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terça-feira, 24 de setembro de 2024

Contexto social e político dos finais do século XIX e início do século XX no Brasil

Contexto social e político 

    Nos finais do século XIX e inícios do século XX, começa o Realismo no Brasil. O ambiente é de decadência social, de instabilidade política e social, em que surge um novo quadro: as classes médias urbanas, que se pautavam pela instabilidade e novos anseios.
    Tínhamos, por um lado, ideias liberais, abolicionistas e republicanas e ainda influências do pensamento europeu com o positivismo e evolucionismo.
    Todas as ideias vindas da Europa provocam uma alteração do quadro social e dos costumes. Começa a haver uma mescla de culturas no Brasil (característica da própria fundação), devido à densa emigração que se fazia para esse país.
    Em Portugal, vivia-se uma crise económica, por isso as pessoas emigravam para o Brasil, provocando uma alteração na sociedade e uma mescla de culturas. Daí o Brasil ter ainda hoje uma grande gama e diversidade de etnias.


Contexto literário

    O contexto social e político exerce grande influência no contexto literário. Os ideais liberais da classe média urbana, sobretudo os ideais políticos, as ideias positivistas e deterministas são importantes na conceção do romance realista.
    Assim, surgem características fundamentais no contexto literário:
  1. Oposição ao excesso sentimental do Romantismo.
  2. Aproximação do autor daquilo que narra, mas menos intensa no sentido da objetividade.
  3. Certo desencanto: todo o Realismo se pauta pelo desencanto, que já aparecia na obra Memórias.
    Na ficção, os romances de costumes impõem-se e, de certo modo, Memórias também era um romance de costumes, ao contrário de Senhora.
    O romance de costumes é típico do Realismo, logo há um aprofundamento dos costumes da época, em que o autor vivia. No Romantismo, tomavam-se temas distantes no tempo (ex.: Iracema).
    O Realismo pauta-se pelo estudo da realidade atual. No Realismo, os costumes são:
        - processo de ascensão da burguesia: surgem valores como a falsidade;
        - vida social e pública (aspetos negativos);
        - contraste da vida íntima, principalmente a aparência (o que se mostra e o que é na realidade).
    Estes são três tópicos importantes na análise de costumes da ficção realista. Para este estudo, procuram-se causas, quer naturais (clima e raça), quer culturais (educação). Grande parte dos processos têm origem na educação e no meio em que se insere a personagem. Passa-se de uma idealização típica do Romantismo para o domínio dos factos / factualidade tipicamente realista.
    A nível da estrutura, o romance realista tem características especiais:
  1. Diferente relação que se estabelece entre o escritor e a obra, que se pauta pela objetividade.
  2. Distanciamento do fulcro subjetivo.
  3. Aceitação da realidade tal como é percebida e não idealizada, como se observava no Romantismo.
  4. Recorrência ao tipo e à situação típica (já patente em Memórias). Bosi diz que o uso da situação típica é uma conquista do Realismo.
  5. Estruturação impessoal, que está relacionada com a aproximação do narrador à obra, apresentação de tipos, etc. Desta estruturação impessoal resulta um certo fatalismo e desencanto.
  6. Espera-se maior lógica na organização dos episódios. Se se pretende analisar o comportamento da personagem, ela tem que ser acompanhada continuamente. A situação de causa-efeito vai ser utilizada no Realismo de modo diferente: expõe-se uma tese e tenta comprovar-se. Mas o processo e os resultados são diferentes no Realismo. Há um certo determinismo no trabalhar das personagens. A causa-efeito que existe no Realismo é enformada pelo determinismo, que não aconteceria no Realismo.
  7. Maior rigor e objetividade na construção.
    Realismo e Naturalismo -» romance
    
    Parnasianismo -» poesia

    As características do realismo encontram-se também no Naturalismo. Este movimento separa-se do Realismo quando se submetem as personagens à lei natural, a um determinismo. Ambas as escolas literárias se ligam ao romance, enquanto o Parnasianismo se liga a uma poesia que cai na técnica de aperfeiçoamento técnico e estético. Há a procura da objetividade e rigor. De tal modo se procura a objetividade técnica e estética, que se cai no Parnasianismo.

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

O Realismo na literatura brasileira

    Em Portugal, a ideologia subjacente é marcada pelo:
    => Irreligiosismo: agrada-lhes uma religião sem dogmas, de cunho panteísta. Assumem atitudes marcadamente anticlericais.
    => Inconformismo com a tradição: acreditam que a consciência humana não mais se importará com os entraves que lhe opunha outrora a sociedade absolutista, burguesa e feudal.
    => Supremacia da verdade física: as verdades metafísicas e morais são relegadas para o mundo das conjeturas.
    => Novas teorias filosóficas: a Geração de 70 estuda com avidez:
            - o idealismo de Hegel;
            - o socialismo de Proudhon;
            - o positivismo de Comte, etc.

    A estética literária tem as seguintes características:
    => Conteúdo ideológico profundo: a literatura devia inspirar-se nas correntes filosóficas e sociológicas modernas para exprimir a real problemática do homem da época.
    => Impassibilidade na análise do real: reage contra o idealismo e as atitudes emocionais enfáticas e hiperbólicas dos românticos e advoga a análise, síntese e exposição da realidade, com neutralidade de coração. Não dará nomes belos ao que é imoral e baixo, nem encobrirá as reais consequências do crime.
    => Crítica social e de costumes: olhavam o passado como estéril. Os realistas descobrem e atacam a imoralidade e os maus costumes. Esforçam-se por relacionar as causas (biológicas, sociais) do comportamento das personagens do romance com o tipo desse mesmo comportamento.
    => Técnica narrativa e descritiva perfeita: descrevem e narram de maneira que a obra literária não seja mais que um puro reflexo da realidade. Os escritores usam:
            - expressão simples
            - tom desafetado

