Português: 09/09/23

sábado, 9 de setembro de 2023

A Criação do Mundo - O Terceiro Dia


    De regresso, cinco anos depois, a Portugal, o narrador assume a sua rebeldia, não mais se deixando espezinhar pelos tios, e a sua humilhação por constatar, agora, após o contacto com outras realidades, a miséria em que fora criado. Por outro lado, os pais não entendem nem conseguem preencher o vazio daqueles cinco anos de ausência e estranham a linguagem, o novo «eu» que regressou.
    Os tios são recebidos com indiferença e até com escárnio (as histórias de bruxaria que a tia conta, por exemplo), quando eles esperavam ser acolhidos principescamente, na qualidade de filhos da terra que tinham outra civilização e riqueza.
    Em Coimbra, o narrador frequenta a escola de um jovem casal que vive na penúria. Quando regressa de férias, é ultrapassado o distanciamentos que os cinco anos de Brasil tinham aberto com a família e vê partir, com alegria, o tio de regresso a terras brasileiras. Passa inúmeras horas em contacto com a natureza. Obstinado, faz de uma só vez, por exame, os três anos de liceu, por se sentir mal no meio dos colegas muito mais novos e por receio de que o tio se arrependa e lhe corte a mesada.
    Ingressa então no liceu de Coimbra, onde a ausência do calor, da ênfase e do exemplo do amor do jovem casal, aliados à monotonia, à exposição mecânica e sem chama dos mestres do liceu, tornam as aulas extremamente aborrecidas. Só as asas da imaginação e os jogos de futebol no recreio fazem aqueles tempos suportáveis.
    Escolhe frequentar Medicina na Universidade pela liberdade que lhe proporcionará e pelo caminho humano que irá trilhar com a futura profissão. Publica, entrementes, o primeiro livro de versos, negativamente criticado, de forma justa. No entanto, o Dr. Marinho convida-o para colaborar na Vanguarda, revista literária do Modernismo.
    A tropa constitui outro momento de demonstração de rebeldia: falta à primeira chamada, vai à segunda, forçado, como refratário, por isso duplicam-lhe o tempo de serviço a prestar; faz «mil» requerimentos, cansando quem os recebe, por isso acaba por ser perdoado; é insubordinado, desrespeitador dos oficiais, alérgico a cumprir os regulamentos e regras militares; só a presença de um oficial de uma terra vizinha da sua aldeia natal o protege de males maiores. Há (além do espírito de rebeldia e liberdade) outra razão para adiar o exército: a revolta militar ocorrida em 1926, que tinha imposto uma ditadura ao país e que leva os estudantes à revolta e à greve, por a reforma encetada na Universidade pelo novo poder se transformar em métodos de ensino e exames mais conservadores e ultrapassados.
    Só na Vanguarda encontra campo para os seus anseios, embora rapidamente dê conta de que se trata de uma literatura essencialmente polemizante, que por isso os afastava humanamente uns dos outros, e muito abstratizante, desligada da realidade. Por outro lado, o sexo continua a exercer sobre ele um apelo muito grande, daí a torrente de namoradas e a frequência de bordéis.
    Dois homens opostos vivem dentro dele: "O campónio de Agarez, a caminho da formatura, pragmático, acautelado, instintivamente necessitado de perpetuar a espécie, e o poeta, sedento de absoluto, inconformado com a precariedade das coisas terrenas, insocial e rebelde."
    Publica o segundo livro de versos; após o entusiasmo inicial, sai da Vanguarda de relações cortadas com a maioria do grupo; é derrotado nas eleições para o senado e arranja mais inimigos; refilão nas aulas, concita sobre si a antipatia dos mestres; sente-se cada vez mais isolado.
    A conclusão do curso e o futuro profissional próximo deixam-no aterrado. Findo aquele, o tio corta a mesada e o narrador regressa a Agarez, onde é recebido com despeito pelos ricos e um misto de inveja e admiração pelos pobres e revela novamente o total afastamento da religião.
    Aconselhado pela mãe e por causa do abismo que o continua a separar da família e da ausência de perspetivas de futuro, regressa a Coimbra, onde apenas o editor dos seus livros o recebe bem. Acaba por substituir, temporariamente, o médico de Sedim e uma epidemia de febre tifoide granjeia-lhe, graças ao seu denodo e à casualidade de ninguém ter morrido, a confiança das pessoas. Amorosamente, mantém a relação platónica com Alice, via carta, e satisfaz o desejo físico com a criada Isabel.
    O vizinho médico de Fornos tenta difamá-lo para correr com ele de Sendim, mas o narrador resolve o problema com uma par de ameaças físicas. Entretanto, a atividade literária prossegue, através da escrita poética e da criação de revistas, algumas de vida efémera. Mais uma vez a sua retidão e integridade vêm ao de cima: para manter a posição de médico em Sendim, recusa falar com o governador civil e comprometer-se politicamente.
    Uma doença súbita, seguida de operação de urgência, apressam a sua partida. Em Coimbra, trabalha no consultório de um otorrinolaringologista, mas a sensação de vazio e de inquietação não o abandonam. Por isso, reúne o pouco dinheiro que possui e, à boleia com dois homens de negócios, parte em direção à Europa.

