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domingo, 29 de setembro de 2019

A prosa de intervenção do Padre António Vieira


            O Padre António Vieira lutou, durante a sua vida, por três causas centrais que considerava justas:
– a luta contra a escravatura e pela integração dos cristãos-novos;
– a consolidação da recém recuperada independência;
– a utopia universal, corporizada no mito do Quinto Império.
            No entanto, a sua veia crítica abateu-se sobre outras questões:
-» a luta contra os colonos brasileiros, que procuravam recrutar entre os índios mão-de-obra escrava, oprimindo-os e escravizando-os (defendeu a política colonizadora da Companhia dos Jesuítas, daí a perseguição de que foi alvo por parte da Inquisição e a posterior prisão nos cárceres do Santo Ofício);
-» procurou desacreditar, em Roma e em toda a Europa, o Tribunal do Santo Ofício;
-» criticou a ordem dos Dominicanos e a Inquisição por viverem à custa da Religião, com os bens confiscados aos judeus e cristãos-novos que perseguiam, lançando-os nas prisões e nas fogueiras dos autos-de-fé;
-» denunciou os vícios da nobreza, que vivia na ociosidade e cuja riqueza era alcançada, com frequência, pela exploração dos pobres e dos escravos ou à custa de roubos e injustiças;
-» criticou os pregadores dominicanos, o cultivo de um estilo rebuscado, pretensioso e obscuro, ao gosto gongórico, o cultismo (ainda que caísse muitas vezes no exagero dos jogos verbais);
-» cria que a educação e a cultura poderiam corrigir a própria natureza (o índio primitivo poderia ascender pela cultura a um certo grau de espiritualidade).

            Em suma, o espírito conflituoso e lutador de Vieira bateu-se, durante toda a vida, pelos nobres ideais que o nortearam. Por eles lutou e sofreu grandes humilhações e perseguições às mãos da Inquisição, que o prendeu e proibiu de pregar.


O século XVII em Portugal e o sermão

            A situação de instabilidade de um Portugal pós-Restauração (independente mas em crise, pressionado pela constante ameaça estrangeiro aos nossos domínios ultramarinos), e a defesa dos direitos humanos, nomeadamente dos índios do Brasil escravizados pelos colonos, bem como dos Cristãos-Novos perseguidos pela Inquisição, são preocupações a que Vieira se manteve sempre fiel até ao fim da sua vida.
            Ao assumir o poder, D. João IV teve de enfrentar um país moralmente exausto e financeiramente decadente em consequência da longa luta travada com Castela. A monarquia encontrava-se ameaçada e perigosamente vacilante, despojada como estava de órgãos de autoridade capazes de lhe garantir o poder absoluto.
            Os cofres estavam vazios, muito por culta do deslizamento das receitas portuguesas (representadas principalmente pelo ouro que nos vinha de África e pelas especiarias originárias do Oriente) das mãos trémulas de um Portugal periclitante, para as implacáveis presas da Holanda e da Inglaterra, que reclamavam a sua parte de leão.
            Mesmo as minas de ouro descobertas no Brasil, precisamente quando ocorreu a morte do Padre António Vieira, só viriam a servir para alimentar a pobreza moral, como o profetizara já o orador em 1656, no sermão proferido no Grão-Pará, intitulado Sobre as Verdadeiras e as Falsas Riquezas (Sermão da 1.ª Oitava da Páscoa). Em terras brasileiras, o trabalhador comum, possesso pela miragem do vil metal, viria a abandonar as terras, os bens, a família, para enveredar por atalhos, não poucas vezes do crime e da desonra, em demanda do ilusório pássaro azul que obstinadamente porfiava em alcançar. Na Metrópole, a nobreza passaria a dar largas a um fausto desenfreado e efémero, sem cuidar de produzir algo de útil para o bem comum ao utilizar o «maná» que jorrava então do Brasil.
            Recordemos que o século seguinte assistiu ao arrecadar de um milhão de libras esterlinas nos cofres da rapace Inglaterra, pago integralmente por Portugal com o ouro proveniente das minas do Brasil. Deste modo, mais uma vez se veio a verificar a lastimável negligência lusitana, que desprezou uma ocasião ímpar de valer à pátria debilitada.
            Na época de Vieira já Portugal se debatia em desesperada luta para reconverter a economia e caminhar lado a lado com os outros países europeus. estes manifestavam-lhe, porém, uma marcada indiferença, mas opunham-se á sua entrada nos tratados internacionais. Mero peão num jogo de interesses entre nações omnipotentes, Portugal erra arrastado numa torrente de ambições e encontrava-se preso nas malhas tecidas por potências interessadas em lucros rápidos e vantajosos. Por seu lado, a Santa Sé recusava-se teimosamente a reconhecê-lo como nação independente.
            A Restauração só poderia subsistir se fosse financiada pelos «homens de negócios» que orientavam em Portugal as grandes transacções. Foi, com efeito, sobre os recursos económicos dos Cristãos-Novos que o País se apoiou nas horas difíceis do recomeço mediante a isenção do confisco inquisitorial que lhes foi concedida pelo monarca a conselho de Vieira.
            A causa dos Cristãos-Novos advogada por Vieira, para além do incontestável carácter humanitário, do patriotismo e da solidariedade para com a Companhia de Jesus (a qual tomava partido contra a Inquisição, sua eterna rival), tinha também uma finalidade económica, pois visava mitigar a miséria nacional através dos largos proventos dos Hebreus. Contudo, a mentalidade tacanha dos opositores de Vieira, incapaz de assimilar a sede de Infinito do cosmopolita, habituado a vastos espaços e ideias), não se detinha na marcha do seu fanatismo impenitente para considerar um eventual interesse económico. Cuidava somente em velar pela defesa do sangue incorrupto, livre de qualquer contaminação dos hereges.
            Representando uma apreciável parcela da burguesia nacional e o principal suporte financeiro e mercantil da nação, os Cristãos-Novos desempenharam um papel decisivo no comércio externo e contribuíram para uma notável transformação na sociedade portuguesa. Supremo esteio de um Estado financeiramente dependente, este grupo social viu ser contra si movida uma feroz perseguição levada a efeito pelo Santo Ofício, mas instigada pela nobreza em dependência directa da Coroa.
            Foram-se, entretanto, implantando influentes comunidades de cristãos-novos portugueses em Amsterdão, Hamburgo, Ruão e Veneza, dando origem a uma verdadeira rede internacional de comércio. A repressão de que foram vítimas e, sobretudo, os processos diabólicos utilizados pela Inquisição, justificam a incansável defesa dos direitos desta raça segregada feita por Vieira.
            Era, pois, angustioso o clima que se vivia então em Portugal, tanto no aspecto económico, como político, como social. A Nação definhava em consequência das perdas sofridas. Os Holandeses haviam-se apoderado de cinco capitanias do nordeste brasileiro e para as suas mãos resvalara também Angola e São Tomé. Era urgente reconquistar esses territórios, mas impunha-se, igualmente, a celebração de uma aliança entre os dois países para esmagar Castela. Interessava a Portugal a influência da Holanda no xadrez político para a sua admissão no Tratado de Vestefália, pois tal equivaleria ao reconhecimento da independência por parte da Europa.
            Vieira chegou a Haia em abril de 1646, onde projetava negociar a paz com a Holanda através da entrega de Pernambuco. Contava o jesuíta, para realizar os seus planos, com o auxílio de judeus portugueses de Amsterdão. A Inquisição, porém, interveio e prendeu um importante cristão-novo que conduzia os negócios, lançando o descrédito sobre o enviado régio.
            A ideia de entregar Pernambuco aos Holandeses, de que Vieira parece ter sido um dos principais promotores, conheceu pertinaz oposição. Na opinião geral, o «Judas do Brasil» pecava, sobretudo, por falta de patriotismo. No entanto, como se depreende da leitura do «Papel Forte» por ele redigido, a velha raposa matreira ocultava, sob aparente capa de generosidade gratuita, a astuta decisão de se vir a reaver o que por ora se fingira dar de boa mente: «Desta maneira damos Pernambuco aos Holandeses, e não dado, senão vendido pelas conveniências da paz, senão a retro aberto, para a tornarmos a tomar com a mesma facilidade, quando nos virmos em melhor fortuna; que agora, é querer perder isto e o demais.»
            Por atitudes como esta, Vieira tem sido bastas vezes acusado de ter proposto soluções políticas nem sempre isentas de duplicidade; porém, há que considerar o próprio comportamento desleal dos outros países. A Holanda, por exemplo, com quem mantínhamos relações de paz na Europa, não se esquivava a atacar-nos no Brasil, enquanto que a Espanha estava secretamente ligada a essa nação que Vieira descrevia como pátria de anfíbios, composta de «peixe e homem».
            De outras missões diplomáticas se encarregou Vieira. A França foi ajustar o casamento da filha do Duque de Orleães, a vigorosa «Grande Demoiselle», com o jovem e frágil D. Teodósio, príncipe herdeiro. Não foi feliz nessa missão porque a ela se opôs tenazmente o cardeal Mazarino. Provocar em Nápoles um movimento de revolta contra os Castelhanos e promover o casamento de D. Teodósio com a filha de Filipe V eram os propósitos que animavam António Vieira na sua viagem a Itália em janeiro de 1650, numa empresa condenada uma vez mais ao fracasso. Não obstante, o seu espírito combativo não cessava de vibrar.
            Um dos eventos históricos que já vinha recrudescendo ao longo de toda a dominação filipina foi o Sebastianismo, forma de louca ânsia messiânica num rei justo e redentor de uma pátria mergulhada em letargia. As profecias do sapateiro de Trancoso, amálgama insipiente de citações bíblicas e de lendas populares, traduziam o anseio de liberdade e a esperança projectada num herói libertador. Ideal cristalizado na memória de um povo sedento de autonomia, a crença sebastianista no predestinado incitou os espíritos à luta pela independência nos anos sombrios da repressão castelhana. À semelhança dos seus contemporâneos, Vieira não se mostrou insensível ao apelo profético, que ia aliás tão ao encontro do seu marcado pendor, avivado por uma educação escolar propícia a cogitações visionárias. Do alto do púlpito, desafiando corajosamente os algozes da Inquisição, o jesuíta modela um Sebastianismo novo, ajustado ao contexto da Regeneração. É o mito judaico do Quinto Império transferido para o solo português, berço de um rei eleito de Deus que será o Imperador da Terra em serena aliança com o Pontífice de Roma, entidade centralizadora do poder espiritual.
            D. João IV torna-se o Messias que, após sessenta anos de humilhante subordinação a Castela, vem libertar o país e devolver-lhe o estatuto de nação escolhida para os desígnios do Eterno. O monarca é o novo Encoberto capaz de redimir o seu povo e conduzi-lo à Salvação. Resgatada a pátria, urge dilatar a Fé que há-de congregar em torno de si judeus e indígenas, sem distinção de raça ou credo, unidos na condição comum de filhos de Cristo e portadores da centelha divina. Mas o visionarismo em Vieira não se limita a uma mera atitude passiva; antes o conduz de imediato à acção a partir do momento em que deixa de combater o Sebastianismo para se empenhar com toda a fé na crença de um novo Encoberto. Sensível ao fascínio dos mistérios da Bíblia que procura explicar, Vieira consegue, no entanto, conservar intacta a sua atenção à realidade política e social, pronto a denunciar abusos e a condenar prepotências. No seu grito de revolta esconde-se a crítica enérgica a uma sociedade injusta e corrupta.