    No caso do Brasil, no período do Romantismo, com José de Alencar e M. A. de Almeida, tínhamos a ficção: o romance fisiológico e de costumes. Esta narração dos costumes marcou o início do século XIX, porém, as coisas modificam-se e começa a notar-se a penetração de falsos valores.
    No Romantismo, havia um grande nível de idealização e com o Realismo esses véus idealizantes retomam tudo o que estava mal: na sociedade, na família, a nível político, económico e social.
    Para explicar o que estava mal, procuram causas: naturais (raça e clima) e sociais (meio e educação). O objetivo do Realismo era descobrir a verdade, através das causas que explicam um certo comportamento. Vão analisar os comportamentos, tentando descobrir as causas.
    Bosi (pg. 188) refere algumas afirmações de realistas franceses que mostram uma certa poética do Realismo:
  1. Flaubert: "Esforço-me por entrar no espartilho e seguir uma linha reta geométrica: nenhum lirismo, nada de reflexões, ausente a personalidade do autor."
  2. Jules e Edmond Concourt: "Hoje, quando o romance cresce e se amplia, quando começa a ser a grande forma séria, apaixonada, vida, do estudo literário e da pesquisa social, quando ele se torna pela análise e pela sondagem psicológica a história moral e contemporânea; hoje, quando o romance impôs a si mesmo os estudos e os deveres da ciência, ele pode reivindicar-lhes as liberdades e a franqueza."
    Estas afirmações são importantes para se observar como se entendia o Realismo na Europa.
    Tópicos principais destas citações:
        - conhecimento objetivo;
        - função do romance realista: este, mais que forma literária, é também histórica de costumes e análise social. Assim, as duas linhas de pensamento realista são:
                - procura da verdade;
                - análise de costumes.
    Muitos destes princípios vão ser mais desenvolvidos pelo movimento posterior: o Naturalismo, escola que se segue ao Realismo e leva certos aspetos ao exagero. Uma obra pertencente ao Realismo é O Cortiço, de Aluísio de Azevedo.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

O Romantismo no Brasil


     Em finais do século XVIII e princípio do XIX, houve uma série de fatores sociais que provocaram uma nova forma de escrever com novos valores: Revolução Francesa, Revolução Industrial, que vai originar a ascensão da burguesia. Foram factos que marcaram uma época e uma nova maneira de pensar, que se vai contrapor ao Classicismo. Por exemplo, à fixação de regras contrapõe-se o espírito criativo do escritor.
    A nível social, dá-se o desenvolvimento de certas classes a par da queda de outras: ascende a burguesia e decai a nobreza. Temos ainda outras classes sociais, como o campesinato, a classe operária, que vai influenciar a geografia e o modo de vida nas cidades como São Paulo e o Rio de Janeiro. E conforme se definem as classes, assim surgem novas formas de pensar:
        = a nobreza vive em função de um sentimento de saudade do que perdera;
        = a burguesia surge como uma visão eufórica do que havia adquirido (uma nova liberdade);
        = o operariado tem uma visão de existência inquieta e de liberdade;
        = o campesinato mantém uma atitude inconsciente, sem se aperceber das modificações que se vão operando.
    Concretamente no Brasil, no século XIX as coisas não eram como tinham sido nos séculos anteriores. Com a independência, as ligações com a metrópole desaparecem, mas mantêm as estruturas que tinham a nível agrícola, social e económico: predomínio dos grandes latifúndios, escravatura e uma economia baseada na exportação. Os latifúndios eram importantes, porque representavam o poder dos grandes senhores que cultivavam a terra mediante a força de trabalho negra. O país não podia desenvolver-se porque tudo era exportado e nada revertia a favor do país.
    Apesar de se ter manifestado antes, é com a independência que o Romantismo se vai constituir e desenvolver. Eram essencialmente os filhos destes grandes latifundiários que procuravam as grandes cidades brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Baía) ou portuguesas (Lisboa, Coimbra) para receberem uma instrução mais profunda, como é o caso de José Alencar. Com efeito, sendo a costa brasileira tão extensa e irregular, ela apresenta pontos que se aproximam mais de Portugal, o que leva alguns poetas e escritores a optarem por Lisboa para se enriquecerem culturalmente, por ser mais perto. Além dos filhos dos grandes senhores, também outros procuravam instrução: filhos de comerciantes e profissionais liberais (ex.: Gonçalves Dias e Castro Alves); e de pessoas mais humildes (ex.: Manuel António de Almeida, que teve de lutar muito para conquistar um lugar na literatura brasileira). Estes três tipos de sociedade respondem às questões mundiais da mesma forma que os europeus.
    Como um dos temas do Romantismo era a procura do passado, José Alencar e G. Dias sentem a necessidade de fundamentar a burguesia e a nova nobreza e, assim, surge Iracema, para fundamentar essas classes num passado mítico. Como eles não tinham um passado medieval como os portugueses para radicarem as suas raízes, voltaram-se para o mundo índio. Também aí aparecem outras temáticas típicas do Romantismo, como o sonho, o exotismo e o evasionismo.
    Castro Alves pertence a um outro momento do Romantismo, que era um movimento mais de caráter oratório; não tinha uma verdadeira preocupação pelo que se passava. Mas claro que em Castro Alves nós vamos encontrar uma escrita preocupada com a defesa do negro e a abolição da escravatura, mas uma escrita muito imbuída de oratória.

        Alguns temas do Romantismo

        1. Exotismo e Medievalismo: o romântico é um ser desiludido com a realidade envolvente, que para ele representa algo de efémero, finito e imperfeito. Entra, então, em conflito com essa realidade e procura uma evasão no tempo e no espaço. A evasão no espaço conduz ao exotismo, ou seja, à busca de paisagens estranhas; uma fuga no tempo condu-lo ao medievalismo, ou seja, a época preferida para a evasão é a Idade Média.
    Por outro lado, o romântico procura fazer uma reprodução fiel e pitoresca do país, região ou época, ao que se chama «cor epocal». Ele procura a valorização do espírito do povo: volksgeist. Cada povo tem um espírito e uma genuinidade que devem ser respeitados e as suas características deviam passar para a literatura.

        2. Atitude egocentrista: o sujeito é o fulcro, que entra em conflito com a sociedade e daí procurar uma evasão no tempo e no espaço. Outro modo de solucionar esse conflito é procurar a solidão.
    Na base de todas as teorias românticas, encontramos a doutrina do «eu absoluto», caracterizado como possuindo uma energia infinita e um dinamismo infinito.

        3. A natureza é expressiva, ou seja, tem um significado próprio. A natureza aparece em função do estado de espírito do sujeito, que não é alegre; pelo contrário, o romântico manifesta o gosto pelo anoitecer, pelas florestas, castelos, abismos, etc. É um tipo de natureza que favorece a imaginação, a evasão, o sonho e a contemplação. A natureza chega a encarnar expressões anímicas. Por exemplo, em Gonçalves Dias aparecem expressões como "silêncio do ocaso", "ímpeto do vento", etc. Estas expressões, que são sentidas pelo homem, passam a ser sentidas pela natureza com os românticos.