    Este terceiro livro traduz o choque do regresso a Portugal e ao contacto com a miséria (física e intelectual) em que nascera e crescera, e documenta a maturação de um temperamento inquieto, livre e rebelde, do homem, do médico e do poeta. Tudo isso sucede em simultâneo com os estudos e com os primeiros anos de desempenho profissional.

A Criação do Mundo - O Segundo Dia


    Esta segunda parte da obra de Miguel Torga começa por relatar a chegada do narrador ao Brasil e o choro ao enfrentar um novo país, uma cultura (crenças, feitiçarias) e «língua» diferentes.
    O tio sobrecarrega-o de trabalho e trata-o como um estranho, enquanto a tia, com medo que a herança tenha mais um candidato naquele sobrinho português, tudo faz para o denegrir e menosprezar. Sacia o desejo, pela primeira vez, com a mulher do oleiro, que no fim lhe fica com todo o dinheiro que traz. Apesar da distância do tio, gosta dele, pelo seu humanismo, audácia, justiça e generosidade.
    Certo dia, o tio surpreende a tia em mais um momento de humilhação e de choro para o narrador. Nada diz, mas mais tarde propõe-lhe a ida para o Ginásio de Ribeirão, onde fica como aluno externo. Apesar do atraso, estuda com afinco, enquanto nutre uma paixão pela colega Lia, uma jovem absolutamente indiferente os estudos. Gosta de ler e demonstra algum talento para a escrita. A frequência das «meninas» presenteia-o com uma doença venérea. Quando regressa à fazendo do tio, de férias, é recebido com todas as honras, mesmo pela tia, que faz das tripas coração para mostra alguma simpatia.
    O abandono da escola por Lia, por causa da morte da mãe, fá-lo perder algum interesse e só o rápido final do ano letivo impede maiores males. O tio, cansado e velho, vende a fazenda e regressa a Portugal.

    Em suma, o Segundo Dia retrata a adolescência do narrador num Brasil profundo, repleto de calor, sensualidade, tristezas e alegrias, paixões adolescentes; os ódios de todos, menos do tio; o árduo trabalho que, na opinião do tio, faria dele «um homem» e o estudante aplicado e interessado pelas Letras.

