Ao
longo da década de 1920, membros da nação Osage morreram a uma taxa muito
superior à média nacional. Alguns foram obviamente assassinados, enquanto
outros morreram em circunstâncias suspeitas devido a doenças debilitantes cuja
causa foi impossível de determinar. Na época, a história das mortes misteriosas
foi notícia nacional nos Estados Unidos, porém, à medida que o tempo foi
passando, o caso foi caindo no esquecimento geral.
Na sua
narrativa, o autor estabelece um contraste gritante entre a imagem idealizada
que os norte-americanos construíram sobre si próprios – por exemplo, a mitologia
em torno da fronteira, o sonho americano, o indivíduo que se faz a si próprio –
e a realidade concerta que, muitas vezes, esses mitos encobrem ou diminuem.
A obra
está dividida em três partes que combinam a história dos nativos osage, a
situação dos Estados Unidos no início da década de 20 do século XX, a história
dos detetives privados e a formação do departamento federam de investigação
norte-americano. O traçar deste panorama por parte de Grann possibilita ao leitor
contemporâneo ficar a conhecer a justiça como ela se exercia no país no início
do século passado. Por outro lado, os factos narrados estão escorados pela
investigação do autor, que consultou arquivos vários, oc qeu lhe permitiu
desenterrar factos desconhecidos, procurando construir uma imagem tanto quanto
possível fidedigna do que se passou na época e retratar o que os Estados Unidos
foram e são. Além disso, a narrativa permite também fazer algo que é caro a
variadíssimos povos: celebrar heróis, como Mollie Burkhar ou Tom White, e
denunciar vilões, como William Hale.
A
segunda parte da obra retrata o desenvolvimento da investigação do caso dos
nativos osage e a formação do FBI a partir da já existente agência conhecida
como Bureau of Investigation. Este segundo fio narrativo é importante a dois
níveis. Em primeiro lugar, as discussões acerca da mudança dos métodos de
investigação ou a forma como a aplicação da lei e da justiça mudou radicalmente
fomentam a atração para a leitura do livro de leitores que, de outra forma,
talvez não o fizessem, isto é, se se tratasse de uma «simples» história sobre a
história de uma tribo de nativos norte-americanos. Por outro lado, Grann
enquadra os assassinatos dos osage no contexto nacional, visto que são precisamente
esses crimes que J. Edgar Hoover utiliza como pretexto para desenvolver um
departamento de investigação nos moldes que desejava. Em segundo lugar, o autor
estabelece um paralelo subtil, mas muito significativo, entre as figuras de
Hoover e William Hale. A base para esse paralelo reside no facto de ambos se deixarem
corromper pelo poder e de supervisionarem extensas redes de influência. Esse
cotejo demonstra que a corrupção está presente em qualquer lugar, seja numa
localidade pequena como Osage ou num grande centro urbano como Washington, a
capital da nação. Neste sentido, podemos inferir que, não obstante a história
em torno dos osage ser terrível, não pode ser compreendida como excecional no
tempo e no lugar, visto que casos análogos surgem em diversos pontos, sempre
que as pessoas exercem o poder sem controle.
Ao
longo do texto, o seu autor promove várias a intertextualidade, seja por meio
de referências a romances ou obras históricas, seja pela inserção na narração
de citações de manchetes de jornais ou revistas da época em que os
acontecimentos tiveram lugar. Por outro lado, dado que estamos na presença de
uma obra de não ficção literária, a mesma contém diferentes registos. Por exemplo,
quando o assunto gira em torno da investigação feita por White (segunda parte
do livro), Grann baseia a narrativa nos relatórios e transcrições de
entrevistas que os agentes fizeram e registaram na época. Esta metodologia
estabelece uma ponte entre a busca de precisão e rigor por parte do líder da
investigação e a omnisciência do narrador nesta parte do texto. Por seu turno,
na primeira secção, quando o autor descreve os sentimentos de Mollie, que em
grande medida têm de ser deduzidos a partir da pouca informação conhecida, o
estilo adotado na narração é o típico da não-ficção narrativa, o qual permite a
pintura de um quadro vibrante da vida dos osage, nomeadamente do terror a que
são sujeitos e do desamparo em que se veem imersos após o início dos
assassinatos. Para conseguir esse desiderato, Grann segue o modelo das obras de
mistério: estabelece o problema – os assassinatos – e atrasa a resolução dos
mesmos até ao final da segunda parte do texto. Quando chega à parte final, a
pessoa narrativa muda da terceira para a primeira pessoa, fazendo uso da sua
própria investigação em busca de informação no sentido de conferir à narrativa entusiasmo
e sentido de urgência. Nesta fase da obra, o leitor interioriza que algumas das
questões ficam sem solução, o que permite concluir que a questão da aplicação
da justiça se mantenha igualmente em aberto. Procurando unificar os
acontecimentos narrados e os temas abordados, o autor designa cada parte do seu
livro de «crónica», uma terminologia que enfatiza a importância narrativa da obra
e dos factos ocorridos.
Um dos
temas mais significativos da obra é uma questão que atravessa os tempos e
parece não ser solucionável. Referimo-nos ao problema do preconceito racial,
concretamente o que vitima os nativos americanos às mãos dos colonos brancos, numa
fase inicial, e, mais tarde, dos norte-americanos. Na segunda seção do texto,
John Ramsey é citado como tendo dito que os duzentos anos que correspondem à
independência dos EUA não alteraram o modo como os homens brancos olham para os
seus congéneres indígenas. O cinema norte-americano não se cansou de retratar o
problema, por exemplo, nos incontáveis westerns que foram produzidos nas
décadas de 40, 50 ou 60 do século passado e que colocavam, a par, o lado heroico
da colonização do Oeste e a trágica epopeia das tribos índias, assassinadas em verdadeiros
massacres ou remetidas para reservas indignas que constituíam verdadeiras prisões
do corpo e do espírito. De forma simples, a obra de Grann sugere que era tão
fácil assassinar um nativo americano em 1920 como o fora duzentos anos antes,
ou seja, o preconceito está tão profundamente enraizado na história do país que
continua a fazer-se sentir no presente. Confirmando esta hipótese, se é verdade
que a terceira parte do livro não contém qualquer assassinato, o autor informa
que a comunidade osage apenas em 2011 obteve justiça por parte do governo
norte-americano no que se refere aos abusos e crimes a que foi sujeita cerca de
um século antes.
Estes
dados permitem concluir também que existe uma continuidade entre o passado
narrador e o presente, tanto no que concerne à injustiça racial, ao preconceito
e à forma como os traumas desse passado continuam a interferir e a moldar a
vida da comunidade tribal na atualidade. Uma fotografia de William Hale foi
recortada de outra da década de 1920, não porque os osage queiram esquecer o que
se passou, mas porque o passado ainda é demasiado presente e se faz sentir de
forma aguda e o ódio racial permanece como um fato que perturba a relação entre
passado, presente e futuro de forma destrutiva. A mensagem final passa por
procurar chamar a atenção para a necessidade de a sociedade norte-americana ser,
de facto, inclusiva, aceitando e integrando os variadíssimos tipos de pessoas
que a constituem.