        4. Saudade do que se julga perdido.

        5. «Sehnsucht» e «mal du siècle»: a busca do «eu absoluto» é um incentivo para o romântico, só que esta também se torna um drama porque surge o desencanto quando não se alcança esse absoluto. No Romantismo, há sempre uma busca, o que traduz um estado de permanente ansiedade, porque se caminha para algo longínquo. Aqui, surgem os dois lados da moeda, isto é, a procura da realização das potencialidades consideradas infinitas do «eu» - sehnsucht - e, por outro lado, temos a frustração por não se conseguir essa realidade absoluta - mal du siècle.

        6. Amor e morte: estas duas realidades, para os românticos, andam sempre ligadas. O amor surge como destino, que eleva o poeta a sofrer. O amor raramente é felicidade; é sempre dor, sofrimento e ciúme. Além disso, o amor há de levar à morte (ex.: Iracema).

        7. Herói e nação: para os românticos, a ideia de nação é muito forte, porque representa uma força edificante. Daí a preocupação que o romântico manifesta ao intervir na vida política do seu país. Veja-se em Portugal o exemplo de Alexandre Herculano e Almeida Garrett. A ideia de nação está sempre presente, até porque vínhamos de um período de lutas liberais, que no Brasil vão fortalecer a ideia de nação.

        8. Florescimento da História.

        9. Valorização de elementos indígenas e culto do folclore: os românticos procuram sobretudo uma revitalização das línguas com os seus elementos específicos.
    Isto vai originar no Brasil dois movimentos importantes: indianismo e regionalismo, que se ligam ao aspeto da «cor epocal», o que vai definir sobretudo o Romantismo de Alencar, que apresenta uma visão totalmente diferente do índio, não referindo a cor da sua pele.
    Quanto ao herói, ele é a pessoa que traz a verdade e que deve cumprir grandes missões, isto não só em relação às personagens das obras, mas também em relação ao poeta, que tinha a obrigação de modificar o que estava mal na sociedade. Claro que estes temas não aparecem todos na literatura brasileira, onde há características que definem cada um dos temas gerais do Romantismo.
    A nível estético, o Romantismo traz consigo importantes modificações. A obediência a regras e a formas fixas desaparece em face da necessidade de liberdade dos românticos, que viam as regras como um corte no ímpeto dos poetas.
    Os estudantes brasileiros não vêm agora para Portugal, mas vão para outros países europeus, como a França e a Inglaterra. Começam mesmo a afastar-se dos modelos estéticos portugueses. Aliás, não foi em Portugal que o Romantismo primeiro surgiu, mas sim em alguns países da Europa e, por isso, é natural que algumas ideias que surgem no Brasil não tenham chegado a Portugal, mas resultassem do contacto dos brasileiros com o Romantismo europeu. Surge uma nova escrita que reflete a liberdade expressiva do sujeito.
    A nível de formas, o soneto e a ode e a epopeia são substituídos por formas representativas do movimento: a balada, a canção, que eram tipos de poemas sem forma fixa. A rima é um pouco deixada de lado, bem como a divisão em estrofes. É também com o Romantismo que surge o romance histórico, que tinha a mesma função da epopeia, mas sem regras fixas. Surge ainda o género dramático e aqui foi fundamental a negação da lei das 3 unidades, que era importantíssima no teatro clássico e, assim, surge o drama romântico.
    A nível métrico, retoma-se a forma medieval da redondilha maior e menor com ritmo regular e a quadra. Como já disse, aparece ainda o romance, que é um dos géneros mais importantes do Romantismo: romance autobiográfico, epistolar, histórico, etc. O romance é privilegiado por ser mais acessível ao público, que aí procurava encontrar a projeção dos seus conflitos pessoais e das suas realizações. Surge também a novela.

    
    Houve uma primeira forma de introdução ao Romantismo, que surge em França e que foi introduzido por G. Magalhães. É um romantismo muito artificial, ou seja, usam-se os temas românticos, mas de forma artificial, porque não está ligado ao Brasil. Por exemplo, o tema do amor surge de forma abstrata e sem ligação à realidade brasileira.
    São importantes dois tipos de publicações:
        » Saudades e suspiros poéticos (1836);
        » Revista "Niterói" (1836).
    A data de 1836 corresponde à primeira data, em que um brasileiro escreve algo com características românticas, mas sem ligação à realidade brasileira. Ele continua ligado a formas fixas, a manifestações neoclássicas. Além de não retomar os temas principais do Romantismo, não usa certos princípios como a liberdade de expressão. Escreveu poesia, romance e um poema épico chamado "Confederação dos Tamoios". Mas entretanto Alencar já tinha escrito Iracema e, por isso, o seu objetivo de escrever um poema indígena ficou em segundo lugar.
    A segunda forma surge no Brasil com Gonçalves Dias e José Alencar. Apresenta os seguintes subtítulos:
        » A busca dos elementos que definem a nacionalidade.
        » Retorno ao medievalismo e orgulho das raízes do Brasil, que radicam no índio.
    Porém, esta evolução cultural resulta de uma mutação política. Tudo começou em 1808, quando D. João VI se muda para o Brasil, levando consigo a corte, fugidos das Invasões Francesas. Este facto vem dar um grande poder ao Brasil, além de que D. João abre os portos ao comércio estrangeiro, o que é importante, porque todo o comércio era feito antes através de Lisboa. O rei levou também um património cultural importante. Liberaliza também a economia brasileira e Portugal fica sem a sua principal fonte de riqueza. Em 1822, seu filho, D. Pedro I declara a independência do reino, o "Grito do Ipiranga", que se reflete ao nível da literatura. A independência literária manifesta-se no falar das coisas e das origens e na linguagem falada.
    A sintaxe de Gonçalves Dias é diferente da de Alencar.
    Dentro desta segunda forma, temos dois momentos:
        » O primeiro momento é marcado por Alencar e G. Dias (índio).
        » O segundo momento é o de Castro Alves (negro).
    Na Europa, o operariado evidencia-se; há a luta pela defesa do homem e da mulher. Tudo isto são questões sociais que influenciam a literatura romântica. Nos EUA, surge o abolicionismo, que vai influenciar o Brasil com Castro Alves, que escreve uma poesia abolicionista, que vai defender o negro, sendo contra a escravatura e a exploração do negro. Ele vai assim constituir o segundo momento.
    Em todo este movimento, há outros autores importantes, como Manuel António de Almeida, Álvares de Azevedo, Laurindo Rabelo, etc.
    Embora ainda haja um compromisso com temas e valores europeus, a literatura brasileira romântica apresenta já uma faceta a nível de temas e linguagem. Dentro do Romantismo brasileiro, há autores com diferentes facetas:
        » Gonçalves Dias: nasceu no Maranhão e estudou em Portugal. A sua poesia é formada pelos cânones clássicos, tendência europeia e uma sintaxe portuguesa resultante do facto de ter feito os seus estudos em Portugal.
        » José Alencar: nasceu no Ceará e deslocou-se para o Rio de Janeiro, São Paulo, onde se formou. É um poeta brasileiro sem preocupação pelos modelos portugueses.
        » Castro Alves: é natural da Baía.
    Um tema muito caro aos românticos brasileiros é o indianismo, com as suas características e valores.

