Este poema é constituído por três
quintilhas em versos de redondilha maior, com rima emparelhada, interpolada e
cruzada (imperfeita), de acordo com o esquema rimático abaab.
O tema da composição é a dor de
pensar.
Na 1.ª estrofe, são-nos
apresentados a lavadeira e o seu canto. A mulher está a lavar roupa num tanque,
batendo com ela na pedra para que fique bem lavada, bem limpa.
Em simultâneo, canta, o que revela a
sua alegria e felicidade. Contudo, na visão do sujeito poético, ela “Canta
porque canta”, ou seja, canta mas não tem razões para o fazer. Por outro lado, “canta
porque existe”, quer dizer, canta porque não pensa, não reflete sobre a sua
vida nem sobre as razões por que canta, visto que é inconsciente.
O facto de ser inconsciente faz com
que, para o sujeito poético, a lavadeira seja triste. Dado que não tem
consciência das coisas, da sua vida, ela é triste (“canta porque existe”). Isto
significa que, na perspetiva do «eu», as pessoas que não pensam são seres
inferiores aos racionais e, na realidade, não são felizes. Porquê? Para ele,
como a lavadeira é inconsciente, é incapaz de ter consciência da sua pretensa
felicidade, pelo que não é verdadeiramente feliz.
Paradoxalmente, o sujeito afirma,
porém, que a lavadeira é, ao mesmo tempo, triste e alegre, dado que a sua
inconsciência lhe permite libertar-se da dor de pensar que o atormenta. Ou
seja, a lavadeira é alegre e feliz, porque é inconsciente e, assim, não é
atormentada pela dor de pensar; pelo contrário, deduz-se que o «eu» é infeliz,
porque consciente. O paradoxo reside aqui: a felicidade supõe consciência (para
ser feliz, o sujeito necessita de ter consciência de que o é), contudo a
consciência anula a felicidade.
Na segunda estrofe, a contemplação
da lavadeira leva o sujeito poético a desejar lavar os seus versos (metáfora),
à semelhança do que ela faz com a roupa. Neste contexto, “lavar os versos”
significa libertá-los (= libertar-se a si próprio) da dor de pensar e da
angústia que dela decorre.
Deste modo, se o desejo do «eu» se
concretizasse, tal faria com que o sujeito lírico perdesse os seus “destinos
diversos”, ou seja, a fragmentação que o caracteriza. Dito de outra forma, o
objetivo último desse desejo seria alcançar a unidade e deixar de ser/se sentir
fragmentado.
Na terceira e última quintilha,
o sujeito poético clarifica a unidade a que se refere: a ausência de
fragmentação da lavadeira, que advém da sua inconsciência. De facto, a mulher
realiza uma atividade mecânica (bater / lavar a roupa no tanque), a qual não
implica qualquer tipo de reflexão, o que lhe permite viver na realidade, isto
é, ela não reflete sobre a existência em geral nem tem consciência de si própria.
Se é verdade que a sua inconsciência, a ausência de racionalidade a torna, aos
olhos do sujeito poético, um ser inferior, não o é menos que essa inconsciência
lhe permite ser una (vv. 11 a 14).
De facto, apesar de o sujeito poético
se considerar superior à lavadeira ‑ porque é um ser racional e consciente, ao
contrário dela, que é inconsciente ‑, a verdade é que a omnipresença da razão o
impede de ser uno e, pelo contrário, o fragmenta.
O verso 15, com que finaliza o poema,
em forma de interrogação retórica, evidencia o desejo de o sujeito
poético se libertar de um ato reflexivo que lhe causa grande dor e sofrimento.
Pelo contrário, ele deixaria de intelectualizar as suas emoções e de se
fragmentar permanentemente: “Quem me lava o coração?” (v. 15).