terça-feira, 9 de julho de 2019

O classicismo francês: a época de Luís XIV

            Em França, as guerras de religião haviam rematado no século XVI pelo Edicto de Nantes (1598) e o advento da dinastia bourbónica. Deste compromisso precário entre a burguesia huguenote e a aristocracia católica resulta, como fiel da balança, a política absolutista de Richelieu, Mazarino e Luís XIV, profundamente diferente, no seu significado social, do absolutismo peninsular. A coroa sustenta, além da nova burocracia do absolutismo, a velha aristocracia de sangue, que, domesticada depois do esmagamento da Fronda, faz uma vida ociosa de corte. A burguesia ascende, em parte, à categoria de cargo, prevalece na administração central, enriquece com os fornecimentos e arrematações dos impostos da Coroa, impõe a política mercantilista que permite o desenvolvimento da manufatura (indústrias de luxo, mineração, construção naval, têxteis, etc.). Batidos os Filipes na Paz dos Pirenéus de1659, a França torna-se a potência hegemónica da Europa. Mas a «guerra do dinheiro», de conquista surda dos mercados e do ouro, conduzida por Colbert e as suas Companhias contra as outras potências, empurra Luís XIV a uma série de lutas armadas que desprestigiam o absolutismo e dão lugar ao agravamento da situação económica das massas populares.
            Sob o ponto de vista cultural, o grande foco é ainda então a corte, que deve à corte madrilena a iniciação em muitos requintes. No campo literário, Honoré d’Urfé, com o início da Astrée e, 1608, introduz na corte francesa o formalismo da alegoria pastoral anteriormente consagrada pela Diana de Montemor, dando o modelo para as damas preciosas dos salões da marquesa de Rambouillet e de M.lle. Scudéry; e Corneille, com o Cid (1636-37), adapta o drama espanhol ao gosto francês, inaugurando o teatro clássico em França. Mas a um estado de coisas político e social mais estável e a um nível já superior corresponde um espírito mais analítico e racionalista, um sentimento de vida mais confiante, mais equilibrado e menos patético que o prevalecente em Espanha. Há uma enorme floração de doutrinadores e preceptistas literários, cheios de ponderação sensata, entre os quais se destacam o poeta Malherbe, à entrada do século, e Boileau, cerca do último quartel (Arte Poética, 1674). Ao mesmo tempo a Academia Francesa (1635) e vários gramáticos racionalistas desempenham o seu papel de codificação e apuramento linguísticos.
            No terreno filosófico, a figura dominante do século XVII francês é Descartes, também um dos criadores da álgebra, da geometria analítica e da mecânica. A sua filosofia, como a do seu contemporâneo inglês Bacon, centra-se no problema da metodologia científica (Discurso do Método, 1637). Em última análise, o método cartesiano reduz-se a interpretar os fenómenos segundo esquemas mecânicos, geométricos e algébricos. Descartes, por outro lado, acautela o idealismo tradicional e a teologia, e não discute as instituições políticas e sociais do tempo; sustenta a imaterialidade e eternidade do espírito, mas concebido como simples consciência das leis mecânicas do mundo, e afirma a existência de Deus, mas como garantidor da realidade objetiva das leis científicas – um Deus, aliás, que (pelo menos sob certa leitura de Descartes) é a negação mesma do milagre.
            Com Newton, Pascal e Leibniz, além do método experimental, integram-se no pensamento científico os conceitos de energia e de infinito. A preocupação da infinidade e da omnipotência divinas, agora que a ciência impunha uma conceção infinitista e energética do mundo, sente-se nos Jansenistas de Port-Royal, de que Pascal foi a figura dominante.
            À ascensão do absolutismo em França corresponde o teatro de Corneille (Horácio, Cinna, 1640), em que se apresenta sempre a vitória da autodisciplina cívica do protagonista sobre as paixões pessoais mais veementes. Com Racine, os conflitos da tragédia já lisonjeiam mais as paixões, e a noção de dever desloca-se do clima cívico para o clima familiar (Fedra, 1677). Um e outro levam à maior perfeição o esquema das três unidades (ação, lugar e tempo), que ao teatro clássico francês uma grande densidade psicológica e ideológica. Entretanto, a comédia de caracteres de Molière, fundindo o racionalismo francês com a experiência de palco da Commedia dell’Arte, critica penetrantemente a hipocrisia e a fatuidade do sistema feudal remodelado sob o absolutismo, atingindo ao mesmo tempo a caça ao lucro, ou ao prazer e várias deformações psicológicas, típicas não só da nobreza mas também da burguesia dirigente, com um poder de apreensão que os ideólogos burgueses perderão mais tarde no seu propagandismo revolucionário (Preciosas Ridículas, 1659; D. João, 1665; Tartufo, 1669; As Sabichonas, 1672, etc.).
            Os sintomas de dissolução ideológica do regime de Luís XIV começam por se fazer sentir nos meios aristocráticos. Tal como na aristocracia tory inglesa, desenvolve-se o ceticismo galante dos libertinos, que transvasa para as obras de um estilo seco e cínico (Máximas de Rochefoucauld, 1665, Caracteres de La Bruyère, 1688, Fábulas de La Fontaine, 1668); os espíritos volvem-se para as pequenas coisas, registam efemérides e ditos, redigem memórias, correspondência literária, mantêm o tom racionalista, mais virado para o mundo psicológico ou para uma perspetiva pessimista do mundo social (Memórias do cardeal de Retz e do duque de Saint-Simon; Cartas de M.me de Sévigné; Princesse de Clèves, romance de M.me de Lafayette, 1678). Entre 1680 e 1715 decorre o período que Paul Hazard denomina de «crise da consciência europeia», no qual se confirma o descrédito das instituições e formas culturais da época de Luís XIV.