        Indianismo

     Esta é uma das principais características do Romantismo brasileiro, ou seja, é um item identificador do Romantismo brasileiro. A independência foi um fator fundamental no desenvolvimento do Romantismo, sobretudo a independência política e cultural. Mas para o desenvolvimento do Romantismo contribuíram outros fatores:
        - expressão do orgulho de ser brasileiro;
        - extensão do antigo nativismo (indianismo), tema relacionado com poetas como Bento
           Teixeira, Santa Rita, etc.;
        - desejo de criação de uma literatura independente e diversa, em que teria parte funda-
           mental a atividade intelectual.
    Havia, assim, a necessidade de criar uma literatura brasileira e nacional e uma das formas mais justificadas da literatura brasileira verdadeira radica no indianismo (anos 40-6o), cujos principais autores foram Alencar e Gonçalves Dias.

    Quanto às origens do indianismo, este resulta da busca de algo que fosse específico do Brasil e, assim, surge uma crescente utilização alegórica do índio. Esta utilização veio a servir como passado histórico, mas também como passado místico e lendário. O índio é utilizado enquanto protagonista de factos verídicos, mas também de lendas. É interessante a utilização do tema indígena como compensação pela inexistência de um passado medieval. Houve a necessidade de os autores brasileiros suscitarem um mundo poético que fosse digno e estivesse a par do manancial poético suscitado pelos europeus. Se estes procuram o passado no medievalismo, os brasileiros iam buscar o passado histórico ao índio e às suas lendas e, por isso, surge uma idealização do índio. Esta utilização do indígena como motivo corresponde a um desejo de individualização nacional e esta corresponde a uma individualização pessoal, que se reflete numa autonomia estética e política e no direito de exprimir direta e abertamente os sentimentos pessoais.

Bibliografia:
    - BOSI, História concisa da literatura brasileira (pp. 99-108).
    - COUTINHO, Afrânio, Literatura no Brasil.
    - CÂNDIDO, António, Formação da literatura brasileira, vol. I (pp. 9-22).

domingo, 11 de setembro de 2022

O Modernismo no Brasil


     Como reação à poesia de viragem do século XIX (Simbolismo, Parnasianismo...), vai aparecer, já em pleno século XX, um movimento que teve os seus antecedentes, mas cujo marco foi uma semana de três dias: a "Semana de Arte Moderna", que decorreu nos dias 20, 21 e 22 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo.
    Porquê São Paulo? É que, no final do século, houve um facto que provocou uma grande alteração na economia brasileira: a abolição da escravatura e a consequente falta de mão de obra nas grandes fazendas. Isto fez surgir a necessidade de importar mão de obra barata e estrangeira. Esta imigração tem várias precedências: Portugal (temos como exemplo de emigrantes portugueses o bem sucedido representado por Miranda, o razoavelmente sucedido - Romão, e o que tenta ganhar o pão do dia a dia, de que são exemplo Jerónimo e Piedade); Itália e Alemanha, depois da guerra. Esta imigração vai trazer o desenvolvimento económico de S. Paulo e o consequente desenvolvimento cultural.
    Mas a Semana de Arte Moderna congrega também artistas do Rio de Janeiro e vai projetar-se noutros estados, que não apenas São Paulo.
    Os modernistas eram vistos como pessoas doidas; na Semana de Arte Moderna, recusaram com fundamento as estéticas anteriores, aludindo que eram importadas. As estéticas podem ser construtivistas e não construtivistas. As primeiras são aquelas que dizem como deve ser a nova estética; as segundas só dizem como não deve ser. O Futurismo e o Cubismo são movimentos construtivistas.
    O movimento Dada, que teve origem em Berlim no início do século XX, não deixa coisas escritas, porque não é construtivista. As suas ideias consistem em acabar com toda a perenidade da arte; assim, insurgem-se contra os museus, porque estes são vistos como elementos de consagração.
    As suas primeiras exposições de arte plástica continham objetos que não eram dignos de serem expostos: esta era uma forma de dizer que cada um consagra aquilo que quer. Criam uma forma de arte designada «ready-made» - já pronto. Passou-se do conceito de arte elaborada para o já feito; a poesia é o que se diz a qualquer momento.
    Este movimento teve por chefe Tzvetan Tzara. A palavra «dada» tem várias interpretações: não quer dizer coisa nenhuma; cavalo. Ao que parece, não queria dizer nada. Quando os elementos que pertencem a este movimento tentaram escrever algo, o «Dada» desapareceu porque ele pretendia a desconstrução.
    O Futurismo tenta consagrar o progresso, a máquina, o movimento, etc. É isto que vamos encontrar no movimento Pau-Brasil e nos poemas de Oswald de Andrade. Este movimento também tem o seu lado Dada, porque rompe com as correntes anteriores. Tem como objetivo voltar às origens do Brasil.

