Português: 11/08/19

domingo, 11 de agosto de 2019

A originalidade de Agustina Bessa-Luís


* A criação de um universo romanesco próprio, pela fusão de experiências anteriores.
* O regionalismo – universalismo.
* A conceção do tempo romanesco (elíptico): desvalorização da cronologia de forma a sugerir a intemporalidade.
* A densidade e ambiguidade da linguagem também elíptica.
* A dialética imanente/transcendente.
* A captação das mínimas variações do real perpetuamente em fuga (factos, gestos, comportamentos) em busca do invisível, do oculto ou misterioso.
* A sinuosidade da ação: a secundarização da intriga e a valorização das personagens e seus "problemas".


A recusa da cronologia linear

            A recusa da cronologia linear e a introdução no romance de múltiplos planos temporais que se interpenetram e se confundem, constituem a fundamental linha de rumo do romance coetâneo, magistralmente explorada por William Faulkner, por exemplo. A confusão da cronologia e a multiplicidade dos planos temporais estão intimamente relacionadas com o uso do monólogo interior e com o facto de o romance moderno ser frequentemente construído com base numa memória que evoca e reconstitui o acontecido.
            O chamado nouveau roman, designação imposta pelos jornalistas a um certo tipo de romance aparecido em França depois de 1950, é a última expressão desta já longa aventura que o romance empreendeu na ânsia de se libertar dos padrões tradicionais do enredo romanesco. Nas teorias e nas obras dos seus propugnadores, convergem a lição e o exemplo dos impressionistas, sobretudo James Joyce e Virgínia Woolf, do romance americano de Faulkner e Dos Passos, etc.
            Na conceção de Alain Robbe-Grillet, o romance deve desembaraçar-se da intriga e abolir a motivação psicológica ou sociológica das personagens, devendo conceder, em contrapartida, uma atenção absorvente aos objetos, despojados de qualquer cumplicidade afetiva com o homem. O próprio Robbe Grillet classificou um dos seus romances, O Ciúme, como «uma narrativa sem intriga», onde só existem «minutos sem dias, janelas sem vidros, uma casa sem mistério, uma paixão sem ninguém».

Vítor Aguiar e Silva, Teoria da Literatura

O monólogo interior no romance moderno

            O monólogo interior, que desposa fielmente o fluir caótico da corrente de consciência das personagens e que traduz, por conseguinte, em toda a sua integridade, o tempo interior, permite a James Joyce devassar a confusão labiríntica e desesperante da alma humana.
            (...) A obra de Marcel Proust, À procura do tempo perdido, insere-se igualmente nesta moderna tradição romanesca, pela ausência de um «enredo uniforme e sistemático, com toda a urdidura do episódio que atrai outro episódio até um final contundente», e pela absorvente atenção concedida à vida psicológica das personagens, uma vida psicológica extremamente densa e complexa. Marcel Proust participa da mesma repulsa de Valéry pela demasiada aproximação do romance relativamente à realidade informe e trivial e por isso observa que «nem sequer uma única vez uma das minhas personagens fecha uma janela, lava as mãos, veste um sobretudo, diz uma fórmula de apresentação. A haver alguma coisa de novo neste livro [À procura do Tempo Perdido], seria isto mesmo».
            Ao nome de Marcel Proust, poderíamos agregar os de Frank Kafka, de William Faulkner, de Hermann Broch, de Lawrence Durrell, as tentativas dos surrealistas no campo do romance, etc. O romance afasta-se cada vez mais do tradicional modelo balzaquiano, transforma-se num enigma que não raro cansa o leitor, num «romance aberto» de perspetivas e limites incertos, com personagens estranhas e anormais. A narrativa romanesca dissolve-se numa espécie de reflexão filosófica e metafísica, os contornos das coisas e dos seres adquirem dimensões irreais, as significações ocultas de carácter alegórico ou esotérico impõem-se muitas vezes como valores dominantes do romance. O propósito primário e tradicional da literatura romanesca - contar uma história - oblitera-se e desfigura--se.
            Por outro lado, o enredo do romance moderno torna-se muitas vezes caótico e confuso, pois o romancista quer exprimir com autenticidade a vida e o destino humano, e estes aparecem como o reino do absurdo, do incongruente e do fragmentário. O enredo balzaquiano, a composição do romance defendida por Bourget, falsificavam a densidade e a pluridimensionalidade da vida, e por isso o romance contemporâneo situa-se muito longe do romance balzaquiano, sem que tal facto implique, aliás, qualquer desvalorização de Balzac.

A crise de identidade de Maria

"Essa crise de identidade faz com que Maria morra de tristeza."
     Perante tamanhos absurdos construídos pelos alunos sobre a sua vida, como não haveria Maria de enfrentar crises de identidade? 
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