O papel da Inglaterra seiscentista

            Na França e na Inglaterra, o capitalismo comercial e a cultura burguesa não dominam tão livremente, mas, por vias mais sinuosas, impõem a sua influência.
            Na Inglaterra, o absolutismo dos Tudors elimina desde Henrique VIII a alta aristocracia feudal e o clero regular, mas a nobreza que ascende com as secularizações (gentry) e a burguesia de Londres mantêm o controlo do fisco pelo Parlamento. Os filhos segundos da gentry, vedado o acesso à carreira do clero regular, das armas ou do funcionalismo, em resultado das secularizações e da moderação do fisco régio, ingressam por isso na burguesia. A Coroa garante o monopólio, a que se associa, das companhias criadas para fazer o corso às frotas hispânicas e conquista os entrepostos do Báltico, do Mediterrâneo e depois do Índico e da América do Norte. O reinado de Isabel (1558-1603) e ainda o do primeiro Stuart, Jaime I, correspondem por isso, não apenas ao desenvolvimento de uma cultura amaneirada de corte, em que se salientam a poesia para canto e o pastoralismo convencional (Sidney, Spenser, John Lily, autor do romance Euphues, 1579-80, donde derivou o nome de eufuísmo para o estilo culto inglês), mas também ao surto de uma riquíssima escola teatral em que se fundem o naturalismo renascentista, a cultura universitária de muitos dramaturgos, a ânsia de aventura e domínio, as inquietações ideológicas da burguesia, o estilo floreado da corte (Marlowe, Shakespeare, Ben Jonson, Fletcher, etc.).
            O desenvolvimento posterior da burguesia e o endurecimento da sua ideologia puritana, por um lado, a reação correspondente por parte dos monarcas Stuarts e da aristocracia mais exclusivamente agrária, por outro lado, precipitam depois as revoluções de 1648 e 1688, cujo saldo final é uma vitória sobre o absolutismo por parte de uma coligação tácita entre a burguesia londrina menos puritana e a aristocracia Whig, que lhe está estreitamente ligada. Estas duas camadas vão realizar durante o século XVIII uma dupla revolução: a revolução agrária da enclosure, eliminação do pequeno campesinato feudal, já iniciada em começos do século XVI, e a revolução industrial. Através das vicissitudes seiscentistas, o puritanismo revolucionário exprime-se literariamente pela obra de Milton (Paraíso Perdido, 1667) e Bunyan (Caminhada do Peregrino, 1678); a aristocracia opõe ao zelo puritano um teatro e um lirismo profundamente cínicos e intelectuais (Wycherly, Congreve, Lovelace, etc.).
            Por meados do século XVII, a Sociedade Real de Londres, ilustrada por figuras como Roberto Boyle e Newton, torna-se o foco mundial da investigação científica, onde se lançam as bases de uma nova disciplina da física, a dinâmica, articulada com o também recente cálculo infinitesimal. No desenvolvimento do empirismo e sensualismo inglês, Hobbes e Locke sucedem a Francisco Bacon, que em 1620, com o Novum Organum Scientiarum, dera o primeiro tratado de metodologia científica experimental. Locke, o filósofo da revolução de 1688, que escreve em inglês para toda a gente, e não já em latim escolástico, é o pensador que mais influência exerce na Europa por todo o século XVIII. Este conjunto de circunstâncias sociais e culturais explicam que a Inglaterra, país onde a revolução burguesa, embora menos radical e rematando num compromisso que dura até à época vitoriana (reforma eleitoral de 1832), se antecipa de um século à da França e, em geral, do Continente, seja no início do século XVIII a herdeira imediata das criações holandesas de inícios do século XVII: jardins, conforto do lar, pintura de paisagem, de retrato e de interiores, jornalismo, filosofia progressiva, livre-cambismo, teoria dos direitos fundamentais do homem e da divisão dos poderes do Estado.

O papel precursor da Holanda

            Enquanto os domínios ultramarinos permitiam à aristocracia peninsular um reagrupamento defensivo em torno da Coroa, mantendo na sociedade e na cultura de Portugal e Espanha certas características feudais, e propiciavam depois uma hegemonia política mundial da Espanha que atinge o apogeu sob Filipe II (1556-98), e se prolonga até ao desfecho da Guerra dos Trinta Anos (1618-48) – em alguns países da Europa Ocidental, não sujeitos ao seu domínio, a estrutura social e política sofre consideráveis alterações. É que, afinal, a Bolsa de Antuérpia (1531), centro do comércio continental das especiarias portuguesas, e os banqueiros da Alemanha do Sul, principais financiadores das Coroas peninsulares, apesar das sucessivas falências individuais, tinham exercido o real controlo da nova economia mundial recém-nascida. Os recursos dos reinos de Portugal e Espanha esgotavam-se já no século XVI, cada vez mais incapazes de ocorrer aos gastos da oligarquia administrativa e militar e de satisfazer os juros de dívidas astronómicas. A nova aventura cavaleiresca em Marrocos afunda-se em Alcácer Quibir (1578); a Casa da Áustria acrescenta o império português aos seus domínios, mas em 1588 vê a sua «Invencível Armada» batida pelos Ingleses. O século XVII vai assistir ao triunfo de um grande capitalismo mercantil, constituído em companhias de acionistas particulares que pertencem, indiferentemente, a vários credos ou nações e que utilizam um Estado nacional como garantia do seu monopólio.
           A inovação parte dos Holandeses, cujos armadores, associando-se a capitais internacionais (em grande parte dos Marranos, ou Cristãos-Novos expulsos da Península), criam, a partir de 1592, as célebres Companhias das Índias, primeiro para fazer a guerra de corso às frotas filipinas, e depois para desalojar o império Habsburgo dos seus principais entrepostos da Indonésia, Índia, África do Sul e Central. A expansão colonial holandesa é facilitada por um tolerantismo comercialista, próprio de um Estado federativo, descentralizado, dir-se-ia que ele próprio imagem de uma empresa por ações. A Banca de Amesterdão (1611) torna-se o centro do capitalismo internacional. O calvinismo, dominante entre a burguesia holandesa, reabilita o juro e a especulação bancária.
            A Holanda torna-se na primeira metade do século a estante giratória com prateleiras para as heresias que minam os estados monarco-feudais: refúgio dos judeus peninsulares, dos dissidentes ingleses fugidos aos Stuarts, dos huguenotes franceses. Giordano Bruno, Galileu, Descartes editam lá as obras que teorizam a mecânica celeste e geral; impressores holandeses, como os Elzevir, erguem a arte tipográfica a um novo nível; nasce das informações bolsistas a imprensa periódica, com as Gazetas; o naturalismo renascentista prolonga-se ali. Trata-se do culto da ciência experimental e algébrica (Huyghens), que através da ótica e da criação do microscópio lança a microbiologia com Leeuwenhoek; um judeu de origem portuguesa, Bento de Espinosa, identifica Deus com a Natureza, critica a autoridade de quaisquer Escrituras Sacras e do poder monárquico, concebe a liberdade moral como não passando de uma consciência interiorizadora da causalidade universal, considerando comportamento ético apenas aquele que só obedece a razões – depois de armado com o conhecimento das causas. Grócio fundamenta o direito internacional em regras que julga existirem, não por decreto sobrenatural, mas na natureza humana (direito natural). A escola holandesa de pintura inovadoramente naturalista, substitui a iconografia religiosa por retratos, interiores burgueses e paisagens (Franz Hals, Hooch, Vermeer, Hobbema, Ruysdael). Rembrandt, como veremos, representa já algo para além desse naturalismo.

Obra do Padre António Vieira

            António Vieira legou-nos cerca de 200 sermões, que lhe valeram ser considerado o maior orador sacro de Portugal, mais de 700 cartas, diversos tratados de caráter profético e um conjunto de textos de natureza política e social, conjunto este que simboliza o modo como o escritor se comprometeu com a vida e a cultura do seu tempo. Destes textos destacam-se os referentes à venda ou à recuperação de Pernambuco; os relativos à Inquisição e aos Cristãos-Novos; os que concernem a liberdade dos Índios; e os dedicados ao seu próprio processo inquisitorial.
            Nos textos de feição visionária – História do Futuro, Livro Anteprimeiro (prólogo explicativo daquela), Esperanças de Portugal, Clavis Prophetarum, Defesa perante o Tribunal do Santo Ofício –, procura explicar o verdadeiro sentido das trovas do Bandarra, as quais apontavam para a consumação do Quinto Império: um império universal, harmónico, onde coubessem todas as raças e todas as culturas, unidas espiritualmente num único reino cristão e católico.
            As cartas, escritas entre 1626 e 1697, patenteiam o gosto de uma experiência vivida. Umas vezes é a longa missiva, ordenada, sistemática, a antever já virtuais leitores, reveladora das principais preocupações do autor; outras, é a carta dita “familiar”, dirigida geralmente a um amigo, onde perpassam impressões fugazes, desabafos e episódios da sua vida íntima; aqui e ali, breves discursos ou simples expressões de amizade e cortesia. Descobrem-se, nestas epístolas, referências à vida militar e económica do tempo; incorporam-se autênticos ensaios de administração ultramarina; criticam-se certos pregadores e retratam-se homens e individualidades de então; defendem-se os índios do Brasil; relatam-se as horas de êxito vividas no púlpito ou os momentos amargos dos anos de pobreza; observam-se e descrevem-se povos, costumes, lugares; e focalizam-se tantos outros assuntos que mereciam ser mencionados.
            Pejadas de pormenores e registando os pontos fulcrais de um percurso biográfico, as cartas do Padre António Vieira transformam-se num valioso testemunho quer dos diversos condicionalismos político-sociais da época, quer da complexa personalidade do escritor.
            Durante o século XVII, o sermão não foi só o género literário predominante; foi também, e principalmente, a base da mais importante cerimónia social: a pregação. Através dela, a palavra do orador atingia todas as camadas sociais.
            O púlpito transformara-se, na época, no último baluarte da liberdade de expressão. Durante a dominação filipina, apenas a alguns sacerdotes era dada a faculdade de falar livremente contra, por exemplo, a opressão espanhola. Talvez daí, também, o hábito instituído de fazer do púlpito a tribuna ideal do comentário crítico à vida pública. No século XVII, o púlpito era um palco e o pregador um actor a tentar exibir do melhor modo possível a sua palavra, ajustando as modulações da sua voz aos efeitos visados junto do auditório. A pregação era um espectáculo, tanto quanto possível espectacular. Aliás, uma das tradicionais funções oratórias era o delectare (deleitar), para além do docere (ensinar) e do movere (mover ou influenciar o comportamento do ouvinte), e estava no espírito da Contrarreforma a captação e catequização das multidões não tanto pela razão, que se estava cada vez mais revelando perigosa para a religião de então, mas antes pela sensibilidade, pelo prazer, pelo puro gozo intelectual, e também pelo terror e piedade que moveriam (movere) os espectadores (o argumento do inferno era o mais poderoso equivalente imaginário dos autos-de-fé reais).
            Tudo isto se relaciona com uma época cultural que deslocou para múltiplos palcos – o teatro, a ópera, o púlpito, o auto-de-fé, as procissões, os enterros – o seu sadismo doentio aí o descarregando. A própria existência de um ritual social como o sermão, onde os ouvintes vão para serem, em princípio, admoestados e culpabilizados, e os pregadores para os fustigarem como intérpretes autorizados da Lei, é uma prática mórbida e fantasmagórica. Nos sermões do Padre António Vieira, espelha-se fielmente a época conturbada em que ele viveu, apegado a uma nação cada vez mais vulnerável, quer às arremetidas dos adversários, quer às próprias tensões internas.
            Os sermões mais conhecidos contam-se entre os que, de uma forma mais directa, se prendem a processos ou factos históricos específicos: o levantamento do sítio que os Holandeses haviam feito à Baía (1638) e a situação aflitiva que esta cidade de novo enfrentou passados dois anos determinam, respectivamente, o Sermão de Santo António e o Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as da Holanda (1640); para incitar todas as classes da nação a contribuírem para a defesa nacional, surge o Sermão de Santo António (1642), proferido na véspera da reunião das cortes; o sermão Sobre as Verdades e Falsas Riquezas vem datado de 1656, «na ocasião em que chegou a nova de se ter desvanecido a esperança das minas, que com grande empenho se tinham ido descobrir»; e lembremos ainda o Sermão dos Bons Anos, pregado em Lisboa na Capela Real, no ano de 1642, onde Vieira apregoa a sua confiança em Deus e na política do Rei (D. João IV).
            Do missionário catequista destacam-se os referentes à defesa dos Índios contra o egoísmo dos colonos, de que ficou célebre o Sermão de Santo António aos Peixes. Os sermões de mais alta inspiração religiosa, e os de maior fascínio artístico, desligados das contingências espácio-temporais, são os menos conhecidos dos leitores.
            É nesta actividade missionária que o fervor evangélico de Vieira se impregna de uma doce e comovente humildade, que a carta dirigida ao Padre Francisco de Morais (maio de 1653) deixa transparecer: «Sabei, amigo, que a melhor vida é esta. Ando vestido de um pano grosseiro cá da terra, mais pardo que preto; como farinha de pau; durmo pouco; trabalho de pela manhã à noite; gasto parte dela em me encomendar a Deus; não trato com mínima criatura; não saio fora senão a remédio de alguma alma; choro meus pecados; faço que outros chorem os seus; e o tempo que sobeja destas ocupações, levam-no os livros da madre Teresa e outros de semelhante leitura. Finalmente, ainda que com grandes imperfeições, nenhuma coisa faço que não seja com Deus, por Deus e para Deus, e para estar na bem-aventurança só me falta vê-lo, que seria maior gosto, mas não maior felicidade.»
            Neste género literário desenvolvido por Vieira convergem, pois, o idealista, o político, o missionário, o sebastianista, o patriota, enfim, a complexa e enigmática personalidade do escritor. Por isso, os seus sermões ultrapassam o valor religioso para se tornarem motor de meditação e estudo por parte de moralistas, sociólogos, linguistas e historiadores.