sábado, 10 de setembro de 2022

O Parnasianismo brasileiro


     Paralelamente ao Realismo, mais no final do século XIX (década de 80) surge uma nova corrente de poesia, que convive ainda com a poesia romântica, que é o Parnasianismo.
    O Parnasianismo, que em Portugal não teve grande repercussão (o representante do Parnasianismo português foi "importado" do Brasil: Gonçalves Crespo) obteve no Brasil uma larga aceitação: tão larga que, até hoje, ainda encontramos pessoas a escrever sob a forma parnasianista e estarem dentro destes cânones. Mas este movimento literário acabou por perder, exagerado que foi com a forma e sem cuidado com o conteúdo.
    Os maiores representantes do Parnasianismo (século XIX) no Brasil foram os seguintes:
        - Olavo Bilac;
        - Raimundo Correia;
        - Alberto de Oliveira.
    Destes três autores, o que teve maior público e mais popularidade foi Olavo Bilac, embora o mais ortodoxo fosse Alberto de Oliveira. Bilac foi eleito por uma revista feminina chamada "Fon-Fon" (revista que buzina notícias) o príncipe dos poetas. Bilac era interessado por problemas cívicos, tendo criado no Brasil o serviço militar obrigatório.
    Escreveu um livro de poesias infantis e, juntamente com outro escritor da viragem do século, Manuel Bonfim, escreve também o livro intitulado Contos Pátrios, destinado às escolas. Isto revela-nos a dimensão de Bilac na cultura brasileira do final do século XIX.
    Dentro do espírito cívico e parnasianista, Bilac foi um grande cultor da língua. Tem um poema importante chamado "Língua Portuguesa". Talvez por este e outros poemas louvarem a língua e os cânones parnasianos, é que tiveram uma grande importância e repercussão na língua portuguesa. Bilac pertenceu ao Parnasianismo.

    Mas o que é o Parnasianismo? De onde provém o nome?

    O poema máximo do Parnasianismo brasileiro é de Bilac. Nele, expõe tudo o que pensa que vai ser a poesia: intitula-se "Profissão de Fé".
    O nome Parnasianismo vem de uma revista francesa chamada "Parnasse Contemporaine", editada entre 1866 e 1876 e que congregava vários poetas franceses, como: Heredia, Sully Prudhome e Coppé, três dos principais poetas parnasianos. Tentaram fazer uma poesia objetiva, nada intimista, onde a forma fosse bem trabalhada e o vocabulário usado fosse bastante rico, mesmo difícil. A objetividade pretendida começou a tender para o ornamental e a poesia foi ficando esvaziada do seu conteúdo, acabando por ser uma poesia do tipo "arte pela arte".
    Isto é importante para ver o que o que acontece no Brasil. Muitos poetas vão inclusive pensar numa poesia descritiva, pois identificam objetividade com descritivismo. Havia também o gosto pelo uso da mitologia clássica, numa tentativa de distanciação do «eu» lírico com o sujeito.
    Os parnasianos dão preferência ao uso do soneto, que é uma forma fixa e rígida, o que faz com que o poeta tenha de dominar muito bem o assunto para escrever nuns parcos versos tudo o que quer. O soneto é uma forma racionalista por excelência.
    No Brasil, o Parnasianismo só entra mais ou menos nos anos 80. Há quem aponte a data de 79, pois foi quando surgiu um soneto de António Carvalho Júnior, onde diz que odeia as "virgens pálidas", numa reação nítida ao Romantismo. Mas só nos anos 80 o Parnasianismo entra em vigor. O primeiro grande poeta deste movimento publica em 1822 - Raimundo Correia; Olavo Bilac só vai publicar em 1888.

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Correção do questionário do conto "Corpos incompletos"


 1. O recurso estilístico é a personificação.

1.1. As expressões são as seguintes: «a estátua lia perfeitamente», «estado de deslumbramento», «ler e indignar-se», «deliberou manifestar-se».

2. Após o processo de restauro e limpeza, a estátua do marechal Saldanha verificou que a sua existência tinha melhorado, conseguir até ver, a grande distância, pormenores impossíveis a qualquer ser humano. Foi ao ler um conto de Pere Calders, que estava a ser lido dentro de um autocarro por um jovem, que decidiu manifestar-se por não concordar com o conteúdo da obra: afinal, as estátuas tinham vontade própria e alma, não eram apenas habitadas por personagens que saíam delas à noite.

3.1. O pressuposto apresentado é o conhecimento de que as estátuas de Lisboa comunicam com facilidade entre si.

3.2. O recurso estilístico é a ironia, a qual procura transportar os leitores para a ficção que está a desenhar-se. O universo fantástico deixa de estar apenas no domínio da narrativa e do narrador para ser partilhado pelos leitores.

4.1. O conector «Mas» veicula uma ideia de contraste, de oposição.

4.2. Apesar de todas as estátuas estarem desejosas de assumir movimento, aguardavam a reação do rei fundador, daquele a quem mais autoridade reconheciam.

4.3. Embora constitua um símbolo de força e coragem, a estátua de D. Afonso Henriques ponderou durante longo tempo («umas horas») a atitude a assumir, simplesmente por estar a considerar o peso do escudo, da espada e da malha de ferro. O narrador parece estar a querer caracterizá-lo, comicamente, como preguiçoso e comodista.

5.1. Quem deu o alarme foi o guarda Malaquias de Sousa, que rapidamente informou o sargento. Todos eles correram à janela para verem o que se passava, ficando, naturalmente, cheios de medo, considerando o sargento que a situação exigia decisões dos seus superiores. No largo, a multidão de estátuas mostrava-se ameaçadora, com espadas, pistolas, canhões... Até os leões estavam irrequietos. No fundo da manifestação, porém, encontravam-se as estátuas de Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco a conversar na presença da Nudez Forte da Verdade.

5.2.1. O recurso expressivo é a hipálage, que faz transitar o sentimento da personagem (nervosismo) para um objeto que ela carrega - a espada. Parece intensificar-se, desta forma, a possibilidade de violência se vivia.

6.1. O que provocou este «frémito» foi a concentração de bustos que quiseram também manifestar-se e avançavam pela Alameda de D. Afonso Henriques. A consequência imediata que o narrador identifica é a reação de um homem que comia um bife no restaurante Portugália, que liberta um «Ena pá!», apercebendo-se da agitação. No entanto, o ruído era tão intenso que houve quem ligasse para a polícia a protestar.

7. O diminutivo «saltinhos» destaca a pequenez dos pulos possíveis aos bustos, enquanto no adjetivo «alegretes» o sufixo com valor diminutivo transporta uma ideia de ironia face à atitude dos bustos.

8. As frases conferem ao texto mais um elemento de comicidade. O uso do presente na primeira frase («Alguns agentes ainda estão hoje...») remete exatamente para o insólito da situação e para a falta de respostas legislativas e regulamentares.

