David Cavalinho |
segunda-feira, 29 de agosto de 2022
Análise do quadro "Os fuzilamentos de 3 de maio de 1808", de Goya
Um acontecimento histórico trágico
serviu, portanto, de motivo a este quadro. Os exércitos de Napoleão Bonaparte
ocuparam a Espanha, mas no dia 2 de maio de 1808 os cidadãos de Madrid revoltaram-se
contra essa ocupação das tropas napoleónicas. Na sequência dessa revolta, os
franceses concretizaram uma terrível vingança, levando a cabo um massacre,
fuzilando centenas de patriotas espanhóis e muitas outras pessoas que eram meras
espectadoras. Goya só conseguiu registar estes factos alguns anos depois,
quando o rei D. Fernando VII foi reconduzido ao trono espanhol.
Numa poça de sangue, jazem três
cadáveres no chão, enquanto um frade e alguns camponeses esperam receber a
descarga, dos quais se aproxima outra fila de condenados que vão ser mortos.
O grupo das vítimas tem no centro um
homem que abre os braços, um condenado de camisa branca, um Cristo simbólico e
inocente, cujo gesto se repete na figura caída em primeiro plano, que desafia
os soldados sem rosto, curvados e fixos no ponto de mira. Este grupo de
militares, situado à direita, significativamente de costas, empunha com
violência as armas que dispara à queima-roupa. Os restantes elementos do grupo
das vítimas caminham aterrorizados para a morte. Um frade reza e as restantes
pessoas fazem gestos de desespero (cabeças baixas, mãos cobrindo o rosto).
Assim sendo, pode concluir-se que a
pintura constitui a denúncia da arbitrariedade do poder e da guerra que escolhe
as suas vítimas entre os menores poderosos: o povo inocente. Por outro lado,
configura um grito silencioso de revolta contra a opressão, em defesa do
patriotismo e da liberdade, princípios muito caros aos românticos.
No que diz respeito às cores e à
luz, predominam os ocres da terra violada da Pátria e dos fatos pobres do povo.
O negro representa a noite, tempo em que a ação se localiza; contra o céu
escuro recorta-se o perfil da cidade-capital e, em primeiro plano, rodeado de
luzes e sombras projetadas de encontro ao muro por uma lanterna, dá-se a
execução brutal e impiedosa. O branco (símbolo da pureza e da paz) da camisa
contrasta com o vermelho do sangue brutal e injustamente derramado, aqui e ali
salpicados por leves tonalidades de azul, verde e amarelo. A luz, por sua vez,
nasce da grande lanterna, no entanto, na verdade, é do homem da camisa branca
que ela irradia, transformando o seu sacrifício anónimo um poderoso e digno
foco dramático.
Análise de "Border Patrol with Lila, Reflection and Ana", de Paula Rego
O plano central da obra é ocupado
por uma mulher – Paula Rego –, sentada de perfil numa cadeira, com a cabeça
desafiadoramente levantada. Ela veste um colete verde, com bolsos para colocar
granadas, e calções da mesma cor que a cobrem sensivelmente até aos joelhos.
Entre as suas pernas encontram-se as costas da cadeira, no cimo da qual tem as
mãos, que seguram um pano verde em forma de boneco, possível representação de
Víctor Willing, um pintor britânico conhecido pelos seus estudos originais de
nus e ex-marido da pintora, falecido em 1988.
Atrás dessa figura feminina está um
espelho de pé, colocado na diagonal, onde é visível o corpo robusto de Ana, que
sustém nas mãos um espelho onde surge o reflexo de Lila Nunes, que é a
representante de Paula Rego no “teatro de guerra”, a modelo das suas heroínas,
por meio da qual a pintora é todos e todas.