Vida do Padre António Vieira

            António Vieira foi uma personalidade multifacetada: o insigne orador, que mereceu o título de “O Crisóstomo Português”; o conselheiro real e diplomata a quem D. João IV gabava a “lábia”; o missionário imbuído de profunda religiosidade; o “Payassu” (“O Padre Grande”), como o alcunharam os Índios.
            António Vieira nasceu em Lisboa, em 6 de fevereiro de 1608, numa casa da Rua dos Cónegos, situada perto da Sé, e morreu na Baía em 18 de julho de 1697.
            A sua ascendência é bastante modesta. Filho primogénito de Cristóvão Vieira Ravasco, natural de Santarém (embora de origem alentejana), e de Maria de Azevedo, natural de Lisboa, era neto de uma mestiça pelo lado paterno. Tanto o avô como o pai tinham sido criados dos Condes de Unhão. O pai, escrivão das devassas dos pecados públicos num tribunal em Lisboa, servira na Armada antes do casamento. Em 1614 (tinha então Vieira seis anos), Ravasco, nomeado para o cargo de escrivão na Relação da Baía, partiu com a família para o Brasil.
            Vieira iniciou o curso de Humanidades, como aluno externo, no Colégio dos Jesuítas na Baía. Neste início de aprendizagem escolar, o jovem não se teria revelado um aluno excepcional. Só mais tarde é que os seus dotes, realmente notáveis, vieram à superfície quando, mercê de uma inspiração providencial, se teria produzido na sua mente o fenómeno que ficou conhecido como o célebre «estalo de Vieira».
            Um testemunho escrito por ele próprio revela-nos que o prenúncio da sua vocação religiosa se manifestou na tarde de 11 de março de 1623 ao escutar uma pregação do Padre Manuel do Couto, durante a qual este sacerdote deu uma vívida descrição dos castigos infernais que, porventura, aguardariam os pecadores renitentes.
            Na noite de 5 de maio desse mesmo ano, Vieira, que contava então 15 anos, tomou a resolução de se evadir da casa dos pais para o Colégio dos Jesuítas, onde foi acolhido com regozijo. Logo no dia seguinte iniciou o noviciado, árduo treino de dois anos pelo qual se pretendia que a individualidade de todo e qualquer aprendiz a sacerdote, sujeita a um conjunto de regras inexoráveis, se fosse esfumando numa estrita disciplina tendente a uma submissão total, tecida de humildade e modéstia.
            Animado de sincero e entusiasta espírito missionário aquando da sua transferência para a aldeia indígena do Espírito Santo, situada a sete léguas da Baía, logo se empenhou em aprender a fundo o tupi-guarani, ou seja, a língua geral do Brasil (instrumento então imprescindível para a comunicação dos catequistas e comerciantes com os Índios), bem como o quimbundo, língua utilizada com os escravos negros provenientes de Angola.
            Após o período estipulado para o noviciado, António Vieira fez os primeiros votos de obediência, pobreza e castidade, renunciando à efemeridade dos prazeres terrenos.
            Em setembro de 1826, graças aos seus predicados estilísticos que já então se iam afirmando, foi incumbido de redigir em latim a Carta Ânua que a Província costumava enviar ao Geral da Companhia. Nesse relatório anual, além de estarem patentes as qualidades de latinista de escol (fruto da sua formação cultural no colégio jesuítico), é também de salientar, pelo interesse histórico de que se reveste, a descrição do ataque holandês de que foi vítima a cidade da Baía, bem como da capitulação do opressor nos anos agitados de 1624 e 1625.
            Talvez no final de 1626, ou no início de 1627, começou a ensinar Retórica no Colégio de Marim, cidade aprazível situada junto ao mar, mais tarde denominada «Olinda a Bela», devido à sua situação e clima privilegiados. Aí permaneceu e exerceu o magistério durante três anos, findos os quais rogou aos seus superiores que o deixassem devotar-se à tarefa missionária, prescindindo por isso do estudo de Filosofia e Teologia. A Companhia, porém, tinha intenções bem diversas a seu respeito e logo lhe impôs o imediato regresso à Baía para ali encetar os estudos filosóficos. Ordenado padre em dezembro de 1634, Vieira continuou a sua obra de missionário, percorrendo, durante cinco anos, as aldeias baianas mais longínquas, onde procurava instilar os benefícios da civilização na mente do indígena ignaro.
            A par das actividades desenvolvidas para a conversão do gentio, que denunciavam uma perceção muito aguda dos problemas sociais, despontavam já em Vieira as virtudes oratórias reveladoras do pregador que iria seduzir os auditórios de Lisboa e Roma. A 16 de abril de 1638, sob o comando de Maurício de Nassau, os Holandeses, sequiosos de poder, tentaram novo ataque à cidade da Baía que opôs resistência e conseguiu expulsar o inimigo. Atento aos acontecimentos, Vieira interveio através da palavra, suporte de uma dialéctica ágil e sagaz. Nos dois sermões que então proferiu, vibrantes de entusiasmo pelo triunfo obtido, pressentia-se o tom profético que iria nortear toda a sua acção.
            A notícia da libertação de Portugal da tutela castelhana, após a revolução de 1 de dezembro de 1640, só chegou a Salvador em fevereiro do ano seguinte. Acompanhando D. Fernando de Mascarenhas, filho do vice-rei, Vieira foi enviado a Lisboa, tendo por incumbência apresentar saudações ao novo rei, D. João IV.
            Novos caminhos se ofereciam agora ao jesuíta. O monarca, confiado na lucidez deste homem e na sua extraordinária sensibilidade aos negócios de Estado, designou-o seu conselheiro particular e nomeou-o pregador régio. A 1 de janeiro de 1642 Vieira proferiu o Sermão dos Bons Anos, na Capela Real. As palavras exaltadas do apaixonado patriota incendiaram os ânimos e incutiram neles o desejo ardente da luta contra Castela. Aproveitando os fumos do Sebastianismo que ainda pairavam nos ares, Vieira projetaria em D. João IV os sonhos de grandeza de uma pátria à espera do rei predestinado. Contudo, para que a Restauração se consolidasse, era indispensável lançar mão dos recursos dos judeus portugueses expatriados e dos cristãos-novos radicados em Portugal. Vieira dirigiu, nesse sentido, diversas petições ao monarca, entre elas o regresso dos hebreus ao reino e o abrandamento dos processos implacáveis do Santo Ofício. Homem de rara visão, procurava o jesuíta com estas medidas atrair o capital necessário para a criação de companhias de comércio na Índia e no Brasil.
            Ia começar para Vieira uma intensa actividade diplomática. Os anos de 1646 a 1650 vão vê-lo atarefado em missões políticas em França, Holanda e Itália.
            Como embaixador, Vieira não alcançou o sucesso que outros êxitos anteriores tinham feito prever. De todas as tentativas saldou-se apenas a criação da Companhia de Comércio para o Brasil, em 1649. Se suscitara admiradores, havia também semeado muitos inimigos. Acusado de sugestionar o monarca num assunto de divisão das províncias, que competia à Sociedade, chegou a ser ameaçado de expulsão da Companhia de Jesus pelo próprio Geral, que não acatava o facto de um seu membro ter atentado contra as duras normas de disciplina jesuítica.
            Desiludido, partiu em novembro de 1652 para S. Luís de Maranhão, com o propósito de aí reatar as actividades missionárias.
            O Índio era, nessa época, a vítima apetecida dos colonos que o sujeitavam impiedosamente a um regime de escravidão semelhante ao do negro. Considerados escravos por direito de conquista, proporcionavam os naturais uma mão-de-obra excepcionalmente barata e irresistível à cobiça dos governadores. A defesa da liberdade do indígena empreendida pela Companhia de Jesus constituía um evidente obstáculo aos desígnios do branco ambicioso e cruel, empenhado apenas em avolumar os rendimentos com o metal reluzente à custa do sacrifício e, muitas vezes, da vida de vítimas indefesas, «peças indispensáveis de uma máquina produtora de riqueza.