9. Apesar da gravidade da situação e dos acontecimentos, o ministro responsável acabou por assumir uma atitude de indiferença («deixem lá, isso passa»), como se não ouvisse aquilo que estavam a dizer-lhe. E respondeu apenas por estar farto de telefonemas, não pela gravidade da situação.

10. Cansadas de estarem no largo a olhar, sem sequer ter havido qualquer acontecimento, as estátuas, quando se aperceberam da chegada dos bustos, decidiram retirar-se, Os bustos, depois de umas assobiadelas, regressaram também aos seus pedestais.

11. A relação entre estátuas e bustos não era boa. Em primeiro lugar, as estátuas decidiram manifestar-se e não convocaram os bustos, acabando por ser estes a decidirem-se também  pela concentração, considerando que não seriam inferiores, apesar de não terem um corpo completo. Quando os bustos chegaram ao lugar da concentração, são as estátuas que decidem, numa atitude de superioridade, afastar-se com dignidade, não querendo misturas, como se a presença dos bustos fosse indigna. Repare-se que os bustos referidos são de poetas...

11.1. As estátuas e os bustos colocaram-se em posição contrária à que tinham anteriormente.

12. A imprensa, no dia seguinte, apesar de ter já títulos sobre a insegurança e o vandalismo, desconhecendo as verdadeiras razões dos acontecimentos, depressa os substituiu por algo que atrairia mais as atenções: «um jogador de bola agrediu a própria mão, ceguinha». Logo que possível, o poder político procurou legislar para que este tipo de manifestações não mais fosse possível, determinando que se prendessem com cabos de aço todas as estátuas e bustos, como se a solução para os problemas fosse «acorrentá-los». Os comentadores, formadores de opinião, criticaram a medida principalmente do ponto de vista financeiro: seria uma medida dispendiosa. Evitaria, porém, outros desassossegos, outras manifestações.

13. Não é possível precisar o momento exato do início das ações da estátua do marechal Saldanha, que ocorreu durante o dia, mas quando a manifestação começou efetivamente, após «umas horas» de ponderação da estátua de D. Afonso Henriques, «A noite já ia adiantada.». O decurso do cortejo e da concentração verificou-se durante a noite, sendo que «A manhã foi encontrar estátuas e bustos voltados para o lado oposto ao do costume». O dia seguinte trouxe novos acontecimentos; «nessa noite» outras notícias desviaram as atenções da manifestação das estátuas e dos bustos que, «um mês depois», tentaram repetir as suas ações.

14. No que diz respeito à ciência ou focalização, o narrador é predominantemente omnisciente («cá de longe, a estátua lia perfeitamente"; «D. Afonso Henriques sopesou os inconvenientes de acartar com o peso de escudo, espada e malha de ferro. Mas lembrou-se, ao fim dumas horas, de que era um rei enérgico.», apesar de, nalguns momentos, parecer apenas dedicar-se à focalização externa (como é o caso do momento em que assume o desconhecimento acerca do modo de comunicação das estátuas).

15. Os corpos dos protagonistas do conto são «corpos incompletos». O adjetivo «incompletos» pode remeter para o facto de as estátuas, como se refere no texto, serem apenas reproduções exteriores, «em corpo inteiro», do corpo humano, «(...) como se as estátuas fossem o invólucro ou repositório e não tivessem de próprio nem vontade nem alma», e os bustos serem, até no plano material/físico, corpos inacabados, «mutilados», embora compensassem essa deficiência com «mais concentração de espírito». Por outro lado, enquanto reprodução dos seres humanos e animais, no decorrer da ação do conto as estátuas procuram completar a inteireza daqueles, adotando capacidades e atitudes que lhes são próprias.


Ligações:
    👉 Texto do conto.
    👉 Questionário.

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

A Geração de Orpheu

 1. Cronologia
 
O grupo de jovens que ficaria conhecido como «Geração de Orpheu» começou a reunir-se por volta de 1912, nos cafés da Baixa de Lisboa.
 
Em 1912, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro conhecem-se e criam o Paulismo, o Interseccionismo e o Sensacionismo.
 
Em 1913, Mário de Sá-Carneiro começa a escrever poesia e Fernando Pessoa escreve o primeiro texto que integrará o Livro do Desassossego, da autoria de Bernardo Soares.
 
Em 1914, Fernando Pessoa cria os heterónimos.
 
Ainda em 1914, regressam de Pais Santa-Rita Pintor, Amadeo de Sousa Cardoso e o próprio Sá-Carneiro. Por sua vez, do Brasil chega Luís de Montalvor.
 
A ideia da criação de uma revista literária de Vanguarda vai crescendo, incentivada, sobretudo, por Pessoa e Sá-Carneiro.
 
Em 1915, é publicado o n.º 1 da revista Orpheu, o órgão do Primeiro Modernismo, a 15 de março, com capa de José Pacheco e direção de Luís de Montalvor e do brasileiro Ronald de Carvalho.
 
Vários autores colaboram neste número: Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Alfredo Pedro Guisado, Armando Côrtes-Rodrigues, José Pacheco, Luís de Montalvor, Ronald de Carvalho.
 
Esse número 1 inclui textos que foram determinantes para o Modernismo português:
- “Ode Triunfal”, de Álvaro de Campos;
- “O Marinheiro”, de Fernando Pessoa;
- poemas para Índices de Ouro, de Sá-Carneiro;
- “Frisos”, de Almada Negreiros.
 
Como seria de esperar numa sociedade conservadora, como a portuguesa era, a publicação da revista causou grande escândalo na imprensa e os jovens escritores foram considerados loucos e provocadores, mas a verdade é que esgotou. No entanto, a reação da imprensa e do público serviu perfeitamente os interesses dos jovens poetas de Orpheu, visto que o escândalo era também uma forma de divulgação.
 
Assumindo um carácter irreverente e descomprometido, cosmopolita e simultaneamente nacionalista, o Orpheu apresenta práticas de escrita e correntes artísticas vanguardistas – Paulismo, Interseccionismo, Futurismo, Sensacionismo ‑, embora surjam ainda, na revista, leituras e práticas simbolistas e decadentistas.
 
O número 2 de Orpheu, correspondente ao segundo trimestre de 1915, saiu a 28 de junho, com capa de Almada Negreiros e direção de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa.
 
Vários autores colaboraram neste número: Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, Ângelo de Lima, Raul Leal, Violante de Cysneiros, Luís de Montalvor, Eduardo Guimarães.
 
