Português: Manuel Botelho
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sábado, 3 de setembro de 2022

Análise do poema "À Ilha de Maré Termo desta Cidade da Bahia - Silva", de Manuel Botelho


     Manuel Botelho de Oliveira estudou em Coimbra e foi colega de Gregório de Matos, famoso pela sua língua viperina (era chamado "Boca do Inferno") e pela beleza da sua linguagem.

    Manuel Botelho chegou a escrever um livro intitulado Música do Parnaso, que é muito curioso, porque em nenhum momento fala do Brasil. Aqui, faz jogos de palavras bem barrocos como "caavo", "anarda", por exemplo. Fala da caça ao javali, na Fonte das Lágrimas de Coimbra e de tudo, menos do Brasil. O mais curioso é que, no prefácio, afirma que escreveu o livro para mostrar que as musas, por um momento, também se fizeram brasileiras. Por outro lado, Manuel Botelho escreveu em várias línguas: português, castelhano, latim.

    Apesar de brasileiro, adquiriu uma visão de colonizador. No fim da obra, coloca um poema que é o único que se refere ao Brasil de uma forma curiosa, com os mesmos objetivos do colonizador. Ele elege não a cultura, mas a natureza brasileira. Não se refere a acontecimentos citadinos nem à mulher brasileira, mas ao pescado, à fruta, aos legumes. O seu olhar para a terra é semelhante ao do colonizador, embora haja quem veja aí uma certa dose de brasilidade. Este poema apêndice tem uma inspiração nativa e um tom ufanista.

    Silva é uma forma de composição bastante usual no Barroco.

    O poema pode dividir-se em várias partes:

        👉 Numa primeira parte, o poeta define a situação da ilha e a sua forma. Há uma quase personificação da ilha, com recurso à mitologia: Neptuno. Este trecho mostra que o Barroco denota uma herança clássica: apego às figuras da mitologia.
    Outro elemento barroco é o jogo de palavras: «mar/maré» e o uso de «marés» em várias expressões: «marés de rosas», «marés vivas», «maré de saudade». Este jogo de palavras traduz uma ideia de inconstância e amor.
    Ainda característico do Barroco é o gosto pela imagem visual: "Vista por fora é pouco apetecida / porque aos olhos por feia é parecida; / porém dentro habitada / é muito bela, muito desejada...". Temos ainda aqui presente o jogo de oposições, que continua na estrofe seguinte, com a oposição «monte/vale».
    Na sexta estrofe, temos ainda outra característica barroca: "e na desigual ordem / consiste a fermosura na desordem", ou seja, a desordem é a ordem barroca. Por exemplo, em Gregório de Matos, o Barroco manifesta-se na dispersão, isto é, todo o poema é uma manta retalhada, mas no final há uma ordem perfeita. Isto também se manifesta na arquitetura.

        👉 Numa segunda parte do poema, o «eu» poético fala dos habitantes da ilha, que são os «pescadores em saveiros». Aproveita a palavra «peixes» para expressar uma ideia que não tem nada a ver com o que está a falar: "ser pequeno no Mundo é desventura".

        👉 A partir da oitava estrofe, o poeta começa a mostrar o seu ufanismo, que chega a um tom exagerado. Esta parte pode subdividir-se em partes consoante a realidade descrita:
                    = elogio do peixe, que é de tal modo bom, que já vem do mar como que "a gosto
                       preparado";
                    = louvor das plantas: usa o barroquismo da linguagem para dizer que as plantas
                       são sempre verdes. Usa uma imagem que é uma herança europeia, pois a
                       primavera, na Bahia, atinge o seu auge em setembro: "... esmeraldas de abril
                       em seus verdores...". Tudo é caracterizado por uma imagem de abundância, o
                       que é típico do Barroco. O peninsular cai muito na exuberância, enquanto, em
                       França, não houve propriamente, mas sim o Rococó;
                    = louvor das frutas: mais uma vez, deparamos com o uso do jogo de palavras com
                       «salgado/sal». Inicia-se, então, a enumeração dos frutos, outra característica
                       barroca, os quais são de origem europeia, mas que no Brasil são ainda melhores,
                       mostrando bem o seu ufanismo, talvez movido pela saudade: canas, laranjas,
                       limão, cidra, uvas, melões, melancias, figos, romãs. Temos, neste caso, sempre
                       confrontado o padrão europeu com o brasileiro, com o objetivo de valorizar a
                       natureza brasileira, não falando do homem. Só com Gregório de Matos se 
                       começa a mencionar o homem do Brasil, também porque ainda não há o verda-
                       deiro homem brasileiro.

    Desde a Carta de Caminha que a literatura mostra as preocupações económicas do colonizador com a exploração da terra, que é boa para qualquer tipo de plantação. Mesmo os frutos tipicamente europeus são aí produzidos em maior quantidade e qualidade.

    Segue-se a enumeração dos frutos tipicamente brasileiros: coqueiros, cajus (variação de cor e sabor; jogo de palavras - " e como vários são nas várias cores"), castanha, pitangas, pitombas (exploração do sensorialismo), araçázes, bananas (inclui a referência à característica barroca da "ordem na desordem": apresenta diversos fragmentos e no fim faz uma síntese: "... é fruto, é como pão, serve em conduto...").

    A enumeração da fruta prossegue: pimenta (caracterizada pela qualidade, quantidade e superioridade); mamão, maracujá (em toda a poesia brasileira, o maracujá pelo seu sabor e o ananás pela sua forma aparecem como rainhas das frutas do Brasil. No texto Sermão da Fruta, do franciscano A. Pereira, comparam-se os frutos aos pecados e aí o maracujá ocupa um lugar de destaque), ananás (temos o jogo visual, quando se refere à casca do ananás e outro elemento barroco, que é concetualismo: aproveita a fruta para falar de um conceito - "não há c'roa no mundo sem espinhos". É a descrição do ananás que ocupa um maior número de versos e termina com uma síntese, depois da dispersão), mangavá (caracterizado pela cor, forma e abundância; gosto barroco pelo sensorial), maracujá.

    Segue-se o louvor dos legumes: mangarás, batatas, mandioca (há uma lenda que diz que a mandioca foi dada a conhecer aos índios por Tupã ou Sumé - figura mitológica saída das águas -, aqui tomado como S. Tomé. Há uma apropriação da lenda por motivos religiosos, que aparece noutros autores. É caracterizada por uma série de elementos barrocos: abundância, gradação, comparação com o pão de trigo para vincar a superioridade do beiju; sensualização, jogo concetual), arroz.

    Depois de caracterizar todos os elementos referidos, faz um jogo com o A, que é também um elemento barroco e faz parte do seu ludismo, pois gosta de jogos formais e concetuais. O autor chega a imitar Camões, o que também é típico do Barroco, bem como um certo tom grotesco, resultante da mistura do clássico (Camões) com a descrição de frutos e legumes.

    Em resumo, podemos dizer que, em todos os aspetos, se marca a superioridade dos elementos brasileiros em relação aos europeus. O poema termina com uma espécie de síntese, onde se fala da Ilha da Maré e se recorre à mitologia: Vénus e Fénix, que morre para renascer e ela faz parte do espírito de renovação barroca. Subjacente está um fundamento religioso, quando se considera Maria superior a Vénus.

    Itaparica segue os mesmos passos de M. B. de Oliveira; apenas acrescenta a pesca da baleia.


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