            Com o arrebatamento que o caracterizava, Vieira lançou-se em arriscadas expedições. Tinha imposto a si próprio a tarefa de proteger os Ameríndios, catequizá-los, criar aldeias para os recolher, defendê-los das garras vorazes dos colonos brancos. Espírito desprendido dos bens materiais, prescindiu do ordenado que lhe era conferido na qualidade de pregador régio para com ele subsidiar a obra. A provisão de 17 de outubro de 1653, favorável à causa da liberdade dos Índios, suscitou o imediato desagrado entre os colonos que teimavam em não reconhecer aos jesuítas outros direitos que não fossem os de ordem espiritual.
            Na solidão do denso Amazonas, Vieira ia retomando, nos poucos momentos de lazer que a piedosa faina lhe concedia, a leitura de textos sagrados. Mergulhado no sonho utópico do Quinto Império, que aflorara nas páginas da sua História do Futuro, lançava-se na criação de outros escritos proféticos que iriam, mais tarde, causar-lhe amargos dissabores por parte do Santo Ofício.
            Em novembro de 1654, Vieira chegava a Portugal, após uma curta estada nos Açores, e regressava pouco depois ao Brasil.
            Com o falecimento de D. João IV em 1656, o jesuíta perdia não só o protetor de todos os momentos, cuja indulgência lhe evitara a expulsão da Companhia em 1649, como também o prestígio disfrutado nos meandros da corte. Em setembro de 1661, após uma revolta dos habitantes do Maranhão, foi forçado a recolher-se ao Pará e pouco depois preso e enviado para Portugal. Sem brilho, amargurado, aparentemente vencido, foi o único jesuíta a quem em, 1663, o rei negou autorização para voltar ao Brasil: «... excepto o Padre António Vieira, por não convir ao meu serviço que volte àquele Estado».
            António Vieira veio encontrar um país vacilante cujos destinos, ardilosamente enredados pelo astucioso Conde de Castelo Melhor, se anteviam pouco promissores. Só, desamparado e contrário à causa de Afonso VI, o jesuíta estava agora inteiramente à mercê do santo Ofício. Invocando as Esperanças de Portugal, escrito que Vieira dirigira ao Bispo do Japão e onde profetizava a ressurreição de D. João IV, obreiro do Quinto Império português no mundo, o Tribunal apressou-se a exercer sobre ele as inevitáveis represálias. As suas atitudes intransigentes face ao problema dos judeus foram também habilmente exploradas.
            Após o desterro no Porto e julgamentos humilhantes, a Inquisição encerrou-o num cárcere frio e húmido de Coimbra a 1 de outubro de 1665. É então que se entrega com todo o afinco à sua Defesa perante o Tribunal do Santo Ofício.
            A sentença foi proferida em dezembro de 1667. Condenado à reclusão e sem a possibilidade de pregar, restava-lhe a companhia da Bíblia e do breviário. Tolhido o movimento mas liberto o espírito, Vieira aproveitou o silêncio do cativeiro para se devotar às suas congeminações quiméricas.
            No ano seguinte, D. Afonso VI foi deposto pelas Cortes. A nova regência, confiada ao irmão, trouxe como consequência a absolvição de Vieira. Descoroçoado, porém, perante a situação desfavorável criada na corte pelos seus inúmeros inimigos, e também pela ostensiva indiferença de D. Pedro II, partiu para Itália em 1669 em missão da Companhia. Em Roma aguardava-o o sucesso. Nomeado pregador e confessor da rainha Cristina da Suécia, lançava do púlpito poderosos torrenciais de eloquência às massas aturdidas de admiração. O problema dos Cristãos-Novos continuava a merecer-lhe o entusiástico empenho de sempre. Colaborou em Notícias Recônditas do Modo de Proceder da Inquisição, relato das injustiças e crueldades aplicadas às vítimas do Santo Ofício em Portugal, que causou grande escândalo em toda a Europa. Conseguiu então que o Papa Clemente X emitisse um Breve em outubro de 1674, pelo qual ficaram suspensos os processos inquisitoriais em Portugal. D. Pedro II, despeitado porém pela imposição papal, que prescindia deste modo da prévia consulta régia, e por outro lado receoso da reacção popular que fanaticamente mais uma vez se iria insurgir contra os Cristãos-Novos, apressou-se a pronunciar-se contra toda e qualquer reforma em benefício da «gente da nação».
            Também o seu plano para a fundação de uma Companhia Mercantil para a Índia (à semelhança da Companhia Geral do Comércio do Brasil), na qual a maior parte do capital seria proveniente de cristãos-novos, sob condição de insenção de fisco, esbarrou contra a tenaz oposição do reino. Foi então que os Judeus, desiludidos com a marcha dos acontecimentos, renunciaram ao «perdão geral» que antes tinham solicitado ao Papa, limitando-se por ora a um mero pedido de mudança de métodos do Santo Ofício português. Nessa altura escreveu Vieira o Desengano Católico sobre a Causa de Nação Hebreia.
            Durante a estadia de cerca de seis meses em Roma lutou ainda debalde pela revisão do seu processo. Em contrapartida, quando em 1675 regressou à pátria por ordem expressa de D. Pedro II, levava com ele um Breve do Pontífice que lhe dava a reconfortante garantia de jamais vir a ficar sob a alçada da voraz inquisição portuguesa.
            Foram de sofrimento os últimos anos que passou em Portugal, num ambiente mesquinho que nada mudara e em que triunfavam apenas os malabaristas da intriga, da calúnia e da intolerância. A pretexto de problemas de saúde, Vieira regressou para sempre ao Brasil em 1681.
            Na Quinta do Tanque, perto do Colégio da Baía, encontrou a paz e a serenidade que lhe permitiram dedicar-se à paciente tarefa de reconstituição dos seus Sermões, já antes iniciada em Lisboa com o aparecimento em 1679 do primeiro volume. Nomeado aos 80 anos Visitador das missões pelo Geral da Companhia, foi nessa altura residir para o Colégio da Baía. Após o mandato, regressou em 1691 à Quinta do Tanque, onde decorreram os derradeiros anos da sua vida, entre os manuscritos dos Sermões que ia enviando para o prelo, e a elaboração da Clavis Prophetarum que não chegou a concluir.
            A correspondência com os amigos que deixara em Portugal (na qual figura uma circular de despedida enviada em 1694) proporcionava-lhe ainda a ilusão de contacto com os problemas da sua pátria, à qual dedicou sempre um amor inalterável feito de ternura, desalento, desesperança e revolta.
            Entretanto, o lutador que havia em si continuava a imiscuir-se nos mais variados problemas locais. Mais uma vez teve ensejo de intervir na eterna questão de direito à liberdade que reivindicava para os Índios, quando os paulistas os reclamavam para a exploração das minas de ouro.
            De resto, a Aventura que constituiu toda a vida do Padre António Vieira reservara-lhe ainda o duro vexame de acusação do assassinato do Alcaide-mor (ocorrido em 1683 na Baía), de conivência com o seu irmão Bernardo Vieira Ravasco, então Secretário de Estado. O processo só terminou passados quatro anos, com a absolvição de ambos os acusados.
            Não obstante a extrema idade e a invalidez que lhe sobreveio após uma queda, guardou até ao termo da sua vida a frescura de espírito, a rara lucidez, o domínio, enfim, da palavra e do pensamento que sempre o caracterizaram.
            Morreu com a idade avançada de 89 anos em julho de 1697 no Colégio da Baía, e com ele uma arte inimitável patenteada sobretudo nos seus célebres Sermões.