Ele incluía textos muito significativos: “Ode Marítima”, de Álvaro de Campos; “Chuva Oblíqua”, de Fernando Pessoa; poemas de Sá-Carneiro; poemas de Ângelo de Lima; Atelier, de Raul Leal; desenhos de Santa-Rita Pintor.
 
A revista vendeu 600 exemplares.
 
O n.º 3 da revista não chegou a sair, apesar de estar esboçado e com matéria para publicação. Apenas seria publicado em 1984, compilado por Arnaldo Saraiva.
 
Em setembro, Mário de Sá-Carneiro escreve a Pessoa, avisando-o de que o seu pai não continuaria a financiar a revista, inviabilizando a publicação. Coloca-se a possibilidade de financiamento de Orpheu por parte de Santa-Rita Pintor, no entanto, temendo que este futurista desse uma orientação pessoal à revista, o projeto caiu por terra.
 
Inconformado, Pessoa escreve a Sá-Carneiro o seguinte: “De resto, Orpheu não acabou. Orpheu não pode acabar.”. Sá-Carneiro responde: “Você tem mil razões: o Orpheu não acabou. De qualquer maneira, em qualquer «tempo» há de continuar. O que é preciso é termos «vontade».”.
 
A revista reage contra o tradicionalismo, rompe com o passado e cria um espírito de vanguarda, tendo uma preocupação com o futuro e com a euforia do moderno, apresentando um programa literário inovador. Sob a influência das correntes estéticas e filosóficas europeias, Pessoa, Sá-Carneiro e Almada, entre outros, que se iniciaram no Saudosismo, transitaram para o Modernismo.
 
A geração de Orpheu faz a releitura crítica da tradição e dos movimentos literários vigentes (Decadentismo, Simbolismo e Saudosismo) de forma paródica e irónica, através da qual se instaura uma rutura aberta face aos cânones instituídos, postulando-se o primado da poesia, a autenticidade da busca experimentalizante, a originalidade e a liberdade criativa.
 
Orpheu constitui um “balão de ensaio de múltiplas experiências poéticas novas” (Clara Crabbé Rocha), atesta uma estética plural e até eclética onde se combinam processos de escrita em continuidade com a estética finissecular (cf. números 1 e 3 da revista) e outros que reivindicam a rutura: Paulismo, Intersecionismo, Sensacionismo, Futurismo e Simultaneísmo.
 
O Primeiro Modernismo português vê a sua ação prosseguida e esclarecida pelo grupo da Presença, Segundo Modernismo, com José Régio, Casais Monteiro, Miguel Torga, entre outros.
 
Depois de Orpheu, outras revistas literárias deram voz à vanguarda modernista: Exílio e Centauro, em 1916; Portugal Futurista, em 1917; Contemporânea, em 1922-1926; e Atena, em 1924-1926.
 
 
2. Origem do nome
 
     A revista adotou o nome da figura mitológica que traduz o desejo mais recôndito do ser humano: encontrar na realidade percetível aquilo que é invisível – a sua descida aos infernos para ir buscar Eurídice significa o conhecimento de algo que estava vedado ao Homem: aquilo que está para além da vida. Simbolicamente, Eurídice, a amada de Orfeu, é a sua metade, a sabedoria que essa descida lhe proporcionaria. De facto, os artistas que colaboraram na revista aspiravam a alcançar um conhecimento das coisas que o distanciava dos seus compatriotas e que constituía uma outra visão do mundo.
     O mito original remete-nos para os Trácios, um povo grego que se dedicava à música. A figura de Orfeu não tinha rival no mundo, com exceção dos deuses. De facto, a sua arte de tocar e de dançar era ilimitada e nada nem ninguém lhe podia resistir. Tudo o que era animado e inanimado o seguia; Orfeu fazia mover os rochedos dos montes e mudar o curso dos rios.
     Não se conhece o local onde encontrou Eurídice pela primeira vez e como lhe fez a corte, mas a verdade é que se apaixonou por ela, a qual, dados os talentos dele, seria incapaz de resistir ao fascínio da sua música. Orfeu e Eurídice casaram, mas a sua felicidade foi de curta duração, pois, logo após o casamento, quando a jovem esposa caminhava pelo campo com as suas amigas, foi mordida por uma víbora e morreu pouco depois. A dor de Orfeu foi tão grande que decidiu descer aos Infernos na tentativa de a recuperar. Através do seu talento musical, conseguiu convencer os deuses infernais a devolverem-lhe a esposa, mas com uma condição: não poderia voltar-se para trás para a ver, até atingirem a superfície terrestre. Quando estavam prestes a abandonar os limites do Inferno, Orfeu voltou-se, mas nesse instante Eurídice desapareceu. Desesperado, tentou correr atrás dela, mas tal não lhe era permitido, pois os deuses não consentiam que entrasse no reino dos mortos duas vezes enquanto estivesse vivo. Assim, Orfeu teve de regressar à Terra, só, absolutamente devastado.
 
3. Objetivos:
▪ Reagir contra o tradicionalismo e o academismo oficial.
▪ Romper com o passado.
▪ Ser porta-voz dos ideais e das produções vanguardistas,
 
 
4. Influências:
▪ Correntes modernas europeias (estéticas e filosóficas).
 
 
5. Características
▪ A irreverência.
▪ O descomprometimento.
▪ O caráter simultaneamente cosmopolita e nacionalista.
 
 
6. Protagonistas: Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, Luís de Montalvor.
 
 
7. Valores e atitudes fundamentais da geração do Orpheu
 
▪ O desejo de universalidade, de “[…] ter um pouco de Europa na alma” (F. Pessoa), que passava por uma perspetivação europeia do “modo de ser literário” português. Tratava-se de efetuar uma profunda e radical revisão de toda a literatura nacional através de um novo espírito, liberto dos «fantasmas» do servilismo e de qualquer sentimento de inferioridade face ao estrangeiro.
 
▪ O desejo de rutura com a literatura do passado, que passava por uma viragem renovadora e agressiva rumo ao futuro, orientando-se para a descoberta de novas expressões da sensibilidade, e despertava o fascínio por tudo quanto fosse novo.
 
▪ A exigência de absoluta originalidade e novidade.
 
▪ A exigência de pleno cosmopolitismo, misturado com um patriotismo muito especial.
 
