Português: 16/05/20

sábado, 16 de maio de 2020

Análise do poema "Green God", de Eugénio de Andrade

Título

O título do poema surge em inglês. O adjetivo “green” remete para a cor que predomina na natureza – o verde –, a qual nos remete também para questões ambientais.

O nome “God” associa a figura descrita no poema a um “deus”, que, no entanto, possui traços humanos: o corpo (v. 3), os passos (v. 8), os braços (v. 9) e o sorriso (v. 11).

 

Análise do poema

1.ª estrofe

• O corpo do “Green God” é associado, nos dois primeiros versos, à graciosidade das fontes e, nos versos 3 a 5, é comparado a um rio e à sua serenidade.

• As fontes simbolizam a água viva e a pureza, sendo, por isso, símbolo de vida.

• O rio simboliza o movimento, a passagem, a fertilidade, a renovação, a juventude.

• Deste modo, o retrato que a primeira estrofe nos permite traçar do Green God é caracterizado pela graciosidade, pela serenidade, pela juventude e pela vitalidade, em comunhão com a natureza.

2.ª estrofe

• A segunda estrofe abre com nova comparação: “Andava como quem passa / sem ter tempo de parar” (vv. 6-7).

• De seguida, é descrito o processo de vegetalização do corpo: o “deus” vai-se metamorfoseando e fundindo com a natureza, que, por sua vez, se vai transformando à medida que ele passa:

‑ ervas nascem dos seus passos;

‑ troncos crescem dos seus braços;

‑ transforma-se numa flor ao vento, que se vai desfolhando ao dançar (vv. 12-13).

• É um deus, portanto, criador de vida.

3.ª estrofe:

• Esta estrofe inicia-se com nova comparação: o “deus” sorria como quem dança. 

• O vocabulário predominante na estrofe pertence ao campo da dança e realça a vitalidade, a graciosidade e a alegria do corpo, dançando e tremendo ao ritmo da música.

 

Retrato do Green God

▪ É um deus vivo e criador: os seus passos criam ervas e o seu corpo cria troncos.

▪ É um deus que sorri e dança quando passa, criando uma atmosfera de encantamento.

▪ É um deus que se vegetaliza, que transforma e se funde com a natureza. O processo de vegetalização do seu corpo atesta o seu caráter telúrico.

▪ É um deus associado às artes, nomeadamente à poesia, à dança e à música.

 

A tradição literária e a contemporaneidade no poema

▪ O tema da natureza está presente na literatura portuguesa desde a Poesia Trovadoresca, passando pelos clássicos renascentistas, até à contemporaneidade.

▪ O mesmo sucede com a temática do bucolismo, presente na imagem da flauta.

▪ O uso do verso heptassílabo está presente na literatura nacional desde o Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende, e dos clássicos renascentistas.

▪ A modernidade/contemporaneidade deste poema reside na abordagem ecológica da temática da natureza.

Análise de "Quando em silêncio passas entre as folhas"

O sujeito poético dirige-se a um «tu» que passa, silenciosamente, na natureza.

Essa natureza relembra, de certa forma, o «locus amoenus» clássico: as folhas, a ave, as espigas e as fontes são os elementos que a representam.

O «tu» tem um grande impacto e enormes efeitos na natureza:

faz renascer as aves;

as espigas, maduras, tremem;

as fontes param, contemplando-lhe a face.

Em suma, ele provoca alegria na natureza e é detentor de um poder divino, o de dar vida: ele traz da morte as aves.

O sujeito poético mostra-se fascinado com esses efeitos que o «tu» tem na natureza.

Ainda que curto, o texto é bastante rico em matéria de recursos expressivos:

▪ a personificação da natureza (“comedidas / param as fontes”);

▪ metáfora:

. “tremem maduras todas as espigas”;

. “param as fontes a beber-te a face”;

comparação: “como se o próprio dia as inclinasse”.

Estes recursos enfatizam a humanização da natureza e os efeitos nela provocados pela passagem do ser descrito.

O poema é constituído por uma única estrofe, de 7 versos (sétima), todos eles brancos ou soltos e de rima cruzada, de acordo com o esquema rimático ABCDEDE.

Análise de "Agora as palavras", de Eugénio de Andrade

Ao longo do poema, opõe-se dois tempos: o presente (“agora” – v. 1) e o passado.

Com a passagem do tempo, a relação do sujeito poético com as palavras alterou-se e, no presente, é caracterizada pelo seguinte:

» passou a sentir mais dificuldade em dominar as palavras (“não fazem / caso do que lhes digo” – vv. 3-4), que o ignoram;

» as palavras começaram a resmungar (“A propósito / de nada resmungam” – vv. 2-3);

» as palavras não lhe obedecem (vv. 1-2) ou obedecem-lhe muito menos;

» as palavras desrespeitam-no, desrespeitam a sua idade (“não respeitam a minha idade.” – v. 5);

» as palavras são “ariscas” e escapam-se-lhe “por entre / as mãos” (vv. 16-17);

» as palavras mostram-lhe os dentes, como forma de protesto (verso 17).