domingo, 13 de novembro de 2011

Contexto histórico e cultural do Barroco

1. O desastre de Alcácer Quibir

         Conta-nos António Sérgio, na Breve Interpretação da História de Portugal, que o «infante D. João, filho de D. João III, morreu em 1554, três anos antes do monarca. Seu filho póstumo, D. Sebastião (o Desejado), sucedeu no trono a D. João III, sob a regência da avó, D. Catarina, que em 1562 se retirou para Espanha, deixando na regência o cardeal D. Henrique. O reizito, em 1568, foi declarado maior pelas Cortes. Este rapazola tresloucado foi convencido por alguns fanáticos a fazer-se paladino da fé católica contra o Protestante e o Maometano. Por isso apercebeu uma armada que fosse em auxílio de Carlos IX quando se preparou, com o cardeal Alexandrino, a matança de S. Bartolomeu; e por isso se abalançou a conquistar Marrocos, contra o conselho sensato dos mais experimentados capitães. Reuniu em Lisboa um exército aparatoso, que acampou em tendas de seda, vestindo luxuosamente, bebendo, cantando, "fazendo desonestidades". Chegado à África, cumulou erro sobre erro, com desespero dos capitães, que pensaram em prender o tonto. No dia da batalha (Alcácer Quibir, 4 de agosto de 1578), mandou que ninguém se mexesse sem ordem sua, mas esqueceu-se de dar a ordem. O exército inimigo, formado em crescente, envolveu a pequena hoste, e submergiu-a. Foi um desastre completo, que, sabido no reino, o aniquilou de espanto e dor» (Sérgio, 1981: 103-104).
            Como D. Sebastião morre sem deixar herdeiro, sobe ao trono o cardeal D. Henrique, seu tio, «caquético de 66 anos, alimentado aos peitos de uma ama; sete pretendentes à sucessão, entre os quais Filipe II de Castela, que tinha a vantagem decisiva da força: a força do ferro e a força do ouro, gasto habilidosamente pelo seu enviado Cristóvão de Moura. Opôs-se-lhe, antes, a eloquência patriótica de Febo Moniz; depois, a audácia de D. António, prior do Crato, proclamado rei em Santarém. O duque de Alba invadiu Portugal pelo Alentejo, ao passo que a esquadra castelhana se dirigia para Lisboa; e perto da cidade, em Alcântara, varreu facilimamente a tropa de D. António. Este fugiu para a França, e Filipe II foi proclamado rei (Agosto de 1580).» (Ibidem)


2. A hegemonia espanhola
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          1580 é muito mais um ponto de chegada do que um ponto de partida: não será excessivo dizer-se que consagra dinasticamente a viragem de estrutura de meados do século. Então, com efeito, os Portugueses abandonaram vários dos presídios-portos marroquinos, o ouro da Mina deixou de dar os lucros que até aí dava, e acentuou-se a recuperação dos tratos levantinos, concorrentes da rota do Cabo; em contrapartida, lançara-se a ascensão do açúcar de S. Tomé e do Brasil, indo este dominar o mercado mundial durante um século. Deste modo, o império, conquanto permaneça oriental, por um lado, torna-se sul-atlântico, por outro, Angola serve, a partir do último quartel de Quinhentos, de reservatório de escravos para as fazendas e engenhos de além-Atlântico. Enquanto o afluxo em massa de prata mexicano-peruana a Sevilha favorece o renovo mediterrâneo e firma a hegemonia espanhola  -  a prata da Europa Central e Oriental entra em declínio  -, a rota do Cabo absorve quantidades crescentes desse metal precioso, quer para a compra da pimenta quer para o comércio da China: o mundo vai ser inundado pelos reales. Assim, a ligação de Lisboa com Antuérpia enfraquece, do mesmo passo que se estreitam os laços com os empórios andaluzes e outros mercados na própria Península.


3. O domínio filipino e as desilusões da nobreza
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          Nos primeiros quarenta anos do domínio filipino, a união das coroas permitiu vencer a crise financeira em que Alcácer Quibir e a conjuntura de então lançara a nobreza portuguesa, pois os Estados reforçaram-se mutuamente quanto a segurança e finanças públicas. Além disso, essa união abria aos fidalgos e a cavaleiros portugueses perspectivas de ascensão e melhoria de estado graças aos campos de serviço em grande parte da Europa - e muitos não deixaram de as aproveitar, mesmo se para final de certo modo compulsoriamente (pretendia Olivares afastá-los da mãe-pátria). Continuarão vários deles, consumado 1640, a servir o monarca espanhol, e mesmo para Espanha fugirão ainda outros nessa altura. Por outro lado, todavia, o prosseguimento do regime filipino não pôde deixar de trazer amargas desilusões a vários nobres: a corte nunca chegou a estanciar duradouramente em Lisboa, e portanto havia que ir a Madrid requerer mercês, buscar desagravos; apoiar pretensões; a ausência da corte régia escamoteava uma boa parte da existência fidalga e cavalheiresca, não permitia participar de perto na condução dos negócios públicos, anulava ensejos de convívio e ostentação, inibia actividades de criação literária, teatral e artística. Como mostrou Oliveira França, a nobreza ruraliza-se, torna-se provincial - e provinciana -, é a época das «cortes na aldeia» (Rodrigues Lobo), e a própria moda da poesia bucólica reflecte e exprime tal configuração geográfico-social. A corte dos Braganças é em Vila Viçosa, nem sequer numa cidade de província. Acanhados em horizontes campestres, fidalgos e cavaleiros sentem-se frustrados, quando muito, rememoram através da poesia épica também em voga as passadas glórias. Para muitos não se rasgam perspectivas, é a frustração e o viver moroso, ou a inquietação insatisfeita mas sem pontos de mira; quantos não se sentem falhados.
          Mentalidade barroca, que anseia pelo fausto e pela exibição, nos círculos nobres como nos religiosos - uma religião de exuberância decorativa, aquietando-se nos ritos de subterrâneas inquietações, satisfazendo-se na exterioridade de uma insatisfeita interioridade. Religião em que a milícia de cruzada - sentido primitivo da companhia - cedeu o passo à sociedade organizada política e economicamente, transformada em potência que trafica na prata do Japão e seda da China e domina vastas áreas da América do Sul, Estado dentro do estado. Ao mesmo tempo, todas as ordens religiosas multiplicam os seus institutos e enriquecem os seus bens, o peso da organização eclesiástica sobre a sociedade civil é cada vez maior.
        Vitorino Magalhães Godinho, Ensaios



4. A repressão do Estado e da Inquisição
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          Dominante, dentro da Península, o grupo senhorial monopoliza inteiramente o Estado, de que faz parte, coisa sua. O rei abandona o seu papel tradicional de árbitro entre as diversas forças nacionais. O Estado torna-se absorvente, destrói as minorias, sejam elas os lavradores vilãos e livres, os hebreus ou os «mouriscos», impõe uma vigorosa disciplina ideológica, esmagando todas as dissidências e oposições e regressando à ideologia tradicional da grande época do feudalismo. Quando estala a grande revolução da Reforma, os dois impérios da Espanha alinham decididamente, passadas as primeiras hesitações, ao lado dos que preconizam a restauração da Igreja medieval, sem compromisso com os reformados. Com o agravamento das suas dificuldades aumenta inevitavelmente a repressão dos grupos dissidentes cujas raízes, todavia, mergulhando nas novas condições económicas, não podiam ser destruídas. (...)
          Tudo quanto constituía apanágio do Humanismo, a humanização da religião, a divulgação directa da palavra evangélica, a reabilitação da natureza, a crítica anticlerical, foi reprimido pela censura inquisitorial portuguesa.
António José Saraiva, A Inquisição Portuguesa



5. A decadência
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          O século XVII foi uma etapa decisiva no caminho do pensamento e da ciência moderna. É o século de Galileu, de Descartes, de Pascal, de Espinosa, de Bacon, de Newton. Foi também um tempo de esplendor para as letras e para as artes; grandes obras-primas foram pintadas ou escritas entre 1600 e 1700: quadros de Rembrandt, Van Dyck, Velázquez, teatro de Shakespeare, Cervantes, Corneille, Molière, Racine. A esse período excepcionalmente criador e brilhante corresponde em Portugal uma época apagada.
          Dentre os maiores nomes europeus, alguns têm relação com Portugal. Espinosa era filho de um judeu português que a Inquisição obrigou a fugir para a Holanda; Velázquez era filho de um homem do Porto que teve de ir procurar trabalho em Sevilha. São meras casualidades, mas que apontam duas das causas fundamentais da decadência: a repressão inquisitorial, com o isolamento e paralisação das iniciativas culturais que provocou, e a crise económica e política que culminou com a perda da independência em 1580 e que conduziu a uma situação de depressão e de desânimo incompatível com o brilho das letras e das artes.