▪ A abolição do tradicionalismo e a atenuação do provincianismo tipicamente portugueses, tendo como alternativa a instauração de uma nova “visão do mundo” capaz de revolucionar e reformar totalmente a mentalidade cultural nacional. Para isso, era necessária uma abertura e apropriação criativa aos valores europeus.
 
▪ Estética aberta, expansiva, eclética e disponível a tudo quanto fosse diferente, estranho, exótico. Dela fariam parte uma extrema plasticidade e versatilidade, características positivas da alma portuguesa que seriam assim renovadas e multiplicadas pelos poetas órficos, através de uma tendência para a diversificação estética expressa pelo delírio sensacionista do “ser tudo de todas as maneiras”. Esta experiência de pluralidade implicava uma dispersão e um desdobramento sistemático em todas as práticas culturais e potencialidades civilizacionais possíveis.
 
▪ A implicação entre a arte e a vida: criava-se civilização fazendo arte e fazia-se arte em função de uma busca libertação dela mesma e do ser-artista.
 
▪ A procura de novos padrões de toda a civilização ocidental: o seu «sê plural como o universo» reflete a fragilidade e o niilismo de toda a consciência moderna, uma «consciência infeliz» ao descobrir a absoluta imprevisibilidade essencial de tudo, bem como o sentimento de incerteza infinita que a possibilidade – cada vez mais precária – de pensar a divindade ou qualquer unidade provoca.
 
▪ A criação de diversos «ismos».
 
▪ Esta geração caracterizou-se por um modo de ser onde se salientavam as sensibilidades superiormente requintadas e fortemente individualistas, determinadamente antissociais e antissociáveis, que cultivam a diferença e a exceção e professam um arrogante e assumido aristocracismo de tonalidade vincadamente decadente e elitista.
 
▪ Valorização do raro e do insólito, fazendo uso e abuso de toda a espécie de blagues.
 
 
8. Princípios / Características
 
▪ Os artistas produzem obras cheias de sarcasmo, ironia e alguma provocação, enveredando por um caminho de rutura com a tradição, adotando uma atitude radicalmente subversiva, pondo em causa padrões morais, políticos, artísticos e religiosos dominantes há séculos.
 
▪ Recusam-se os velhos temas, as estruturas poéticas, dramáticas e narrativas já gastas e sobretudo a linguagem poética tradicional.
 
▪ As personagens da literatura modernista são, frequentemente, seres vulgares, sem nada de excecional que as distinga dos demais (ex.: simples funcionários que sofrem a pesada máquina social, burocrática e quotidiana – Ulisses, de James Joyce; O Processo, de Kafka; O Livro do Desassossego, de Bernardo Soares).
 
▪ Esse esbatimento da força do indivíduo traduz-se, por vezes, na perda da identidade, da unidade do «eu», chegando mesmo ao desdobramento da personalidade (ex.: Fernando Pessoa).
 
▪ A criação de uma linguagem original, criativa, que recorre até à desarticulação da própria linguagem e ao uso novo e inesperado da metáfora
 
▪ A reinvenção das formas nas artes visuais e o uso de técnicas como a colagem, paralelamente à reinvenção da linguagem ao nível da forma da expressão, que se traduz num certo experimentalismo, de que são exemplos a poesia caligramática (por exemplo, Apollinaire), a linguagem da publicidade, a linguagem da imprensa, etc.
 
▪ A desconstrução da linguagem verbal.
 
▪ A diversidade e a pluralidade.
 
▪ A associação da literatura às artes plásticas.
 
▪ A interação de linguagens, em que as artes plásticas (por exemplo, o Cubismo), a literatura, a arquitetura, as artes gráficas, a publicidade, o cinema (o filme Tempos Modernos, de Chaplin, reflete a pequenez do Homem, triturado pelas engrenagens de uma produção industrial desenfreada), etc., interagem estreitamente e se complementam;
 

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Contexto histórico da poesia trovadoresca

 
▪ No território encostado à fronteira líquida do Oeste Atlântico, existiu, em tempos e espaços diferentes, uma unidade administrativa e política. A mais duradoura e a que mais influenciou o etnos, a língua, lo desenho das estradas, a estrutura das cidades, a articulação da via marítima da costa foi a Lusitânia romana. Durante muitos séculos, marcou a realidade política e social; uniu o território desde a margem esquerda do Douro ao mar do Algarve e engordou um pouco na fronteira leste. Mérida era a cabeça regional e política.
 
▪ A ocidente, o reino suevo constituiu uma segunda construção política. A sua capital era a Braga romana, envolveu a Galiza e, durante um século, o território português até ao Mondego.
 
▪ A terceira construção política, efémera, ocorreu com o estabelecimento do Reino e Condado da Galiza. Surgiu pela primeira vez com Ordonho de Leão no início do século X e tinha Viseu como uma das capitais. Anos mais tarde, o conde Raimundo de Borgonha, casado com D. Urraca, filha de Afonso VI e futura rainha de Leão e Castela, manteria esta unidade, sob a forma de condado, entre 1093 e 1096. O reino da Galiza assentava numa realidade sociológica e cultural muito própria, ainda hoje visível no terreno situado a norte do rio Douro, e bem expressa na língua galaico-portuguesa.
 
▪ A última construção é a que se refere ao Condado Portucalense, que reunia os territórios entre os rios Minho e Mondego e que remonta a 1096 e ao conde Henrique de Borgonha. Iniciada em 718, a reconquista cristã só viria a terminar em 1492 com a conquista do reino de Granada. Para auxiliar os povos peninsulares nesta empresa, chegaram à Península Ibérica, a partir do século XI, muitos cruzados vindos da Europa. Numa dessas vagas veio D. Henrique, a quem o rei Afonso VI de Leão e Castela concedeu, como gratidão pelos favores prestados, a mão da sua filha ilegítima, D. Teresa, e o Condado Portucalense (1096). Com este casamento, Henrique reuniu dois condados: o Portucalense propriamente dito, que remontava a Vímara Peres, no século IX, e o condado de Coimbra, organizado por Sisnando Davides de Tentúgal, após a conquista da cidade de 1604. De fora ficava a Galiza. Com a morte do marido, D. Teresa assumiu o governo do condado, mas seu filho, Afonso Henriques, vendo o perigo de o território portucalense se aliar à Galiza, combateu-a e, em 1143, foi aceite como rei de Portugal na Conferência de Zamora pelo rei de Leão, Afonso VII, mas o reconhecimento do papa só chegou em 1179, com a bula “Manifestis Probatum”, de Alexandre III.
 
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