O Testamento, de John Grisham


    Troy Phelan é um multimilionário que está às portas da morte e que reúne, em sua casa, os familiares, ávidos de serem contemplados no seu testamento: três ex-mulheres e seis filhos vivos (um sétimo já faleceu). acompanhados dos respetivos cônjuges ou companheiros de momento. O próprio criado espera ser contemplado no testamento. Três psiquiatras atestam a sua sanidade mental e, num golpe de teatro, assina um último testamento escrito por si, de três páginas, que revoga o anterior, assinado cinco minutos antes, na presença dos psiquiatras, família e respetivos advogados e suicida-se, lançando-se da varanda do prédio. No derradeiro testamento, Troy Phelan paga as dívidas dos filhos, nada deixa às ex-mulheres (que já receberam quantias avultadas aquando dos divórcios) e doa o remanescente dos bens a uma filha desconhecida: Rachel Lane, uma missionária da organização Tribos Universais presentemente a trabalhar na região do Pantanal.
    Stafford, o advogado de Phelan, tem dificuldades em encontrar a herdeira, enquanto Hark Gettys, o advogado de Rex Phelan, ambicioso, deseja uma luta renhida com Stafford. Este encarrega Nate O'Riley, um dos advogados da sua firma, a fazer uma cura de desintoxicação numa clínica, de procurar a herdeira.
    Dez dias após o suicídio Hark Gettys faz uma petição ao tribunal, em nome de todos os «herdeiros», pedindo a leitura do testamento.
    Na sua busca, Nate sofre um acidente de avião durante uma tempestade, mas sai praticamente ileso. Sobre Rachel, sabe que foi adotada assim que nasceu e que poucos contactos com os progenitores manteve. A mãe regressou ao seu local de nascimento perseguida pelos rumores da sua situação e acabou por se suicidar. Por outro lado, ele continua a não resistir à bebida.
    Os advogados de todos os herdeiros reúnem-se e decidem contestar o testamento, alegando insanidade mental por parte do seu autor, não salientando, aos seus clientes, a salvaguarda segundo a qual quem o contestasse e perdesse ficaria sem o direito ao pouco que lhe coubesse no testamento. Decidem também contratar uma firma para conselheira-chefe durante o julgamento do caso em tribunal.
    Enquanto isso, Nate prossegue a sua busca no pantanal da herdeira, viajando de barco pela imensidão de afluentes e contactando com várias tribos índias, sendo feito uma crítica ao tratamento a que foram submetidos pelos brancos ao longo da sua existência.
    Na tentativa de contestar a validade do testamento, os advogados despedem os três psiquiatras e contratam outros. O criado de Troy Phelan e a secretária propõem-se ajudá-los e troco de cinco milhões de dólares para os dois.
    Nate encontra, finalmente, Rachel, mas esta não tenciona assinar os papéis nem receber a herança. De regresso do Pantanal, Nate contrai a febre de dengue.
    Hark Gettys e Snead (o criado) começam a combinar o depoimento deste, repleto de mentiras. Por exemplo, Snead afirmará que Phelan estava louco e que só foi dado como lúcido pelos psiquiatras porque, previamente, tinham preparado o encontro, fazendo uma lista de possíveis perguntas que lhe seriam feitas e relembrando datas, nomes, cotações da bolsa, etc.
    Regressado aos EUA, Josh aconselha Nate a ser o representante de Rachel no processo. Por seu lado, Gettys torna-se advogado de três quartos dos Phelan. Nate aproxima-se do cristianismo, volta a frequentar a missa, a ler a Bíblia e torna-se amigo do padre Phil, jantando em sua casa e ajudando-o numas construções que está a realizar.
    Começa a sessão de depoimentos. Nate revela-se um exímio interrogador, mas aquele ambiente de tribunal só torna mais intensa a decisão de abandonar a prática da advocacia. Quando interroga Snead, consegue arrancar-lhe que os advogados dos Phelan já lhe pagaram 500 mil dólares pelo seu testemunho. O de Nicolette durou oito minutos e foi desacreditado facilmente: Nate perguntou-lhe se tinha mantido relações sexuais com Phelan, sem ambos se despediam e se ela lhe conhecia alguma marca de nascença. A esta última pergunta ela responde negativamente. Nate saca de uma fotografia da autópsia onde se veem duas marcas de nascença numa perna.
    Entretanto Hark Gettys tinha dado entrada em tribunal de uma ação para que fosse negado provimento às alegações que Rachel apresentara contra a contestação do testamento. O objetivo é evitar chegar a julgamento e chegar a um acordo extrajudicial. Assim acontece, dada a recusa de Rachel em aceitar a herança, facto desconhecido pelos seus meios-irmãos. Por isso, Nate e Josh concordam em dar cinquenta milhões de dólares a cada Phelan.
    Para convencer Rachel, Josh engendra um esquema: os bens seriam aplicados num fideicomisso - Fundação Rachel - e o dinheiro permaneceria intocado durante dez  anos, podendo-se dispor apenas dos juros para obras de beneficência. Passados esses dez anos, poderia ser despendido 5% do dinheiro, mais juros, em obras de caridade.
    Quando Nate e Jevy chegam à aldeia índia para convencer Rachel, recebem a nova de que esta morreu vítima de um surto de malária. Apercebendo-se de que estava a morrer, fez um testamento em que exprime o desejo de aplicar a herança do pai num fideicomisso para obras de caridade, difusão da fé cristã e proteção dos povos mais desprotegidos, bem como nomeia Nate administrador do fideicomisso e testamenteiro. Esse testamento foi testemunhado por um advogado da cidade de Corumbá e pela sua secretária.

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