6. O ensino dos Jesuítas
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          A acção dos Jesuítas foi fundamental durante todo o século XVI português. Foram eles que promoveram o ensino e que fomentaram quase toda a actividade cultural quem, apesar de tudo, se verificou. É um dos muitos aspectos que estabelecem contraste entre a obra da Companhia de Jesus e a da Inquisição: esta quis impedir a cultura, aquela tentou fomentá-la. Isso resultava do próprio fim para que tinha sido criada: para combater as ideias da Reforma. Em todos os países em que se instalaram, os Jesuítas chamaram a si o ensino e exerceram-no com grande eficiência. Em Portugal funcionaram colégios em Lisboa (o actual Hospital de S. José funciona no edifício do Colégio de Santo Antão; para esquecer isso, o Marquês de Pombal mudou o nome e escolheu o do rei), Évora, Braga, Bragança, Angra, Funchal, Faro, Portalegre, Ponta Delgada, Santarém, Porto, Elvas, Horta, Setúbal, Portimão, Beja, Pernes, Vila Viçosa, e houve vários outros no Brasil, África e Índia. Foi essa a primeira cobertura geral do território por uma organização de ensino de nível secundário. Os livros de estudo foram cuidadosamente preparados; os mais bem organizados compêndios didáticos até hoje produzidos em Portugal são os grossos in-fólios do Curso Conimbricense. Reunia-se aí todo o saber ortodoxo, isto é, o saber que no ambiente da Contra-Reforma se considerava harmónico com as verdades da fé. Esses livros, redigidos em latim, foram a base do ensino até ao tempo de Pombal, que lhes proibiu o uso.


7. O patriotismo e a História

          Não existia apenas a censura religiosa da Inquisição, mas também a censura política do governo espanhol, que reprimia tudo o que pudesse representar expressão do sentimento patriótico. O patriotismo refugiou-se, então, entre a gente culta, nas letras e, em especial, na história. Uma das formas menos arriscadas de ser patriota era ler Os Lusíadas; o grande poema foi a obra mais lida em todo o século XVII; entre 1580 e 1640 editaram-se vinte e quatro vezes as obras de Camões. O passado servia de compensação ao presente, e verificou-se uma espécie de êxodo para a história. Sem excepção, todos os escritores procuraram temas para a prosa nos tempos passados. O mais importante monumento que ficou desse gosto pela história foi a Monarquia Lusitana, constituída por oito partes, que foram publicadas ao longo de todo o século, entre 1597 e 1729. É a primeira grande História de Portugal, depois da Crónica Geral do Reino que Fernão Lopes compôs na primeira metade do século XV; as partes mais notáveis foram as escritas por Frei António Brandão, que tinha verdadeiro estofo de historiador e a quem se deve boa parte do que hoje se sabe dos primeiros reinados.


8. Templos, talha, azulejo

          As belas-artes foram pobres. A maior parte dos edifícios da  época foi construída pelos Jesuítas, o que já levou a falar-se num estilo jesuítico. O que não há dúvida é que o espírito da Companhia de Jesus marcou grandemente a arquitectura religiosa do século XVII em Portugal.
          A igreja é concebida como um grande auditório, uma enorme sala de aula. A lição é o sermão, e tudo se dispõe de forma que a figura do pregador seja vista e a sua voz ouvida de toda a parte. Desaparecem as colunas interiores, as grandes reentrâncias, e saliências, que, com o seu movimento e força, tinham marcado a arte do período anterior. As fachadas são lisas, altas, lógicas, e fazem pensar no rigor geométrico da dogmática, na proibição da fantasia, na disciplina vertical. O templo resulta assim de uma severidade fria e desinteressante. Mas essa austeridade não tarda a desaparecer sob a decoração impetuosa do azulejo e da talha, que desempenham nas artes uma função que faz lembrar a que o adagiário popular teve nas letras.
          A azulejeria e a talha são as grandes criações da arte portuguesa no século XVII. Aí não tivemos mestres estrangeiros; os ceramistas e entalhadores eram artistas do povo (de pouquíssimos se conservam os nomes) e a evolução desses géneros reflecte a cultura e o gosto populares com a sua devoção festiva e as reminiscências de arte oriental. Foi no génio popular que se encontrou a resposta para as novas condições da vida nacional; o azulejo substituiu nas paredes das igrejas e dos palácios as caras tapeçarias que dantes vinham da Flandres e da Holanda (as panos de rás) e cuja importação se tornara impossível por causa das guerras que os espanhóis ali travaram durante quase todo o século. Os especialistas falam em azulejos de «tipo tapete» e em «tapeçarias cerâmicas», designações bem significativas. A talha substituiu em grande parte a escultura em pedra (a imaginárias seiscentista é quase toda de madeira e a dos períodos anteriores quase toda de pedra) e substituiu também outros materiais muito caros: o ouro e a prata dourada. Muitos objectos de culto (relicários, sacrários, candelabros, castiçais, estantes de altar), anteriormente feitos de metal, passaram a ser feitos de madeira dourada e trabalhada por modo a parecer de metal. O material é barato e a produção destes ourives marceneiros atinge proporções enormes. O interior dos templos torna-se então magnífico e o ouro da talha, combinado com o azul do azulejo, consegue admiráveis efeitos decorativos. Por ser tão popular e tão português, o êxito desta decoração é imenso e duradouro. Prolonga-se por quase todo o século seguinte e, levado pelos emigrantes, enraíza no Brasil. A Baía é, hoje, a capital da talha portuguesa; em muitos casos, a madeira adoptada foi o castanho. No país do jacarandá, os entalhadores portugueses continuaram a recordar os soutos das suas aldeias.

José Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal


9. O abismo entre a Nobreza e o Povo
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          O espetro da fome encontrava-se no horizonte visual da grande maioria dos homens de então e condicionava os aspectos fundamentais da vida seiscentista, nas suas faces social, política e cultural: o abismo entre as classes privilegiadas e o povo, a latente revolta popular que se exacerbava em momentos de aperto (fomes e preços elevados), não tanto porventura contra a nobreza (à qual cabia, por imposição de um destino inexorável, não só a posse dos bens terrenos, como as esperanças transcendentes), mas contra a avidez do fisco real e dos seus executores.
          Ao invés do que viria a ocorrer na Holanda, na Inglaterra e na França, a expansão marítima e colonial peninsular reforçou o poderio da classe dos grandes detentores da terra. Quaisquer que venham a ser, em última instância, as causas do facto, é incontrovertível que a nobreza hispânica beneficiou com a empresa marítimo-comercial ultramarina, o que lhe permitiu, mesmo iniciada a decadência da hegemonia peninsular, encasular-se nos seus domínios e preparar-se para durar. No século XVII ela alcança o zénite da sua trajectória histórica moderna, o que se poderá comprovar pela pujança da mundividência barroca  -  na literatura, na arte, no pensamento, assim como na arte de viver e de morrer, que, ao nível do devir das civilizações e da conjuntura, individualiza e define tal centúria. Ora, de um ponto de vista de história social, o barroquismo é sinónimo de mundividência aristocrática ou aristocratizante, aliás contaminada e impregnada, na Península, de influência ideológica clerical.
Joel Serrão, As Alterações de Évora

10. A burguesia dos cristãos-novo
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          Dominando a economia comercial, isto é, a economia mercantil do século XVII a burguesia de cristãos-novos exerce um grande peso na política e na administração. É ela que se ocupa das magistraturas municipais. É ela que elabora com os reis os contratos de arrendamento, contratos de cobrança de impostos, que desempenham um papel essencial na organização de certos tráficos, como, por exemplo, o dos escravos.
          É ela que empresta dinheiro ao rei, quer pela criação de companhias de navegação e de comércio, encarregadas da protecção das colónias contra os ataques holandeses ou ingleses, quer simplesmente pela organização de frotas de guerra destinadas a qualquer expedição contra uma fortaleza ou uma companhia ocupada pelo inimigo.
          É ela que, em grande parte, provém para o dote da rainha de Inglaterra e para a paz com a Holanda. É ela que pelas suas relações com todas as colónias judaicas da diáspora europeia pode encontrar os fundos estrangeiros de que Portugal precisa.
          Mas a burguesia dos cristãos-novos não se interessa somente pela ciência económica. Os Judeus eram depositários da ciência muçulmana, isto é, da ciência grega e oriental transmitida pelos Árabes.
          Portugal não é no século XVII o único país a possuir uma burguesia e um grupo de cristãos-novos. Mas o que faz a sua originalidade é a confusão existente, de facto, entre burguês e cristão-novo. Burguesia judaica logo dominada por algumas famílias de grandes negociantes. Mas precisamente por causa deste carácter religioso, a burguesia não pode, como em França ou na Itália, tomar de assalto os títulos, as terras, os ofícios. Tentou fazê-lo antes da Inquisição. Mas, durante a Inquisição, somente uns três grandes burgueses o conseguiram por meio de falsas genealogias compradas a troco de grandes somas e de pretensiosas demonstrações da sua «limpeza de sangue»  -  e sem dúvida depois de várias gerações de «aristocratização» progressiva. A burguesia portuguesa permaneceu, sem dúvida, durante o século XVII, uma burguesia activa de negócios, muito mais do que as outras burguesias mediterrânicas ou europeias. Ela não caiu naquela «traição» de que fala Fernand Braudel, pelo menos porque Portugal é desde início um país marítimo e o desenvolvimento económico do Brasil foi um estímulo para os negócios. A evolução que sofreu no decurso do século não modificou fundamentalmente esta situação.

