Português: 29/08/22

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Os arquivos secretos de Donald Trump


David Cavalinho

Análise do quadro "Os fuzilamentos de 3 de maio de 1808", de Goya



             O quadro “O 3 de maio de 1808”, ou “Os fuzilamentos da montanha do Príncipe Pio”, ou “Os fuzilamentos de 3 de maio”, foi pintado por Francisco Goya (1746-1828) em 1814, seis anos após a dramática situação que narra um dos momentos mais simbólicos da resistência espanhola à invasão das tropas de Napoleão. A este quadro liga-se um outro, “O 2 de maio de 1808” (pintado igualmente em 1814), que relata o primeiro episódio deste acontecimento, ocorrido na véspera, e presumivelmente presenciado pelo pintor.

            Um acontecimento histórico trágico serviu, portanto, de motivo a este quadro. Os exércitos de Napoleão Bonaparte ocuparam a Espanha, mas no dia 2 de maio de 1808 os cidadãos de Madrid revoltaram-se contra essa ocupação das tropas napoleónicas. Na sequência dessa revolta, os franceses concretizaram uma terrível vingança, levando a cabo um massacre, fuzilando centenas de patriotas espanhóis e muitas outras pessoas que eram meras espectadoras. Goya só conseguiu registar estes factos alguns anos depois, quando o rei D. Fernando VII foi reconduzido ao trono espanhol.

            Numa poça de sangue, jazem três cadáveres no chão, enquanto um frade e alguns camponeses esperam receber a descarga, dos quais se aproxima outra fila de condenados que vão ser mortos.

            O grupo das vítimas tem no centro um homem que abre os braços, um condenado de camisa branca, um Cristo simbólico e inocente, cujo gesto se repete na figura caída em primeiro plano, que desafia os soldados sem rosto, curvados e fixos no ponto de mira. Este grupo de militares, situado à direita, significativamente de costas, empunha com violência as armas que dispara à queima-roupa. Os restantes elementos do grupo das vítimas caminham aterrorizados para a morte. Um frade reza e as restantes pessoas fazem gestos de desespero (cabeças baixas, mãos cobrindo o rosto).

            Assim sendo, pode concluir-se que a pintura constitui a denúncia da arbitrariedade do poder e da guerra que escolhe as suas vítimas entre os menores poderosos: o povo inocente. Por outro lado, configura um grito silencioso de revolta contra a opressão, em defesa do patriotismo e da liberdade, princípios muito caros aos românticos.

            No que diz respeito às cores e à luz, predominam os ocres da terra violada da Pátria e dos fatos pobres do povo. O negro representa a noite, tempo em que a ação se localiza; contra o céu escuro recorta-se o perfil da cidade-capital e, em primeiro plano, rodeado de luzes e sombras projetadas de encontro ao muro por uma lanterna, dá-se a execução brutal e impiedosa. O branco (símbolo da pureza e da paz) da camisa contrasta com o vermelho do sangue brutal e injustamente derramado, aqui e ali salpicados por leves tonalidades de azul, verde e amarelo. A luz, por sua vez, nasce da grande lanterna, no entanto, na verdade, é do homem da camisa branca que ela irradia, transformando o seu sacrifício anónimo um poderoso e digno foco dramático.

            Por último, no que diz respeito aos contornos, a pincelada é dramática, com menos contornos nos inocentes que nos carrascos. Aqueles parecem em comunhão com a terra.


Análise de "Border Patrol with Lila, Reflection and Ana", de Paula Rego



            Esta pintura de Paula Rego foi pintada em 2004 d constitui um autorretrato da pintora, assente numa espécie de jogo de espelhos.

            O plano central da obra é ocupado por uma mulher – Paula Rego –, sentada de perfil numa cadeira, com a cabeça desafiadoramente levantada. Ela veste um colete verde, com bolsos para colocar granadas, e calções da mesma cor que a cobrem sensivelmente até aos joelhos. Entre as suas pernas encontram-se as costas da cadeira, no cimo da qual tem as mãos, que seguram um pano verde em forma de boneco, possível representação de Víctor Willing, um pintor britânico conhecido pelos seus estudos originais de nus e ex-marido da pintora, falecido em 1988.

            Atrás dessa figura feminina está um espelho de pé, colocado na diagonal, onde é visível o corpo robusto de Ana, que sustém nas mãos um espelho onde surge o reflexo de Lila Nunes, que é a representante de Paula Rego no “teatro de guerra”, a modelo das suas heroínas, por meio da qual a pintora é todos e todas.

             Com este quadro, Paula Rego apresenta-se através do seu reflexo e neste consta o retrato de outra mulher: Lila Nunes, o Outro da artista. A missão da pintora é combater os mecanismos negativos que se impõem à humanidade, levando-a ao ato perverso de deglutir os próprios filhos, nomeadamente na guerra. Nesta obra, a artista está entrincheirada, opondo-se com as suas armas aos avanços e recuos de um inimigo que, na sociedade portuguesa, corresponde ao medo. Deste modo, parece que estamos na presença de uma verdadeira “operação militar, o patrulhamento das fronteiras do próprio eu, como que para ilustrar aquela iluminada afirmação de Freud de que o ego é uma criatura de fronteira. Onde acaba Lila e começa Paula?” (ROSENGARTHEN, Ruth, in Paula Rego…). Lila é Paula na tela, na qual projeta a sociedade portuguesa, assumindo-se como a encenadora que coloca no palco os elementos que a levam a questionar a realidade para fomentar a solidariedade.

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