A referência à idade do «eu» lírico no verso 5, associada aos dois versos finais, significa que, com a passagem do tempo, aquele reconhece que a sua relação com as palavras se alterou e parece não ter a certeza acerca de quem é responsável por essa mudança. De facto, embora ao longo do texto lhas pareça atribuir, a interrogação desses dois últimos versos parece indiciar que não tem a certeza disso.

Ao longo do poema, predomina a personificação das palavras, a quem são associados atributos humanos e que parecem ter vida própria. Sobretudo no presente, mostram-se independentes, sentem, reagem e lutam com o sujeito poético.

Por outro lado, é-lhes associado um caráter metafórico, ao serem associadas a animais: elas são desobedientes, arreganham os dentes (como um cão, por exemplo), eram controladas pela rédea (como um cavalo) do sujeito poético. Todos estes recursos, incluindo a personificação, contribuem para dar vida às palavras e sugerir que o ofício de ser poeta é bastante exigente.

Os versos 6 a 9 permitem-nos compreender perfecionismo e o processo de criação artística sustentado pelo «eu»: é um processo meticuloso e rigoroso – ele trabalha as palavras com rigor (“mão rigorosa” – v. 8), caracterizado também por um controlo absoluto delas (daí o uso do nome «rédeas») e pela recusa dos artifícios (“a indiferença pelo fogo de artifício.”).

Pelo contrário, no passado, as palavras gostavam do sujeito lírico (“e elas durante muitos anos / também gostaram de mim” – vv. 11-12), eram obedientes, causavam-lhe alegria e entre ambos havia uma relação harmoniosa (“dançavam / à minha roda quando as encontrava.” – vv. 12-13). Esta relação passada entre o «eu» e as palavras é explicitada a partir dos dois pontos.

A metáfora do verso 14 (“Com elas fazia o meu lume”) estabelece uma associação entre palavra, poesia e vida. O lume, o fogo, equivale a vida.

A interrogação final, como já foi referido, aponta para uma explicação alternativa para a mudança operada nas palavras: talvez tenho sido, afinal, o sujeito poético quem mudou, visto que passou a procurar as palavras mais difíceis (“Ou será que / já só procuro as mais encabritadas?” – vv. 18-19).

Ao longo do texto, o sujeito poético enuncia as possíveis causas para esta alteração de comportamento das palavras. Em síntese:

1.ª) o envelhecimento do sujeito poético (“não respeitam a minha idade” – v. 5);

2.ª) o sujeito poético não sabe escolher as palavras mais apropriadas (vv. 18-19);

3.ª) as palavras cansaram-se do controlo excessivo por parte do sujeito poético (“Provavelmente fartaram-se da rédea” – v. 6).

 

Intertextualidade

Se relacionarmos este poema com outros de Eugénio de Andrade, como, por exemplo, “As palavras”, verificamos que, neste último, as palavras se deixavam dominar e controlar pelo poeta, ao contrário do presente, em que se mostram rebeldes, esquivas e indomáveis.

 

Processo de criação artística

O sujeito poético relaciona-se de modo quase conflituoso com a sua poesia, em decorrência da tensão que existe entre a sua vontade de trabalhar as palavras e a incapacidade de o fazer, como confessa nos versos 16 e 17.

Por outro lado, declara todo o rigor, perfecionismo e recusa do “fogo de artifício” com que encara o processo de criação poética.

Análise do poema "Amoras", de Eugénio de Andrade

Neste poema, o sujeito poético começa por associar o seu país a algo positivo – as amoras bravas no verão: ambos têm o mesmo sabor.

De seguida, nos versos 3 e 4, através da personificação, identifica alguns traços negativos do país: a simplicidade e a pequenez (“não é grande” – v. 3), a falta de inteligência (“nem inteligente” – v. 4). Estamos, portanto, perante um país pequeno, fechado (v. 10), pouco inteligente e feio.

A conjunção coordenativa (“mas” – v. 5) introduz uma outra visão do seu país, novamente positiva, como no início do texto: é doce e alegre, mesmo em circunstâncias difíceis, ideia presente na referência às silvas (v. 6), uma planta selvagem que causador e sofrimento quando nelas nos picamos.

No verso 7, o sujeito poético declara que raramente falou no seu país e assinala uma possível (advérbio “talvez”) razão que está na base desse facto: a falta de afeto por ele (“nem goste dele” – v. 8), a juntar aos defeitos apontados anteriormente: a ausência de dimensão, de inteligência e elegância.

O verso 10 associa ao país do sujeito poético um outro traço negativo: o fechamento, o isolamento, a falta de horizontes e liberdade, como se pode inferir da referência a “os seus muros”.

No entanto, a oferta de amoras bravas por parte de um amigo faz com que o sujeito poético ganhe consciência de que o seu país é humilde e alegre, de certa forma, o que o faz libertar-se temporariamente da contrariedade que constituem os “seus muros”, que limitam os horizontes. Nesse momento de generosidade e amizade, os muros parecem-lhe brancos (paz, pureza) e apercebe-se de que o céu é, ali, também azul, ou seja, também ali é possível ter uma existência feliz.

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