Frédéric Mauro, Études économiques sur l’Expansion portugaise


11. A Restauração portuguesa

          Em Portugal, como em Espanha, passa-se quase insensivelmente de um ambiente de incipiente Renascença para um ambiente de Contra-Reforma e para o estilo maneirista. No entanto, certas condições peculiares, nomeadamente um sensível desenvolvimento da burguesia durante o século XVII sob o estímulo da colonização brasileira e um tardio reforço do absolutismo e do feudalismo decadente, graças às minas do Brasil sob D. João V, justificariam que reservássemos a designação de Época Barroca para o período de intensa crise política, social e cultural que se processa entre a Restauração e as reformas de Pombal.
          Embora incluída no sistema do império da Casa da Áustria, a realidade portuguesa apresenta alguns caracteres específicos já antes da Restauração.
          Com efeito, a colonização brasileira, o comércio transatlântico do açúcar, do tabaco, do pau-brasil, além do contrabando da prata peruviana, o asiento (ou tráfico de negros africanos para a América do Sul) e a incrementada exportação do sal, sustentaram e desenvolveram a burguesia comercial, ligada a uma rede mundial de comércio constituída por «cristãos-novos» emigrados. Muitas linhagens fidalgas encontram uma solução para as suas dificuldades no cruzamento matrimonial com famílias de cristãos novos, outras no comércio açucareiro. Nos colégios jesuítas, sobretudo no de Santo Antão em Lisboa e no Colégio das Artes de Coimbra, e depois nas universidades, sobretudo na de Coimbra (que desde D. João III perdeu muitos privilégios a favor da de Évora, inteiramente jesuíta, e do Colégio das Artes), muitos filhos da burguesia, em grande parte cristãos-novos, alcançam o acesso à alta convivência, apesar das terríveis revoadas de repressão inquisitorial.
          Com estas circunstâncias, e também com a resistência popular espontânea à castelhanização forçada, se relaciona a produção, em todo o período filipino, de uma intensa literatura oral ou manuscrita, e por vezes impressa, de oposição antifilipina, desde as sátiras clandestinas atribuíveis aos dois Rodrigues Lobo, até aos pasquins eborenses da sublevação rural e urbana do Sul do País em 1637, assinados com o nome de Manuelinho: são coplas, romances, cartas, diálogos, entremezes, actas supostas de câmaras municipais sertanejas, etc. Este género de literatura prolonga-se para além da Restauração, em denúncias constantes das conspirações de certos altos aristocratas e clérigos contra D. João IV, e intervém mais tarde nas intrigas em torno dos comandos militares, da corrupção burocrática, da questão judaica, do golpe de estado de Castelo Melhor, etc. A obra-prima desta literatura panfletária anónima é a Arte de Furtar. Já muito anteriormente corriam as cópias das Trovas de Bandarra, sapateiro de Trancoso condenado pela Inquisição em 1541, que foram interpretadas em sentido messiânico e especialmente sebastianista e anticastelhano, e pela primeira vez impressas em 1644 em Nantes.
          Há outras manifestações de uma certa ascensão da classe média desde fins do século XVI. A exaltação do idioma e a intensificação do seu estudo gramatical, a multiplicação de compêndios de história nacional, de elogio aos antigos reis portugueses, as reedições sucessivas d’Os Lusíadas e das Rimas de Camões, uma série de comentaristas camonianos e de poemas épicos que sucedem desde D. Sebastião, se por vezes reflectem mais particularmente um patético preconceito da linhagem (caso das epopeias), correspondem em geral a um sentimento nacional de resistência, assente principalmente na burguesia comercial e togada, nos grupos urbanos; a isto acrescem o descontentamento geral (à medida que a crise final do regime filipino intensifica a exploração tributária e a mobilização militar), que atinge artífices e camponeses, as esperanças de tolerância futura para a minoria designada com o nome de «Cristãos-Novos», as preocupações da Companhia de Jesus, atingida na sua expansão ultramarina pela Guerra dos Trinta Anos e consequente expansão à custa das possessões portuguesas, e finalmente a desilusão de uma parte da nobreza, preterida na corte madrilena por estrangeiros ou por funcionários de origem menos ilustre e, por isso, mais submissos aos ministros filipinos.
          O historiador Oliveira Marques conta-nos, no entanto, que em Novembro de 1640 «a conspiração dos aristocratas conseguira finalmente o apoio formal do duque de Bragança. Na manhã do Primeiro de Dezembro, um grupo de nobres atacou o palácio real de Lisboa e prendeu a duquesa de Mântua.» D. João de Bragança é aclamado rei, «entrando em Lisboa alguns dias mais tarde. Por quase todo o Portugal metropolitano e ultramarino as notícias da mudança do regime e do juramento de fidelidade ao Bragança foram bem recebidas e obedecidas sem qualquer dúvida. Apenas Ceuta permaneceu fiel à causa de Filipe IV.» A proclamação da independência «fora assim coisa relativamente fácil. Mais difícil seria agora conseguir mantê-la, o que custou vinte e oito anos de luta e provou ser tarefa muito mais árdua» (Marques, 1980: 440).
          Os Portugueses de 1640, tal como em 1580, estavam longe de ser unidos: «Se as classes inferiores conservavam intacta a fé nacionalista e aderiram a D. João IV sem sombra de dúvida, já a nobreza, muitas vezes com laços familiares em Espanha, hesitou e só parte dela (de onde havia provindo o núcleo revolucionário) alinhou firmemente com o duque de Bragança.» (Ibidem: 441-442). Muitos nobres conservavam-se em posição duvidosa, «outros esperaram algum tempo até se decidirem, outros ainda continuariam a servir Filipe IV, sendo recompensados com títulos e dignidades (três nobres portugueses foram governadores dos Países Baixos e um deles foi vice-rei da Sicília depois de 1640)» (Ibidem: 442). A maior parte dos burocratas apoiou D. João IV, «tornando-se seus secretários e propagandistas. Todavia, alguns escolheram a causa de Espanha e alinharam como conspiradores contra o novo regime. Quanto aos burgueses, a grande maioria não participou no movimento separatista e foi apanhada de surpresa. A sua atitude depois de 1640 mostrou-se, geralmente, de expectativa neutral. Muitos mercadores e capitalistas estavam metidos em negócios em Espanha, possuindo aí, ou no Império Espanhol, boa parte dos seus bens. Outro grupo, porém, com um núcleo importante de cristãos-novos e conexões de relevo fora da Península Ibérica – na Holanda e na Alemanha sobretudo – apoiou a revolução e ajudou a financiá-la. É que os negócios deste grupo dependiam muito mais do tráfico atlântico (Brasil) e do tráfico com a Europa Ocidental e Setentrional» (Ibidem: 442)


12. As minas do Brasil e o apogeu do Barroco em Portugal

          A descoberta do ouro e dos diamantes do Brasil, o incremento das exportações de vinhos (estabilizadas pelo tratado de Methuen em 1703) adiam de novo o problema económico e social, propiciam o prolongamento e reajuste das formas barrocas em Portugal. No tempo de D. João V, com efeito, o ouro brasileiro repete os efeitos das especiarias de Quinhentos: a indústria, ainda mesteiral, definha (excepto em certos ramos sumptuários), no movimento comercial externo destaca-se a exportação visível do ouro, como moeda cunhada ou por interpole (contrabando); emigram massas enormes de artífices e camponeses, sobretudo nortenhos; a burguesia prefere dedicar-se ao contrabando, aos contratos fiscais, ao comércio externo, ao funcionalismo e às profissões liberais; o orgulho de classe da aristocracia exacerba-se, enchendo os conventos de mulheres sem casamento condigno, o que relaxa e mundaniza a disciplina monástica; enchem-se as rodas de «expostos» (enjeitados), e as portarias conventuais ou senhoriais nos dias de esmola ou do caldo; a escolástica jesuíta repele transigências que ainda tinha em 1630 com a mecânica, e torna-se sebenteira.
          Há a orgia do espectaculoso, dos efeitos artísticos redundantes e cumulativos; a ópera de Metastásio, profusa de coros, bastidores e «tramóias»; a arquitectura imponente e recheada inteiramente de talha ou mármores variegados; procissões espaventosas, principalmente as de Corpus Christi, em que figuram inclusivamente alegorias mitológicas; recepções solenes, faustosíssimas, de embaixadores ou de prelados; autos-de-fé copiosos, com a pompa tradicional; touradas intérminas; coches monumentais.
          Publica-se então o mais extenso cancioneiro do barroquismo versejante, a Fénix Renascida, que depois será antologizada e actualizada sob o título de Postilhão de Apolo. Os títulos dos livros são muito longos e pomposos. Em 1720 cria-se a Academia Real das Ciências, que, pelo culto da documentação, progride a historiografia seiscentista, mas reproduz na erudição a mesma ansiedade do monumental que D. João V herdou de Luís XIV.
          Por outro lado, na medicina, na balística, na engenharia, na cartografia, na astronomia, na mineração, na pedagogia, como na arquitectura, na pintura, na música orquestral ou vocal, na cenografia, D. João V precisa de mandar vir estrangeiros, de consultar portugueses estrangeirados (incluindo cristãos-novos), precisa mesmo de enviar portugueses a industriar-se no estrangeiro. Oratorianos e Teatinos, mais condescendes com o espírito científico das sociedades então aburguesadas, quebram o monopólio do ensino jesuíta. Pelas fendas que se abrem nas necessidades mais clamorosas, penetra o ar de uma mentalidade antiescolástica e antibarroca. Põe-se agudamente o problema de como educar de modo mais útil a classe dirigente. A baixa na extracção do ouro e noutros produtos coloniais, que se acentuará na 1.ª metade do século XVIII, torna urgente um programa de fomento mercantilista.
          Alguns homens mais actualizados, como Martinho de Mendonça Pina e Proença, D. Luís da Cunha, Diogo de Mendonça Corte Real, Alexandre de Gusmão, Ribeiro Sanches, Verney e outros, esboçam já no reinado de D. João V o programa que o marquês de Pombal tentará levar a cabo.
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