um ninho.”) é uma repetição exata da frase que o menino do conto solta durante a ceia com os pais.

                Ora, o ninho do poema, numa leitura biográfica, é o lar do escritor, e o ovo com o seu passarinho é a nova vida que nele existe: a filha. O ovo é redondinho, como a barriga de uma mulher em adiantado estado de gravidez. E, nos primeiros anos de vida, os pais são os melhores amigos dos seus filhos, aqueles a quem estes confidenciam os seus segredos e sonhos. Este pai, por sua vez, deseja a criar a sua filha em liberdade, fornecendo-lhe asas que lhe permitam voar e fazer o pino no ar.

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